Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
735-B/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
COMPENSAÇÃO
CRÉDITO
Data do Acordão: 05/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 4º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 847º, Nº1, C. CIV.; E 814º, AL. G), CPC
Sumário: I – O artº 814º, al. g), CPC, permite ao executado invocar na oposição à execução fundamento de natureza substantiva relativo à própria obrigação exequenda (qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação).

II – A compensação é um facto modificativo ou extintivo da obrigação (artº 847º C. Civ.).

III – A lei faz depender a oposição por compensação de dois requisitos cumulativos: que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração; que se prove por documento, a menos que se trate de prescrição, o que se pode provar por qualquer meio.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I- RELATÓRIO
I.1- À execução de sentença para pagamento da quantia de 17.179,45 € com juros legais, instaurada por «A...» contra «B...», veio esta deduzir oposição visando compensar com a quantia exequenda, o crédito de 4.489,18 € acrescido de juros de mora que somam já 1.073,79 €, quantia a que a exequente foi condenada na mesma sentença, para além da importância a liquidar em execução de sentença a título de indemnização por prejuízos que a exequente foi também condenada.
A exequente contestou, sustentando que o fundamento de oposição invocado não se enquadra na previsão do art.814º/C.P.C., mas, se assim não for, aceita que ao crédito exequendo seja deduzido o valor correspondente ao crédito da executada no montante de 4.489,18 €, por compensação, procedendo parcialmente a oposição.
A 1ª instância conheceu da oposição no saneador, julgando-a improcedente e ordenando o prosseguimento da execução.
1.2- Inconformada, a executada/opoente apelou, finalizando a sua alegação de recurso com estas conclusões:
1ª- Atenta a posição assumida na acção declarativa não fazia qualquer sentido a arguição da excepção da compensação de créditos, razão por que não foi feita;
2ª- Isto porque tanto a ré (relativamente à acção) como a autora (relativamente à reconvenção) não aceitaram que fossem devedoras uma à outra de quaisquer quantias, impugnando os créditos que tanto uma como a outra ali reclamavam;
3ª- Só através da sentença proferida na acção declarativa se radicou nas esferas jurídicas da A. e Ré a obrigação recíproca de procederem entre si ao pagamento das quantias em que foram condenadas, na medida em que só então ambas conheceram a existência e alcance dos respectivos débitos (mesmo em parte ilíquidos), até então nunca reconhecidos pelas partes;
4ª- Estão verificados todos os pressupostos legais para a procedência do pedido deduzido na oposição.
I.3- Contra-alegou a recorrida em defesa do julgado.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
II.1 - de facto
A matéria factual dada por assente na sentença não foi impugnada, nem há motivo para a alterar, pelo que para ela se remete nos termos do art.713º/6,C.P.C..

II.2 - de direito
Está em causa neste recurso, saber se a executada podia ou não invocar no âmbito da oposição à execução, a excepção peremptória da compensação de créditos.
Com efeito, a executada, enquanto devedora da obrigação pecuniária cujo pagamento vem reclamado na execução, opôs à exequente um contra-crédito igualmente pecuniário, sendo uma parte líquida e outra respeitante a indemnização, mas ilíquida, visando exonerar-se da sua obrigação. Não pretende reconvir, o que seria inadmissível em processo executivo. Antes fez uma declaração à exequente para tornar efectiva a compensação de créditos, cujos requisitos estão definidos no art.847º/1, C.C., por via de excepção.
O título executivo consubstancia-se na sentença proferida na acção declarativa 735/02. O art.814º/C.P.C. enumera taxativamente os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença. Tendo em vista o caso em apreço, o art.814º, al.g) permite ao executado invocar na oposição fundamento de natureza substancial relativo à própria obrigação exequenda. Admite-se nesse preceito como motivo de oposição qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação.
Assim, e a propósito do título executivo sentença, pode o executado deduzir a extinção da obrigação por qualquer meio extintivo. Para além do cumprimento, também a compensação. A respeito desta causa de extinção do direito exequendo a alegar em processo executivo, escreve J. Lebre de Freitas que ao executado é permitido deduzir a excepção da compensação, seja como objecção, seja como excepção propriamente dita, quer o seu crédito seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente. E acrescenta: “Bastará, portanto, que se provem por documento o facto constitutivo do contracrédito e as características relevantes para o efeito do art.847º/C.C., bem como a declaração de querer compensar (…) sem necessidade de observar os requisitos legais da exequibilidade dos documentos”.[ 1]
A lei faz depender esta oposição por motivo substancial de dois requisitos cumulativos: que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração; que se prove por documento, a menos que se trate de prescrição que se pode provar por qualquer meio.
Na sentença apelada entendeu-se, porém, não ser admissível a arguida compensação de créditos, pela circunstância de os pressupostos da compensação já se verificarem antes do encerramento da discussão no processo de declaração, podendo a ré valer-se da compensação, o que não fez.
Tem razão a recorrente quando defende que o primeiro assinalado requisito não se verificava no momento do encerramento da discussão no processo em que a sentença exequenda foi proferida.
Na verdade, os créditos da ré e da autora era então controvertidos. Conforme refere a recorrente, as partes nunca aceitaram que fossem devedoras uma da outra. Como tal, não lhe era legalmente admissível a invocação da compensação por via da afirmação de um crédito apenas susceptível de ser relevantemente afirmado em acção declarativa. O crédito a contrapor ao crédito da exequente só ficou judicialmente reconhecido nessa acção. Nesta circunstância, provado documentalmente o contra-crédito, deve pois o executado ser admitido a opor-se à execução com o fundamento na compensação.
Ora, a recorrente foi condenada a pagar à recorrida a quantia total de 15.467,61 €, acrescida de juros de mora, e esta foi condenada a pagar àquela a quantia de 4.489,18 € igualmente acrescida de juros moratórios, e ainda a quantia a liquidar em execução de sentença a título de indemnização pelos prejuízos resultantes da reparação necessária no remate e abatimento dos passeios, incluindo lancis, acrescida de juros de mora.
Deste modo, verificados os pressupostos legais desta forma de extinção das obrigações, e não sendo a iliquidez de parte do contra-crédito impeditiva da compensação (art.847º/3), podendo a liquidação ser operada em execução de sentença, como de resto foi sentenciado, procede, pois, a excepção da compensação dos créditos recíprocos.
Impõe-se, pois, operar a compensação dos créditos opostos pela executada, extinguindo-se a dívida reclamada na parte correspondente ao seu contra-crédito líquido e de indemnização a liquidar, devendo, no entanto, a opoente/compensante pagar à exequente a parte do crédito desta não compensada, se a houver.
Dito isto, o recurso procede.
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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em julgar procedente a apelação, e assim, revogando-se a sentença apelada, procede a oposição à execução e declara-se a compensação do crédito da exequente com o contra-crédito da executada – liquidado e a liquidar em execução de sentença -, sem prejuízo de esta pagar àquela a parte não compensada do crédito da exequente, se a houver.
Custas em ambas as instâncias pela apelada.
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[1] cfr. «A acção executiva», 2ª ed., pág.149