Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
383/06.9TBSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ELEVADORES
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ADMINISTRADOR
CONDOMÍNIO
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
FALTA
Data do Acordão: 03/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SEIA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1421º, Nº 2, AL. B), 1424º, Nº 4, 1430º, Nº 1, 1431º, Nº 2, E 1437º, Nº 2, DO C.CIV.
Sumário: I – Presumindo-se um ascensor parte comum do prédio, nos termos do artº 1421º, nº 2, al. b), do C.Civ., todos os condóminos participam nas vantagens e encargos do mesmo, na proporção das suas quotas, sendo lícito o seu uso por qualquer deles, nos termos dos artºs 1405º, nº 1; 1406º, nº 1; 1422º, nº 1, e 1424º, nº 1, do dito código, sem prejuízo do disposto no artº 1424º, nº 4, onde se preceitua que nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.

II - Compete à assembleia de condóminos deliberar quanto ao modo de funcionamento dos elevadores e designadamente sobre o contrato de manutenção que se impõe seja contratualizado para o efeito e efectivação das inspecções periódicas legais (ver Decreto nº 513/70, de 30/10; Dec. Lei nº 404/86, de 3/12; e Dec. Lei nº 110/91, de 18/03), pois é a tal assembleia que compete, em primeira linha, a administração das partes comuns do edifício – artº 1430º, nº 1, do C. Civ..

III - Qualquer condómino interessado na colocação em funcionamento de um elevador do prédio deverá diligenciar no sentido de ser convocada uma assembleia para ser discutida tal questão, nos termos do artº 1431º, nº 2, do C. Civ., e apenas em caso de não deliberação acerca do efectivo funcionamento do elevador é que lhes competirá impugnar tal deliberação, com vista à sua anulação, quer através da convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas, quer sujeitando tal deliberação a um centro de arbitragem, ou através de uma acção judicial de impugnação, nos termos do artº 1433º, nºs 1, 2, 3 e 4, do C. Civ., cabendo, nestes casos, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito – nº 6 do artº 1433º.

IV - O administrador do condomínio não goza de personalidade judiciária para ser demandado sobre a colocação em funcionamento de um elevador do prédio, dado o disposto no artº 6º, al. e), à contrário, do CPC (apenas tem personalidade judiciária o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador).

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I
No Tribunal Judicial da Comarca de Seia, A... e mulher B..., residentes na X..., instauraram contra C..., residente na Y...., na sua qualidade de Administrador do Condomínio do Edifício Z..., a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação deste a reconhecer que o elevador existente no prédio em causa faz parte do projecto de construção … e colocá-lo em funcionamento, efectuando todas as reparações que se mostrem necessárias para o efeito, além de pagar aos A.A. uma indemnização correspondente a € 25,00/dia de atraso na colocação desse elevador em funcionamento, decorrido o prazo de 10 dias a contar da citação.
Para tanto e muito em resumo, alegaram que são donos da fracção “H”, correspondente ao 2º andar esquerdo, do referido prédio, onde moram, cuja licença de utilização contempla um elevador, conforme projecto aprovado para a construção do prédio.
Que, porém, esse elevador não trabalha e se encontra desactivado desde a emissão da dita licença, o que os A.A. não pretendem que assim continue a suceder, pois necessitam do elevador em funcionamento.
Que tendo solicitado à Administração do Condomínio esse funcionamento e como tal ainda não sucedeu, justifica-se a propositura da presente acção, com vista a obterem tal resultado.
II
Contestou o R. alegando, muito em resumo e além do mais, que é parte ilegítima na presente acção, porquanto a presente acção para produzir o seu efeito útil normal teria de ser proposta contra todos os condóminos, pelo que se impõe um litisconsórcio passivo necessário.
Pede, em consequência, a sua absolvição da instância.
III
Responderam os A.A. à alegada excepção, pedindo a improcedência da dita, com o fundamento em que o administrador do condomínio pode ser chamado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício, exceptuando as relativas à propriedade ou posse dos bens comuns.
IV
Na sequência de tal processado pelos A.A. foi deduzido o incidente da intervenção principal provocada, mediante o qual se pretendeu chamar à acção todos os condóminos proprietários das fracções que integram o prédio em causa, incidente esse que foi decidido no sentido negativo, e já transitado em julgado.

Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi dada como verificada a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária do demandado, em consequência do que foi absolvido da instância.
V
É desta e apenas desta decisão que foi interposto recurso pelos Autores, recurso este que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Nas alegações que apresentaram, os agravantes concluíram do seguinte modo:
1ª - Prescreve o nº 2 do artº 1437º do C. Civ. que o Administrador pode ser demandado em acção respeitante às partes comuns do edifício.
2ª - Exceptuando o nº 3 daquela disposição legal apenas as situações em que estão em causa questões de propriedade ou de posse de bens comuns.
3ª - No caso sub judice os A.A. instauraram acção contra o administrador do condomínio peticionando em primeira linha a colocação em funcionamento do elevador do edifício.
4ª - Sendo os demais pedidos formulados meros acessórios ou complementos daquele.
5ª - In casu não estamos face à excepção consagrada no nº 3 do artº 1437º do C. Civ..
6ª - A situação em análise integra-se claramente no âmbito do disposto no nº 2 do artº 1437º do C. Civ.
7ª - Logo, o administrador pode ser demandado, gozando de legitimidade passiva, entendimento este perfilhado pela maioria senão mesmo pela generalidade da doutrina e da jurisprudência.
8ª - A decisão recorrida viola o artº 1437º do C. Civ.
9ª - Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e revogar-se a decisão recorrida.
VI
Não foram apresentadas contra-alegações e nesta Relação foi aceite o recurso tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, pelo que nada obsta a que se conheça do seu objecto.
Tal objecto prende-se, portanto, apenas com referida decisão proferida em sede de despacho saneador, não com a anterior decisão que indeferiu o pedido de intervenção principal provocada deduzido pelos Autores, decisão essa que já fez caso julgado, uma vez que com ela se conformaram os Autores, apesar de terem sido eles próprios que requerem a referida intervenção.
Logo, o que apenas constitui objecto neste recurso é a decisão que, na sequência do indeferimento do incidente da referida intervenção principal provocada, julgou o R. destituído de personalidade judiciária para estar na presente acção.
Apreciemos, pois, tal questão:
Constitui causa de pedir na presente acção, tal como no-la apresentam os A.A., a existência de um prédio em propriedade horizontal, composto de cave, r/c, 1º, 2º, 3º andares e sótão, no qual existe um elevador, o qual parece que está e sempre terá estado desactivado, pretendendo os A.A. a sua colocação em funcionamento.
Presumindo-se tal ascensor como parte comum do prédio, nos termos do artº 1421º, nº 2, al. b), do C.Civ., todos os condóminos participam nas vantagens e encargos do mesmo, na proporção das suas quotas, sendo lícito o seu uso por qualquer deles, nos termos dos artºs 1405º, nº 1; 1406º, nº 1; 1422º, nº 1, e 1424º, nº 1, do dito código, sem prejuízo do disposto no artº 1424º, nº 4, onde se preceitua que nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.
Logo, há que implementar o funcionamento do ascensor em questão, cujos encargos terão de ser suportados nos sobreditos termos, competindo à assembleia de condóminos deliberar nesse sentido e designadamente sobre o contrato de manutenção que se impõe seja contratualizado para o efeito e efectivação das inspecções periódicas legais (ver Decreto nº 513/70, de 30/10; Dec. Lei nº 404/86, de 3/12; e Dec.Lei nº 110/91, de 18/03), pois é a tal assembleia que compete, em primeira linha, a administração das partes comuns do edifício – artº 1430º, nº 1, do C. Civ..
Portanto, afigura-se que os A.A. deverão diligenciar no sentido de ser convocada uma assembleia para ser discutida tal questão, nos termos do artº 1431º, nº 2, do C. Civ., e apenas em caso de não deliberação acerca do efectivo funcionamento do elevador é que lhes competirá impugnar tal deliberação, com vista à sua anulação, quer através da convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas, quer sujeitando tal deliberação a um centro de arbitragem, ou através de uma acção judicial de impugnação, nos termos do artº 1433º, nºs 1, 2, 3 e 4, do C. Civ., cabendo, nestes casos, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito – nº 6 do artº 1433º.
Isto é, uma acção de anulação de deliberação tomada em assembleia de condóminos deverá ser intentada contra todos os condóminos, individualmente considerados, que hajam aprovado, se tenham abstido ou que não tenham estado presentes ou representados, os quais serão, assim, os verdadeiros réus nessa acção, permitindo apenas a lei, para facilitar o desenvolvimento deste tipo de acções e evitar a intervenção efectiva de todos, que os réus sejam representados pelo administrador ou pela pessoa designada para o efeito por deliberação da assembleia, o que significa que o autor poderá requerer a citação de todos os réus na pessoa do administrador ou do representante especial, se o houver – ver Abílio Neto, in “Propriedade Horizontal”, 2ª ed., pg. 171.
É que, além do exposto, compete ao administrador elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano, cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns, exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, executar as deliberações da assembleia e prestar contas à dita, conforme artº 1436º, als. b), d), e), h) e j), do C. Civ., pelo que as funções do administrador se reportam sempre à assembleia de condóminos e deliberações aí tomadas, nunca podendo, por exemplo, cobrar receitas ou efectuar despesas não autorizadas – o administrador é uma espécie de órgão executivo do conjunto de condóminos e apenas com atribuições relacionadas com as chamadas partes comuns e nada mais do que isso.
Aliás, cabe ao administrador instaurar acções judiciais destinadas a cobrar as contribuições devidas ao condomínio deliberadas em assembleia de condóminos e constantes das respectivas actas, bem como quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum constantes de deliberações constantes de actas de reunião da assembleia de condóminos, e apenas estas, conforme artº 6º, nºs 1 e 2, do D.L. nº 268/94, de 25/10.
Logo, é perante a Assembleia de Condóminos que importa, antes de mais e necessariamente, que os Autores providenciem quanto à entrada de funções do elevador, nos termos supra expostos, e não exigir tal prestação do mero administrador, sem este ter antes sido devidamente mandatado para o efeito.
Donde que o administrador apenas possa ser demandado, para os efeitos pretendidos, nos termos citados, face ao estatuído nos artºs 1433º, nºs 4 e 6, e 1437º, nº 2, do C. Civ., nunca nos termos em que o foi (sem prévia deliberação em assembleia de condóminos sobre a questão em apreço, a carecer de reapreciação judicial).
Face ao que importa reconhecer a falta de personalidade judiciária do demandado, nos termos em que foi instaurada a presente acção, dado o disposto no artº 6º, al. e), à contrário, do CPC (apenas tem personalidade judiciária o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador).

Mas mesmo que se possa considerar a entrada em funcionamento do dito elevador como uma “inovação” no prédio, a sua aprovação sempre dependerá de uma deliberação por dois terços dos condóminos (do valor total do prédio), pelo que sempre será necessário diligenciar nessa convocatória e não instaurar acções judiciais para o efeito (e muito menos apenas contra o “administrador”), pois não é por este meio que se alcançará tal propósito – artºs 1425º, nº 1, e 1426º, nºs 1 e 2, do C. Civ..

Andou bem, pois, o Tribunal recorrido, ao ter decidido como o fez, pelo que importa confirmar tal decisão, isto é, há que negar provimento ao recurso de agravo interposto.
VII
Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto, confirmando o despacho recorrido.

Custas pelo Agravante.