Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
88/06.0TTFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: DOCUMENTO AUTÊNTICO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 05/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 363º, Nº 2, E 372º, Nº 2, DO C. CIV.; E 300º, NºS 1 E 4, DO CPC
Sumário: I – Nos termos do artº 363º, nº 2, C. Civ., são documentos autênticos os exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas, nos limites da sua competência.

II – Tendo uma acta de transacção judicial sido elaborada em processo judicial e em diligência presidida pelo juiz do processo, com o que se pôs termo ao litígio (o que constitui uma das formas possíveis de terminar com a instância), dúvidas não há de que estamos perante um documento autêntico.

III – Assim sendo, tal documento apenas pode estar eivado de falsidade se nele se atestou como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi – artº 372º, nº 2, C. Civ.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra


A... intentou acção emergente de contrato individual de trabalho contra B... , pedindo em suma a condenação desta no pagamento de diversas retribuições em dívida e ainda de uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos

Frustrada a conciliação na audiência de partes, veio a Ré contestar pugnando pela total improcedência do peticionado.
Houve resposta, na qual a A manteve a sua posição.
Iniciada a audiência de discussão e julgamento, em 2/10/06, vieram as partes a transaccionar, tendo sido ditada para a respectiva acta pelo Ex. mo Sr. Juiz, os termos de tal acordo, conforme fls. 212 e 213, que foi homologado por sentença, nessa mesma altura
No dia 13/10/06, a Ré veio ao processo requerer que a cláusula do dito acordo fosse retirada, por ter havido evidente erro na sua aposição, ou se assim se não entendesse fosse declarada a falsidade da acta naquela parte, pois a dita cláusula não correspondia á vontade real da Ré (fls. 216/219)
Por despacho datado de 9/11/06, foi o dito requerimento indeferido
Discordando agravou a Ré, alegando e concluindo:

(………………………….)

Não houve contra alegações.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, tendo o Ex. mo Sr. PGA nesta Relação emitido douto parecer, no sentido do respectivo improvimento, cumpre decidir

Dos Factos
É a seguinte a factualidade a ter em conta, para a resolução do presente recurso
1-A...intentou acção emergente de contrato individual de trabalho contra B..., pedindo em suma a condenação desta no pagamento de diversas retribuições em dívida e ainda de uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos
2-Frustrada a conciliação na audiência de partes, veio a Ré contestar pugnando pela total improcedência do peticionado.
3-Houve resposta, na qual a A manteve a sua posição.
4-Iniciada a audiência de discussão e julgamento, em 2/10/06, vieram as partes a transaccionar, tendo sido ditada para a respectiva acta pelo Ex. mo Sr. Juiz, os termos de tal acordo, conforme fls. 212 e 213, que foi homologado por sentença, nessa mesma altura
5- Conforme o reproduzido na acta de audiência de discussão e julgamento os termos da transacção eram os seguintes:
“ 1- A A reduz o pedido à quantia líquida de € 20.000, que receberá a título de compensação global pela cessação do contrato de trabalho, nada mais tendo a receber ou a reclamar da Ré
2- A quantia referida em 1, será paga até ao dia 31 de Março de 2007, no escritório do ilustre mandatário da A, contra recibo
3-O não pagamento daquela quantia no mencionado prazo, implicará para a Ré, a título de cláusula penal, a obrigação de pagar á autora a quantia de € 39.974,20
4- As custas em dívida a juízo serão suportadas em partes iguais, por autora e ré”
6- Consta ainda da mesma acta que seguidamente foi proferido pelo Sr. Dr. Juiz, o seguinte despacho:” Sendo as partes capazes e legal o objecto da presente transacção a considera válida, dando assim por conciliadas as partes para todos os efeitos legais.
Custas nos termos acordados, por a tal não se opor o MºPº aqui presente”
7- Ainda da mesma acta consta que “ de seguida foram todos os presentes notificados”
8- Consta ainda da mesma acta que se encontravam presentes na altura, além do mais, a A, acompanhada do seu ilustre mandatário, Sr. Dr. C... , a Ré, representada pelo Presidente da Direcção, Sr. D... , acompanhado pelo seu ilustre mandatário, Sr. Dr. E...
8- E também que aberta a audiência, pelos ilustres mandatários das partes foi pedido um período de 30m a fim de tentarem chegar a acordo, findos os quais o mesmo foi obtido, nos termos já descritos em 5
9- No dia 13/10/06, a Ré veio ao processo requerer que a cláusula 3ª do dito acordo fosse retirada, por ter havido evidente erro na sua aposição, ou se assim se não entendesse fosse declarada a falsidade da acta naquela parte, pois a dita cláusula não correspondia á vontade real da Ré (fls. 216/219)
Por despacho datado de 9/11/06, foi o dito requerimento indeferido
10- A Ré através do seu Presidente da direcção passou procuração com poderes especiais para desistir, transigir, confessar pedidos e receber cheques de custas de parte, entre outros ao ilustre causídico Sr. Dr. E... (fls. 141)
11- Conforme os respectivos estatutos a Ré fica obrigada com as assinaturas conjuntas de dois dos membros da direcção, sendo um deles o presidente ou o tesoureiro
Do Direito
Pelo que no caso concreto, levanta a Ré diversas questões, a saber:
- falsidade parcial da acta homologatória da transacção em causa
- Irregularidade do mandato conferido pela Ré
- Sua falta de capacidade judiciária
- Possibilidade de sanação do vício da irregularidade do mandato por parte do Sr. Juiz, porque ainda não esgotado o seu poder jurisdicional
- Inexistência de abuso de direito, por sua parte

Como se vê do acervo conclusivo a agravante levanta diversas questões, que a levam a por em causa o despacho recorrido.
Porém várias delas, não foram sequer equacionadas por ela no requerimento de fls.321 e segs, pelo que nesta parte não se pode em sede de recurso tomar delas conhecimento
Na verdade e como se sabe, os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova - cfr. R. Bastos “ Notas ao CPC” Vol. III pág. 266 e Ac R.P. C.J. IV –3, 989.
Resta portanto apenas cuidar de se saber se a acta da transacção é falsa, ou se quem representou a recorrente não tinha poderes para tal e ainda se o mandato judicial era irregular e se a Ré não dispõe de capacidade judiciária.
Ora bem
No que concerne ao 1º item deve desde já adiantar-se que, salvo o devido respeito, tal vício não afecta tal documento.
Na realidade a acta em causa é indubitavelmente um documento autêntico.
Na verdade e nos termos do artº 363º nº 2 do CCv autênticos são os documentos exarados com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competências, ou dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial provido de fé pública.
E assim sendo, uma vez que a mesma foi elaborada em processo judicial, em diligência presidida pelo juiz do processo, assim pondo termo ao litígio, sendo que esta é uma das formas de terminar com a instância (artº 287º d) do CPC, dúvidas não pode haver- repete-se, nem aliás tal está posto em causa, que estamos perante um documento autêntico.
Ora e assim sendo esse documento apenas pode estar eivado de falsidade se nele se atestou como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi - artº 372º nº 2 do CCv-.
Não é salvo o devido respeito, o caso dos autos pois que conforme consta do despacho recorrido as partes chegaram a acordo na presença do Ex. mo Julgador, que ditou os respectivos termos, sem que tivesse havido na altura qualquer incidente ou reclamação.
Por outro lado o mesmo foi celebrado pela A representada pelo seu ilustre mandatário e pela Ré, que além de estar representada pelo sue Presidente da Direcção, estava – o também pelo seu ilustre mandatário dotado de procuração com poderes especiais para transigir, como ficou provado.
Pretende ainda Ré que a transacção deve ser considerada nula pois que ela não se encontrava devidamente representada, já que de acordo com os seus estatutos, ela apenas se obriga com as assinaturas conjuntas de dois dos membros da direcção, sendo um deles o presidente ou o tesoureiro.
Esta afirmação é verdadeira, conforme o artº 36º dos ditos estatutos.
Contudo não se pode olvidar que a Ré é uma Cooperativa e portanto sujeita ao regime do Código Cooperativo.
Ora este diploma, no seu artº 9º determina que as suas lacunas deverão ser integradas com recurso ás normas do CSC, nomeadamente das disposições referentes às sociedades anónimas (artº 9º do aludido C. Cooperativo)
E conforme dispõe o artº 409º nº 1 do CSC os actos praticados pelos administradores em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato de sociedade ou resultante das deliberações dos accionistas, mesmo que tais limitações estejam publicadas.
Significa isto que o acordo celebrado e ora em análise ainda que feito apenas estando a ré representada pelo seu presidente, vincula-o perante a A (isto independentemente de já a vincular, pelo facto de estar representada por ilustre advogado munido de procuração com poderes especiais para transigir.
E pelo mesmo motivo, não se pode aqui, em nosso modesto entender, falar em irregularidade ou insuficiência de mandato, para afastar o valor da transacção efectuadas.
É que nos termos do artº 300 nº 4 do CPC quando a transacção é feita (como sucedeu) em acta, por resultar de conciliação obtida pelo juiz, este limita-se a homologá-la por sentença ditada para a acta, condenando- nos respectivos termos.
Ora perante a presença do presidente da direcção da aqui agravante, do seu ilustre advogado munido da dita procuração, válida perfeitamente perante terceiros, atento o disposto nos citados artºs 9º do C. Cooperativo e 409º nº 1 do CSC, não se vislumbra onde e como poderia o Ex. mo Juiz deixar de homologar o dito acordo, sendo certo que- reafirma-se- a procuração apresentada valia para todos os efeitos perante terceiros.
Inexiste pois a invocada insuficiência ou irregularidade de mandato, não havendo assim motivo, ainda que tal fosse possível, para que o Sr. Juiz mandasse corrigir qualquer vício (não existente) e / ou determinar a ratificação do processado.
Entende ainda a Ré que não detinha capacidade judiciária.
Não vislumbramos como, salvo o devido respeito.
Na verdade segundo o artº 9º nº 1 do CPC, a capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar por si só, em juízo, sendo que segundo o nº 2 do mesmo normativo a capacidade judiciária tem por base e medida a capacidade de exercício de direitos.
Ora a Ré detém personalidade jurídica, o que implica por si só que detém personalidade judiciária, ou seja é susceptível de ser parte (artº 5º nºs 1 e 2 do CPC).
E não tem limitações ao exercício dos seus direitos, não necessitando que ninguém a represente em juízo por virtude de alguma incapacidade.
O que sucede é que se tratando de uma cooperativa, claro que são as pessoas que compõem os seus órgãos quem as representa.
Mas esta representação, não deriva evidentemente de nenhuma incapacidade, mas sim exclusivamente do facto de apenas através de seres humanos se pode exprimir a sua vontade.
E no caso a Ré estava representada.
Se não conforme os seus estatutos, pelo menos validamente no que concerne a terceiros como se disse, pois a actuação do seu presidente vincula-a perante eles.
Também por esta via, não pode a pretensão da agravante proceder, pois que possui capacidade judiciária.
Não existe pois e salvo o devido respeito, motivos para que se declara a falsidade parcial da acta donde consta a sentença homologatória da transacção, nem para ordenar a anulação desta.
Se porventura o presidente da Ré agiu contra os respectivos estatutos e daí resultaram prejuízos para ela, é questão que deve ser resolvida internamente e que não cumpre aqui minimamente dilucidar.
Finalmente e pela posição tomada neste acórdão e já expendida resulta que se torna manifestamente inútil discorrer – e decidir – sobre a existência de um eventual abuso de direito por parte da Ré, ao requerer a declaração de tal falsidade e da mencionada anulação, nem sobre a temática de estar ou não esgotado o poder jurisdicional do juiz.

Termos em que e concluindo, confirmando-se o despacho recorrido, se nega provimento ao agravo.

Sem custas por a impugnante delas estar isenta (artº 2 nº 1 c) do CCJ)