Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
602/09.0TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: INSOLVÊNCIA
LEGITIMIDADE ACTIVA
Data do Acordão: 05/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA – 4ª JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1º, 3º, Nº 1, 18º E 20º, Nº 1, DO CIRE.
Sumário: I – O conceito básico ou nuclear de insolvência traduz-se na impossibilidade de cumprimento pelo devedor das suas obrigações vencidas, conforme estatui o artº 3º, nº 1, do CIRE: “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
II - O que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

III - Através dos “factos-índices” ou “presuntivos” elencados nas alíneas do nº 1 do artº 20º do CIRE, o legislador estabeleceu presunções juris tantum de verificação da situação de insolvência do devedor, pelo que, feita a prova pelo requerente da alguma de alguma das situações ali previstas, caberá ao requerido o ónus da prova da sua solvência, como se extrai do artº 30, nºs 3 e 4.

IV - Compete ao requerente da insolvência a alegação e prova dos factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência, por meio de petição escrita (cfr. artº 23º, nº 1, do CIRE, e artº 342º, nº 1, do CC) e quando o requerente é um credor, para além da alegação de um ou mais dos factos que servem de base à presunção legal, tem ainda de justificar a origem, natureza e montante do seu crédito (artº 25º).

V - De entre as pessoas que estão legitimadas para requerer a insolvência (cfr. artº 18º, 20º e 296, nº 2, do CIRE) encontram-se os credores do devedor.

VI - Na verdade, dispõe-se no artigo 20º, nº 1, que a declaração de insolvência pode ser requerida “(…) por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito (…)”.

VII - Logo, é de concluir que dispõe de legitimidade activa para requer a declaração de insolvência qualquer terceiro/credor que arrogue ser titular de crédito sobre o requerido/devedor, ainda que esse crédito seja litigioso.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

1. A... , intentou (em 20/2/2009) contra B... , ambos melhor identificados nos autos, a presente acção especial de insolvência.

Para o efeito alegou, em síntese, o seguinte:

Que a requerida se dedica à indústria e comércio de produtos cerâmicos e formação profissional ligada ao sector cerâmico, exercendo a sua actividade através da unidade fabril sita em ....

Que o requerente foi seu trabalhador desde o dia 1 de Fevereiro de 2005, exercendo as funções de director geral.

Porém, como a requerida não cumpriu as obrigações de natureza pecuniária que assumiu para consigo – cujo tipo, origem, natureza e montantes melhor descrimina na petição inicial, e que estão relacionadas com o exercício daquela sua actividade laboral - por carta registada, com aviso de recepção e fax de 20.01.2009, comunicou à requerida a resolução do seu contrato de trabalho.

Por via de tal, reclama ter um crédito sobre a requerida que ascende ao montante total de € 165.825,81, e que aquela não lhe pagou não obstante ter sido para o efeito instada a fazê-lo.

Para além disso, a requerida tem faltado ao cumprimento pontual das retribuições dos cerca de 150 trabalhadores que tem ao seu serviço, ascendendo a dívida aos trabalhadores a cerca de € 300.000,00, montantes a que acrescem os valores de 23,75% e 11% referentes a taxa contributiva para a Segurança Social, o que perfaz um valor em débito no total de € 460.000,00. Deve à Segurança Social, há mais de um ano, quantia superior a € 1.911.378,16, à Administração Fiscal o montante de € 721.985,23, e ainda avultadas quantias aos seus fornecedores, tendo nomeadamente dívidas vencidas há mais de 12 meses aos fornecedores C... e EDP, S.A. de € 650.000,00 e € 640.000,00, respectivamente, sendo que alguns dos seus muitos credores recorreram já à cobrança judicial dos seus créditos (que nesse caso atingem o montante total de € 837.252,32), tendo-se os mesmos inclusivamente passado a recusar a satisfazer as encomendas de matérias primas, o que levou, em 20.12.2008, à interrupção quase total da laboração da única fábrica explorada pela requerida, que se mantém em situação de paralisação até à data.

Nesse estado, a requerida não conseguiu sequer satisfazer a totalidade de algumas encomendas que lhe foram antecipadamente liquidadas, tendo emitido nos últimos anos centenas de cheques sem provisão.

Devido a maus investimentos feitos em Espanha a requerida tem acumulado um prejuízo superior a € 1.500.000,00.

Toda essa situação em que se encontra a requerida está também associada a actos de má gestão que vêm sendo praticados pela sua administração.

Devido à situação descrita, encontra-se, assim, a requerida impossibilitada de cumprir as suas obrigações financeiras vencidas (não dispondo de capacidade económica para tal), tendendo a sua situação a agravar-se irremediavelmente, já que sua unidade industrial deixou de laborar.

Pelo que terminou o requerente pedindo que se declare a insolvência da requerida e que seja nomeado um administrador judicial provisório, com deveres exclusivos para a administração, que deverá providenciar pela preservação e manutenção do património da requerida.

Para prova do alegado juntou prova documental, arrolou prova testemunhal, requereu o depoimento de parte da requerida, na pessoa do seu presidente do conselho de administração, requerendo ainda que se solicitasse a certas instituições públicas o envio de determinadas informações ali referidas.

2. Após ter sido citada para o efeito, a requerida veio deduzir oposição ao pedido do requerente.

O que, em síntese, fez, negando, desde logo, a existência do crédito que o requerente alega ter sobre si e que, de qualquer modo, a existir sempre teria de ser compensado com um contra crédito que a requerente invoca também ter sobre ele.

Por outro lado, e não obstante reconhecer as dificuldades económica/financeiras por que passa – o que a terá levado a, recentemente, requerer um pedido extrajudicial de conciliação junto da competente entidade pública –, impugnou expressamente, por desconforme à realidade dos factos, o alegado na petição inicial, nomeadamente no que respeita aos valores e vencimento das suas dívidas e ao alegado encerramento da sua unidade fabril, negando que esteja impossibilitada de cumprir as obrigações vencidas por si assumidas e bem assim a prática dos alegados actos de má gestão pela sua administração.

Todavia, e por uma questão de cautela, e para o caso de não se concluir pela improcedência da acção, peticionou então a título subsidiário a sua declaração de insolvência, com elaboração de um plano de recuperação da empresa que implique a manutenção da sua actividade e do seu conselho de administração.

Pelo que, a final, terminou pedindo que fosse julgada a excepção de ilegitimidade (activa) do requerente, e se assim se não entender pela improcedência do pedido de insolvência formulado pelo mesmo, e, se tal não for também entendido, ainda, subsidiariamente, pela declaração da sua respectiva insolvência, com a manutenção da sua actividade e do seu conselho de administração, propondo então a nomeação para administrador da mesma uma pessoa que indica com o fundamento de conhecer já a sua situação.

Em qualquer dos casos, pediu ainda que o requerente fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da propositura da presente acção, a liquidar em execução de sentença, e ainda, como litigante de má fé, numa multa condigna.

No final, e para prova do alegado, juntou prova documental e arrolou prova testemunhal.

3. Concluídos que lhe foram os autos, de imediato a srª juiz a quo proferiu sentença, na qual a final decidiu:
a) Indeferir (com o fundamento final da falta de legitimidade – substantiva - do requerente, dado o seu crédito de apresentar como litigioso) a presente acção especial de insolvência, que foi movida por A... contra B...
b) Indeferir, consequentemente, o pedido de nomeação de um administrador judicial provisório.
c) Indeferir o pedido de condenação do requerente no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados à requerida com a propositura da presente acção, e ainda, como litigante de má fé, em multa.

4. Não se conformando com tal decisão, o requerente interpôs recurso de apelação.

5. Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, o requerente/apelante concluiu as mesmas nos seguintes termos: (…)

            6. A requerida contra-alegou, pugnando, a final, pela improcedência do recurso.

            7. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


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II- Fundamentação


A) De facto.

O factos, para já, a considerar (dado que na sentença recorrida não se procedeu à descrição autonomizada dos mesmos) são aqueles que supra se deixaram exarados sob os nºs 1 e 2 do ponto I.


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B) De direito.

1. Das questões prévias.

(…)


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2. Da delimitação do objecto do recurso.

1. Como já referimos, é sabido (entendimento que continua a manter-se com a actual reforma introduzida DL nº 303/2007 - artºs 684, nº 3, e 685-A, nº 1, da actual versão do CPC) que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o seu objecto.

Importa também deixar, desde já, salientado que, tal como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” referido no artº 660, nº 2, do CPC, de que o tribunal deva conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”, e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do presente recurso, as questões que importa conhecer são, essencialmente, as seguintes:

a) Da legitimidade (activa) do apelante para requerer a declaração de insolvência do requerida.

b) Da nulidade da sentença (por não descriminação ou especificação dos factos assentes).

c) Do preenchimento dos requisitos ou pressupostos legais para que seja declarada a insolvência da requerida.

d) Da necessidade da nomeação de um administrador judicial provisório à requerida.

e) Da litigância de má fé da requerida.


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3. Quanto à 1ª questão.

3.1 Da legitimidade activa do apelante para requerer a declaração de insolvência do requerida.

Como acima deixámos exarado, na sentença recorrida indeferiu-se a acção especial de insolvência da requerida com o fundamento de o ora apelante não ter legitimidade para instaurar tal acção, ou seja, por não dispor de legitimidade (substantiva) para requer tal insolvência.

Conclusão essa que alicerçou no facto de o crédito de que o mesmo alegou ter sobre a requerida (e que indicou na petição inicial) se apresentar como litigioso (já que foi contestado ou impugnado pela requerida), sendo que, no entendimento da srª juiz a quo, só (tendo em conta o caso configurado dos autos) os titulares de créditos reconhecidos (judicialmente ou então expressa ou tacitamente pelo devedor) é que dispõem de legitimidade para requerer ou instaurar processo de insolvência do devedor, ou seja, o reconhecimento (por decisão judicial ou por aceitação do devedor) do crédito de que se arvora ser titular sobre o devedor constitui um pressuposto para a legitimação da instauração pelo credor do processo de insolvência em relação àquele.

Contra tal entendimento se insurge o apelante.

No caso aos autos, o crédito que o ora apelante invoca ter sobre a requerida (cuja origem, natureza e montante justificou) não se apresenta reconhecido por decisão judicial, e nem é aceite ou reconhecido pela requerida (já que, no seu articulado de oposição, o impugnou, negando a sua existência). Apresentando-se, assim, tal crédito como litigioso, será que tal constitui um obstáculo legal para que o ora apelante possa requerer a declaração da insolvência da requerida, ou seja, para que fique legitimado a instaurar o competente processo de insolvência?

3.2 Apreciemos.

3.2.1 Como forma de nos introduzirmos na temática, teçamos, antes de mais, umas breves considerações de carácter geral sobre a fase inicial do processo de insolvência.

Dispõe o artº 1º do actual CIRE que “processo de insolvência é um processo de execução universal, que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.

Como resulta do estipulado artº 23º, nº 1, do CIRE (diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem indicação da sua fonte), o pedido de declaração de insolvência faz-me por meio de petição escrita “na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida” e que consubstanciam a causa de pedir.

O conceito básico ou nuclear de insolvência traduz-se na impossibilidade de cumprimento pelo devedor das suas obrigações vencidas, conforme estatui o artº 3º, nº 1, “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Porém, para as sociedades de responsabilidade limitada, agora alargada às outras pessoas colectivas e patrimónios autónomos, prescreve o artº 3º, nº 2, enquanto norma especial, que “são também considerados insolventes quando seja o seu passivo manifestamente superior ao activo, um e outro avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”.

Assim, o que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Através dos “factos-índices” ou “presuntivos”, elencados nas alíneas do nº 1 do artº 20º, o legislador estabeleceu presunções juris tantum de verificação da situação de insolvência do devedor, pelo que, feita a prova pelo requerente da alguma de alguma das situações ali previstas, caberá ao requerido o ónus da prova da sua solvência, como se extrai do artº 30, nºs 3 e 4 (cfr., entre outros e para maior desenvolvimento, Carvalho Fernandes/João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Júris 2005, vol. 1º, pág. 132/133 e ss.”, Acs. da RP de 26/10/06 e 12/4/07 e Ac. da RC de 20/11/2007 e de 15/04/2008, disponíveis em www.dgsi.pt).
Nesses termos, compete ao requerente da insolvência a alegação e prova dos factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência, por meio de petição escrita (cfr. artº 23º, nº 1, do CIRE e artº 342º, nº 1, do CC), e quando o requerente é um credor, para além da alegação de um ou mais dos factos que servem de base à presunção legal, tem ainda de justificar a origem, natureza e montante do crédito (artº 25º).
3.2.2 Postas estas breves considerações, avancemos para a resolução da questão concreta em apreço.
Como ressalta da sua Secção I do Capítulo I do Título II, o CIRE consagra um pressuposto específico em relação ao requerente da insolvência, e que se traduz em ele ter legitimidade para apresentar o pedido de declaração de insolvência.
E de entre as pessoas que estão legitimadas para o efeito (cfr. artº 18º, 20º e 296, nº 2), encontram-se o credores do devedor.
Na verdade, dispõe-se no artigo 20, nº 1, que a declaração de insolvência pode ser pode ser requerida “(…) por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito (…). (sublinhado nosso)
Ora, perante a redacção de tal normativo, somos levados a concluir que, e salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, o entendimento perfilhado pela srª juiz a quo não encontra qualquer respaldo ou guarida nem na letra, nem no espírito da lei, tal como se exige no artº 9º do CC.
Não encontra guarida no espírito, porque, conforme ressalta do próprio preâmbulo do DL nº 53/2004 de 18/3 (que aprovou o actual CIRE), o objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é satisfação, pela forma mais eficiente e célere, dos direitos dos credores (os quais são, como é sabido, os alvos privilegiados da atenção dada por tal diploma legal).
Não encontra guarida na letra, ou seja, não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, sendo que as duplas expressões pronominais ali empregues, “por qualquer credor” e “qualquer que seja a natureza do seu crédito”, não deixam, a nosso ver, qualquer margem para a interpretação seguida na sentença recorrida. Sendo que onde a lei não distingue, não deve ser o intérprete a fazer essa distinção.
E vai-se ali mesmo ao ponto de considerar legitimados a requerer a declaração de insolvência o credor condicional. Vindo a constituir entendimento prevalecente referir-se tal aos titulares de créditos sujeitos a condição, segundo o conceito que se encontra definido no artº 50. (Cfr., por todos, Carvalho Fernandes/João Labareda, in “Ob. cit., pág. 132, final da nota nº 5”).
Nos termos desse normativo, para efeitos do CIRE, consideram-se créditos sob condição suspensiva aqueles cuja constituição se encontre sujeita à verificação de um acontecimento futuro e incerto, tanto por força da lei, como de negócio jurídico.
Ora, resulta da conjugação de tais normativos que se um credor condicional pode requerer a declaração de insolvência, tal significa que na altura em que requer tal declaração o seu crédito ainda nem sequer possa estar constituído, e se o seu crédito ainda não está constituído (porque depende de um acontecimento futuro e incerto) como é que se pode exigir que ele esteja (na altura em que se requer a declaração de insolvência) já reconhecido?
Logo, por tudo exposto, é de concluir que dispõe de legitimidade activa para requer a declaração de insolvência qualquer terceiro/credor que arrogue ser titular de crédito sobre o requerido/devedor, e ainda que esse crédito seja litigioso, tal como sucede no momento com o reclamado crédito do apelante.
E não se diga, como se faz na sentença recorrida, que tal entendimento pode ter efeitos perversos, e nomeadamente poder ser o processo de insolvência utilizado para outros finalidades, tais como alguém tentar obter a satisfação (prioritária) ou o reconhecimento do seu crédito sob a ameaça ou chantagem feita ao alegado devedor de ser requerida a sua insolvência. Mas foi para combater tais situações, e nomeadamente para evitar a leviandade nos pedidos de declaração de insolvência, que foi criado o artigo 22º, onde se consagra a possibilidade de responsabilizar civilmente quem assim actue, responsabilizando-o por ter de responder pelos prejuízos que com tal conduta possa ter causado ao devedor ou aos seus credores.
Aliás, e a contraponto da posição perfilhada na sentença recorrida, dir-se-á ainda que, não se encontrando o crédito reconhecido judicialmente, bastaria tão só ao requerido/devedor negar ou impugnar (de forma porventura leviana, isto é, sem tem fundamento para tal) a existência do crédito invocado para, sem mais, obstar a que os autos prosseguissem com vista à sua declaração de insolvência. Tratava-se, sem dúvida, de um expediente simples, rápido e eficaz.
E em desabono de tal posição também não se diga, como se o faz na sentença recorrida, que, sendo os créditos litigiosos, isso fará com que possam ser discutidas matérias nos tribunais judiciais comuns que originalmente estão subtraídas da sua competência. Mas, mais uma vez, e salvo sempre o devido respeito, tal argumento não colhe. É que nesse caso vigora nos processos especiais de insolvência o princípio da suficiência da competência do tribunal para conhecer de todas as questões que interessem à decisão da causa. Aliás, é já isso que sucede ou pode suceder na fase posterior de reclamação e verificação de créditos e em relação àqueles que não sendo reconhecidos se mostram controvertidos, isto é, litigiosos.
Por último, em reforço da posição por nós defendida e em desabono do entendimento perfilhado na sentença recorrida, atente-se ainda ao seguinte:
Como é sabido, no caso de créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessão tinham então, no caso da sua entidade empregador se encontrar em situação de insolvência, a possibilidade de ver garantidos o pagamento de, pelo menos, parte dos seus créditos pelo Fundo de Garantia Salarial (cfr. disposições conjugadas dos artºs 380 do Código de Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27/8 e 317, 318, 319 e 320 da Lei nº 35/2004 de 29/7, que o regulamentou, e aqui aplicáveis - não obstante terem sido recentemente revogados pelo artº 12, nº 1 als. a) e b), da Lei nº 7/2009 de 12/2, que aprovou o novo Código de Trabalho –, dado se encontrarem então vigentes na altura em que cessou, por resolução, o contrato de trabalho entre o apelante e a apelada, gerador dos créditos aqui reclamados pelo 1º).
Para que tal pedido pudesse ser atendido necessário se tornava que no requerimento a formular tal pedido se indicasse e descriminassem os créditos sobre aquela entidade empregadora, e bem assim que tal requerimento fosse instruído (tendo em conta a situação em apreço) com a certidão ou cópia autenticada comprovativa dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo tribunal onde corre o processo de insolvência. (cfr. artºs 323 e 324 al. a) da citada Lei 35/2004).
Assim, seguindo o entendimento perfilhado na sentença recorrida, tal implicava que, não estando ainda os créditos reconhecidos, nenhum trabalhador que fosse requerente da insolvência, e no caso concreto o ora apelante, poderia lograr obter junto do Fundo de Garantia Salarial a satisfação ou o pagamento dos seus créditos.
Ora, concluindo-se, como se conclui, dispor o ora apelante de legitimidade activa (quer se designe por processual, como alguns o fazem, quer substantiva como outros a designam) para requer a declaração de insolvência da requerida, ter-se-á de revogar a sentença da 1ª instância, a qual havia, com o fundamento de não dispor o mesmo daquela legitimidade, desde logo indeferido a declaração de insolvência da ora apelada. (em idêntico sentido à posição acabada de defender, foi também o acórdão desta Relação, de 9/10/2007, in “Recurso de Apelação, nº 734/06, 3ª sec.”, relatado pelo desembargador Jorge Arcanjo).

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4. Porém, tendo a requerida deduzido, como deixámos exarado, oposição a tal declaração, negando e impugnando quer o crédito que o requerente alega ter sobre si, quer os demais factos em que este fundamenta aquele seu pedido de insolvência (negando que se encontre em tal situação), deverão os autos ter de prosseguir os seus posteriores trâmites, nos termos do estatuído no artº 35º, com a marcação de audiência de discussão e julgamento, a fim de sobre os factos em questão ser produzida a prova arrolada por ambas as partes (e que supra demos conta).

4.1 No que concerne à questão relacionada com o pedido formulado pelo requerente no sentido de, como medida cautelar, se nomear um administrador judicial provisório à requerida (com deveres exclusivos para a sua administração), diremos o seguinte:
Tal medida assentava na alegada prática de actos de má gestão.
Má gestão essa que também foi contestada pela requerida.
Desse modo, dado que os autos irão prosseguir de imediato com a marcação da audiência de julgamento (para produção de prova sobre os factos controvertidos em questão, a que se seguirá a prolação da decisão final, o que tudo deverá acontecer num prazo legal reduzido - cfr. o citado artº 35), afigura-se-nos, assim, de bom tom não nos precipitarmos sobre a adopção de tal medida cautelar, e tanto mais que os factos ora disponíveis não se a mostram absolutamente claros quando à imperiosa necessidade da tomada imediata da referida medida, pelo que se deverá, para já, aguardar pela realização da aludida audiência, com os destinos da requerida a continuarem a serem, pelo menos até lá, a ser geridos pelos seus actuais administradores.

4.2 Pela mesma ordem de razões, se deverá deixar para a sentença final (a ter lugar após a produção de prova arrolada e a fixação dos respectivos factos apurados) o pronunciamento sobre a alegada litigância de má fé da requerida, quando é certo que qualquer condenação a esse nível deve ser, como é comummente defendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, rodeada de prudência.

4.3 Face à decisão acima tomada em 4. de revogação da sentença recorrida e com a necessidade de os autos prosseguirem os seus ulteriores termos, com a marcação de audiência de julgamento, fica, assim, prejudicado o conhecimento das restantes questões acima elencadas (cfr. artº 660º, nº 2, do CPC ex vi artº 17º do CIRE).

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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em revogar a sentença da 1ª instância, ordenando que os autos prossigam os seus ulteriores trâmites legais, com a marcação da audiência de discussão e julgamento (a que alude o artº 35º do CIRE).
Custas nos termos do estatuído no artº 304º do CIRE.