Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4014/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES
Data do Acordão: 03/30/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 144º, Nº 1 , 382º, Nº 1, DO CPC ; 12º DA LOFTJ
Sumário:

I – Todo o procedimento cautelar tem carácter urgente em qualquer momento processual , incluindo a fase de recurso .
II – Assim sendo, os prazos processuais correm seguidamente em toda a tramitação desses processos, incluindo na fase de recurso, mesmo que esta se verifique durante o período de férias judiciais .
III – Durante as férias judiciais os Tribunais não se encontram encerrados, pois que têm de continuar a ser praticados os actos processuais necessários à tramitação de todos os processos de carácter urgente, nomeadamente os procedimentos cautelares
Decisão Texto Integral: Agravo n.º 4014/03
2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Seia
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Acordam, em conferência, na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Relatório
I – AA e outros, inconformados com o despacho que, por falta de alegações, julgou deserto o recurso que antes haviam interposto da decisão que ordenou a providência cautelar contra eles requerida por BB e outros, interpuseram o presente agravo, visando a revogação desse despacho.
Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. O recurso contra a decisão que ordenou a providência foi admitido por despacho notificado aos requerentes por correio registado expedido a 04/07/03;
2. Por despacho proferido a 29/07/03 foi o aludido recurso julgado deserto por falta de alegações;
3. Todavia, o prazo para apresentar as alegações em causa só termina no dia 15 de Setembro de 2003;
4. Na verdade o prazo em apreço é contínuo e não se suspende durante as férias judiciais, mas terminando no decurso das mesmas, transfere-se tal terminus para o primeiro dia útil seguinte;
5. A decisão recorrida viola o disposto no n.º 2 do art.º 144º do CPC;
6. Deve anular-se a decisão recorrida e substituir-se por outra que considere que o prazo para a apresentação das alegações apenas termina no dia 15/09/03.
Os agravados ofereceram contra-alegação a pugnar pelo insucesso do recurso.
O Mm.º Juiz a quo manteve, em sede de sustentação, o seu despacho.
O relator, conhecendo do recurso, nos termos do art.º 705º, do CPC, negou-lhe provimento mantendo o despacho recorrido.
Discordando dessa decisão singular, os agravantes requereram que sobre a mesma recaísse acórdão, pugnando na reclamação, como aliás já o haviam feito na alegação pelo provimento do agravo.
Não foi apresentada resposta à reclamação.
Obtidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação de facto
Além do que consta do antecedente relatório, são relevantes para a apreciação e decisão do recurso os seguintes elementos:
1. Ordenada a providência cautelar contra eles requerida, os agravantes/reclamantes interpuseram recurso que foi admitido através de despacho proferido em 2 de Julho de 2003;
2. Esse despacho foi notificado aos agravantes/reclamantes através de carta expedida com registo datado de 4 de Julho de 2003;
3. Em 29 de Julho de 2003, foi proferido despacho a julgar deserto aquele recurso, por falta de alegações dos agravantes/reclamantes.
III – Fundamentação de Direito
A apreciação e decisão da presente reclamação passa pela análise e resolução da única questão jurídica colocada a este tribunal pelos reclamantes e que consiste em determinar se o prazo para apresentarem as alegações de recurso expirara, ou não, quando o mesmo foi julgado deserto. Os reclamantes sustentam que o prazo só terminou a 15 de Setembro de 2003, mas diferentemente entendeu o Mm.º Juiz a quo e, nesta instância, o relator.
Em causa está a contagem do prazo concedido aos então agravantes e ora reclamantes para oferecerem as suas alegações relativas ao recurso de agravo que antes interpuseram, com vista à impugnação da decisão que ordenou a providência cautelar. E na dilucidação de tal problemática não se poderá olvidar o carácter urgente que caracteriza o procedimento cautelar em qualquer momento processual (art.º 382º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), incluindo a fase de recurso, onde também os prazos correm seguidamente, mesmo durante o período de férias Cfr., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 2ª edição, Procedimento cautelar comum, págs. 121 a 123, e ac. do STJ de 12/1/99, BMJ 483, pág. 158/159. .
De acordo com o prescrito no art.º 743º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, os agravantes/reclamantes dispunham do prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho que admitiu aquele recurso, para apresentarem a sua alegação. Tendo a notificação desse despacho sido efectuada, através de carta expedida com registo datado de 4 de Julho de 2003, a contagem do referido prazo iniciou-se a 8 de Julho de 2003, dado presumir-se feita no terceiro dia posterior ao registo (art.º 254º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil), ou seja, no dia 7 de Julho de 2003. Atento o já salientado carácter urgente de que se reveste o procedimento cautelar (art.º 382º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), o decurso desse prazo foi contínuo e não se suspendeu durante as férias judiciais de Verão iniciadas a 16 de Julho (art.ºs 144º, n.º 1, parte final, do Cód. Proc. Civil e 12º da LOFTJ - Lei 3/99, de 13 de Janeiro). O seu termo ocorreu, assim, no dia 22 de Julho de 2003. Para além dessa data, os agravantes/reclamantes ainda poderiam apresentar a sua alegação de recurso num dos três dias úteis imediatos (23, 24 e 25 de Julho), pagando a respectiva multa (art.º 145º, n.ºs 5 e 6 do Cód. Proc. Civil) e até mais tarde, em caso de justo impedimento (art.ºs 145º, n.º 4 e 146º do Cód. Proc. Civil).
Sucede que até 29 de Julho de 2003, data em que foi proferido o despacho a julgar deserto o recurso, os agravantes/reclamantes não ofereceram a sua alegação nem invocaram sequer justo impedimento. Decorreu, portanto, aquele prazo, sem que os agravantes/reclamantes cumprissem o ónus que sobre eles recaía de apresentarem a peça processual onde expusessem os motivos da sua discordância relativamente à decisão que deferiu a providência cautelar (art.º 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil) Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 116.. O decurso desse prazo de natureza peremptória extinguiu o direito que lhes assistia de praticar o respectivo acto, ou seja apresentar validamente a alegação de recurso (art.º 145º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil), pelo que bem andou o Mm.º Juiz a quo em julgar deserto o recurso, no dia 29 de Julho de 2003 (art.ºs 690º, n.º 3 e 291º, n.ºs 2 e 4 do Cód. Proc. Civil).
Os agravantes/reclamantes, socorrendo-se do disposto no art.º 144º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, sustentam que poderiam praticar o acto de apresentação da alegação até ao dia 15 de Setembro de 2003. Não têm, porém, razão.
Aquela disposição ao estabelecer que «quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil» não pode ter o sentido e alcance que os agravantes/reclamantes dela pretendem retirar. Durante as férias judiciais os tribunais não se encontram encerrados, pois que, durante esse período, têm de continuar a ser praticados os actos processuais necessários à tramitação de todos os processos de carácter urgente, nomeadamente, os processos de recuperação de empresa, falência e procedimentos cautelares, isto para não falar já dos processos criminais, com arguidos presos. Tanto assim é que os art.ºs 73º da LOFTJ (Lei 3/99, de 13 de Janeiro) e 31º do RLOFT (DL 186-A/99, de 31º de Maio) impõem a organização de turnos de magistrados que assegurem, durante as férias, o serviço urgente, e os art.ºs 7º e 85º do DL 376/87, de 11 de Dezembro, regulam os turnos de férias dos funcionários judiciais.
Por aqui se vê que, contrariamente ao sustentado pelos agravantes/reclamantes, os tribunais não se encontram encerrados durante as férias judiciais Cfr., neste sentido, o ac. do STJ de 28 de Setembro de 1999, BMJ 489, pág. 277.. O encerramento a que se refere o art.º 144º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil respeita apenas aos sábados, domingos, feriados e dias de tolerância de ponto, ou seja, os dias em que as secretarias judiciais não funcionam (art.º 122º, n.ºs 1 e 4 do RLOFT - DL 186-A/99, de 31º de Maio). Só terminando num desses dias é que o termo do prazo se difere para o primeiro dia útil.
Sucede que o dia 22 de Julho de 2003, data do termo do prazo concedido aos agravantes/reclamantes para alegar, sem multa, foi uma terça-feira, e o dia 25 de Julho de 2003, data do termo do prazo para alegar, mediante o pagamento de multa, foi uma sexta-feira. Em qualquer um desses dias (úteis), não obstante estar em curso o período das férias judiciais de Verão, as secretarias judiciais funcionaram e os tribunais estiveram abertos. Deviam, por isso, os agravantes/reclamantes apresentar a alegação de recurso até essas datas. Nada autoriza o diferimento do terminus desse prazo para o dia 15 de Setembro de 2003, dia seguinte ao termo das férias judiciais (art.º 12º da LOFTJ - Lei 3/99, de 13 de Janeiro).
Pode objectar-se que é indiferente para o caso ser a alegação de recurso apresentada ou não durante as férias, uma vez que as secções cíveis da Relação não reúnem nesse período. Contudo, o problema não deve ser colocado e visto sob esse prisma. É que se a alegação de recurso fosse apresentada em férias, sem o diferimento para o termo das mesmas que os agravantes/reclamantes defendem, os agravados teriam de contra-alegar em seguida, ou seja, mesmo no período de férias judiciais, o que levava a que o procedimento pudesse ficar pronto a subir à 2ª instância mais rapidamente Cfr., a este propósito, o ac. do STJ de 12/1/99, BMJ 483, pág. 159.. Diferente entendimento deste, incluindo o propugnado pelos agravantes/reclamantes e que foi acolhido no acórdão de 16 de Janeiro de 2001 proferido no agravo 2897/00 da 2ª secção deste tribunal, que os mesmos citam em abono da sua tese, frustraria a reconhecida urgência do procedimento cautelar legalmente consagrada, que, como atrás se disse, abrange todas as suas fases nomeadamente a de recurso
Nesta conformidade, não assiste razão aos agravantes/reclamantes em se insurgir contra a decisão do relator e o despacho recorrido, que, a nosso ver, terão feito a melhor interpretação dos art.ºs 144º, n.ºs 1 e 2, 382º, n.º 1, 690º, n.º 3 e 291º, n.ºs 2 e 4 do Cód. Proc. Civil, não merecendo, de modo algum, os reparos que aqueles lhes apontam.
IV – Decisão
Nesta conformidade, decide-se, em conferência, indeferir a reclamação e consequentemente confirmar a decisão do relator e o despacho recorrido.
Custas pelos reclamantes, com a taxa de justiça de 1/8 da fixada na tabela – art.º 18º, n.º 5 do CCJ.
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Coimbra, 30 de Março de 2004