Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2631/07.9TBPBL
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
INFRACÇÕES COM CARÁCTER DURADOURO OU PERMANENTE
INFRACÇÕES INSTANTÂNEAS COM EFEITOS DURADOUROS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 06/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 5.º E 27.º DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES; 119.º, N.º 2, ALÍNEA A) DO CÓDIGO PENAL.
Sumário: I. - Na categoria dos ilícitos duradouros ou permanentes enquadram-se as infracções em que a realização de acto ou a produção de evento com prolongamento no tempo do estado antijurídico típico por efeito de constante renovação da resolução criminosa do agente, o qual tem a faculdade de lhe por termo a qualquer altura.
II. - Este tipo de ilícitos estrutura-se em duas fases distintas: uma primeira, que se analisa na produção de um estado antijurídico, e que nada tem de distinto em relação às demais infracções; uma segunda, esta específica e a conferir justificação material ao diferente regime, mormente no domínio da contagem do prazo prescricional, como emerge do artº 119º, nº2, al. a) do CP, correspondente à manutenção desse evento e que consiste no cumprimento do comando (tácito) que impõe a remoção pelo agente dessa compressão de bens ou interesses jurídicos, em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz. Assim, no crime permanente, haverá, pelo menos, uma acção e uma omissão, estruturalmente indivisíveis e que a lei integra numa só figura criminosa
III. – Ao invés do que sucede com os ilícitos de carácter permanente nos ilícitos instantâneos com efeitos duradouros inexiste o dever jurídico de remoção das consequências duradouras e também a constante renovação da resolução criminosa.
IV. – Tendo sido imputada ao arguido uma infracção consubstanciada na construção de uns anexos sem que tivesse previamente obtido a competente licença camarária a infracção consuma-se com a finalização das obras, ainda que os efeitos da infracção se prolonguem no tempo. Estamos, assim, perante um ilícito instantâneo, embora de efeitos duradouros.
V. – Não indicando a decisão impugnanda a data em que se verificou a conclusão das edificações, mas tão só a sua existência pelos serviços de fiscalização, omitiu um elemento essencial para estabelecimento do momento a partir do qual deve iniciar a contagem do prazo de prescrição.
Decisão Texto Integral: Por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Pombal, foi AA … condenado na coima de €1.000,00 (mil euros) pela prática de contra-ordenação p. e p. pelos artºs 4º, 98º, nº1, al. a) e 98º, nº2, do D.L. nº 555/99, de 16/12, com as alterações introduzidas pelo D.L. 177/2001, de 4/7.
O acoimado impugnou judicialmente essa decisão, vindo o processo a ser remetido para o Tribunal Judicial de Pombal e distribuído ao 1º Juízo, com o NUIPC nº 2631/07.9 TBPBL.
Por decisão de 24/01/2008, após audiência, foi julgado improcedente o recurso, nos seguintes termos[i]:

(...)

QUESTÃO PRÉVIA

Comecemos por analisar se efectivamente se verifica a prescrição pois a ter ocorrido desnecessário de torna apreciar as outras questões em causa nos autos.

O artigo 27° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27/10, dispõe que "o procedimento criminal por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a € 49.879,79;

Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2493,99 e inferior a € 49879,79;

Um ano nos restantes casos".

O artigo 28°, n° 1, diz que "A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação;

Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

Com a notificação ao arguido para o exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima".

O montante máximo da coima aplicável à contra-ordenação em causa nos autos é de €199.519,16 (pessoas singulares).

No caso em presença os factos reportam-se a 07.03.2006.

Compulsados os autos verifica-se que o arguido foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 50° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27/10, em 26 de Junho de 2006 - é o que resulta do documento de fis. 13.

Mais resulta que o arguido foi notificado da decisão administrativa em 10 de Outubro de 2007 (fis. 64).

Do exposto conclui-se que o prazo de prescrição no caso dos autos é de cinco anos, não estando, pois, prescrito o procedimento contra-ordenacional.

Inexistem outras nulidades, excepções ou questões prévias.

II— FUNDAMENTAÇÃO

A — DE FACTO

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

No dia 7 de Março de 2006 verificou-se que o arguido tinha procedido à construção de anexos do lado nascente da sua casa de habitação, constando de um barracão em alvenaria de blocos cobertos com chapa de fibrocimento com as dimensões de 8x9rn, do lado sul um telheiro para alfaias agrícolas e lenhas com pilares em betão e cobertura com chapas zincadas com 8x12m, do lado esquerdo do barracão voltado para sul um telheiro em alvenaria com três compartimentos com 8x6m, do lado direito um barracão em alvenaria de blocos coberto com chapas com 4x9m e voltado para nascente um telheiro com lenha e dois cortelhos com suínos coberto com chapas zincadas com 2x9 m (construções contíguas que totalizam uma área coberta de 270m2) e para nascente encontram-se barradas em madeira cobertas com chapas de construção rudimentar com galináceos com 5x9m, sem que para tal se tivesse munido das competentes licenças ou autorizações administrativas ou qualquer licença emitida ao abrigo da legislação anterior;

Por via disso foi-lhe aplicada coima no montante de 1000 euros;

O arguido não pagou a coima;

Matéria de facto não provada:

Nada mais de provou com relevância para a decisão da causa. Motivação da matéria de facto:

A convicção positiva do tribunal fundou-se na análise da participação de fls. 10, na decisão administrativa de fls. 58 a 60, conjugadas com a prova produzida em julgamento.

Foram desde logo consideradas as declarações do arguido que confessou ter construído as edificações em causa nos autos sem qualquer licença ou autorização, esclarecendo que nunca foi tratar de nada relacionado com tais licenças.

Por outro lado, foi considerado o depoimento espontâneo e credível da testemunha Amadeu Nogueira, fiscal municipal que levou a cabo a acção de fiscalização que esteve na origem da presente contra-ordenação, confirmando, em audiência, que as construções do arguido não estão licenciadas.

O próprio filho do arguido, a testemunha BB …, confirmou que quando o pai procedeu à construção dos barracões em causa nos autos não tinha a respectiva licença.

A convicção negativa teve por base a falta de prova bastante dos factos não provados.

B — DE DIREITO

Dos factos provados resulta, efectivamente, que o arguido cometeu a contra-ordenação por que foi condenado pela autoridade administrativa, pois que no dia 07.03.2006, os fiscais municipais da Câmara Municipal de Pombal verificaram que o arguido tinha procedido à construção dos anexos e barracões identificados nos factos provados sem que para tal se tivesse munido das competentes licenças ou autorizações administrativas previstas no artigo 4° do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro.

Nestes termos terá que ser julgado improcedente o presente recurso.

III - DECISÃO

Por todo o exposto, julgo improcedente o presente recurso e decido manter a decisão administrativa que foi aplicada ao arguido.

(...)
Inconformado com essa decisão, AA … vem interpor recurso, extraindo das motivações a seguinte síntese conclusiva:

1ª — O arguido vem acusado de ter construído uns anexos à sua casa de habitação, sem estar munido da competente licença camarária.

2ª — Foi-lhe aplicada uma coima no valor de €1.000,00.

3ª — O facto deve ser considerado praticado no momento em que o arguido actuou.

4ª — Não deve ser considerada como data da prática dos factos a data da elaboração da participação pela autoridade administrativa.

5ª — Na douta sentença ora recorrida, não se refere a data da construção dos anexos.

6ª — Deve ser considerada como data da construção dos anexos pelo arguido o ano de 1982/1983.

7ª — O prazo para a prescrição do procedimento contra-ordenacional não deve contar a partir da data da elaboração da participação, mas sim da data da construção dos anexos.

8ª — Se o prazo para a prescrição fosse contado da data da elaboração da participação, nunca ocorreria qualquer prescrição.

9ª — O procedimento contra ordenacional deve ser julgado prescrito.

10ª — Caso não se considere provado o ano da construção dos anexos, por referência às declarações do arguido e das testemunhas, então deve aplicar-se ao arguido o principio do in dúbio pró reo.

11ª — Devendo, assim, ser absolvido da prática da contra-ordenação por que vem acusado.

12ª — Igualmente, não se dando relevância às declarações do arguido e das testemunhas, deve o julgamento ser anulado.

13ª — O Tribunal violou os artigos 5° e 27° do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas.
Respondeu o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, deixando as seguintes conclusões:

1ª O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação haja decorrido cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a €49879,79.

2ª O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.

3ª Os ilícitos permanentes não se confundem com ilícitos de efeitos duradouros ou permanentes.

4ª Crimes permanentes são aqueles cuja execução se prolonga no tempo, no sentido de que há uma voluntária manutenção da situação antijurídica, até que ele cessa, por isso o início do prazo de prescrição se inicia com a cessação do facto executivo.

5ª Nos crimes permanentes a infracção renova-se constantemente em todos os seus elementos constitutivos.

6ª No caso, mesmo considerando que as construções em causa tiveram lugar nos anos de 1982/83, as mesmas mantiveram-se até ao presente, o que tipifica uma conduta contra-ordenacional permanente.

7ª Portanto o início do prazo de prescrição só começa a contar-se após a cessão do facto censurável.

8ª Nesta conformidade, não decorreu ainda o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Pelo exposto, não deverá ser dado provimento ao recurso interposto.
Também o Município do Pombal veio aos autos, posicionando-se pela manutenção da decisão recorrida.
Neste Tribunal, o Srº Procurador-Geral adjunto emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no artº 417º, nº2 do CPP, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos e realizou-se conferência.
Fundamentação
Âmbito do recurso
É pacífica a doutrina e jurisprudência[ii] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[iii].
De acordo com o disposto nos artºs. 66º e 75º, nº1, do D.L. 433/82, de 27/10[iv], no domínio contra-ordenacional este Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista e como última instância, sem prejuízo do conhecimento dos vícios da decisão contemplados no artº 410º, nº2, do CPP (revista ampliada), porquanto os preceitos do ordenamento processual penal constituem direito subsidiário do processo contra-ordenacional[v].
Nas conclusões, o recorrente coloca a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, pretende que seja reapreciada a prova produzida e, finalmente, a anulação do julgamento. Porém, emerge da decisão recorrida a necessidade de conhecer oficiosamente dos vícios previstos nas alíneas a) e b) do nº2 do artº 410º do CPP.
Apreciação
Como se disse, a primeira questão colocada pelo recorrente prende-se com a ultrapassagem do prazo prescricional, com o que retoma o que já havia referido na impugnação judicial. Referiu então que as edificações referidas na condenação foram construídas em 1983/84, iniciando-se então a contagem do prazo prescricional, que considera ser de dois anos, nos termos dos artsº 27º, al. b) e 17º, nº1, do D.L. 433/82, de 27/12. Consequentemente, considera que o prazo prescricional mostra-se, há muito, ultrapassado.
A infracção contra-ordenacional por que o recorrente foi condenado consiste na realização de obra de construção – neste caso de barracões e um telheiro – sem as competentes licenças ou autorizações. O artº 4º, nº2, al. c) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, constante do D.L. 555/99, de 16/12[vi], estabelece a obrigatória precedência de licença administrativa para «as obras de construção, de ampliação ou de alteração em área não abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor». Por seu turno, o artº 98º, nº1, al. a) do mesmo diploma, prevê como contra-ordenação «a realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento ou autorização sem o respectivo alvará, excepto nos casos previstos nos artigos 81.º e 113.º», sendo os dois últimos preceitos claramente inaplicáveis à situação dos presentes autos.
Estamos, claramente, perante ilícito que visa atingir correcto ordenamento urbanístico, garantindo que nenhuma edificação relevante seja construída sem prévio apreciação da Administração Pública. Nessa medida, completada a obra, fica consumado o ilícito contra-ordenacional e tem início o prazo prescricional (arts 5º e 27º do D.L. 433/82, de 27/12). Prazo esse que, atento o montante máximo da coima aplicável, é de cinco anos (artº 27º, al. a) do D.L. 433/82, de 27/12).
 Com o devido respeito, não assiste razão ao Ministério Público quando refere que nos encontramos perante infracção permanente, o que projectaria o início da contagem desse prazo para a cessação da conduta ilícita.
Na categoria dos ilícitos duradouros ou permanentes enquadram-se as infracções em que a realização de acto ou a produção de evento com prolongamento no tempo do estado antijurídico típico por efeito de constante renovação da resolução criminosa do agente, o qual tem a faculdade de lhe por termo a qualquer altura[vii]. Como ensina Eduardo Correia, este tipo de ilícitos estruturam-se em duas fases distintas: uma primeira, que se analisa na produção de um estado antijurídico, e que nada tem de distinto em relação às demais infracções; uma segunda, esta específica e a conferir justificação material ao diferente regime, mormente no domínio da contagem do prazo prescricional, como emerge do artº 119º, nº2, al. a) do CP, correspondente à manutenção desse evento e que consiste no cumprimento do comando (tácito) que impõe a remoção pelo agente dessa compressão de bens ou interesses jurídicos, em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz. Assim, no crime permanente, haverá, pelo menos, uma acção e uma omissão, estruturalmente indivisíveis[viii] e que a lei integra numa só figura criminosa[ix]. Encontramos na esfera criminal exemplos desse tipo de ilícitos nos crimes de sequestro, associação criminosa e de introdução em lugar vedado ao público, sendo o seu figurino perfeitamente compatíveis com o ordenamento contra-ordenacional[x].
Ora, esta tipologia de infracções não se confunde com a dos ilícitos instantâneos com efeitos duradouros pois, nestes, inexiste o dever jurídico de remoção das consequências duradouras e também a constante renovação da resolução criminosa, e tem como exemplos expressivos o furto[xi] ou a bigamia[xii].
Acontece que, ao contrário do que afirma o Ministério Público, a conduta típica não é a da manutenção de construção mas sim a da sua realização, sem que resulte da lei específico dever de a remover e muito menos a constante renovação da resolução por parte do agente. Nessa medida, o tipo contra-ordenacional imputado ao acoimado Manuel de Jesus Gaspar Raimundo conforma-se como ilícito instantâneo, embora de efeitos duradouros, consumado e exaurido com a finalização da obra sem a devida licença ou autorização[xiii]. Diferente seria se a infracção fosse a de ocupação de habitação sem a correspondente licença de utilização (artº 98º, nº1, al. c) do D.L. 555/99, de 16/12), essa sim, contra-ordenação que só fica exaurida quando cessa a ocupação não licenciada.
Aqui chegados, avulta da decisão administrativa que a data da conclusão das obras de construção não licenciadas não vem indicada. Vem apenas referida a data da verificação da existência das construções, ou seja, a data do conhecimento dos factos, o que pode ou não corresponder à sua data de conclusão dos anexos. Perante a decisão de fls. 58 a 60, permanece dúvida sobre o momento do cometimento da contra-ordenação, pois nem mesmo vem indicada segurança quanto à ocorrência dos factos após a vigência do D.L. 555/99, de 16/12.
Neste quadro, a alegação do arguido na impugnação judicial de que as edificações foram concluídas nos anos de 1983 e 1983 envolve a afirmação da consumação da contra-ordenação em data anterior a 31/12/1983 e sobre ela deveria o Tribunal tomar posição, em termos de a considerar provada ou não provada. Porém, tal não aconteceu.
Como decorre da transcrição supra, o ponto 1 dos factos provados apenas indica o momento em que foi verificada a existência dos anexos e não quando foram concluídos. Paralelamente, a indicação de factos provados é feita com a expressão «Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa», o que significa que o Tribunal a quo não ponderou, como devia, a alegação efectuada pelo recorrente quanto à conclusão dos anexos. Aliás, essa foi, afinal, a única questão colocada na impugnação pois o recorrente nunca pôs em crise a autoria da obra, a sua localização, a exigência de licença ou autorização nem a edificação dos anexos sem prévia concordância administrativa.
Tal ausência de tomada de posição sobre elemento factual crucial para a decisão, e em relação ao qual não se vislumbra indeterminabilidade[xiv], mormente por referência ao ano de conclusão da obra, significa que a decisão da impugnação judicial enferma de omissão de pronúncia, nos termos do artº 379º, nº1, al. c) do CPP, cumprindo, como permite o disposto no artº 75º, nº2, al. b) do D.L. 433/82, de 27/12, determinar a sua anulação e a devolução do processo ao tribunal recorrido, para supressão da apontada omissão[xv]
Por outro lado, pese embora o artº 75º nº2, al. a) do D.L. 433/82, de 27/12, preveja a possibilidade de alteração da decisão recorrida, esse poder não posterga a restrição dos poderes de cognição deste Tribunal da Relação apenas à matéria de direito, impedindo que, como pretende o recorrente, seja conhecida da prova testemunhal produzida em audiência. O regime da impugnação alargada da decisão em matéria de facto consignado nos artºs 412º, nº3 e 421º, al. b) do CPP não tem aplicação no ordenamento contra-ordenacional, face ao disposto no artº 75º, nº1, do D.L. 433/82, de 27/12.
Procede, então, nos termos expostos, o recurso.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação de Coimbra em:
Conceder provimento ao recurso;

Anular a decisão recorrida e ordenar a substituição por outra que tome posição relativamente à alegada data de conclusão das edificações referidas na decisão administrativa, com a

[i] Transcrição parcial
[ii] Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[iii] Cfr., por exemplo, art.ºs 74.º, n.º 4, 75.º, n.º 2, alínea a), do DL 433/82, de 27/10 e 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iv] Com as alterações introduzidas pelos D.L. 356/89, de 17/10 e 244/95, de 14/9 bem como pela Lei 109/2001, de 24/12, doravante referido por RGCO..
[v] Artºs. 41º, nº1 e 74º, n4, do RGCO.
[vi] Alterado pelo D.L. n.º 177/2001, de 4 de Junho
[vii] Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Ed., 2ª edição, 2007, pág. 314.
[viii] Maia Gonçalves, citando A. Carvalho Filho, escreve: «Ao contrário do crime continuado, em que a acção criminosa é divisível, no crime permanente essa acção é indivisível. ‘O estado violador da lei prolonga-se sem intervalos, numa duração, digamos assim, sem colapsos nem limites, e a qualquer momento está sendo cometido o crime, porque esse ininterrupto estado anti-jurídico é que é, exactamente, o crime. A prescrição, portanto,há-de correr de quando cessa a permanência da acção’», in Código Penal anotado, 1995, vol I, pág. 834.
[ix] Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, 1983 (reimpressão ), nota 1 da pág. 23.
[x] Sobre a distinção entre os ilícitos permanentes e os ilícitos de estado, mormente relativamente a infracções contra-ordenacionais, cfr. ainda os Acs. da Relação de Lisboa de 28/03/2001, 00112623, relator Des. Santos Monteiro, www.dgsi.pt.
[xi] Eduardo Correia, Direito Criminal, vol I, Almedina, 1971, pág. 310.
[xii] Maia Gonçalves, ob. cit, 834.
[xiii] Outros exemplos de contra-ordenações de natureza instantânea no âmbito do regime jurídico da urbanização e da edificação encontram-se no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 21/05/97, CJ, ano 3, pág. 234, referido pelo recorrente nas motivações, e o Acórdão desta Relação de Coimbra de 13-12-2000, Pº 2783/2000, relatora Des. Rosa Coelho, www.dgsi.pt.
[xiv] Observe-se que, aparentemente, o Ministério Público concorda com a indicação de que foi feita prova de que os anexos foram concluídos na data indicada pelo recorrente. Lê-se no corpo das motivações, a fls. 111: «O arguido alega que os factos não foram praticados em 07/03/2006, conforme consta da decisão, mas sim no ano de 1982/83, conforme resulta da prova produzida em sede de audiência. Efectivamente, foi nessa data que o arguido procedeu à construção dos anexos aqui em discussão, embora essa situação se tenha mantido até à actualidade, designadamente até 07/03/2006, data em que os Fiscais Municipais procederam ao levantamento da contra-ordenação» (negrito e sublinhado nossos).
[xv] Importa ainda notar que a decisão suscita interrogação sobre o que se pretendeu indicar como não provado pois, sendo referido que nada se provou com relevância para a decisão da causa, o que significa que o Tribunal a quo entendeu que nenhuns deviam ser levados a essa parte dos fundamentos de facto, ainda assim é feita menção de que «A convicção negativa teve por base a falta de prova bastante dos factos não provados».