Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
210/04.1TBVGS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: PENHORA
VENCIMENTO
PEDIDO
ISENÇÃO
INCIDENTE INOMINADO
Data do Acordão: 09/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 824º Nº4 E 302º A 304º DO CÓD. DE PROCESSO CIVIL
Sumário: Penhorado 1/3 do vencimento do executado, o pedido de isenção da penhora, pelo período de um ano, formulado ao abrigo do disposto no art. 824º, nº4 do Cód. de Processo Civil, configura incidente que segue a tramitação prevista nos arts. 302º a 304º desse diploma, não consubstanciando, de per si, uma hipótese de oposição à penhora (art. 863º A).
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

1. RELATÓRIO

A... instaurou a presente acção executiva contra B... , C... , D... , E.... e F..., apresentando, como título executivo, a livrança junta a fls. 20, que “titula financiamento concedido pelo exequente à subscritora”, a 1ª executada, e avalizada pelos demais executados.

Procedeu-se à citação dos executados.

Efectuou-se a penhora de 1/3 do vencimento mensal auferido pela executada F..., na sequência do que a respectiva entidade patronal, G... , por requerimento apresentado em 28/09/2007, comunicou que a executada “tem um vencimento ilíquido de 620,00€ (seiscentos e vinte euros), vencendo-se o respectivo salário ao dia 5 de cada mês”, juntando o documento de fls. 153.

Em 25/09/2008 os executados F... e marido, E..., apresentaram um requerimento (junto novamente com as alegações de recurso, a fls. 211 a 220 dos autos), concluindo da seguinte forma:

“Razão pela qual se requer, ao abrigo do disposto no art. 824º, nº4 do Cód.Proc.Civil, que o casal fique isento da mesma pelo período de um ano (lapso de tempo em que acreditam que o requerente marido conseguirá emprego)” - esclarece-se que os executados, quando aludem à “mesma”, se referem à penhora do vencimento da executada, a que supra se aludiu.

Notificada, a exequente pronunciou-se conforme consta de fls. 185 e 186, concluindo da seguinte forma:

“Todavia – e salvo o devido respeito por melhor opinião –, ainda que corresponda à verdade o vertido no requerimento a que se responde – o que, no entanto, se desconhece – tal não poderá conduzir ao efeito pretendido pelos requerentes, por não se verificarem os pressupostos previstos no artigo 824º, nº4, do Código de Processo Civil.

 6- Podendo, quando muito, determinar a redução equitativa do montante penhorado, o que, data vénia, se submete à douta ponderação do tribunal”.

Sobre o requerimento em apreço recaiu o seguinte despacho:

“ O requerimento constante de fls. 158 apresentado pelos executados F... e E... configura uma oposição à penhora – artigo 863ºA, nº1, alínea a-) do Código de Processo Civil, que obedece às regras processuais previstas no artigo 863ºB-) do mesmo Código.

Assim, e nos termos do nº2 desta última disposição legal, tal incidente é processado por apenso aos autos principais.

Acresce por outro lado, que se trata de incidente sujeito a pagamento prévio de taxa de justiça inicial, nos termos do artigo 24º, alínea b-) do Código das Custas Judiciais.

Não se verificando qualquer pagamento de taxa de justiça pelo executado, desentranhe o requerimento de fls. 158 e entregue aos Executados, sem deixar cópia do mesmo nos autos.

Notifique”.

Em cumprimento deste despacho a secção procedeu ao desentranhamento do requerimento aludido.

Os executados F... e E... recorreram desta decisão, requerendo que a mesma seja revogada “e, em consequência, ser apreciada, pela Mma. Juiz a quo, a pretensão formulada pelos executados no requerimento que foi mandado desentranhar”. Formulam as seguintes conclusões:

“A- O requerimento de isenção ou redução da penhora de rendimentos não tem que ser feito necessariamente em oposição à penhora nos termos do art.863ºA. do C.P.C.

B- Com efeito, in casu, do que se trata é de uma penhora de rendimentos que foi realizada nos casos permitidos e dentro dos limites da lei, a qual, por razões especiais, o executado pretende ver modificada (suspensa até um ano, ou reduzida a menos de 1/3).

C- Já nos casos de oposição à penhora, a situação é diversa:

- foram penhorados bens que não o poderiam ser;

- a penhora é mais extensa do que aquela necessária à garantia do crédito;

- foram penhorados bens que apenas subsidiariamente respondiam pela dívida;  

D- Nesses casos, cumulativamente com o fundamento concreto da oposição, o exequente pode também aproveitar para, inclusive, requerer a suspensão da penhora de rendimentos por um ano, ou a sua redução a menos que 1/3.

E - Porém, se não tiver fundamentos para deduzir oposição à penhora, isto é, quando a mesma abrange bens que podiam ser penhorados e foi feita dentro dos limites legais, a forma que o executado tem para usar das faculdades previstas no art. 824º, nº3 do C.P.C. é fazer um requerimento pedindo isso mesmo.

F – Aliás, caso não fosse assim, poderia até verificar-se que, em muitas situações, os executados, pelo simples facto de sofrerem alterações na sua vida, no decurso de uma penhora de rendimentos já em curso há algum tempo (e que, por isso, já não poderia ser alvo de oposição, visto que o prazo para esta é de apenas 20 dias contados da citação ou de 10 dias contados da notificação – art.863º- B do C.P.C. ), ficariam numa situação de impossibilidade de requererem uma adequação da mesma à sua real situação económica 

G – Assim, tratando-se de uma penhora de rendimentos realizada dentro dos limites que a lei permite, a sua redução ou suspensão, pode ser pedida em qualquer altura, via simples requerimento, por ser essa a forma de melhor se alcançar a adequação e o equilíbrio entre os interesses do credor e dos devedores.

O exequente agravado não apresentou contra alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C., diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664.

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, assentamos que, no caso dos autos, está em causa apreciar, fundamentalmente, se o requerimento apresentado pelos executados F... e marido configura, como se considerou na decisão recorrida, “uma oposição à penhora”.

2. A resposta tem de ser negativa, parecendo-nos que o requerimento em causa não configura incidente de oposição à penhora.

Essa qualificação deve ser feita tendo por base a pretensão formulada pelo executado, ou seja, a providência concretamente requerida pela parte, considerando o efeito jurídico que se pretende obter.

Nos casos de oposição à penhora, está em causa, necessariamente, um pedido de levantamento desse acto processual, como decorre do disposto no art. 863ºA – “Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora e requerer o seu levantamento, suscitando questões que não hajam sido expressamente apreciadas e decididas no despacho que a ordenou e que obstem (…)”.

Acresce que se trata de incidente que tem em vista, fundamentalmente, possibilitar ao executado reagir contra uma penhora ilegal, como se extrai da fundamentação exposta nas alíneas a) a c) do referido preceito.[ [1] ]

Na hipótese em apreço, os executados agravantes não peticionam o levantamento da penhora mas, tão só, a paralização da eficácia desse acto, por um determinado período de tempo  – requer-se “que o casal fique isento da mesma pelo período de um ano (lapso de tempo em que acreditam que o requerente marido conseguirá emprego)”.

Por outro lado, no requerimento em causa os executados nunca invocaram a ilegalidade do acto de penhora, fundamentando o pedido, tão só, no circunstancialismo invocado nos arts. 7º a 14º, alusivos às condições de vida dos executados, com expressa menção ao disposto no art. 824, nº4.[[2] ]

Nos termos deste preceito, “ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excepcionalmente, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora.” [ [3] ]

Concluindo, estamos perante um incidente que deve ser processado nos próprios autos de execução e que segue a tramitação a que aludem os arts. 302º a 304º, não sendo exigível o prévio pagamento de taxa de justiça inicial pelo executado (art. 29º, nº3, alínea a) do C.C.J.), e não perante articulado de oposição à penhora, a que aludem os arts. 863º A e 863º B.

Impõe-se, pois, a alteração da decisão recorrida, em ordem a que, admitido o incidente, o Sr. Juiz processe o mesmo e profira decisão, tendo em conta o disposto nos arts. 302º a 304º. Refira-se que se impõe, antes de mais, convidar os executados a juntar aos autos cópia certificada do documento nº1 (declaração apresentada pelo casal para efeitos de IRS, relativa ao ano de 2006), atenta a posição do exequente – que, na resposta, diz desconhecer “a veracidade e exactidão” do documento –, bem como documento comprovativo da situação profissional do executado – que alega estar desempregado, pressupondo-se a inscrição no Fundo de Desemprego. Acresce que, tendo em conta o tempo entretanto decorrido, qualquer alteração à situação exposta no requerimento em apreço deve ser carreada para o processo pelos executados.

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Conclusão:

Penhorado 1/3 do vencimento do executado, o pedido de isenção da penhora, pelo período de um ano, formulado ao abrigo do disposto no art. 824º, nº4 do Cód. de Processo Civil, configura incidente que segue a tramitação prevista nos arts. 302º a 304º desse diploma, não consubstanciando, de per si, uma hipótese de oposição à penhora (art. 863º A).

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro tendo em vista o processamento do incidente, nos termos supra determinados.

Sem custas.

Notifique.

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[1] Atente-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro: “Institui-se, por outro lado - na perspectiva de tutela dos interesses legítimos do sujeito passivo da execução -, uma forma específica de oposição incidental do executado à penhora ilegalmente efectuada, pondo termo ao actual sistema que, não prevendo, em termos genéricos, tal possibilidade, vem suscitando sérias dúvidas na doutrina sobre qual a forma adequada de reagir contra uma penhora ilegal, fora das hipóteses em que o próprio executado é qualificado como terceiro, para efeitos de dedução dos respectivos embargos. Assim, se forem penhorados bens pertencentes ao próprio executado que não deviam ter sido atingidos pela diligência - quer por inadmissibilidade ou excesso da penhora, quer por esta ter incidido sobre bens que, nos termos do direito substantivo, não respondiam pela dívida exequenda -, pode este opor-se ao acto e requerer o seu levantamento, suscitando quaisquer questões que não hajam sido expressamente apreciadas e decididas no despacho que ordenou a penhora (já que, se o foram, é manifesto que deverá necessariamente recorrer de tal despacho, de modo a obstar que sobre ele passe a recair a força do caso julgado formal)”.
[2] A referência de que os executados recorrentes são “fiadores”, constante dos arts. 1º a 3º do requerimento, é absolutamente inóqua porquanto os executados não extraem dessa alegação qualquer consequência, não se discutindo minimamente que estejamos perante um aval e não uma fiança, considerando os escritos e assinaturas constantes do verso da livrança.

[3] Daí que no requerimento em apreço os executados aludam aos elementos que compõem o respectivo agregado familiar, despesas do mesmo e rendimentos do casal, que se resumem, ao que é indicado, ao vencimento da executada, no valor líquido de 478,80€, porquanto o executado marido está desempregado.