Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
325/08.7JALRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
INTERESSES PREVALENTES
Data do Acordão: 06/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DEFERIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 135º CPP 78º DO REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS, APROVADO PELO DECRETO-LEI Nº 298/92, DE 31/12.
Sumário: 1. Numa perspectiva de ponderação dos interesses conflituantes, ou seja, entre, por um lado, a reserva da vida privada e preservação da confiança na actividade bancária e, por outro, o interesse comunitário na investigação de crimes com relevo, inteiramente dependente da obtenção dos elementos cobertos por segredo bancário, existe clara prevalência deste último interesse sempre que não exista forma de obter o elemento necessário por via não intrusiva do sigilo bancário.
2. É o que acontece com a identificação dos titulares da conta para que foi efectuada a transferência bancária e também dos movimentos ulteriores, traduzindo a utilização de benefício denunciado como ilegítimo, e que manifestamente só pode ser conhecido e feita prova através das informações solicitadas.
3. O mesmo nexo de necessidade e proporcionalidade existe relativamente aos movimentos de débito subsequentes e respectivos documentos de suporte.
4. Porém, já não se encontra a mesma necessidade para investigação relativamente aos movimentos anteriores ao momento da transferência.
5. Nessa parte, existe simples devassa, na medida em que não se encontra qualquer relação com a conduta denunciada.
Decisão Texto Integral: I. Relatório



[1] Nos presentes autos de inquérito com o nº 325/08.7JALRA-A.C1 dos serviços do Ministério Público de Leiria, foi solicitado ao BES – Banco Espírito Santo, SA, os seguintes elementos, todos com referência à conta nº 0000000000000 da agência de A-dos-Cunhados:
i. Identificação do seu titular;
ii. Data da abertura da conta;
iii. Cópia visível dos documentos entregues na altura da abertura de conta bem como da ficha de abertura da conta;
iv. Extracto de movimentos entre 1/10/2008 e 31/12/2008;
v. Indicação de qual o modo e data de levantamento da quantia ilicitamente transferida e envio do suporte físico desse movimento.
[2] Em resposta, o BES negou-se a facultar tais elementos e informação, evocando dever de segredo, nos termos do disposto no artº 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31/12.
[3] Perante esta recusa e mediante promoção do Ministério Público, o Senhor Juiz afirmou a legitimidade da recusa e suscitou a intervenção deste Tribunal da Relação, nos termos e para os efeitos do artigo 135.º, n.º3, do Código de Processo Penal, em ordem à quebra do sigilo.




II. Fundamentação

[4] O Decreto-Lei n.º298/92, de 31 de Dezembro, que disciplina o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), determina no seu artigo 78.º, n.º 1, que o dever de sigilo bancário se traduz numa obrigação de todos os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a titulo permanente ou ocasional não poderem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes, cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. No seu n.º 2 determina que os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias estão sujeitas a segredo.
[5] Assim, é patente que os elementos solicitados e negados – identificação de titular de conta e dos seus movimentos - encontram-se ao abrigo do segredo profissional imposto aos funcionários das instituições bancárias, já que quanto ao crime em investigação – burla informática - não está prevista em qualquer norma especial excepção ao dever imposto pela referida disposição legal.
[6] Esse segredo profissional sofre, porém, as excepções contempladas no artigo 79.º do referido Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, no qual se estabelece, nomeadamente, que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo podem ser revelados «nos termos previstos na lei penal e de processo penal» ou «quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo» (alíneas d) e e) do n.º 2).
[7] O regime processual penal pertinente encontra-se nos artigos 135.º, 181.º e 182.º, do Código de Processo Penal.
[8] Nos termos do artigo 135º do CPP, se for invocada escusa para a não prestação das informações, cabe à autoridade judiciária averiguar da legitimidade do fundamento e, caso conclua pela sua ilegitimidade, ordenar que as mesmas sejam prestadas; caso se conclua pela legitimidade da escusa deverá ser submetido ao tribunal imediatamente superior o competente incidente, para que, após serem ponderados os interesses em questão, seja determinada ou não a quebra do segredo. E, de acordo com nº3 do preceito, o este Tribunal da Relação «…pode decidir-se da prestação de testemunho com quebra de segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos».
[9] O objecto do inquérito prende-se com a denúncia apresentada por F..., a qual referiu que no dia 27 ou 28 de Novembro desconhecidos efectuaram uma transferência à sua revelia no valor de €1 000 (mil euros), utilizando para tanto o sistema BESNET. No desenvolvimento da investigação e por informação do BES, apurou-se -se que essa transferência foi efectuada no dia 25/11/2008 e que com destino a outra conta do BES, com o nº nº 000000000000 da agência de A-dos-Cunhados, titulada por J....
[10] Numa perspectiva de ponderação dos interesses conflituante, ou seja, entre, por um lado, a reserva da vida privada e preservação da confiança na actividade bancária e, por outro, o interesse comunitário na investigação de crimes com relevo, inteiramente dependente da obtenção dos elementos cobertos por segredo bancário, existe clara prevalência deste último interesse sempre que não exista forma de obter o elemento necessário por via não intrusiva do sigilo bancário. É o que acontece com a identificação dos titulares da conta para que foi efectuada a transferência bancária e também dos movimentos ulteriores, traduzindo a utilização de benefício denunciado como ilegítimo, e que manifestamente só pode ser conhecido e feita prova através das informações solicitadas. O mesmo nexo de necessidade e proporcionalidade existe relativamente aos movimentos de débito subsequentes e respectivos documentos de suporte.
[11] Porém, já não se encontra a mesma necessidade para investigação relativamente aos movimentos anteriores ao momento da transferência. Nessa parte, existe simples devassa, na medida em que não se encontra qualquer relação com a conduta denunciada.
[12] Por outro lado, a formulação dirigida ao BES relativamente ao «modo e data de levantamento da quantia de €1000» não se mostra a mais adequada, pois não pode ser pedido àquela instituição bancária que efectue a avaliação da relação entre uma possível pluralidade de operações de débito e o crédito daquele montante na conta. Essa análise cabe aos responsáveis pela investigação, independentemente de ser de presumir que o titular de uma conta controla o respectivo saldo e movimentos e o tipo penal em questão atingir a sua consumação com o crédito na conta beneficiária da transferência.
[13] Face ao exposto, cumpre conceder apenas em parte a solicitada dispensa.

III. Dispositivo

Termos em que se decide conceder parcialmente a pretendida quebra de sigilo, dispensando o BES Banco Espírito Santo, SA e seus funcionários do cumprimento do dever de segredo bancário, a fim de que sejam fornecidas as informações solicitadas, com referência à conta nº 000000000000 da agência de A-dos-Cunhados, a saber:

i. Identificação do(s) seu(s) titular(es);
ii. Data da abertura da conta;
iii. Cópia dos documentos entregues na altura da abertura de conta bem como da ficha de abertura da conta;
iv. Extracto de movimentos efectuados entre 25/11/2008, inclusive, e 31/12/2008;
v. Cópia dos documentos de suporte de levantamentos efectuados nesse período.

Texto elaborado em computador e revisto (artº 94º nº2 do CPP).
Proc. nº 325/08.7JALRA-A.C1

Coimbra,


(Fernando Ventura)

(Isabel Valongo)