Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1835/07.9TBCTB
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
ISENÇÃO
Data do Acordão: 09/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.824 CPC, 59, 67 CRP
Sumário: Nos termos do artigo 824º do CPC, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8.3, depois de concedida isenção judicial da penhora pelo período máximo previsto (um ano) ao abrigo do seu nº 4, só pode o juiz, excepcionalmente, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos do executado, mas não pode conceder nova isenção da penhora.
Decisão Texto Integral: 2

ACORDAM NESTA RELAÇÃO DE COIMBRA O SEGUINTE:

I – Relatório:
Por despacho de 28-04-2010 foi concedida, nos termos do artigo 824º/4 do CPC, a isenção de penhora dos rendimentos dos executados M (…) e L (…) pelo período de um ano.
Em 28.6.2011, os executados L (…) e M (…) vieram, novamente, deduzir incidente de isenção de penhora, a fls. 341 e a fls. 409, alegando, em síntese, que a sua situação económico-financeira actual é ainda mais deficitária que a existente aquando da anterior isenção.
Notificado, o exequente vem a fls. 471 opor-se a estas últimas pretensões apresentadas, pugnando pelo indeferimento do requerido. Alega, e em síntese, que o pedido agora novamente formulado consubstancia um expediente susceptível de retardar ou mesmo impedir a cobrança coerciva da quantia exequenda.
Por despacho de 6.12.2011, foi decidido reduzir a penhora efectuada nos autos a 1/4 do vencimento dos executados L (…) e M (…) pelo período de um ano.
Inconformados com esta decisão, os ditos exequentes recorrem, concluindo a sua alegação, no sentido de que se substitua essa decisão por outra que lhe conceda a isenção de penhora nos vencimentos por um ano, com base em que ao artigo 824º do CPC subjazem os princípios constitucionais que garantem ao cidadão e seu agregado familiar uma vida condigna, a independência social e económica da família e o direito ao salário conforme artigos 67º/2 al. a) e 59º da CRP.
O recurso subiu em separado e com efeito meramente devolutivo, sem que conste contra-alegação do exequente.
Tudo visto cumpre apreciar e decidir a questão da isenção da penhora (como os apelantes pretendem) ou da redução da penhora (como o tribunal recorrido decidiu).

II- Fundamentos:
A 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. Por decisão proferida neste autos, a 28 de Abril de 2010, entretanto transitada em julgado, junta a fls. 314 a 325 do p.p., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, fora declarado isento de penhora o vencimento auferido pelos executados L (…) e M (…), pelo período de um ano.
2. O executado L (…) continua a exercer funções profissionais de docente no Instituto Politécnico de Castelo Branco e aufere o rendimento mensal líquido de € 2.184,11.
3. A mulher do executado L (…), também executada nos presentes autos, exercia funções profissionais de gerente na sociedade M (…) & M (…), Lda., e auferia o montante mensal de € 1.605,21.
4. Por motivo do encerramento da aludida sociedade a mulher do sobredito executado ficou desempregada a partir de Julho de 2009 e deixou de auferir o referido vencimento.
5. A mulher do executado L (…), por não se tratar de trabalhadora por conta de outrem, não tem direito a beneficiar de subsídio de desemprego.
6. A partir de Outubro de 2009 e até Junho de 2011, a mulher do executado L (…) regressou à sua actividade de educadora de infância, por curtos períodos e em substituição temporária de colegas, auferindo cerca de € 147,74/mês.
7. O valor da prestação mensal do empréstimo contraído à Caixa Geral de Depósitos a partir de 13.01.2011 passou para €430,29 devido à alteração da taxa de spred.
8. O valor da prestação mensal do empréstimo contraído à Caixa Geral de Depósitos a partir de 30.06.2006 passou para €128,31.
9. Para garantirem o pagamento deste empréstimo os referidos executados celebraram um contrato de seguro de vida com a seguradora Fidelidade Mundial, SA., titulado pela apólice 5001152 com o prémio mensal actual de €84,49.
10. Os referidos executados celebraram ainda um contrato de seguro LAR, titulado pela apólice 8204487, com o custo anual de €41,58 correspondente à quantia mensal actual de €3,47.
11. Os referidos executados celebraram ainda um contrato de seguro multi-riscos habitação, titulado pela apólice MR50247932, com o custo anual de €178,65, correspondente à quantia mensal actual de €14,89.
12. Os referidos executados celebraram ainda um contrato de seguro “vida Grupo” com a apólice nº 5001202 com o prémio mensal actual de € 22,93.
13. O executado L (…) e mulher suportam a título de despesas de condomínio respeitante à referida habitação a quantia mensal de € 59,82.
14. O executado L (…) e mulher suportam a título de consumo de água a quantia média mensal de € 46,55.
15. O executado L (…) e mulher suportam a título de consumo de gás a quantia média mensal de € 32,30.
16. O executado L (…) e mulher suportam a título de consumo de energia eléctrica a quantia média mensal de € 91,23.
17. A título de seguro por incapacidade por acidente do filho do casal, (…)- contrato celebrado com a Companhia de Seguros Combined Insurance Company of Europe Limeted – Sucursal em Portugal – suportam o prémio anual de € 69,55, a que corresponde o prémio mensal de € 5,80.
18. A título de seguro por incapacidade por acidente do filho do casal, (…) contrato celebrado com a Companhia de Seguros Combined Insurance Company of Europe Limeted – Sucursal em Portugal – suportam o prémio anual de € 69,55, a que corresponde o prémio mensal de € 5,80.
19. O executado L (…) suporta semestralmente a título de inscrição na Ordem dos Engenheiros a quantia de € 60,00, a que corresponde a quantia mensal de € 10,00.
20. O executado L (…) suporta anualmente a título de inscrição na Associação de Construção Metálica e Mista a quantia anual de € 35,00, a que corresponde a quantia mensal de € 2,92.
21. Os executados L (…) e mulher suportam a título de almoço e material escolar dos filhos (…) e (…) o na Escola Básica e Secundária João Roiz, a quantia total mensal de cerca de € 23,92 e €17,56
22. Em alimentação e higiene para o agregado familiar, o executado L (…) e mulher suportam quantia mensal não inferior a € 650,00.
23. Em vestuário e calçado para o agregado familiar (quatro pessoas), o executado L (…)e mulher despendem, em média, quantia mensal não inferior a € 150,00.
24. O executado L (…) foi vítima de linfoma gástrico de alto grau de malignidade.
25. O executado L (…) tem que se deslocar uma vez por mês aos Hospitais da Universidade de Coimbra para fazer exames, tratamentos e consultas e suporta a título das respectivas despesas mensais quantia não inferior a € 120,00.
26. Em consequência das doenças que o afectaram e dos tratamentos, designadamente de quimioterapia a que foi submetido, o executado L (…) ficou com uma incapacidade permanente de 60%.
27. O executado L (…) encontra-se a frequentar Doutoramento na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
28. A título de propinas suporta anualmente a quantia de € 2750,00, a que corresponde a quantia mensal de € 229,17.
29. Para o efeito desloca-se duas a três vezes por semana à referida Faculdade e despende em transporte automóvel próprio, alojamento e refeições quantia não inferior a € 460,00.
30. O executado L (…) na sequência de acordo renegociado com o Serviço de Finanças, está a suportar o pagamento de uma dívida fiscal em 24 prestações, que em 30 de Junho de 2011 se fixou na quantia mensal de €803,25.
31. A executada M (…) continua a exercer funções profissionais docentes – Profª. Do 2º e 3º Ciclos e Sec. - e aufere o rendimento mensal liquido de € 1.461,07.
32. O marido da executada M (…), (…), também executado nos presentes autos, exercia funções profissionais de gerente na sociedade “M (…) e M (…)s, Lda”, auferindo o vencimento mensal de €1.600,00.
33. A referida sociedade foi declarada insolvente, encerrou a sua actividade em 22 de Junho de 2009 e o marido da executada ficou desempregado e deixou de auferir o referido vencimento.
34. Actualmente, e pelo menos desde Setembro de 2011, o marido da executada, (…) está a trabalhar numa fábrica de azeite, sita no Brasil, auferindo vencimento mensal em montante não concretamente determinado.
35. C (…), nascida em 20 de Setembro de 1996, e MM (…) nascido em 13 de Março de 1999, são filhos dos executados M (…) e (…).
36. A executada M (…) e o seu marido suportam a quantia média mensal de € 65,00 a título de consumo de EDP.
37. A executada M (…) e o seu marido suportam a quantia média mensal de € 134,42 a título de consumo de água e €133,52 a título de consumo de gás.
38. A título de seguro de saúde - contrato celebrado com a Companhia Seguradora Multicare – Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A. – suportam o prémio anual de € 761,78, a que corresponde o prémio mensal de € 63,99.
39. A título de seguro de saúde - contrato celebrado com a Companhia Alico, American Life Insurance Company – suportam o prémio anual de € 269,88 e 198,60, a que corresponde o prémio mensal de € 16,55 e 22,49.
40. A executada M (…) subscreveu o cartão “Oney” com o nº 6006189000001713928 através do qual tem acesso ao crédito de €2.300,00 para compras no Jumbo de Castelo Branco, e do qual paga mensalmente a quantia de €77,34, atento o valor utilizado.
41. A executada M (…) e o seu marido suportam a quantia mensal de € 145,31, a título de amortização do empréstimo contraído para reparação do veículo de matrícula 48-93-QZ, celebrado com a BMW Group Financial Services Portugal, no total de € 7.078,48, a pagar em 48 prestações, com início em 29/5/2009.
42. A executada e o seu marido contraíram um empréstimo (mútuo com hipoteca) para construção de uma casa de habitação, na zona da Granja, lote A 40, em Castelo Branco, no Banco Santander Totta e suportam o encargo mensal total de € 549,36 com a respectiva amortização.
43. A executada M (…) e o seu marido contraíram ainda um outro empréstimo em Outubro de 2007 para acabar a construção da referida casa de habitação, junto de João Marques Pedro, no montante de € 12.500,00, e obrigaram-se a liquidar tal quantia em prestações mensais de € 800,00, a partir de Janeiro de 2009.
44. A executada M (…) e seu marido suportam a título de alimentação e material escolar dos filhos (…), na Escola Básica e Secundária João Roiz, a quantia total mensal de cerca de € 29,43 e €20,54.
45. A executada M (…) é docente no Agrupamento de Escolas em Idanha-a-Nova, desloca-se diariamente a esta localidade, em veículo próprio (em virtude de os horários dos transportes públicos serem incompatíveis com os horários das suas aulas) e percorre 70 Km por dia útil.
46. A executada M (…) despende em almoços, em dias úteis, em Idanha-a-Nova, a quantia de € 3,80, no total de € 76,00 mensais.
47. Com as despesas de alimentação do agregado familiar, não incluídas nos pontos 44) e 45), a executada e o marido despendem mensalmente quantia não inferior a € 350,00.
48. Em consultas médicas do mês de Janeiro e Abril Maio de 2011 a executada despendeu a quantia de € 79,00.
49. Com as despesas de higiene (limpeza da casa e higiene pessoal) a executada e o marido despendem mensalmente quantia não inferior a € 50,00.
50. Com as despesas de vestuário e calçado do agregado familiar (quatro pessoas), a executada e o marido despendem mensalmente quantia não inferior a € 100,00.
Nada há a modificar quanto a essa factualidade, em termos de prova.

Os executados apelantes beneficiaram anteriormente (1º despacho referido no relatório) da isenção da penhora dos vencimentos durante um ano. Posteriormente, pedida nova isenção, a decisão recorrida não concedeu nova isenção, mas sim reduziu a penhora efectuada nos autos a 1/4 do vencimento dos executados e estes insistem no recurso na concessão dessa nova isenção.
Os apelantes invocam princípios que na sua perspectiva estão consagrados na Constituição da República, mas não invocam qualquer norma ordinária aplicada pelo tribunal recorrido, a qual na sua perspectiva esteja eivada de inconstitucionalidade.
Quanto à penhora de vencimentos, consta dos nºs 1 e 2 do artigo 824º do CPC que são impenhoráveis 2/3 do vencimento, com o limite máximo de 3 SMN e o mínimo de 1 SMN; ou seja: para os anos de 2011 e 2012 estão legalmente isentos de penhora 2/3 do vencimento mas o montante isento não pode ser superior a 1455 euros nem inferior a 485 euros. Mas outros nºs estabelecem desvios a essa regra.
Além dessa isenção legal de penhora em parte do vencimento, pode ainda haver isenção a conceder pelo juiz perante cada caso concreto e nos termos do nº 4 do art. 824º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003 de 8.3.
Esse nº 4 prevê a possibilidade de o juiz conceder uma redução excepcional na parte penhorável por um período razoável, bem como a possibilidade de o juiz conceder isenção de penhora por período não superior a um ano. Nestes termos:
«Ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excepcionalmente, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora».
Com a alteração feita a esse artigo pelo Decreto-Lei nº 226/2008 de 20.11, o artigo passou a preceituar nos nº 4 e 5 e no nº 6 que aditou:
«4-A requerimento do executado, o agente de execução, ouvido o exequente, isenta de penhora os rendimentos daquele, pelo prazo de seis meses, se o agregado familiar do requerente tiver um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou inferior a três quartos do valor do Indexante de Apoios Sociais.
5- A requerimento do executado, o agente de execução, ouvido o exequente, reduz para metade a parte penhorável dos rendimentos daquele, pelo prazo de seis meses, se o agregado familiar requerente tiver um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a três quartos e igual ou inferior a duas vezes e meia do valor do Indexante de Apoios Sociais.
6- Para além das situações previstas nos nºs 4 e 5, a requerimento do executado, pode o agente de execução, ouvido o exequente, propor ao juiz a redução, por período que considere razoável, da parte penhorável dos rendimentos, ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar».
Note-se que esta nova redacção dada ao art. 824º pelo Decreto-Lei nº 226/2008 não é aplicável ao caso, porque o processo é de 2007 e essa nova redacção apenas é aplicável aos processos instaurados após 31.3.2009 (art. 22º e 23º).
Assim, pela redacção do nº 4 aplicável neste processo, concedida a isenção de penhora pelo período máximo que a lei permite (um ano), os executados não podem legalmente beneficiar de nova isenção de penhora. O que a lei não afasta expressamente é a possibilidade de o juiz, após o período de isenção, conceder uma redução excepcional na parte penhorável por um período razoável, mediante ponderação do montante e da natureza do crédito exequendo, bem como das necessidades do executado e do seu agregado familiar. Ponderação essa que, nos termos em que foi efectuada pelo tribunal recorrido, não nos merece censura, dadas as patentes dificuldades económicas dos executados, mas também atendendo a que os executados já beneficiaram de isenção e pelo período máximo, e atendendo ainda à legítima expectativa (e direito) do exequente de obter o pagamento do seu crédito, pois que é regra fundamental a de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (art. 406º do CC).
Ora, redução é menos do que isenção. E a lei não permite mais do que redução e a título excepcional.
Não pode, pois, proceder a pretensão dos executados, no sentido de nova isenção de penhora.
O caso não tem a ver com independência social, nem a Constituição consagra princípios de independência social e económica da família. A dependência económica da família, no sentido em que os membros da família obtenham rendimentos trabalhando por conta de outrem ou no sentido de adstrição dos cidadãos ao cumprimento dos contratos que livremente celebraram, é perfeitamente compatível com as regras e princípios da Constituição.
A vida condigna está minimamente assegurada pelas regras de impenhorabilidade, isenção temporária e redução da penhora, que o art. 824º do CPC estabelece, havendo uma margem de livre conformação pelo legislador, que está patente nas sucessivas redacções do artigo.
O direito ao salário não está posto em causa pela não isenção da penhora.

Em síntese final:
Nos termos do artigo 824º do CPC, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8.3, depois de concedida isenção judicial da penhora pelo período máximo previsto (um ano) ao abrigo do seu nº 4, só pode o juiz, excepcionalmente, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos do executado, mas não pode conceder nova isenção da penhora.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente, confirmando a decisão impugnada.
Custas pelos apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário de que porventura gozem.
Coimbra, 2012-09-25



Virgílio Mateus ( relator )
Carvalho Martins
Carlos Moreira