Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
156/05.6TBPNL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM
CASO JULGADO DA DECISÃO ARBITRAL
Data do Acordão: 06/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PENELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 62º, Nº 2, DA CRP, 1310º C.CIV., 1º, 23º, Nº 1, 25º, E 26 DO C. EXPROPR., APROVADO PELA LEI Nº 168/99, DE 18/9; 684º, Nº 4, CPC.
Sumário: I – A expropriação por utilidade pública confere ao expropriado o direito a uma justa indemnização e será justa desde que compense plenamente o sacrifício patrimonial suportado pelo expropriado, de modo que a perda patrimonial imposta seja suportada equitativamente por todos os cidadãos e não apenas pelo expropriado.

II – A indemnização por expropriação deve aproximar-se tanto quanto possível do valor que o proprietário obteria pelo seu bem se não tivesse sido expropriado, tendendo a coincidir com o valor de mercado, em situação de normalidade.

III – Actualmente não existe controvérsia sobre a natureza da arbitragem, enquanto primeira fase de resolução heterocompositiva do litígio, no sentido de que se trata, não de um mero acto pré-judicial de natureza administrativa, mas de um tribunal arbitral necessário, cuja decisão assume natureza judicial.

IV – Em face disso, ao acórdão arbitral aplica-se, em matéria de recursos, as mesmas normas do CPC: o poder de cognição do juiz, em caso de recurso, é delimitado pela alegação do recorrente e pelo decidido no acórdão arbitral, que transita em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente, envolvendo a falta de recurso concordância com o decidido pelos árbitros.

V – Quando não impugnada a classificação do solo, ocorre caso julgado, segundo a teoria eclética ou mista sobre os limites objectivos do caso julgado (o caso julgado incide sobre a decisão e a motivação, desde que seja um antecedente lógico dela, indispensável a reconstituir e fixar o respectivo conteúdo).

VI – Assim, se nas alegações do recurso da decisão arbitral a parte aceitou a aplicação pelos árbitros de determinado critério, não pode depois impugná-lo – artº 684º, nº 4, CPC.

VII – O critério legal da determinação do custo da construção através dos valores fixados administrativamente – artº 26º, nº 5, C. Expropr. - não é vinculativo, servindo de regra de orientação, ou seja, como critério referencial, como decorre do princípio geral contido no artº 23º, nº 5.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO

1.1. – Expropriante -A...;
Expropriados - B..., C..., e D....

1.2. – Por despacho do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, de 12 de Novembro de 2004, publicado no D.R., n.º 294, II, Série, de 17 de Dezembro de 2004, com vista à execução da obra de beneficiação da EN 17 e 347, entre Miranda do Corvo e a E.N. 110, incluindo a variante do Espinhal, foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela n.º 9.22, com a área de 8670 m2, a destacar do prédio urbano sito em Salgueirais, freguesia de Espinhal, concelho de Penela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penela sob o n.º 00439 da dita freguesia e inscrito na matriz sob o artigo 1019º e do prédio rústico sito em Salgueirais, freguesia de Espinhal, concelho de Penela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penela sob o n.º 00440 e inscrito na matriz sob o artigo 305º.

1.3. - Realizada a arbitragem, por acórdão de 2 de Maio de 2005, os peritos decidiram, por unanimidade, atribuir à parcela expropriada a indemnização no valor de € 39.121,50 ( fls.3 a 8 ).

1.4. – Inconformados, expropriados B... e C... recorreram ( fls.83 a 101) da decisão arbitral, reclamando a indemnização de € 100.321,50, acrescida de correcção monetária.
O expropriante recorreu subordinadamente ( fls.113 a 121), pedindo a indemnização no valor de € 38.977,50.

1.5. - Por sentença de 31/7/2007 ( fls.348 a 381 ), decidiu-se:
a) - Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados, fixando a indemnização global que lhes deve ser atribuída em € 67.489,50 (sessenta e sete mil quatrocentos e oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos), montante esse que será actualizado de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística para o local da situação do bem (zona Centro) e incidirá sobre o valor fixado na presente decisão desde a data da publicação da declaração de utilidade pública (17/12/2004) até à decisão final;
b) - Julgar improcedente o recurso subordinado interposto pela entidade expropriante.

1.6. - Inconformados, os expropriados B... e C... recorreram de apelação, com as conclusões ( fls. 422 a 429 ) que se passam a resumir:
1º) - A sentença classificou a parte sobrante da parcela, na parte remanescente com área de 7.670 m2, como solo apto para outros fins, aderindo à avaliação técnica dos peritos, com o argumento de que os recorrentes não questionaram no recurso da decisão arbitral a classificação do terreno, ficando impedidos de o fazer nas alegações.
2º) - Porém, a lei não impede que as razões de facto e de direito venham a ser alteradas e/ou ampliadas nas alegações finais, em função da prova pericial, e como a classificação da parcela é questão de direito, nada obsta à alteração da classificação.
3º) – Na área sobrante da parcela ( 7.670 m2 ), classificada como solo apto para outros fins”, é possível vir a constituir uma pequena quinta, com utilização para fins agrícolas, no qual o respectivo proprietário poderia edificar uma moradia para habitação própria com área de 250 m2, devendo assim ser considerada para efeitos indemnizatórios.
4º) – A sentença fixou o custo de construção por metro quadrado em € 400,00, aderindo ao laudo dos peritos do tribunal e da entidade expropriante.
5º) – A opinião dos peritos não está devidamente fundamentada, pelo que o tribunal não poderia optar por ela.
6º) – Deve seguir-se o valor de € 650/m2, proposto pelo perito dos expropriados, por corresponder ao valor real e corrente numa situação normal de mercado.
7º) – A sentença fixou em 7% o factor correctivo referido no art.26 nº10 do C.Exp., com o argumento de que todos os peritos eram unânimes ao afirmar que o mercado imobiliário e de construção se encontra em crise, existindo uma dificuldade objectiva de escoamento de habitações na zona, sem que se preveja sequer um aumento demográfico e consequentemente um aumento da procura.
8º) – Porque a norma do nº10 do art.26 do C.Exp. é de difícil aplicação, dever-se-á seguir a posição adoptada pelo perito dos expropriados, por estar fundamentada.
9º) – O valor total da indemnização ( € 100.321,50 ) resulta do somatório das seguintes parcelas: valor atribuído à parte urbanizável – (€ 86.400,00), terreno de sequeiro/olival ( € 11.121,50), oliveiras ( € 1.800,00), eira (€ 1.000,00).
10º) – Deve alterar-se a classificação da parcela expropriada na área de 7.670 m2, considerando-a como área urbanizável, fixar-se em € 600,00 o valor do preço da construção por metro quadrado, não se aplicar o factor correctivo previsto no art.26 nº10 do CExp, atribuindo-se a indemnização em € 100.321,150.
11º) – A sentença violou os arts.23, 26 nº2 e 10, 27, 63, 64 do C.Exp., art.62 nº2 da CRP e art.40 do PDM de Penela.

O expropriante respondeu (fls.451 a 456), preconizando a improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
As questões essenciais submetidas a recurso, delimitadas pelas respectivas conclusões, são as seguintes:
(1ª) Classificação da parcela expropriada e área urbanizável;
(2ª) Valor da construção por metro quadrado;
(3ª) Factor correctivo do art.26 nº10 do C.Exp.

2.2. – Os factos provados:
1) - Por despacho n.º 26 236-E/2004 do Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas de 12 de Novembro de 2004, publicado no Diário da República n.º 294, II Série, de 17 de Dezembro de 2004 - no uso da competência delegada pelo despacho n.º 22 635/2004 (2ª Série), de 30 de Setembro, do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, publicado no Diário da República, 2ª Série, n.º 260, de 5 de Novembro de 2004 – foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes, necessários à execução da obra das EN 17.1 e 347 – beneficiação entre Miranda do Corvo e a EN 110, incluindo a variante do Espinhal.
2) - A parcela n.º 9.22 a destacar do prédio urbano sito em Salgueirais, freguesia de Espinhal, concelho de Penela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penela sob o n.º 00439 da dita freguesia e inscrito na matriz sob o artigo 1019º e do prédio rústico sito em Salgueirais, freguesia de Espinhal, concelho de Penela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penela sob o n.º 00440 e inscrito na matriz sob o artigo 305º está integrada no conjunto de prédios referidos em 1.
3) - Os prédios confinantes dos quais foi destacada a parcela a expropriar têm as seguintes características: o prédio urbano tem a área total de 232 m2 e confronta a norte, sul, nascente e poente com herdeiros de Maria da Graça Gadanho Freire de Andrade e o prédio rústico tem a área total de 57.810 m2 e confronta a norte com caminho, a nascente com Manuel da Silva, a sul com estrada e a poente com Albino Craveiro e caminho.
4) - A parcela expropriada tem a área de 8.670 m2.
5) - Em 2 de Março de 2005, os prédios em causa foram objecto de vistoria Ad perpetuam rei memoriam.
6) - Da vistoria referida no ponto antecedente consta que da área total de 8.670 m2 da parcela expropriada 1.000 m2 constituem terreno urbanizável, 4.250 m2 são terreno de sequeiro e 3.420 m2 são terreno de olival;
7) - A parcela tem forma irregular e localiza-se no aglomerado urbano do Espinhal;
8) - Com terreno ligeiramente inclinado, cujo solo é de natureza argilosa, com capacidade de uso como sequeiro e olival.
9) - Na parcela existia um pequeno barracão, com 22 m2, construído em alvenaria, em muito mau estado de conservação, que foi demolido em virtude da obra;
10) - Uma eira cimentada, com 40 m2, que foi demolida em virtude da obra;
11) - Um muro de alvenaria de pedra, com 0,35 m de espessura e 1,90 m de altura média, com 100 m de comprimento que foi demolido em virtude da obra;
12) - E 3.420 m2 de olival, em pleno desenvolvimento vegetativo, que foram arrancados em virtude da obra.
13) - Os prédios referidos em 3. e a parcela referida em 4. confinavam com a Estrada Nacional 347, que serve de arruamento ao aglomerado urbano do Espinhal, onde se encontram instaladas redes públicas de abastecimento domiciliário de água, fornecimento de energia eléctrica e iluminação pública, rede telefónica, rede de esgoto público, instalada do lado oposto ao dos referidos prédios e passeio.
14) - De acordo com o Plano Director Municipal de Penela, parte da parcela correspondente a uma área de 1000 m2 situa-se em zona classificada como “Espaço urbano 2 – Outros aglomerados” e a área remanescente em zona classificada como “Espaços agrícolas”.

2.3. - 1ª QUESTÃO

2.3.1. - A expropriação por utilidade pública confere ao expropriado o direito a uma justa indemnização (arts.62 nº2 da CRP, 1310 do CC, 1º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18/9), e será justa desde que compense plenamente o sacrifício patrimonial suportado pelo expropriado, de modo que a perda patrimonial imposta seja suportada equitativamente por todos os cidadãos e não apenas pelo expropriado.
Remetendo a Constituição para a lei ordinária a definição dos critérios a que deve obedecer a “justa indemnização”, o art. 23 nº1 do CExp., preceitua que ela “ não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor de mercado e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração da utilidade pública (…)”. E o valor de mercado e corrente é aquele que o expropriado, em livre troca e numa situação de normal funcionamento do mercado, obteria pelo bem expropriado, ou seja, o dano suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor corrente do bem expropriado, ao respectivo valor de mercado ( cf. ALVES CORREIA, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1982, pág. 129).
Por isso, a indemnização por expropriação deve aproximar-se tanto quanto possível do valor que o proprietário obteria pelo seu bem se não tivesse sido expropriado. E essa indemnização tenderá a coincidir com o valor de mercado, em situação de normalidade, como aquele que um comprador médio, sem razões especiais para a aquisição do bem, tendo em consideração as condições de facto e as circunstâncias existentes à data da declaração de utilidade pública, está disposto a pagar pelo bem, para efectuar o seu aproveitamento económico normal ( permitido pela lei e regulamentos em vigor).
Para se obter o “ valor real e corrente do bem expropriado “, o Código das Expropriações define um conjunto de critérios referenciais ou elementos ou factores de cálculo, os quais variam conforme a natureza do solo.
Na verdade, para efeito do cálculo da indemnização, nos termos do art. 25 nº1 do Código das Expropriações, o solo expropriado classifica-se em “solo apto para a construção” ou em “solo apto para outros fins”.
O solo é considerado apto para construção, nos termos do n.º 2 do artigo 25 do CExp., quando se encontre numa da situações previstas nas alíneas a) a d).
Todos os solos não abrangidos nas alíneas anteriores, nos termos do artigo 25 nº3 do CExp., são “solos aptos para outros fins”.

2.3.2. - O acórdão arbitral ( fls.3 a 8 ) fixou a indemnização global em € 39.121,50.
Considerou, face à localização do terreno e PDM de Penela ( publicado no DR Iª-B de 17/5/1993) uma parte não urbanizável, com 7.670 m2 ( terreno sequeiro/olival ), no valor de € 11.121,50, uma parte urbanizável, com área de 1.000 m2, sendo o preço de construção de € 25,20/m2, no valor de € 25.200,00, e ainda oliveiras no valor de € 1.800,00 e uma eira no valor de € 1.000,00.
No recurso da decisão arbitral ( fls.83 101), os expropriados reclamaram a indemnização de € 100.321,50, tendo impugnado o custo da construção por metro quadrado e o índice de utilização relativamente à parte do terreno urbanizável.
No relatório pericial ( fls.206 e segs. ), os peritos do tribunal e da expropriante consideraram a parcela de 1.000 m2 como solo apto para construção e a parcela de 7.670 m2 como solo apto para outros fins, tendo concluído pela indemnização total de € 63.690,60.
O perito dos expropriados ( fls.220 ) propôs o valor total de € 134.000,00.
Nas alegações do recurso do acórdão arbitral ( fls.314 ), os expropriados vieram defender o mesmo valor ( € 100.321,50), mas com fundamentos diversos, socorrendo-se dos elementos fornecidos pelo perito indicado.
A sentença recorrida classificou a parcela expropriada ( 8.670 m2 ) da seguinte forma: 1.000 m2 de solo apto para construção e 7.670 m2 de solo apto para outros fins.
Para tanto, baseou-se nos seguintes tópicos argumentativos:
a) - Os expropriados conformaram-se com a classificação da parcela expropriada feita no acórdão arbitral, visto que não a questionaram no requerimento de interposição do recurso. Por isso, não podem suscitar posteriormente essa questão, designadamente nas alegações - ( “ (…) não tendo nenhuma das partes – expropriados e entidade expropriante -, nos recursos por si interpostos (respectivamente principal e subordinado), posto em causa a classificação da parcela expropriada constante do acórdão arbitral e estando os expropriados impedidos de o fazer agora, não cumpre apreciar tal questão por a mesma não constituir objecto do presente recurso”);
b) - A classificação da parcela expropriada feita pelo laudo maioritário dos peritos ( do tribunal e da entidade expropriante ) “ não viola qualquer disposição legal imperativa aplicável ao caso, pois que, contrariamente ao referido pelo Senhor perito indicado pelos expropriados, não foram carreados para os autos quaisquer elementos probatórios que permitam concluir que se mostram preenchidos os requisitos a que alude o citado artigo 37º, n.º 2, do Plano Director Municipal de Penela “;
c) - O juiz deve aderir à avaliação técnica efectuada pelos peritos ou ao parecer maioritários deles, a menos que se suscitem questões de direito com relevância para o cálculo do valor da coisa ou que o processo contenha elementos de prova suficientemente sólidos – para além da avaliação – que o habilite a divergir, conforme entendimento jurisprudencial uniforme.

2.3.3. - O argumento do caso julgado:
Não há hoje qualquer controvérsia sobre a natureza da arbitragem, enquanto primeira fase de resolução heterocompositiva do litígio, no sentido de que se trata, não de um mero acto pré-judicial de natureza administrativa, mas de um tribunal arbitral necessário, cuja decisão assume natureza judicial ( cf., por ex., Ac do STJ de 2/12/93, C.J. ano I(1993) tomo III, pág.159, de 21/1/94, C.J. ano II( 1994 ), tomo I, pág.78, Assento do STJ de 30/5/95, BMJ 447, pág.52, Ac do STJ de 28/1/99, BMJ 483, pág.192, Ac do TC nº32/87, DR II de 7/4/87, e nº268/98, DR II de 9/7/98).
Em face disto, ao acórdão arbitral aplica-se, em matéria de recursos, as mesmas normas do CPC, o poder de cognição do juiz, em caso de recurso, é delimitado pelas alegação do recorrente e decidido no acórdão, que transita em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente, envolvendo a falta de recurso concordância com o decidido pelos árbitros.
Discute-se, porém, quando não impugnada a classificação do solo, se ocorre caso julgado e sobre a qual existem três orientações jurisprudenciais:
a) - O que transita é apenas e tão só o valor da indemnização, logo a decisão que incida sobre a classificação dos solos não tem força obrigatória dentro do processo ( cf., por ex., Ac RP de 10/10/96, C.J. ano XXI, tomo IV, pág.220, Ac RG de 16/2/05, proc. nº213/05, em www dgsi.pt );
b) - Outra, no sentido de que a qualificação do solo faz caso julgado ( cf., por ex., Ac RC de 8/3/06, C.J XXXI, tomo II, pág.10 );
c) - Um terceira posição de que a classificação do solo constituirá caso julgado na medida em que seja um pressuposto ou antecedente lógico da decisão ( cf. Ac RP de 29/11/2006, proc. nº0635068, em www dgsi.pt ).
Estas três posições jurisprudenciais sobre a questão específica da classificação dos solos, acabam por reflectir e concretizar a divergência, tanto ao nível jurisprudencial, como doutrinária, sobre a extensão do caso julgado – tese lata ( o caso julgado abrange a causa de pedir e os pressupostos da sentença ), tese restrita ( o caso julgado apenas abrange a decisão ) e tese mista ou ecléctica ( o caso julgado incide sobre a decisão e a motivação, desde que seja um antecedente lógica dela, indispensável a reconstruir e fixar o respectivo conteúdo).
O art.660 do CPC de 1939 continha um parágrafo único que dizia - “Consideram-se resolvidas tanto as questões sobre que recair decisão expressa, como as que, dados termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido”.
Sobre ele ensinava ALBERTO DOS REIS que “o parágrafo único contém uma regra da maior importância e ao mesmo tempo da maior delicadeza. Aceita o julgamento implícito, aplicando-o às questões que, dados os termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expresso. É a doutrina dos autores de maior categoria científica. Mas não pode deixar de reconhecer-se que o princípio é perigoso, pelo que a jurisprudência deve fazer dele uso prudente e moderado” ( CPC Anotado, vol.V, pág.59 ).
A Reforma de 1961 suprimiu esse parágrafo único, com a seguinte justificação: ”o problema da extensão (objectiva) do caso julgado aos motivos da decisão não está ainda suficientemente amadurecido na doutrina nem na jurisprudência, em termos de permitir ao legislador o enunciado claro duma posição. Por isso, à semelhança do que se fez no artigo 96, julga-se que a atitude mais prudente é a de não tocar no problema e deixar à doutrina o seu estudo mais aprofundado e à Jurisprudência a sua solução, caso por caso, mediante os conhecidos de integração da lei “(BMJ 123, pág.120 ).
RODRIGUES BASTOS entende “ser de concluir que embora as premissas da decisão não adquiram, em regra, força de caso julgado, deve reconhecer-se-lhes essa natureza, quer quando a parte decisória a elas se referir de modo expresso, quer quando constituírem antecedente lógico, necessário e imprescindível, da decisão final ( Notas ao Código de Processo Civil, vol.III, pág. 230 ).
Para TEIXEIRA DE SOUSA, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão ( Estudos Sobre o Novo Processo, pág.578 ).
Deve, por isso, acolher-se a teoria ecléctica ou mista sobre os limites objectivos do caso julgado ( cf., por ex., Ac do STJ de 6/2/96, BMJ 454, pág.599
Os expropriados, no recurso da decisão arbitral, delimitaram o seu objecto apenas à avaliação da parte urbanizável ( 1.000 m2 ), ao impugnarem o critério seguido pelos Árbitros sobre o custo da construção e índice de utilização, sem que houvessem questionado a qualificação da parcela expropriada, quer a área urbanizável, como a área não urbanizável. Tanto assim que nem sequer impugnaram o valor atribuído ao terreno de sequeiro/olival ( € 11.121,50 ) e afirmaram claramente que a parte com aptidão construtiva tem 1.000 m2 ( conclusão 22ª ).
Por seu turno, na parte decisória do acórdão arbitral, designada de “ V – Avaliação “ estão individualizados cada um dos valores parcelares, e como se verifica pelas alegações ( cf. conclusão 26ª), os expropriados apenas questionaram o valor atribuído ao “terreno urbanizável: 1.000 m2X25,20 /m2 25.200,00 €”.
Daí que, por imperativo do art.684 nº4 do CPC, os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não possam ser prejudicados pela decisão do recurso.
Adere-se ao entendimento de que se nas alegações do recurso da decisão arbitral a parte aceitou a aplicação pelos árbitros de determinado critério, não pode depois impugná-lo ( cf. Ac. RP de 10/4/97, CJ ano XXII, tomo II, pág. 212, Ac RL de 22/3/07, Ac RP de 15/4/08, em www dgsi.pt ).
Debalde o apelo ao art.273 nº2 do CPC, desde logo porque nas alegações de direito ( fls.314 ) os expropriados mantiveram o mesmo valor de € 100.321,50, logo não se vislumbra qualquer ampliação.
De resto, não é absolutamente líquida a admissibilidade legal da ampliação do pedido e mesmo para quem a consinta ainda se discute o momento, se nas alegações ou o da avaliação dos peritos ( cf., por ex., Ac RL de 10/3/94, C.J. ano XIX, tomo II, pág.83, Ac RP de 2/3/06, proc. nº0536230, de 25/10/01, proc. nº0131299, de 17/1/94, proc. nº9320458, disponíveis em www dgsi.pt ).
Por isso, da parcela expropriada, a área de 1.000 m2 é havida como solo apto para construção e a restante de 7.670 m2 como solo apto para outros fins.
2.4. - 2ª QUESTÃO
A sentença fixou o custo de construção por metro quadrado em € 400,00, aderindo ao laudo maioritário dos peritos do tribunal e da entidade expropriante.
Na verdade, depois de discernir sobre os critérios legais de atribuição do preço, concluiu - “ Tendo presentes as considerações supra expendidas, uma vez que o valor de € 400/m2 foi encontrado tendo em conta os critérios consignados na lei, que o laudo maioritário se encontra devidamente fundamentado e que, oferecendo os peritos nomeados pelo tribunal maior imparcialidade, não se vislumbra qualquer razão válida para o alterar, crê-se que é de considerar tal valor na fixação da indemnização, o qual, de resto, se afigura justo e razoável”.
Os apelantes contestam, dizendo que a opinião dos peritos não está fundamentada, devendo acolher-se o valor € 650,00/m2, proposto pelo perito dos expropriados.
O art.26 nº5 do C.Exp. estabelece como critério referencial os valores fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
Porém, o critério legal da determinação do custo da construção através dos valores fixados administrativamente não é vinculativo, servindo de regra de orientação, ou seja, como “ critérios referenciais “, como decorre do princípio geral contido no art.23 nº5 do C.Exp, ao estabelecer que “ (…) o valor dos bens calculados de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”.
Neste sentido, elucida ALVES CORREIA que o nº5 do art.26 do C.Exp. “não impõe uma correspondência do preço por metro quadrado de construção, para efeitos de expropriação, ao preço por metro quadrado de construção fixado administrativamente para efeito da aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, mas apenas uma obrigação de consideração destes preços como padrão de referência ou como factor indiciário do custo do metro quadrado de construção para o cálculo da indemnização por expropriação” ( RLJ ano 133, pág.51).
O laudo maioritário dos peritos ( fls.206 ) fixou em € 400,00/m2, partindo da “qualidade da construção existente nas imediações da parcela expropriada”, esclarecendo posteriormente e de forma mais desenvolvida ( fls.242 ) terem-se baseado nos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação de renda condicionada, fixados, à data da DUP, em € 516,50, deduzirem a tal montante a percentagem de 15% por estarem em causa nos autos áreas brutas de construção e não áreas úteis, bem como a percentagem de 18% correspondente ao valor do solo, encontrando, assim, um valor de € 360/m2. Mas considerando o custo unitário corrente médio de construção na região em condições normais de mercado, à data da DUP, arbitraram o de € 400,00/m2.
Já o perito dos expropriados ( fls.224 ) estabeleceu o preço entre € 720,00 e € 750,00, dizendo ter feito sondagem de mercado com recolha de informação feita a empresas de mediação imobiliária e a um perito avaliador idóneo, introduzindo um factor de redução de 0,90 ( fls.258 ).
Pois bem, adere-se à argumentação exposta na sentença, que se dá por reproduzida.
Com efeito, os preços fixados administrativos, ainda que não vinculativos, servem de critério geral de orientação, sendo que o valor de mercado habitual não pode ser o especulativo, mas o real, reportado à data da DUP.
Por outro lado, e sendo objectivamente descabida a alegada insuficiência de fundamentação do laudo maioritário dos peritos, como se afirmou na sentença e corresponde ao entendimento jurisprudencial uniforme, o tribunal deve dar preferência ao parecer dos peritos escolhidos pelo tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem ( cf., por ex. Ac. da RP de 27/5/80, C.J. ano V, tomo III, pág.82; Ac RC de 21/5/91, C.J. ano XVI, tomo III, pág.73; Ac RE de 25/6/92, C.J. ano XVII, tomo III, pág.343; Ac RL de 23/5/95, C.J. ano XX, tomo II, pág.88 ).
Tal não significa uma irrestrita vinculação ao laudo maioritário, já que o tribunal pode introduzir-lhe ajustamentos, fazer correcções, colmatar falhas, ou seguir o laudo ou critérios diferentes, se os tiver por mais justos, de acordo com os elementos probatórios que possuir ( cf. por ex., ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, vol. IV, pág.186; Ac. RL de 12/4/94, C.J.XIX, tomo II, pág.109 ).

2.5. - 3ª QUESTÃO

Dispõe o artigo 26 nº10:
“ O valor resultante dos critérios fixados nos nºs 4 a 9 será objecto de aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação”.
A sentença fixou em 7% o factor correctivo e os expropriados consideram ser de seguir o laudo minoritário do perito indicado, no sentido de não ser atribuída qualquer correcção.
A ratio legis da norma prende-se com a exigência de igualdade entre o expropriado que não sofre os riscos e esforços construtivos e o não expropriado que, em idêntica situação, levasse a cabo a edificação possível, tendo, assim, por função diminuir o valor da avaliação com a finalidade de o ajustar ao valor do mercado.
É que, numa situação normal de mercado, há riscos inerentes à construção, como, por exemplo, acidentes na obra, mau tempo, surpresas geológicas, encarecimentos da mão-de-obra e dos materiais, e riscos inerentes à comercialização, nomeadamente, depreciação do imóvel, dificuldades de venda por retracção do mercado por virtude de aumento das taxas de juro de empréstimos para habitação.
Como se refere no Ac do TC nº505/2004 ( DR II, de 3/11/2004) - “para se obter no mercado normal, o preço equivalente ao valor por que bem idêntico é avaliado para efeitos de expropriação (de acordo com a sua aptidão edificativa e tendo como referencial o custo de construção), um não expropriado teria de suportar o risco e o esforço inerente à actividade construtiva” e importa “ter em conta que a correcção a efectuar ao valor da avaliação, nos termos da norma em causa, se dimensiona em termos flexíveis (até 15%), o que sempre permitira a ponderação de circunstâncias particulares do caso, de modo a, tanto quanto possível, ajustar a previsão dos referidos custos e encargos à realidade hipotética”.
Contudo, o factor correctivo não é de aplicação automática, exigindo-se uma comprovada inexistência de risco e esforço inerente à actividade construtiva relevante na situação concreta ( cf., por ex., Ac RP de 16/5/2006, de 22/4/2008, em www dgsi.pt ).
A sentença impôs o factor correctivo de 7%, com impecável retórica argumentativa, fazendo a ponderação entre o inexistente risco dos expropriados inerente à actividade construtiva e o muito elevado risco quanto à posterior venda que viesse a ser feita.
Ambos os vectores encontram apoio nos elementos factuais disponíveis, pois, como se justificou, para a inexistência de risco construtivo - “a parcela está já dotada das infra-estruturas essenciais para possibilitar a construção e que se trata de um solo de natureza argilosa, com terreno ligeiramente inclinado (o que, de acordo com as regras da experiência comum, não causa especiais problemas na construção nem importa custos adicionais), acrescendo ainda o facto de a dita parcela confinar com a Estrada Nacional que serve de arruamento ao aglomerado urbano onde se insere, estando, por isso, igualmente, dotada de acesso à via pública” –, e quanto ao muito elevado risco inerente à comercialização decorre do facto dos peritos haverem salientado que “o mercado imobiliário e de construção se encontra em crise, com dificuldade objectiva de escoamento de habitações na zona, sem que se preveja sequer um aumento demográfico e, consequentemente, um aumento da procura”.
Em resumo, improcede a apelação, confirmando-se a muito bem elaborada sentença recorrida.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
2)
Condenar os apelantes nas custas.
+++
Coimbra, 17 de Junho de 2008.