Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
265/06.4TBCDN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 09/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 822º DO CC
Sumário: 1. A circunstância de parte do crédito do reclamante IGFSS gozando de privilégio mobiliário geral ter-se constituído e vencido em data anterior à penhora e a outra parte em data posterior à penhora não autoriza cindir-se tal crédito para graduar uma parte antes e a outra parte depois do crédito do exequente garantido pela penhora.

2. A regra do art. 822º do CC não é aplicável ao concurso entre esses créditos.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I- Relatório:

Por apenso ao processo executivo n.º 265/06.4TBCDN em que é exequente A..., e executada B... , veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social – Centro Distrital da Segurança Social de Coimbra reclamar o crédito por contribuições e juros como consta do requerimento inicial. Juntou a certidão de fls. 6 ss.

Cumprido o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 866.º do Código do Processo Civil, não foi deduzida qualquer oposição ou impugnação.

Foi saneado o processo e declarado verificado e reconhecido o crédito reclamado pelo referido IGFSS. No mesmo acto foi decidido graduar os créditos para serem pagos pela ordem seguinte, com precipuidade das custas [da execu­ção, entende-se]:
-1.º- O crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, ape­nas no que se refere aos juros relativos às contribuições dos meses de Outubro de 2002, Janeiro, Fevereiro, Junho e Julho de 2003, Maio, Julho, Setembro, Novem­bro e Dezembro de 2004 e Janeiro, Fevereiro, Abril a Julho e Setembro de 2005;

- 2.º- O crédito exequendo;

- 3.º - O crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, no que se refere aos meses de Julho a Outubro de 2006 e respectivos juros.

Da decisão de graduação recorre o IGFSS, concluindo a sua alegação no sentido de que todo o seu crédito seja graduado antes do exequendo.

Não houve contra-alegação.
Correram os vistos legais.
Nada obsta ao conhecimento do objecto de recurso.

II- Fundamentos:

De facto:

A 1ª instância olvidou a fundamentação de facto, o que constitui nulidade, que, em substituição, passa a suprir-se, julgando-se provado o seguinte documen­tado nos autos:
1. A reclamante tem sobre a executada o crédito por contribuições e juros como consta da certidão de fls. 6.
2. O crédito da exequente beneficia de penhora realizada em 13/07/2006.
3. O único bem penhorado na execução é uma máquina de rastos.




De direito:

A questão essencial consiste em saber se todo o crédito reclamado pelo IGFSS deve ser graduado antes do crédito exequendo garantido pela penhora (como pretende a apelante) ou se a parte daquele crédito vencido após a penhora deve ser graduada depois, por efeito do disposto no art. 822º nº 1 do CC (como a 1ª instância decidiu).

A 1ª instância assentou a sua decisão nas seguintes considerações, em resumo:
- Por força do preceituado no artigo 822.º do Código Civil, apenas são opo­níveis ao exequente os direitos reais de gozo adquiridos por terceiros e os direitos reais de garantia constituídos antes do acto da penhora;
- Parte do crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social constituiu-se e venceu-se (o vencimento ocorre no dia 15 do mês seguinte a que dizem respeito) em data posterior à penhora, no que se refere aos meses de Julho a Outubro de 2006 e respectivos juros, pelo que a inerente garantia de tais obriga­ções é posterior àquela de que beneficia a exequente e deve o crédito da recla­mante, nessa parte, ser graduado depois do crédito da exequente.

Afigura-se-nos que nessas considerações algo de essencial falhou.
Estamos em presença de crédito do IGFSS por contribuições e respectivos juros, em concurso com um crédito comum da exequente, apenas garantido pela penhora. E o bem penhorado é móvel.
Embora o Código Civil de 1966 tenha passado a reger a generalidade dos privilégios creditórios, logo no art. 8º nº 2 do Decreto-Lei preambular ressalvou a vigência de regimes especiais. E nestes regimes especiais contam-se, entre outros, os relativos a créditos da previdência, depois Segurança Social ( 1 ).
Os créditos das instituições da Segurança Social (antes caixas de Previ­dência) pelas contribuições e respectivos juros passaram a gozar das garantias que constavam do DL nº 512/76 de 3-7 e que constam dos art. 10º a 13º do DL nº 103/80 de 9-5. Trata-se de regime especial, específico das contribuições respecti­vas, que afasta o que em adverso consta do regime geral, designadamente no que respeita à graduação.
Assim, e apenas na parte que no caso interessa, por força do art. 10º do DL nº 103/80, os referidos créditos «por contribuições e respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na al. a) do nº 1 do art. 747º do Código Civil» (nº 1), privilégio este que prevalece sobre qualquer penhor ainda que de constituição anterior (nº 2) ( 2).
Os créditos do regime geral da Segurança Social gozam pois de privilégio mobiliário geral, nos termos daquele art. 10º nº 1, sem qualquer restrição tem­poral à eficácia desse privilégio ( 3 ). Asserção essa que engloba os «respectivos juros».
Por fim, deve notar-se que o invocado art. 822º do CC preceitua no seu nº1 que, «salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior».
Todavia, a 1ª instância não atendeu à ressalva inicial do preceito e não atendeu a que um privilégio geral não é um direito real. E não é um direito real porque não incide sobre coisa certa e determinada.
Em suma, o apelante tem razão. Todo o crédito reclamado tem preferência sobre o crédito da exequente.


III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, julga-se a apelação procedente e, revogando-se a decisão na parte impugnada, decide-se graduar os créditos para serem pagos pelo produto do penhorado, por esta ordem:

1º As custas da execução;
2º O crédito total do reclamante IGFSS por contribuições e juros;
3º O crédito exequendo.

Custas em ambas as instâncias a cargo da executada.
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[1] Cf. Acórdãos do STJ nos BMJ 221º/175, 223º/175 e 252º/141. Note-se que nenhuma norma do CC faz menção aos privilégios dos créditos da Segurança Social, instituindo-os ou graduando-os.
[2] Sobre um caso de graduação com aplicação desse art. 10º ver, com interesse, o Acórdão do STJ de 26-9-95 no BMJ 449º/339, representando aliás uma viragem jurisprudencial sobre a interpreta­ção do seu nº 2.
[3] Nesse sentido, António Carvalho Martins, Reclamação, Verificação e Graduação..., 1996, p. 107.