Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2966/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. GARCIA CALEJO
Descritores: NULIDADES PROCESSUAIS. MODO E PRAZO DE ARGUIÇÃO
Data do Acordão: 11/04/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Legislação Nacional: ARTS. S 201°, 203° N° 1, N°1 DO ART. 205° E ART. 153° N° 1 DO C.P.CIVIL
Sumário:
As nulidades em causa, não se colocando as hipóteses de a parte ter estado presente aquando do seu cometimento ou de ter intervindo depois em algum acto praticado no processo, deveriam ter sido arguidas no prazo de 10 dias a contar da notificação para qualquer termo do processo. Porém, neste caso, o prazo só se inicia quando deva presumir-se que o interessado então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- Relatório:
1-1- No processo 172/99 que corre seus termos no Tribunal Judicial de Soure e em que é exequente a Caixa de ...., com sede em Vila Nova de Anços, Soure e executada Maria do ..., com residência em Torre do Sobral, Soure, foi penhorado a esta um “barracão amplo de r/ch e sótão e casa de banho sito em Torre do Sobral, com área de 800 m2 e não descrito na Conservatória de Registo Predial, como valor patrimonial de 108.000$00”.
1-2- Por despacho judicial de 20-2-02, foi ordenada a venda do bem penhorado por propostas em carta fechada, tendo sido designado o dia 17-4-02, pelas 9,30, para abertura das propostas.
1-3- Por requerimento que deu entrada em juízo em 15-4-2002, veio invocar a executada Maria do Rosário, a nulidade decorrente de a Secretaria ter deixado de cumprir o despacho que ordenou a penhora de todos os móveis pertencente à 1ª executada ( Cactofloral Ldª ) e as nulidades resultantes de a Secretaria ter deixado de notificar a requerente do despacho que ordenou a penhora, da realização desta e do teor do requerimento de nomeação de bens à penhora de iniciativa da exequente.
1-4- Por despacho de 16-4-02 o Mº Juiz indeferiu o requerido, por considerar ( claramente ) ultrapassado o prazo para arguição das invocadas nulidades, sendo., por isso, essa invocação extemporânea.
1-4- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer a executada Maria do Rosário, recurso que foi admitido como agravo, com subida deferida ( uma vez concluída a venda ), em separado e com efeito devolutivo.
1-5- A recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- O tribunal reconhece estarem os presentes autos “contaminados” com as nulidades invocadas pela recorrente.
2ª- A exequente veio nomear à penhora e só em terceiro lugar nomeou o imóvel que está à venda, o despacho proferido ordenou a penhora dos outros bens, mas a secretaria nunca deu à execução estes.
3ª- Sendo a recorrente devedora subsidiária e a Cactofloral Ldª a devedora principal, não deixa de ser inquietante a omissão da secretaria.
4ª- A recorrente não dispõe de formação jurídica, nunca teve intervenção nos autos e só em 11-4-02 é que, por intermédio do subscritor do requerimento, acedeu aos autos consultando-os e logo em 15-4-02 conferiu poderes forense, tendo em vista a invocação das nulidades de que tomou conhecimento e a reclamação chegou aos autos, no próprio dia 15-4-02, através de comunicação via fax.
5ª- As notificações são normalmente feitas por via postal e através delas o notificado não toma conhecimento do conteúdo integral do processo mas apenas do acto específico que é objecto da notificação, não sendo obrigatório que o interessado, após a notificação tenha de ir consultar o processo, com intenção de vicariar a actividade judicial, para saber se a secretaria praticou um acto que a lei não admite ou se omitiu outro que a lei prescreveu, sendo ainda certo que não estamos perante um processo onde o patrocínio seja obrigatório.
6ª- O tribunal na notificação feita à recorrente, em 15-2-02 apenas solicitou desta que se pronunciasse quanto à modalidade de venda e na notificação de 26-2-02 apenas deu conhecimento da data da venda e tendo esta tomado conhecimento destes singulares factos não se segue de ocorrer ao tribunal para ver estes cumprira ou não todas as obrigações processuais, nos termos do art. 838º nº 1 do C.P.Civil e principalmente para verificar se a secretaria cumprira ou não o despacho que ordenara, em primeiro lugar, a penhora de todos os bens móveis pertença da 1ª executada.
7ª- As secretarias judiciais é que têm de ser diligentes pois os seus operadores dispõem, ou devem dispor, de preparação e formação técnica para poderem cumprir os seus deveres funcionais e assegurarem assim a regular tramitação dos processos, executando os despachos judiciais em todo o seu conteúdo e extensão e não apenas em parte.
8ª- Se tivesse sido feita a penhora dos bens móveis que constituíam o recheio do estabelecimento da 1ª executada, com acordo com o princípio da suficiência, porventura não carecia de ter sido penhorado o imóvel pertença da ora recorrente.
9ª- A decisão recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 201º, 207º, 205º, 199º, 194º, 200º, 193º, 204º nº 1 e 2, 153º, 886º A nº 1, 161º nº 1 e 2, 834º, 836º, 833º, 836º nº 3, 838º nº 1 e 863 A al.b) do C.P.Civil e arts. 638º, 627º nº 2 do C.Civil.
Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que defira o dito requerimento de arguição de nulidades, anulando-se todo o processo e todos os actos praticados desde a efectivação da penhora e todos os actos que venham ainda a praticar-se doravante nos autos, mormente a venda do imóvel.
1-6- A parte contrária não respondeu a estas alegações.
1-7- O M.º Juiz recorrido manteve a sua decisão.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Como se disse acima, Mº Juiz indeferiu o requerimento de arguição de nulidades, por considerar ultrapassado o prazo para se poder efectuar essa arguição.
O Mº Juiz, tendo tomado esta posição, não se embrenhou na apreciação de fundo ou substancial das invocadas nulidades. Serve isto para dizer que, contra o que refere a agravante, o tribunal não reconheceu estarem os presentes autos “contaminados” com as nulidades invocadas.
A razão do indeferimento da arguição das nulidades, foi por esta ter sido extemporânea.
É evidente que o efeito útil do agravo será o determinar-se se essa arguição foi, na realidade, tardia, ou se, pelo contrário, foi feita em tempo útil. É neste ponto que reside, essencialmente, o objecto do presente recurso.
2-2- Para conhecimento do agravo, dão-se como assentes as seguintes circunstâncias:
a) Por requerimento da exequente, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vila Nova de Anços, entrado em 12-5-00 no processo de execução supra mencionado, foram nomeados à penhora os móveis que constituem o recheio do estabelecimento da executada Cactofloral, todos os saldos bancários de que esta é titular, um imóvel e os saldos bancários que os executados Maria do Rosário e João Fernando são titulares.
b) Por despacho judicial de 19-5-00 proferido, foi ordenada a penhora dos bens móveis, das contas bancárias e do imóvel nomeado.
c) Por despacho judicial proferido a 13-2-02, foi ordenada a notificação da exequente e executados para, em 10 dias, se pronunciarem quanto à modalidade e valor da venda.
d) Por nota de notificação com a data de 15-2-02, foi a executada Maria do Rosário notificada do despacho referido em c).
e) Por despacho judicial proferido a 20-2-02, foi ordenada a venda do imóvel penhorado, por carta fechada, a realizar no tribunal no dia 17 de Abril de 2002, pelas 9,30 horas.
f) Por nota de notificação com a data de 26-2-02, foi a executada Maria do Rosário notificada do despacho referido em e).
g) Por requerimento que deu entrada em juízo em 15-4-2002, veio invocar a executada Maria do Rosário, invocar as nulidades supramencionadas e que a seguir se irão, novamente, referir.
h) A executada passou procuração a mandatário judicial a 15-4-02.
2-3- As nulidades arguidas pela executada Maria do Rosário no requerimento que desencadeou o despacho recorrido, decorrem de a secretaria ter deixado de cumprir o despacho que ordenou a penhora de todos os móveis pertencente à 1ª executada ( Cactofloral Ldª ) e da a secretaria ter deixado de a notificar do despacho que ordenou a penhora, da realização desta e do teor do requerimento de nomeação de bens à penhora de iniciativa da exequente.
Quer isto dizer que a ora recorrente arguiu nulidades em relação ao cumprimento incorrecto, pela secretaria, do despacho que ordenou a penhora e a falta de notificações a si, por banda da secretaria, no que concerne ao despacho que ordenou a penhora, ao acto de realização desta e ao teor do requerimento de nomeação de bens à penhora de iniciativa da exequente.
Como se viu, a ora recorrente foi notificada para se pronunciar quanto à modalidade e valor da venda, por nota de notificação enviada com a data de 15-2-02. Novamente a mesma foi notificada, por nota de notificação enviada com a data de 26-2-02, de que a venda do imóvel penhorado se iria realizar, por carta fechada, no tribunal, no dia 17 de Abril de 2002, pelas 9,30 horas. A recorrente veio invocar as nulidades por requerimento que deu entrada em juízo em 15-4-2002.
Foi este requerimento tempestivo? Ou foi extemporâneo, como se decidiu na 1ª instância ?
É esta questão que urge apreciar e decidir.
Não sendo possível, patentemente, englobar as arguidas nulidades nas nulidades mencionadas nos arts. 193º, 194º, 198º, 199º e 200º do C.P.Civil ( diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem ), as mesmas ( a existirem ) deverão ser consideradas abrangidas pelo dispositivo do art. 201º segundo o qual “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
No que toca à arguição destas nulidades, estabelece o art. 203º nº 1 que elas deverão ser arguidas pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto, acrescentando o nº 1 do art. 205º quanto ao momento da arguição que “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que foram cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligencia”.
Não estabelecendo esta disposição prazo concreto para a arguição das nulidades, deve entender-se que esse prazo será o supletivo geral, isto é, 10 dias de harmonia com o disposto no art. 153º nº 1.
Quer isto dizer que as nulidades em causa, não se colocando as hipóteses de a parte ter estado presente aquando do seu cometimento ou de ter intervindo depois em algum acto praticado no processo, deveriam ter sido arguidas no prazo de 10 dias a contar da notificação para qualquer termo do processo. Porém, neste caso, o prazo só se inicia quando deva presumir-se que o interessado então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
No caso vertente o Mº Juiz entendeu teoricamente assim as coisas, tendo, porém concluído que “tendo a exequente sido notificada por duas vezes para os termos do processo, ficou por essa forma a saber que o processo se encontrava já em fase de venda, não podendo ignorar que não havia sido notificada do despacho que determinou a penhora e da efectivação da mesma, podendo perfeitamente conhecer dessa nulidade agindo com a devida diligencia, como poderia conhecer o facto de a secretaria não ter dado cumprimento integral ao despacho que determinou a penhora, caso tivesse agido com essa mesma diligência”. Por isso, considerou que o prazo para arguição das nulidades já há muito se havia esgotado. Isto é, no prisma da decisão recorrida, se a requerente tivesse agido com diligência, ao ser notificada para os ditos actos, teria detectado as nulidades, pelo que deveria, no prazo de 10 dias, a partir dessas notificações, invocá-las. Entendeu-se que não estamos perante um caso de presunção de que o interessado, aquando da notificação, tomou conhecimento das nulidades. Segundo a decisão recorrida, repete-se, estamos perante um caso de falta de diligência adequada por parte da requerida.
Parece-nos que esta posição é correcta. Com efeito, a ora recorrente não desconhecia que, contra si, pendia um processo de execução. Obviamente que o comum dos cidadãos apreende o conteúdo desta situação. Ao ser notificada para se pronunciar quanto à modalidade e valor da venda ( por nota de notificação enviada com a data de 15-2-02 ), ficou necessariamente ciente que a venda do bem havia sido ordenada e estava em vias de se concretizar. Mais consciente ficou da imediata e próxima venda quando foi notificada depois ( nota de notificação enviada com a data de 26-2-02 ). Evidentemente que qualquer pessoa comum, sabe o que significa uma venda judicial, designadamente que através dela, o executado vê alienado o bem penhorado. Perante essas notificações, o visado, sabendo que contra si corria um processo judicial de execução, com prontidão, deveria procurar inteirar-se das razões da ordenada venda ( que a afectava ), procurando informações junto do próprio tribunal ou melhor ainda, procurando um advogado que pudesse garantir e proteger a sua situação, originando a que logo as nulidades fossem descobertas. Seria assim que deveria agir, a nosso ver, uma pessoa medianamente prudente e sensata. Com a prontidão que a situação demandava não procedeu a ora agravante, acabando, porém, por constituir mandatário, mas apenas cerca de dois meses depois da última notificação ( concretamente em 15 de Abril de 2002 ), o que significa que não agiu com a brevidade necessária, o que é o mesmo que dizer-se que a requerente não agiu com a devida diligência, pelo que, nos termos do nº 1 do art. 205º referido, o prazo para arguição das nulidades deve contar-se a partir das notificações acima mencionadas. Ora, tendo-se estas como efectuadas em 18-2-02 e 1-3-02 ( arts. 255º nº 1 e 254º nº 2 ), quando a requerente veio invocar as nulidades ( 15-4-02 ), há muito que o prazo ( de 10 dias ) para a sua arguição se havia esgotado.
Acrescente-se que quando a requerente veio invocar as nulidades, nem sequer teve a cautela de indicar qualquer razão explicativa de só, nessa altura, as arguir, o que, desde logo, frustou qualquer possibilidade de justificação do atraso e consequente decisão a seu favor, sobre a sua diligência na arguição.
Significa isto que a douta decisão recorrida é de manter.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao agravo mantendo a douta decisão recorrida.
Custas pela agravante.