Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
667/05.3TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
USO
VEÍCULO
MANDATÁRIO JUDICIAL
PROCURADORIA
HONORÁRIOS
Data do Acordão: 03/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 483º DO C. CIV., E 40º DO CCJ
Sumário: I – Em sede de responsabilidade civil delitual a privação da utilidade de um bem com as características de um veículo automóvel pode preencher o facti species indemnizatório previsto no artº 483º do CC, enquanto violação ilícita do direito de outrem.

II – Porém, tal privação do uso não basta, qua tale, para fundar a obrigação de indemnizar se não se alegarem e provarem danos por ela causados.

III – Não dispondo o tribunal, porque o autor não os provou nem alegou, de elementos que permitam sinalizar a função concreta que a viatura apresentava no património ou no dia a dia do autor, não é possível arbitrar uma indemnização por essa mera privação.

III – Os honorários forenses, enquanto espécie indemnizatória específica, estão contemplados na chamada procuradoria, prevista nos artºs 40º e segs. do C.C.J.

IV – Há mais de um século que a nossa lei utiliza o conceito procuradoria com o significado de compensação pelo vencido ao vencedor do litígio em razão do dispêndio com o patrocínio judicial.

V – Só assim não sucede, ou seja, só se procede a uma ponderação indemnizatória específica de tais despesas em termos da sua atribuição a quem as desembolsou, no quadro excepcional da condenação por litigância de má fé – artº 457º, nº 1, al. a), do CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra


I – A Causa


1. A.... (A. e Apelante no presente recurso) intentou, no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, a presente acção declarativa de condenação com processo sumário contra a Companhia de Seguros B... (R. e aqui Apelada)[1], pedindo a condenação desta no pagamento, acrescido de juros desde a citação, da quantia global de €4.600,41 correspondente aos danos e despesas decorrentes de um acidente de viação ocorrido no perímetro urbano da cidade da Guarda, protagonizado por uma viatura (03-44-DQ) cuja circulação era, ao abrigo de um contrato de seguro, coberta pela R., acidente este do qual resultaram estragos na viatura do A. (04-97-SU) e outras despesas para este[2], aqueles e estas – isto sempre na versão do A. – subjectivamente atribuíveis à condutora daquela viatura DQ[ 3].

A R. contestou impugnando a mecânica do acidente descrita pelo A.[4] e, consequentemente, a respectiva responsabilidade pelo seu ressarcimento.

1.1. Fixados os factos (então) assentes (fls. 75/76) e elaborada a base instrutória (fls. 76/81), avançou-se para julgamento – procedendo-se neste à gravação da prova testemunhal produzida –, findo o qual, apurados os factos provados por referência ao elenco constante da base instrutória (Despacho de fls. 188/194), foi proferida a Sentença constante de fls. 196/216 – a Decisão objecto do presente recurso de apelação –, culminando esta com o seguinte pronunciamento decisório:

“[…]
Condenar a Ré «Companhia de Seguros B...» a pagar ao Autor A..., o montante de €720,21 […] a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, absolvendo a Ré do demais peticionado.
Absolver a Ré do pedido deduzido pelo Autor de condenação como litigante de má fé[ 5].
[…]
[transcrição de fls. 216]


Nesta Decisão, valorando a factualidade que considerou provada, entendeu o Tribunal a quo:

“[…] resulta[r] que o embate […] se deu, quer porque a condutora do DQ circulava na hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, quer porque o veículo conduzido pelo A. saiu do estacionamento de marcha-atrás e invadiu uma parte da faixa de rodagem, quando na mesma já circulava o DQ (e ainda não tinha retomado, até porque havia também saído do estacionamento, a sua mão de trânsito), quando, tendo já percorrido cerca de 8 metros, o poderia ter feito mais rapidamente.
Cremos que ambas as condutas contribuíram para a produção do acidente.
Verifica-se, pois, que o acidente ocorreu devido a facto voluntário dos condutores, quer do SU, quer do DQ.
A ambos era exigido naquelas circunstâncias um comportamento diferente, pois que, caso respeitassem todos os deveres de cuidado e regras estradais que lhe[s] eram impostas, não teria ocorrido o embate.
Em face do referido, entendemos que a responsabilidade pela produção do acidente deverá ser assacada a ambos os condutores na proporção de 50%.
[…]”
[transcrição de fls. 206/207]


Através desta valoração da concorrência de responsabilidades equivalentes na produção do acidente, operou a Sentença uma redução de 50% no valor dos danos materiais que considerou provados na viatura do A. (€1440,41: 2 = €720,21), entendendo, no mais: não revestirem os danos não patrimoniais invocados suficiente gravidade para desencadearem um dever de indemnizar, ao abrigo do artigo 496º, nº 1 do Código Civil (CC); não constituir a mera privação do veículo um dano indemnizável; não ter a pretensão (indemonstrada) do A. a receber honorários eventualmente pagos ao seu Advogado cabimento, fora do quadro da designada “procuradoria”; não se verificar, enfim, fundamento para a condenação da R. como litigante de má fé.

1.2. Inconformada, interpôs a R. a presente apelação, alegando-a a fls. 234/267 e formulando, a rematar tal peça processual, as extensas conclusões que aqui se transcrevem:

“[…]
A- Sabe-se que se verificou um acidente de viação; onde e a que horas ocorreu; quais os veículos envolvidos e respectivos condutores; que os veículos não foram de imediato removidos do local do acidente e deixaram vestígios ou resíduos do acidente que passaram a constar de croquis elaborado pela PSP; que do croquis e demais elementos documentais se retiram as circunstâncias de modo, tempo e lugar caracterizadoras do acidente.
B- Sabe-se que a condutora do veículo DQ, filha do proprietário deste veículo, invadiu a faixa esquerda da via (com duas faixas de sentidos opostos), indo embater no veículo do A. o qual, à excepção de alguns centímetros, se encontrava dentro do estacionamento.
C- Sabe-se que a condutora do DQ, veículo de reduzidas dimensões (Peugeot 106) dispunha de uma faixa de 4,20 metros para passar e, ao invés de o fazer encostada, no possível, ao lado direito da via, seguiu pela esquerda (invadindo mesmo parte do estacionamento onde o SU se encontrava parado, como veremos), indo embater, totalmente fora da sua mão de trânsito, na viatura SU do A., arrastando-a pelo estacionamento e ao longo da faixa de rodagem.
D- Importaria assim que a sentença recorrida assentasse sobre as razões que teriam levado a condutora do DQ a seguir pela esquerda, embatendo no veículo do A., quando dispunha de um espaço livre de 4,20 metros para seguir o seu caminho pela hemi-faixa direita da via.
E- Importaria ainda também a sentença assentar sobre o preciso local, estacionamento ou via de transito, onde se encontrava posicionada a extrema da traseira do veículo do A. no preciso momento do acidente , e
F- Importaria por último esclarecer ainda como teriam as viaturas embatido uma na outra face à posição em que ambas ficaram paradas após o embate, sabendo-se, e nunca tendo sido controverso, que nenhuma delas foi retirada antes de a PSP ter elaborado o croquis junto aos autos.
G- A Sentença ora recorrida ignorou, desvalorizou ou mesmo fixou e interpretou de forma errada esta factualidade, assim influenciando, também erradamente, a decisão.
H- Pese embora o A. alegasse que a própria condutora do DQ, logo após o acidente, lhe tivesse confessado que se deslocara para o lado esquerdo da via por mera distracção enquanto dizia adeus ao seu Pai, que se encontrava daquele lado - facto confirmado pela testemunha D... – cfr. Cassete 1, lado A- “Isso foi a versão da filha (reportando-se ao pai a quem estaria a dizer Adeus). Quando eu cheguei, cheguei logo após o acidente....Foi a versão que eu ouvi da rapariga. Isto já ela fora do carro e a conversar com o meu cunhado, ela disse que estava a dizer adeus ao pai e o pai estava mesmo por cima”;
I- Pese embora a mesma testemunha D..., a instancias do Ilustre advogado da Ré e na parte final do seu depoimento, quando lhe foi perguntado “Disse que a senhora, a condutora, tinha referido que estava a acenar ao pai que estava na janela” (da casa onde mora com o pai, que fica no 2º andar, em frente ao local do acidente) tenha respondido “Na altura quando ela estava na rua e o meu cunhado perguntou como é que ela fez uma coisa daquelas, ela respondeu que estava a acenar para o pai” ,
J- Pese embora a testemunha E..., tal como também consta na Cassete 1, tenha afirmado “vejo o carro do meu irmão parado” e “veio uma vizinha minha”...”ela vem e o pai dela encontrava-se no prédio ao lado, na varanda, por baixo” ...”eu vi eles dizerem adeus, pai e filha, deve ter sido por essa distracção que ela embateu no carro do meu irmão que estava parado dentro do estacionamento” “...na varanda estava o pai dela e ela vinha a passar e eu vi-a a dizer adeus ao pai. Mais vezes eu vi-a a fazer isso ao pai– a testemunha mora do mesmo lado da Rua, no 3º andar de prédio contíguo ao prédio da condutora, que mora no 2º andar, razão porque afirma que viu o pai da condutora por baixo e que outras vezes viu fazerem a mesma coisa... (era pois hábito fazê-lo);
L- Pese embora a própria testemunha condutora do DQ, cfr. lado B da Cassete 3, tenha referido no seu próprio depoimento que apenas “tinha carta há dois meses” e que ao referir no documento de descrição do acidente que já estava na sua mão queria dizer que “já estava na estrada” ...?
M- Pese embora a mesma testemunha, observando o croquis e indicando onde se encontrava o veículo do A., já na parte final do seu depoimento, tenha referido “eu não reparei neste lado” (o que é o mesmo que dizer que não prestou atenção à sua condução...),
N- o Tribunal recorrido limitou-se apenas a dar como provado que “o veículo 03-44-DQ entrou na hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha (resposta ao facto quarto da base instrutória)”, que a testemunha e “condutora do DQ, após ter saído do local onde se encontrava estacionado o seu veículo, ao invés de tomar logo a faixa direita, atento o seu sentido de marcha, invadiu a faixa contrária (resposta ao facto sétimo da base instrutória)”,
O- e que “imediatamente antes do acidente, a condutora do veículo DQ, entrou no veículo e accionou o motor, após o que fez marcha atrás, saindo do estacionamento e posicionando o veículo no meio da Rua lateral, no sentido Norte-Sul”, “depois, engrenando a 1ª velocidade, pôs em marcha o veículo em direcção ao entroncamento com a Av. Cidade de Salamanca, na intenção de tomar esta via”
Mais referindo que,
“A condutora do DQ circulava em rua e via de transito com dois sentidos de marcha e com uma largura de cerca de 7 metros e com uma largura livre de 4,20 metros precisamente atrás do local onde o A. se encontrava parado (resposta ao facto oitavo da base instrutória)” embora e apesar disso “permitindo que em sentido contrário à Ré circulasse e com esta cruzasse um outro qualquer veículo, sendo que tal cruzamento se faria com dificuldade (resposta ao facto nono da base instrutória)”
P- Quer com isto significar-se que o Tribunal omitiu ou desvalorizou factos e bem assim as verdadeiras razões que estão na base da ocorrência do acidente.
Com efeito,
Q- O Tribunal não deu como provado, ou pelo menos não deixa claro que assim tenha sucedido, que o veículo do A. se encontrasse parado no preciso momento do acidente ou embate, apresentam contraditórias, nesta parte, as respostas dadas aos factos terceiro, sexto e oitavo (...a condutora circulava ... atrás do local onde o A. se encontrava parado)
R- O Tribunal não deu como provado que a condutora do DQ dissesse adeus ao pai (resposta de não provado ao facto 5º da base instrutória), dando assim azo a que a mesma se distraísse na sua condução e consequentemente originasse a invasão da faixa esquerda ao invés de seguir pela direita (o que teria então originado tal distracção, para além da clara inexperiência, porquanto apenas tinha carta de condução há cerca de dois meses...)

S- O Tribunal pendeu aqui, claramente, pela versão das duas e únicas testemunhas com claro e evidente interesse na decisão da causa porquanto a condutora do DQ, sendo titular de carta de condução há menos de dois meses, estava com a sua descuidada condução a infringir norma estradal punível (pelo menos) com coima e sanção acessória de inibição de conduzir (daí que desde logo tenha escrito pelo seu punho que aquando do acidente já estava na sua mão...) enquanto que a testemunha pai, proprietário da viatura, estava sujeito ao agravamento do “prémio” de seguro se a responsabilidade do acidente fosse atribuída à condutora ou seja, à sua filha, também testemunha.
T- É pois descabida, deficiente, infundada e acima de tudo desajustada da realidade da vida e experiência comum, a justificação que fundou a convicção do Tribunal, na parte em que desvalorizou o depoimento das únicas testemunhas sem qualquer interesse no desfecho da causa.
U- Ao contrário das razões que levaram o Tribunal a não dar crédito ao depoimento das testemunhas D... e E...(não interessadas na decisão da causa), com o decorrer do tempo podem esquecer-se os factos secundários mas nunca os essenciais, e são estes os que na verdade contam.
De nada importa, sendo no caso irrelevante, que ambos divirjam quanto ao momento ou razões por que cada um deles tomou conta ou nota do acidente. O que releva é o que cada um refere e sabe sobre o dito acidente, daí se devendo retirar a resposta aos factos da base instrutória.
V- De resto, embora com todo o respeito se diga, a falta de rigor do Tribunal na justificação da sentença ora recorrida decorre mesmo da descabida e infundada afirmação de que ambas as testemunhas (D...e Maria Delfina) teriam presenciado o acidente quando nunca, em lado algum, a testemunha D... tal afirmou, apenas tendo fotografado, no local, as viaturas e vestígios do acidente após o embate.
X- Deve pois dar-se como provado que a viatura do A. estava parada no momento do acidente e, bem assim, que a condutora do DQ dizia adeus ao pai enquanto circulava, indo embater na viatura do A.
Z- O acidente ocorreu pois devido à pouca experiência de condução da condutora do DQ – tinha carta há cerca de dois meses – que se distraiu enquanto conduzia e dizia adeus ao pai, seguindo pelo lado esquerdo e assim embatendo no carro do A. que se encontrava parado no estacionamento a aguardar a passagem do DQ,
AA- Tal como decorre do documento junto pelo A. na Audiência de Julgamento, documento esse emitido pela própria concessionária Citroen e cujo teor não foi posto em causa por qualquer das partes, a distancia que vai do eixo da roda traseira do automóvel Citroen Saxo, como sucede com a viatura acidentada do A., até à extremidade curva (para o exterior) do pára-choques traseiro é de 58 cm.
AB- Uma vez que o rasto da roda de trás da viatura do A., tal como consta do croquis junto aos autos, se encontra marcado no estacionamento e a uma distância de 45 cm da berma do mesmo, o veículo do A. apenas ocupava 13 m da via.
AC- Atenta a configuração exterior circular do pára-choques do Citroen Saxo, caso a viatura Peugeot DQ circulasse no interior da via e sem invadir o estacionamento, apenas o mesmo pára-choques exterior da viatura Citroen teria sido atingida.
O SU teria assim apenas sido atingido de raspão, sem sofrer danos na roda, jante, farolim esquerdo traseiro ou pára-lamas esquerdo traseiro, como sofreu.
AD- Da resposta dada aos factos décimo primeiro a décimo quarto da base instrutória resulta, sem margem para dúvidas, que tendo o DQ embatido na parte lateral traseira esquerda do veículo 04-97-SU, na zona do guarda-lamas, roda traseira esquerda e pára-choques esquerdo, o DQ não atingiu apenas os 13 centímetros que o SU ocupava da via, o que corresponderia apenas ao embate na ponta do seu pára-choques, mas sim toda a parte lateral esquerda traseira que vai desde a roda traseira esquerda até à extrema traseira da viatura, incluindo faróis e pára-choques traseiros esquerdos.
Ou seja,
AE- Estando a roda traseira esquerda do SU, no momento do acidente, posicionada no interior do estacionamento e a uma distancia de 45 cm da sua estrema (tal como clara e inequivocamente o demonstra o rasto deixado no pavimento do estacionamento quando o SU foi empurrado pelo veículo DQ); tendo a jante da roda traseira esquerda do veículo do A. sido directamente embatida pelo DQ, tal como foi embatido o respectivo guarda-lamas que ficou rasgado; distando a estrema ou limite do pára-choques traseiro a 58 cm do eixo da roda (cfr. documento da Citroen junto aos autos) necessário se torna concluir, sem que se possa admitir algo distinto:
a) que o mesmo veículo DQ invadiu o estacionamento numa faixa mínima de 45 cm onde embateu com o SU (na roda/jante/pára-choques do SU, posicionadas no interior do estacionamento a 45 cm da faixa de rodagem – cfr. rasto deixado e assinalado no croquis), e
b) que o SU ocupava no momento do acidente 13 cm da via (58cm, do eixo da roda traseira à estrema – 45cm, do eixo da roda ao limite do estacionamento, conforme vestígio/rasto = 13 cm, a parte restante, ou seja a parte sobre a via),
Caso assim não fosse, não tendo o DQ invadido o estacionamento,
AF- O veículo do A. apenas teria sido embatido na extrema traseira esquerda do pára-choques, ou seja, nos 13 cm do pára-choques que se encontrava sobre a via – e não na roda/jante/pára-choques.
AG- É assim absolutamente irresponsável afirmar, tal como erradamente decorre da resposta ao facto vigésimo sétimo, que o carro do A. invadia, no momento do acidente, 45 cm da hemi-faixa de rodagem esquerda por onde circulava o DQ e que, por sua vez, o DQ não teria na sua marcha invadido o estacionamento onde se encontrava o SU.
Pelo que:
AH- A resposta aos factos terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo da base instrutória deve ser agora corrigida, dando-se como provados, com a particularidade de o veículo SU ocupar no momento do acidente13 cm da hemi-faixa esquerda da via, atento o sentido de marcha do veículo DQ.
AI- As certidões e demais documentos juntos aos autos, os contactos feitos pelo A. com a Ré através de telefone, correio ou presenciais, com vista à resolução acordada do assunto, os necessários contactos também estabelecidos com a oficina que procedeu à reparação da viatura do A., a correspondência trocada com todos eles, as necessárias visitas ao advogado e à seguradora Ré, tenham ou não estas provindo de deslocações propositadas à cidade da Guarda, as deslocações do próprio advogado do A. ao tribunal da Guarda (tendo escritório em Lisboa) e bem assim os honorários pelo mesmo previstos (prova documental junta aos autos) e a cobrar pelo patrocínio da acção, agora agravados pela interposição do presente recurso e, acima de tudo, a experiência que a todos ensina o trabalho, despesas e contratempos que a resolução destas questões acarreta, quando, como aqui sucedeu, as seguradoras se recusam a pagar todas e quaisquer despesas, como o simples arranjo da viatura acidentada, obrigam normalmente, como obrigaram no presente caso, a muitas e variadas despesas e incómodos, todos eles indemnizáveis e da inteira responsabilidade da Ré.
AJ- Trata-se de despesas e incómodos incontornáveis cuja prova produzida nos autos deve ser colmatada com o necessário conhecimento das coisas e a experiência comum a que todos os cidadãos estão sujeitos, mormente os que compõem o Tribunal.

AL- A prova testemunhal possível sobre tal factualidade foi produzida pela testemunha F..., que respondeu aos factos 17º a 20º da base instrutória, respectiva Cassete 2 parte final, a qual referiu que a viatura acidentada era a “que ele (A.) utilizava para se deslocar de casa para o trabalho e inclusivamente para ir buscar a mulher ao trabalho. Utilizava para uso pessoal todos os dias”, “...teve de andar de transportes públicos e para resolver o acidente “...andou nessa altura muito atribulado, bastantes telefonemas para a Companhia de Seguros e sei que teve de se deslocar à Guarda...e andou incomodado com a situação”. Assim,
Pelas razões e fundamentos constantes dos pontos 12 a 20, 22 a 26, 29 a 33 a 41 e 43, 46 e 47 das presentes alegações,
AM- Os pontos da base instrutória números 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, este último na parte em que a respectiva resposta dada pelo Tribunal recorrido não considerou que a condutora do DQ invadiu o estacionamento onde o veículo do A. se encontrava imobilizado, abalroando-o, e também os pontos números 16º, 19º e 20º foram incorrectamente julgados, devendo agora ser corrigidos, dando-se como provados.
AN- Os pontos da base instrutória números 26º, na parte em que refere que o veículo do A. se encontrava a fazer manobra de marcha atrás no momento exacto em que ocorreu o acidente, o 27º, na parte em que refere que o veículo do A. se encontrava a invadir 45cm da hemi-faixa de rodagem – ocupava apenas 13 cm (45cm+13cm=58cm) – e o 28º, na parte em que o SU teria embatido com a parte lateral traseira no DQ (era materialmente impossível ao SU embater com a parte lateral traseira no DQ, a não ser que o fizesse em derrapagem, que não era o caso. É que os veículos automóveis movem-se para a frente e para trás e não para os lados...) foram também incorrectamente julgados, devendo da resposta que aos mesmos foi dada, serem retiradas as partes incorrectamente julgadas e a que atrás se faz referência,
AO- Este Tribunal da Relação deve, assim, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 690º-A, nºs 1 e 2 e 712º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C., alterar a decisão sobre a matéria de facto nos termos ora alegados, porquanto os elementos e prova produzida que constam já do processo e serviram de base à decisão de facto da primeira instância sobre os pontos da matéria de facto impugnados, impõem decisão diversa da proferida.
Quanto à decisão de direito,
AP- A condutora do DQ, após ter saído do estacionamento, recuando para a via com dois sentidos de transito e posicionando de seguida o veículo que conduzia no sentido para onde pretendia seguir, ao invés de tomar de imediato a (sua) mão direita do transito, ou seja, a hemi-faixa direita livre da via, seguiu pela esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de transito que iniciou e prosseguiu (é de afastar a desculpa da condutora que tenta justificar a sua conduta com o “endireitar do carro” após a manobra de marcha atrás. Para a conclusão da manobra não tinha qualquer necessidade de atingir o estacionamento posicionado no lado esquerdo da via, ou sequer a extrema da hemi-faixa esquerda, bastando-lhe, quanto muito, ocupar o eixo da via, o que desde logo teria evitado o acidente),
AQ- Indo embater no veículo SU do A., o qual se encontrava parado no estacionamento que bordeja o lado esquerdo da via, ainda que com 13 cm da sua extrema traseira sobre a via de transito, respectiva hemi-faixa esquerda, atento o sentido de marcha da condutora do DQ.
AR- Atrás do SU (que estava com a traseira virada para a faixa de rodagem) a condutora do DQ dispunha de uma faixa de 4,20 metros para passar, tendo, ainda assim, ido embater no veículo do A., não só na parte dos 13 cm que estavam sobre a via de transito, mas na parte do mesmo veículo posicionada dentro do estacionamento à esquerda da faixa de rodagem atento o sentido de marcha do DQ, causando ao SU um arrastamento de encontro a outro veículo que se encontrava estacionado ao seu lado.
AS- O DQ embateu na parte lateral traseira esquerda do veículo do A., na zona a partir da roda e jante traseira esquerda (até à extrema traseira), a qual, conforme vestígios do arrastamento deixados no local do acidente, distava então 45 da borda do estacionamento (o SU tem uma distância de 58cm desde o eixo da roda traseira até à extrema traseira do pára-choques)
Ora,
AT- A condutora do DQ, ao invés de manter o veículo na hemi-faixa de rodagem direita, invadiu a hemi-faixa esquerda e o próprio estacionamento situado no lado esquerdo da via, aí indo embater no veículo do A., assim violando o artigo 13º do Código da Estrada.
AU- Por tudo isto e ainda porque o transito de veículos, embora devendo fazer-se o mais próximo possível das bermas, deve ainda assim conservar uma distância da própria berma que permita evitar acidentes (a viatura do A. apenas ocupava 13 cm da via, a qual tem cerca de 7 metros de largura, estando à sua retaguarda uma faixa livre de 4,20 metros por onde o DQ deveria passar em absoluta segurança), resulta inquestionável que a total responsabilidade na ocorrência do acidente é da condutora do DQ, não havendo lugar a qualquer repartição de responsabilidades.
De resto,
AV- Ainda que por hipótese, como erradamente se conclui na sentença recorrida, o veículo do A. estivesse no momento do acidente, em manobra de marcha atrás, a invadir 45 cm da hemi-faixa esquerda da via atento o sentido de transito do DQ – o que apenas se refere como mero exercício de raciocínio, por ficar absolutamente demonstrada a impossibilidade de tal facto ter ocorrido – mesmo em tal caso de modo algum poderia assacar-se qualquer responsabilidade no acidente ao A., uma vez que:
a) Se a condutora do DQ invadiu o passeio esquerdo ali embatendo no veículo do A., em nada teria contribuído para o acidente o facto de 45cm da traseira do veículo do A. estarem já sobre a via;
b) Se a condutora do DQ embateu na parte (45cm da traseira) do veículo do A. que ao tempo invadia a hemi-faixa esquerda da faixa de rodagem, tal apenas se teria devido ao facto de a condutora do DQ circular pela hemi-faixa esquerda, tendo espaço mais que bastante para o fazer pela hemi-faixa esquerda, como deveria fazê-lo, acrescido ao facto de, circulando pela esquerda, não o fazer de forma a conservar uma distancia da berma que lhe permitisse evitar acidentes, como impõe o artigo 13º do C.E.
AX- Ainda que, por hipótese, a prova produzida na primeira instância devesse manter-se na sua integralidade, sempre a Decisão recorrida estaria ferida de violação de lei por ter repartido em 50% a responsabilidade do acidente, quando foi a condutora do DQ e não o A. que invadiu a faixa esquerda de rodagem;
porque a viatura do A. apenas ocupava 45cm da via, a qual tinha cerca de 7 m de largura. A percentagem aceitável da responsabilidade a atribuir ao A. nunca seria superior a 6,5%.
AZ- Quanto à indemnização a atribuir ao A:
1- Devem ser-lhe ressarcidos os danos sofridos pela paralisação da viatura, reportando-os contudo aos 5 dias do arranjo (20€ x 5 DIAS = 100€).
2- Deve o A. ser ressarcido dos honorários de advogado (2.000€) por se tratar de despesas contraídas em virtude da necessidade que o A. teve de recorrer ao tribunal para fazer valer os seus direitos, tanto assim que:
a) A Ré sempre recusou pagar qualquer importância, sequer metade dos custos da reparação da viatura – cfr. resposta aos pontos 30 e 31 da base instrutória,
b) Pelo que litigou de má fé, por, sem fundamento, recusar toda e qualquer responsabilidade no acidente da condutora da viatura por si segurada, quando sabia e não podia ignorar que a condutora do DQ conduzia fora de mão (pelo menos).
3- Por fim, atentos os incómodos que o acidente causou ao A. tal como se encontram demonstrados nas precedentes alegações, deve o A. ser indemnizado pelo valor peticionado de 1000€.
Decidindo como decidiu a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 12º, 13º, 18º, nº2, 24º, nº1, 25º, nº1, alínea c), e 35º, todos do Código da Estrada, os artigos 483º, nº1, 487º, nº2, 496º, nº1, 503º, nº1, 506, nº1, 562º a 564º e 566º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil e ainda os artigos 456º, 457º, 659º, nºs 2 e 3, 668º, 690º-A, nºs 1 e 2, 712º, nºs 1 e 2, todos do C.P.C., pelo que deve ser revogada na parte em que não deu razão ao A., condenando-se, em consequência, a Ré no pedido, de acordo com a precedente Conclusão AZ[ 6].
[…]
[transcrição de fls. 254/266]


A R. contra-alegou a fls. 362/368, pugnando pela integral manutenção da Sentença apelada.
II – Fundamentação

2. Importa consignar desde já, com interesse para toda a subsequente exposição, que as conclusões acabadas de transcrever operaram a delimitação temática do objecto do presente recurso [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)][7]. Assim, por referência às questões enunciadas nessas conclusões, o recurso apenas poderá prescindir de as apreciar quando a sua decisão esteja logicamente prejudicada pela solução dada a outras questões, e apenas poderá ir além delas na medida em que a lei lhe permita, ou imponha, o conhecimento oficioso de qualquer outra questão, mesmo que não suscitada nessas conclusões (artigo 660º, nº 2 do CPC).

As conclusões apresentadas pelo A., de tão despropositadamente extensas, dificultando a necessária sintetização dos fundamentos do recurso, não deixam, no entanto, de permitir a caracterização desses fundamentos[8]. Está em causa, desde logo, a reapreciação da matéria de facto, através do apelo ao exercício por esta Relação dos poderes de modificação dessa matéria previstos no artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPC, fornecendo o Apelante, dispersas pelas alegações e pelas conclusões, as indicações exigidas pelo artigo 690º-A do CPC. Como corolário desta almejada alteração dos factos, e este constitui o segundo aspecto do recurso, busca o Apelante um reequacionar total da acção, através de uma outra aplicação do direito aos (novos) factos, pretendendo que este Tribunal, por via desse diverso julgamento, considere a acção totalmente procedente, com a consequente condenação da R. a satisfazer-lhe todos os montantes peticionados relativamente a cada uma das espécies indemnizatórias incluídas no pedido, abrangendo esta contestação global do sentido da Decisão da primeira instância a questão da litigância de má fé imputada à Apelada na resposta de fls. 63/64.

Tendo presente esta grande divisão da apelação em questão de facto e questão de direito importa avançar no julgamento do recurso.

Da questão de facto:

2.1. Estão em causa, enquanto pontos de facto que o Apelante considera incorrectamente julgados, as respostas a onze itens da base instrutória (cfr. as conclusões AM e AN acima transcritas), a saber: aos nºs 3, 4, 5, 6, 7, 16, 19, 20, 26, 27 e 28 desta peça processual[ 9]. Destes, condensam os cinco primeiros (3, 4, 5, 6 e 7) a versão do acidente questionada na perspectiva em que o A. a relatou na petição inicial, referindo-se os três últimos (26, 27 e 28) à mecânica do acidente descrita nos termos opostos pela R. na contestação, estando em causa, nos nºs 16, 19 e 20, danos cuja ocorrência o A. alega. Destes itens da base, e referimo-nos agora àqueles que apresentam as versões divergentes do acidente, receberam respostas de não provado os nºs 3, 5, 6 e 28, tendo recebido respostas especificadas os nºs 4, 7, 26 e 27[10]. No que toca aos danos, receberam os três números em causa outras tantas respostas negativas.

Relativamente aos meios probatórios que o Apelante reputa determinantes de uma distinta decisão, quanto aos pontos da matéria de facto indicados, estão em causa, compaginados com diversos documentos, os depoimentos de quatro testemunhas: D... (alíneas H e I das conclusões); E... (alínea J das conclusões); C.... (alínea L, M, N e O das conclusões); F... (alínea AL das conclusões). Estes depoimentos determinariam, na perspectiva do Apelante, a consagração da sua versão do acidente, a exclusão da versão da Apelada e a prova dos danos referidos.

É o que importa determinar.

2.1.1. Procedeu, pois, este Tribunal, em busca desse invocado erro de julgamento, à audição dos depoimentos indicados pelo Apelante, bem como dos restantes prestados em julgamento, não colhendo, de modo algum, relativamente a eles – relativamente a toda a prova testemunhal – uma interpretação distinta daquela que resulta dos factos consignados na Decisão da primeira instância respeitante à matéria de facto.

Efectivamente, começando pela questão central respeitante à mecânica do acidente, na discrepância que esta encerra sobre se o veículo do A. foi abalroado dentro do espaço destinado ao estacionamento quando aí se encontrava ainda parado (versão do A.), ou já algo fora desse espaço, quando dele saía em manobra de marcha-atrás (versão constante da Sentença), constata-se ser correcto o entendimento de que o choque ocorreu na intercepção entre duas manobras concorrentes – aliás, concorrentes na sua incorrecção – dos dois condutores: a de saída do parque (por parte do A.) e a de invasão de parte da mão de trânsito do A. pela testemunha C...., quando completava uma manobra de retomar da sua via, subsequente ao retirar do respectivo veículo de um lugar de estacionamento situado um pouco antes do local onde o embate ocorreu. Com efeito, valorando os depoimentos das diversas testemunhas, e esta referência vale fundamentalmente para os depoimentos da irmã e do cunhado do A. (E...[11], D...), por um lado, e da condutora do DQ e do seu Pai (C... e G...), por outro, constata-se uma reduzida capacidade de distanciamento relativamente à versão que intuem ser a sua, no sentido de ser a versão de quem lhes é próximo ou de quem (como sucede com a condutora do DQ) neste processo ocupa, em certo sentido, o seu (dela condutora) lugar. Ora, neste contexto, afigura-se-nos adequada a procura de elementos de prova que, exteriormente aos depoimentos destas testemunhas, forneçam informação contextualizadora dos elementos referidos nesses mesmos depoimentos. Vale aqui, enquanto informação contextualizadora, o croqui constante da participação de fls. 27 e o depoimento do agente da autoridade que o elaborou, de acordo com o que observou no local (a Testemunha H...; v. fundamentação a fls. 191). Vendo o croqui – a posição dos veículos “A” e “B” subsequente ao embate nele ilustrada – percebe-se que o embate teve lugar em plena manobra de saída do parque, por parte do veículo do A., quando este já apresentava parte da traseira esquerda fora do espaço de parqueamento, conforme acertadamente se observou na fundamentação a fls. 190/191 e resulta inequivocamente da colocação no croqui da traseira esquerda do SU já fora do parque: só é compreensível essa disposição do veículo após o embate[12] se o veículo já tiver saído parcialmente do parque, sendo que um possível efeito de arrastamento por parte do DQ não teria a potencialidade de deslocar a traseira esquerda do veículo para fora desse parque. O embate explica-se, assim, conforme acertadamente considerou a Decisão apelada, e flúi da apreciação de toda a prova produzida, associando causalmente a esta (desatenta) manobra de saída do parque a (descuidada) manobra da condutora do DQ de invasão parcial da faixa contrária.

Da mesma forma relativamente aos danos questionados nos nºs 16, 19 e 20 da base instrutória, as respostas (não provado) fornecidas pelo Tribunal a quo, têm inteira correspondência na prova testemunhal. Esta, com efeito, designadamente através do depoimento da testemunha indicada pelo Apelante, F..., mostra-se totalmente vaga na particularização de um possível conteúdo destes danos que ao Apelante, enquanto lesado no quadro de uma responsabilidade delitual, competiria demonstrar (artigo 487º, nº 1 do CC). Aliás, corroborando o sentido do julgamento do Tribunal da Guarda relativamente a este aspecto, existe prova de que o Apelado não necessitava – e seguramente não necessitou – de se deslocar de Lisboa à Guarda para tratar do acidente com a Seguradora, e de que foi a sua demora em levantar a viatura depois da reparação (conforme indicou a Testemunha I... que procedeu a tal reparação) que determinou parte substancial do lapso de tempo de privação desta.

Ora, no contexto acabado de expor, não merecem qualquer reparo as respostas dadas pelo Tribunal de primeira instância aos números da base instrutória indicados pelo Apelante, sendo certo que foi este Tribunal, colocado como o foi na posição privilegiada de contacto directo com a prova testemunhal, o que em melhores condições esteve de determinar a credibilidade dos depoimentos das diversas testemunhas. De qualquer forma, a impressão colhida por esta Relação através das gravações é inteiramente coincidente com a resultante das respostas dadas pelo Tribunal da Guarda à base instrutória, não apoiando – longe disso – a imputação de erro na apreciação da prova feita pelo Apelante[13].

Mostrando-se, como efectivamente se mostra, correcta a fixação dos factos feita pelo Tribunal de primeira instância, resta aqui recordá-los e considerá-los definitivamente fixados, nos exactos termos decorrentes do Despacho de fls. 188/190 e tal qual os mesmos foram enunciados na Sentença apelada a fls. 198/202:

“[…]
O A. é proprietário do veículo ligeiro, marca Citroen, modelo Saxo e matrícula 04-97-SU (alínea A) dos factos assentes).
No dia 9 de Março de 2004, pelas 21h.15m., o veículo automóvel propriedade do A. encontrava-se estacionado na Rua lateral, paralela, exterior à via principal de circulação automóvel, à Avenida Cidade de Salamanca, na Cidade da Guarda (alínea B) dos factos assentes).
A referida Rua, lateral à indicada Avenida, serve essencialmente de acesso directo aos prédios de habitação e é constituída por uma recta, bem iluminada durante a noite, possui um local de estacionamento perpendicular ao eixo da via, estacionamento diferenciado e delimitado da via de trânsito através da diferenciação dos materiais que compõem os respectivos pavimentos, de mosaicos e de betão (alínea C) dos factos assentes).
O veículo do A., tal como o veículo de matrícula NQ-81-67, encontrava-se parado/estacionado, em posição perpendicular à via de trânsito, o que era e é usual no local (alínea D) dos factos assentes).
O veículo do A. estava estacionado com a parte da frente virada para o prédio de habitação contíguo ao estacionamento, tendo à sua retaguarda a via de transito da rua lateral e paralela à Avenida Cidade de Salamanca, enquanto que o referido veículo NQ-81-67 estava estacionado em posição contrária (alínea E) dos factos assentes).
Cerca das 21h 15m, o autor, pretendendo sair do estacionamento, entrou no seu veículo para o efeito (alínea F) dos factos assentes).
O veículo matrícula 03-44-DQ era conduzido por C... (alínea G) dos factos assentes).
A responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativa à circulação da viatura ligeira matrícula 03-44-DQ, encontrava-se transferida para a ré "Companhia de Seguros B..." através de contrato de seguro titulado pela Apólice nº4953262 (alínea H) dos factos assentes).
Com a reparação da sua viatura o A. despendeu a importância de 1440,41 Euros (alínea I) dos factos assentes).
A 1ª Ré recusou-se a pagar esta importância directamente à oficina ou a reembolsar o A (alínea J) dos factos assentes).
Na via circulava já a viatura de matrícula 03-44-DQ, vinda do lado esquerdo do SU, atenta a posição em que se encontrava este veículo (resposta ao facto 2º da base instrutória).
O veículo 03-44-DQ entrou na hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha (resposta ao facto quarto da base instrutória).
A condutora do DQ, após ter saído do local onde se encontrava estacionado o seu veículo, ao invés de tomar logo a faixa direita, atento o seu sentido de marcha, invadiu a faixa contrária (resposta ao facto sétimo da base instrutória).
A condutora do DQ circulava em rua e via de transito com dois sentidos e com uma largura de cerca de 7 metros e com uma largura livre de 4,20 metros precisamente atrás do local onde o A. se encontrava parado (resposta ao facto oitavo da base instrutória)
Permitindo que em sentido contrário à Ré circulasse e com esta cruzasse um outro qualquer veículo, sendo que tal cruzamento se faria com dificuldade (resposta ao facto nono da base instrutória).
A viatura matrícula 03-44-DQ estava posicionada, em andamento, perpendicular à viatura do A. (resposta ao facto décimo da base instrutória).
E veio embater na parte lateral traseira esquerda do veículo 04-97-SU (resposta ao facto décimo primeiro da base instrutória).
Na zona do guarda-lamas, roda traseira esquerda e pára-choques esquerdo (resposta ao facto décimo segundo da base instrutória).
Tendo, pela força do embate, sido arrastada a viatura do A. ao longo do estacionamento e de encontro ao veículo que se encontrava estacionado ao seu lado, matrícula NQ-81-67, nele embatendo com a parte traseira lateral direita e provocando-lhe danos na parte lateral da frente (resposta ao facto décimo terceiro da base instrutória).
Por força do embate, o veículo do A. sofreu danos na traseira lateral esquerda, tendo ficado a jante amolgada, o guarda-lamas rasgado, o pára-choques e capot amolgados, o farol e farolins partidos (resposta ao facto décimo quarto da base instrutória).
E do lado direito ficou amolgado no guarda-lamas, pára-choques e com os faróis partidos ao embater no veículo NQ-81-67 (resposta ao facto décimo quinto da base instrutória).
O autor ficou privado do uso do veículo pelo período de 5 dias (resposta ao facto décimo sétimo da base instrutória).
O A. durante esse período viu-se impossibilitado de usufruir do conforto e segurança que o seu veículo lhe vinha proporcionando (resposta ao facto décimo oitavo da base instrutória).
No dia e hora referidos em B), encontrava-se o veículo do A. estacionado em parque a tal destinado, em frente ao estabelecimento “Egicortinados”, ao lado do sinal vertical indicativo de “Veículos de Instrução” (resposta ao facto vigésimo primeiro da base instrutória).
Três /quatro lugares mais abaixo e no mesmo parque, encontrava-se, também estacionado, o veículo seguro na R., de matrícula 03-44-DQ, com a frente virada para o estabelecimento “Liliarte” e a traseira para a Rua lateral à Av. Cidade de Salamanca (resposta ao facto vigésimo segundo da base instrutória).
Imediatamente antes do acidente, a condutora do DQ, entrou no veículo e accionou o motor, após o que fez marcha-atrás, saindo do estacionamento e posicionando o veículo no meio da Rua lateral, no sentido Norte – Sul (resposta ao facto vigésimo terceiro da base instrutória).
A parte mais à direita da mesma Rua no sentido referido estava ocupada por vários veículos, estacionados em fila contínua (resposta ao facto vigésimo quarto da base instrutória).
Depois, engrenando a 1ª velocidade, pôs em marcha o veículo, em direcção ao entroncamento com a Av. Cidade de Salamanca, na intenção de tomar esta via (resposta ao facto vigésimo quinto da base instrutória).
Após a condutora do DQ ter percorrido cerca de 8 metros, com o veículo ainda em 1ª velocidade e ao passar frente ao local de estacionamento do veículo do A. este encontrava-se a fazer a manobra de marcha atrás do veículo que conduzia (resposta ao facto vigésimo sexto da base instrutória).
O veículo conduzido pelo autor encontrava-se a invadir, com a respectiva traseira, cerca de 45 cm da hemi-faixa de rodagem esquerda da Rua lateral por onde o veículo DQ circulava, e atento o sentido de marcha deste (resposta ao facto vigésimo sétimo da base instrutória).
E foi embater, com a parte lateral traseira, ponteira do pára-choques e farolim, na zona do farol esquerdo frente do DQ (resposta ao facto vigésimo oitava da base instrutória).
A seguradora para a qual se encontrava transferida a responsabilidade civil emergente de acidente de viação do veículo do autor, Lusitânia – Companhia de Seguros S. A., após inquérito às circunstâncias do acidente, propôs à ora 1ª R. a regularização do sinistro “dividindo a responsabilidade em partes iguais por ambos os intervenientes” (resposta ao facto trigésimo da base instrutória).
O que a R. não aceitou (resposta ao facto trigésimo primeiro da base instrutória).
O local de estacionamento destinado a cada um dos veículos no lado contíguo aos imóveis mede cerca de 5 x 2 metros e devido ao habitual estacionamento de veículos, em particular de noite, no lado contrário, torna-se difícil o cruzamento de dois veículos (resposta ao facto trigésimo segundo da base instrutória).
O prazo considerado pela ré como suficiente para a reparação do veículo do autor foi três dias (resposta ao facto trigésimo terceiro da base instrutória).
[…]”
[transcrição de fls. 198/202]


Da questão de direito:

2.2. Reapreciada a matéria de facto questionada pelo Apelante, emerge a sua total coincidência com a fixada pelo Tribunal de primeira instância. Neste quadro fáctico, que é o mesmo nas duas instâncias, avulta, como adequadamente foi entendido na Decisão impugnada, a concorrência de culpas da condutora do veículo segurado da Apelada e do Apelante na verificação do evento produtor dos danos, sendo certo que as manobras de ambos os intervenientes no acidente traduziram desvalores ao direito da circulação rodoviária (no caso da condutora do DQ, ao disposto no artigo 13º, nº 1 do Código da Estrada, e, no caso do Apelante, ao disposto no artigo 31º, nº 1, alínea a) do mesmo Código) e qualquer uma dessas manobras se mostrou, em concreto, causal do embate[ 14].

Situa-nos esta constatação da concorrência de culpa do lesado, aqui Apelante, na produção dos danos cujo ressarcimento pede, no quadro do artigo 570º, nº 1 do CC. Daí que se mostre correcta – embora a Sentença não tenha procedido a este enquadramento jurídico – a redução operada no quantum indemnizatório, sendo certo que essa concorrência de culpas determina o reequacionar da indemnização que, como aqui sucede, assente na demonstração da[s] culpa[s][ 15] – e não na sua presunção (v. o nº 2 do mesmo artigo 570º). Ora, tendo presente os parâmetros em que se podia operar essa reequacionação[16], afigura-se-nos perfeitamente ajustada a determinação de uma quota de conculpabilidade idêntica do prejudicado, com a consequente redução a metade do montante indemnizatório a atribuir a este. Vale aqui, face à evidente equivalência dos comportamentos desconformes às regras da circulação rodoviária, num e noutro caso, um nivelamento equivalente da imputação dos danos produzidos. Foi, pois, inteiramente correcta e adequada a redução operada no montante dos danos materiais correspondentes à reparação da viatura do Apelante.

2.3. Subsistem, assim, na economia das questões suscitadas no recurso, as respeitantes aos tipos indemnizatórios desconsiderados pela Decisão apelada, sendo que, também estes, a ser adequado fixá-los, teriam de passar pelo processo de redução antes referido. Estão em causa neste aspecto, a indemnização por privação de uso, o pagamento dos honorários do advogado e a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais.

2.3.1. Quanto à primeira destas (indemnização por privação de uso), não se discutindo que, em sede de responsabilidade civil delitual, a privação da utilidade de um bem com as características de um veículo automóvel, “[…] por impedir o proprietário de gozar de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição, nos termos do artigo 1305º do CC”, pode preencher o facti species indemnizatório previsto no artigo 483º do CC, enquanto violação ilícita do direito de outrem, não se discutindo isto, dizíamos, tal privação do uso “[…] não basta, qua tale, para fundar a obrigação de indemnizar se não se alegarem e provarem danos por ela causados”[ 17 ]. Ora, neste caso, o Tribunal não dispõe, porque o Apelado não os provou nem os alegou[18], de elementos que permitam sinalizar a função concreta que a viatura apresentava no património ou no dia a dia do Apelante, sendo que, mesmo para quem – e é o caso do Desembargador António Santos Abrantes Geraldes – se baste, em sede de indemnização por privação de uso referida a danos emergentes, com “[…] a prova da mera privação de um bem […]”, mesmo nesta visão, dizíamos, não se prescinde da associação de tal privação a “[…] uma determinada função no património ou na vivência do lesado”[19].

2.3.2. Quanto ao pagamento, enquanto espécie indemnizatória específica, dos honorários do seu Causídico, que o Apelante fixou em €2.000 (no quadro de uma prestação de serviços visando o recebimento de uma indemnização de €2.600,41), cumpre sublinhar, para além da ausência de prova respeitante a esta matéria, que a função supressora ou de ressarcimento deste gasto corresponde no nosso sistema à chamada procuradoria[ 20 ], prevista nos artigos 40º e seguintes do Código das Custas Judiciais (CCJ)[
21]. Só assim não sucede, ou seja, só se procede a uma ponderação indemnizatória específica de tais despesas em termos da sua atribuição a quem as desembolsou, no quadro excepcional da condenação por litigância de má fé (artigo 457º, nº 1, alínea a) do CPC)[22].

Este aspecto (possível reembolso ao vencedor dos honorários do seu advogado) recebe tratamento díspar em diversas ordens jurídicas. Com efeito, em Direito Comparado, reconhecem-se nesta matéria, fundamentalmente, duas orientações: o chamado “Sistema Americano” (American rule) e o chamado “Sistema Inglês” (English rule)[ 23]. No primeiro destes, os honorários do advogado são considerados (fora do quadro equivalente ao nosso apoio judiciário) um custo económico tolerável para a generalidade das pessoas e, como tal, não recuperável através da indemnização em que for condenada a parte vencida, salvo em situações nas quais uma Lei (ou um contrato) mande imputar esse custo à parte vencida[24]. Na segunda situação – English rule, também referida como regra “o vencido paga” (loser pays) – a parte vencida na lide é responsável pelo valor dos honorários do advogado da parte que vence. Este sistema, que é o do Direito inglês e o prevalecente nos Sistemas Continentais, como é o caso do nosso, divide-se por sua vez no grupo em que a “recuperação” desse custo se faz directamente através do pedido indemnizatório (é o que sucede em Inglaterra[ 25], fora do quadro da chamada “legal aid”) ou é incluído na compensação que (“oficialmente”[26]) é devida à parte vencedora. O sistema português, através da mencionada figura da procuradoria, integra-se neste último grupo: inclusão desse custo na tributação da acção e imputação desse custo à parte vencida.

Estão, pois, os honorários do Advogado do Apelante, fora do alcance indemnizatório configurado por este nesta acção. Aliás, mesmo que se entendesse doutro modo a responsabilidade por tal despesa da parte que a invoca, sempre nos defrontaríamos – como se defrontou o Tribunal a quo – com uma situação de não prova da factualidade subjacente.

2.3.3. Resta-nos, em sede de tipos indemnizatórios não atendidos pela Decisão recorrida, a questão dos danos não patrimoniais, que o Apelante liquidou em €1.000. Quanto a estes, defrontamo-nos com a ausência de factos que alicercem algo que ultrapasse, no quadro de um acidente de gravidade diminuta que determinou, sem qualquer dano pessoal, apenas cinco dias de oficina para a viatura, “[…] os simples incómodos ou contrariedades [que] não justificam a indemnização por danos não patrimoniais […]”[27], num quadro – que é o do artigo 496º, nº 1 do CC[28] – em que a indemnização por este tipo de danos depende da existência de um grau de gravidade qualificada, aqui de todo ausente.

2.4. Chegados aqui, resta-nos, antes de confirmar, como se impõe, a Sentença apelada, constatar a notória ausência de qualquer suporte para uma condenação da Apelada como litigante de má fé. Com efeito, sublinhando-se que a tese defendida pela R. obteve no essencial demonstração no processo, constata-se, ainda, que nenhum elemento se apurou com um mínimo de potencialidade de preenchimento de qualquer das situações referidas em alguma das alíneas do nº 2 do artigo 456º do CPC.

III – Decisão


3. Assim, tudo visto, na total improcedência da apelação, decide-se confirmar integralmente a Sentença recorrida.

Custas pelo Apelante.
________________
[1] A acção foi também intentada contra Sílvia Alexandra dos Santos Marques, condutora da viatura, segurada pela R., interveniente no acidente referido pela A.. A referida Sílvia Alexandra, porém, viria a ser considerada, no Despacho Saneador de fls. 70/74, parte ilegítima, por o pedido se conter dentro dos limites do seguro obrigatório (artigo 29º, nº 1, alínea a) do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro).

[2] Parcelarmente, tal como as indica na petição inicial, são as seguintes as quantias peticionadas pelo A.:

29º
Pelo que o A. sofreu os danos patrimoniais respeitantes ao custo da reparação da sua viatura, no montante de €1.440,41, e os decorrentes da privação da mesma durante os 8 dias em que a mesma reparação ocorreu, à razão de €20/dia, o que perfaz a importância de €160.

30º
Para despesas e honorários o A. prevê ter de vir a dispor de verba não inferior a €2.000, tanto assim que reside em Lisboa e a acção corre os seus termos por este Tribunal da Guarda, havendo de ser contabilizados os honorários, que devem sempre atender ao tempo gasto directa ou indirectamente com o processo e despesas especialmente agravadas por tal facto (tendo naturalmente o A. direito a escolher, como escolheu, advogado da área da sua residência) […].
31º
A título d[e] danos não patrimoniais pelos incómodos que o acidente lhe provocou o A. calcula o valor de €1.000, de que deve ser indemnizado.
[transcrição de fls. 9]


[3] Resumindo a mecânica do acidente na versão do A., a sua viatura, a SU, quando pretendia sair em marcha-atrás de um parque de estacionamento perpendicular ao eixo da via, foi embatida, ainda dentro desse parque, na traseira esquerda da respectiva viatura, pela viatura DQ, cuja condutora circulava desatenta, invadindo a metade (esquerda para essa condutora) da faixa de rodagem pertencente à mão de trânsito do A., de tal forma que teria invadido mesmo o mencionado espaço de parqueamento, aí indo abalroando a viatura do A..

[4] Opõe a R. à versão do A., a de ter sido exclusivamente o descuido deste na execução manobra de saída do parque em marcha-atrás, o facto ocasionador do acidente.
[5] O A., na resposta à contestação (fls. 63/64), pedira a condenação da R. como litigante de má fé.
[6] A esta peça, aditou (fls. 271/272) o Apelante o seguinte esclarecimento:
“[…]
[P]ara que dúvidas não restem, esclarece-se que a Sentença recorrida deve ser revogada pelo Tribunal da Relação em toda a parte que não deu razão ao Recorrente, condenando-se consequentemente a Recorrida a pagar-lhe, para além dos montantes indemnizatórios referidos na […] conclusão ZN, também a restante parte dos 50% dos custos da reparação do SU, ou seja, todas as despesas da reparação da viatura do Recorrente, no montante de €1440,41, tudo acrescido de juros à taxa legal até efectivo pagamento e bem assim as custas do processo.
[…]
[transcrição de fls. 272]

[7] V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V (reimp.), Coimbra, 1981, pp. 362/363; cfr., entre muitos outros possíveis, os Acórdãos do STJ de 6/05/1987 e de 14/04/1999, respectivamente na Tribuna da Justiça, nºs 32/33, Agosto/Setembro de 1987, p. 30, e no BMJ, 486,279.

[8] Daí que, e também por razões de economia processual, se não tenha convidado o Apelante a proceder à respectiva sintetização, nos termos do nº 4 do artigo 690º do CPC.
[9] Estes, enquanto base instrutória, apresentavam a seguinte formulação:
O A. aguardou, com o seu veículo completamente imobilizado, e totalmente dentro do estacionamento, que o veículo [DQ] passasse à sua retaguarda e só depois de este passar iniciaria e prosseguiria a manobra de marcha-atrás, com vista a sair do local?
O veículo [DQ], ao invés de seguir em frente, guinou para o lado esquerdo, entrando na hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, indo de encontro ao estacionamento do lado contrário ao que seguia, onde o veículo do A. se encontrava estacionado?
Ao mesmo tempo que a sua condutora ia dizendo adeus, olhando para trás, acenando com a mão a um Senhor, com o braço esquerdo esticado e fora do carro?
O SU estava nessa altura completamente imobilizado no local de estacionamento, a aguardar a passagem do DQ?
A condutora do DQ invadiu a faixa contrária, atravessando totalmente a via de Trânsito onde seguia, acabando mesmo por invadir o estacionamento do outro lado da Rua, onde acabou por abalroar a viatura do A. que ali se encontrava imobilizada?
[…]
16º
Devido ao acidente o A. teve ainda despesas de deslocações, correio e telefone e custo de transporte alternativo a suportar pelo acompanhamento do processo administrativo?
[…]
19º
O A. perdeu tempo nas filas de táxi e de transportes públicos, e bem assim como perdeu tempo com idas e contactos à Seguradora e Advogado?
20º
O A. viu frustrado o equilíbrio na gestão do seu tempo e tarefas que realizava, vendo-se forçado a alterar toda a sua rotina e projectos especialmente no período em que a sua viatura esteve imobilizada para reparação?
[…]
26º
Após ter percorrido cerca de meia dúzia de metros, com o veículo ainda em 1ª velocidade e ao passar frente ao local de estacionamento do veículo do A., foi surpreendida [refere-se à condutora do DQ] pela manobra de marcha-atrás de tal veículo?
27º
Com a respectiva traseira a invadir, perpendicularmente, a Rua lateral por onde o veículo DQ se aproximava?
28º
E a embater, com a parte lateral traseira, ponteira do pára-choques e farolim, na zona do farol esquerdo do mesmo?

[10] Provado apenas que o veículo [DQ] entrou na hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha.
[…]
Provado que a condutora do DQ, após ter saído do local onde se encontrava estacionado o veículo por si conduzido, ao invés de tomar logo a faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, invadiu a faixa contrária.
[…]
26º
Provado que após a condutora do DQ ter percorrido uma distância de cerca de 8 metros, com o veículo ainda em primeira velocidade e ao passar frente ao local de estacionamento do A., este encontrava-se a fazer a manobra de marcha-atrás do veículo que conduzia.
[11] Esta Testemunha, de forma muito pouco convincente, pretendeu basear a sua razão de ciência numa alegada presença, no momento do embate, na varanda da sua casa, presença esta que, sendo um facto significativo, jamais foi referida pelo seu marido (José Rafael Borges) no respectivo depoimento, tendo-se essa suposta presença tornado muito pouco plausível face à continuação do seu depoimento, e face aos subsequentes depoimentos. É, pois, correcta a desvalorização deste depoimento operada em sede de fundamentação (v. fls. 192).
[12] E isto foi devidamente explicado pela testemunha Manuel Garcia, perito encarregue pela R. de apreciar os elementos do acidente e cujo depoimento, não obstante, se nos afigurou totalmente objectivo.
[13] Aliás, os poderes de reapreciação da matéria de facto por esta Relação, ao abrigo do artigo 712º do CPC, cingem-se à detecção e correcção “de manifestos erros de julgamento”, aqui de todo ausentes [cfr. Acórdão do STJ de 14/03/2006, Colectânea de Jurisprudência (STJ), tomo I, 2006, pp. 130/131]
[14] Embora estejam em causa, neste caso, redacções iguais de ambos os preceitos, aplica-se aqui o texto do Código da Estrada anterior ao introduzido pelo Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro (v. o respectivo artigo 24º), a saber:
Artigo 13º
(Posição de marcha)
1 – O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, ou conservando destes uma distância que permita evitar acidentes.
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Artigo 31º
(Cedência de passagem em certas vias ou troços)
1 – Deve sempre ceder a passagem o condutor:
a) Que saia de um parque de estacionamento, de uma zona de abastecimento de combustível ou de qualquer prédio ou caminho particular.
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[15] A norma em causa, o artigo 570º, nº 1 do CC, ao actuar por referência à indemnização, ou seja, à resposta supressora do dano, introduz um critério de balanceamento desta resposta por referência à ideia de concausalidade. Porém, o facti species da norma, tanto se refere ao dano, como ao próprio evento desencadeador do dano. Inspirou-se esta disposição da nossa lei substantiva no artigo 1227º do Código Civil italiano (v. o Estudo de Adriano Vaz Serra, no âmbito dos trabalhos preparatórios do CC, “Conculpabilidade do Prejudicado”, in BMJ, 86), sendo que este é – aí, no Direito italiano – entendido como reportado, não tanto à liquidação do dano, como à subsistência do próprio dano (“[…] questa circostanza non riguarda tanto i criteri per la liquidazioni del danno, quanto la sussistenza del danno stesso […]”, Massimo Franzoni, “La Liquidazioni del Danno alla Persona”, in Trattato di Diritto Commerciale e di Diritto Pubblico Dell’Economia, dirigido por Francesco Galgano, vol 14º, Pádua, 1990, p. 265).

[16] Artigo 570º
(Culpa do lesado)
1 – Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
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[17] As citações foram extraídas do Acórdão do STJ de 8/06/2006 (Sebastião Povoas), disponível, sob o nº de processo 06A1497, em www.dgsi.pt/jstj.nsf.

[18] Para além das considerações retóricas que constam do artigo 24º da petição inicial: “[o] A. durante os dias seguintes ao acidente e em especial durante o período de reparação viu-se impossibilitado de usufruir do conforto e segurança que o seu veículo lhe vinha proporcionando. O A. adquiriu o seu veículo para sua utilização e não para ser levianamente abalroado por terceiros desprovidos dos mais elementares cuidados na condução”.

[19] Temas da Responsabilidade Civil, I vol. (Indemnização do Dano da Privação do Uso), 2ª ed., Coimbra, 2005, pp. 49/51, referindo-se a citação à nota 52 (p. 50).
[20] “Há mais de um século que a nossa lei utiliza o conceito procuradoria com o significado de compensação pelo vencido ao vencedor do litígio em razão do dispêndio com o patrocínio judicial (artigo 75º da Tabela de Emolumentos e Salários Judiciais de 1896).
A procuradoria tem sido entendida como o reembolso à parte vencedora do dispêndio com o mandato judicial […]” (Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais anotado e comentado, 3ª ed., Coimbra, 2000, p. 238, em anotação ao artigo 40º).
Daí que, na pureza original do nosso sistema de custas, referência esta que vale, segundo Eduardo Arala Chaves (Código das Custas Judiciais anotações e comentários, Coimbra, 1962, p. 114), para a redacção original do artigo 67º, § 2º do CCJ de 1940, “[…] não h[ouvesse] lugar a procuradoria se a parte não est[ivesse] representada por advogado ou solicitador”. Não obstante esta pureza original ter sido algo desvirtuada desde a reforma que, subsequentemente ao Decreto-Lei nº 36551, de 22 de Outubro de 1947, prevê a contagem da procuradoria, quando inexiste patrocínio do vencedor, em favor de entidades públicas (v. actual nº 6 do artigo 40º do CCJ), a procuradoria nunca perdeu essa original natureza intrínseca.

[21] Vale aqui, por se tratar de processo instaurado em 2005, a redacção do Código das Custas introduzida pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro (v. respectivos artigos 14º, nº1 e 16º, nº 1).

[22] Ou ainda, configurando igualmente uma hipótese excepcional de reembolso dos honorários do advogado à parte, o julgamento no caso de inexigibilidade da prestação, nos termos do artigo 662º, nº 3 do CPC.
[23] V., na Wikipedia, as entradas “Attorney’s fee”, “American rule (legal term)” e “English rule (legal term)”, respectivamente nos endereços da Wikipedia em http://en.wikipedia.org/wiki/Attornys%27_fees; http://en.wikipedia.org/wiki/American_rule e http://en.wikipedia.org/wiki/English_rule.

[24] Como sucede nos Estados Unidos no caso das acções propostas contra o Estado, nos termos da Lei de 1980 denominada Equal Acess to Justice Act (v. Black’s Law Dictionary, 6ª ed., St. Paul Minnesota, 1990, p. 536). Note-se que a prática dos Tribunais americanos, admite excepções a este sistema: “[t]he traditional «American rule» is that attorney fees are not awardable to the winning party (i.e. each litigant must pay his own attorney fees) unless statutorily or contractually authorized; however exceptions exist in that award may be made to successful party if the opponent has acted in bad faith […]” (Black’s Law…, cit. p. 82; cfr. o texto de Walter Olson, “Loser Pays”, disponível no sítio www.pointoflaw.com/loserpays/overview.php). Note-se que a racionalidade da American rule tende a ser explicada, recorrendo à Análise Económica do Direito, com base na ideia de que a regra contrária desincentivaria as pessoas de recorrerem ao tribunal, por antecipação desse acrescido “custo de transacção” consistente no pagamento dos honorários do advogado da parte contrária (v. o estudo comparativo do funcionamento dos dois sistemas de Peter J. Coughlan e Charles R. Plott, An Experimental Analysis of the Structure of Legal Fees: AmerivanRule vs. English Rule, disponível em http://ideas.repec.org/p/cct/sswopa/1025.html).

[25] Cfr. Walter Olson, “Loser…”, cit..

[26] Expressando-se de diversas formas nos vários sistemas que a prevêem, assume essa “oficialidade” entre nós a característica consistente no seu tratamento em sede de custas, entendidas estas em sentido amplo, como correspondendo a toda a tributação respeitante à actividade judiciária.
[27] Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra, 1982, p. 473.

[28] Artigo 496º
Danos não patrimoniais
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
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