Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
540-A/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: LIVRANÇA
PACTO DE PREENCHIMENTO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 09/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 48.º, 3; 75.º E 76.º DA LULL; 777.º, 1 DO CÓDIGO CIVIL; 457.º, 2; 662.º, 1; 805.º, 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Podendo a livrança ser emitida em branco, a obrigação que incorpora só se efectiva, desde que, no momento do vencimento, este título se mostre preenchido, sob pena de não produzir os efeitos que lhe são próprios, porquanto o momento decisivo da afirmação da livrança não é o da sua emissão, mas antes o do seu vencimento.
2. Circulando a livrança, ainda mesmo antes de preenchida, como título cambiário, encontra-se sujeita ao regime cambiário, não constituindo a morte de um dos seus subscritores causa determinante da sua caducidade.
3. Não pressupondo a livrança em branco, necessariamente, um prévio contrato de preenchimento, quando este exista o preenchimento daquela, condição imprescindível da verificação dos efeitos, normalmente, resultantes das livranças, tem de realizar-se dentro dos limites e termos ajustados, sob pena de se tornar abusivo, se for efectuado com desrespeito pelo contrato de preenchimento.
Revestindo as diligências destinadas a tornar certa ou exigível a obrigação exequenda a natureza de pressupostos substancias da execução, se o credor instaurar logo o procedimento executivo, antes de a tornar certa ou exigível, por não se encontrar, no início do processo, em condições de quantificar determinadas despesas judiciais que vai passar a efectuar, na falta de oportuno indeferimento liminar, na parte em que o pedido excedeu os limites constantes do título executivo, dever-se-á adoptar, por analogia, o procedimento contemplado pelo artigo 457º, nº 2, do CPC.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


Maria dos Anjos Marques Madrugo, por si e em representação dos filhos menores, Diogo Filipe Madrugo Rodrigues e Paula Cristina Madrugo Rodrigues, residentes na Estrada Nacional, nº 3, Botequim, Torres Novas, deduziram os presentes embargos de executado, sob a forma de processo ordinário, contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Ribatejo Norte, CRL, com sede na Praça 5 de Outubro, nº 37, Torres Novas, pedindo que, na sua procedência, ainda que, implicitamente, sejam declarados desobrigados do pagamento da livrança e da quantia por ela titulada, alegando, para o efeito, e, em síntese, que a exequente é parte ilegítima, porque a quantia exequenda não está provida de garantia real, que o cumprimento do débito resultante do contrato de abertura de conta está garantido pela existência de seguro de vida, titulado pela apólice nº 45136/6005430, que os executados são parte ilegítima, uma vez que a exequente não alega os factos constitutivos da sucessão, que o título é inexequível, pois a livrança foi preenchida, abusivamente, pela exequente, após a morte de Valdemar Rodrigues, estando, por isso, caducada a autorização de preenchimento, e, finalmente, que existe falsidade material da livrança, pois nela foram preenchidos montantes que não estavam incluídos na autorização de preenchimento.
Na contestação, a embargada-exequente alega que é parte legítima, por ser portadora da livrança e beneficiária de hipoteca, que os executados são parte legítima, por serem sucessores do obrigado, conforme resulta da escritura de habilitação, que o acordo de preenchimento da livrança pode ser, expresso ou tácito e que os obrigados deram expressa autorização para que a exequente fixasse o montante e a data de vencimento da livrança, quando o considerasse oportuno, concluindo pela improcedência dos embargos.
Conhecendo sob a forma de saneador-sentença, os embargos foram julgados, totalmente, improcedentes, por não provados.
Desta decisão, os embargantes interpuseram recurso de apelação, terminando as alegações com as seguintes conclusões:
1ª – O direito cartular incorporado na livrança só existe na medida do documento. Um escrito contendo a palavra livrança, a promessa pura e simples de pagar e a assinatura dos subscritores, sem mais, não produz efeitos como livrança, atento o disposto nos arts. 75° e 76° Lei Universal Relativa às Letras e Livranças.
2ª - À data da morte do subscritor, o documento ainda não estava preenchido com os elementos necessários, designadamente a soma pecuniária determinada prometida.
3ª - Quando o subscritor faleceu, o escrito não preenchia os requisitos formais para valer como livrança. E, não havendo então um título de crédito, a responsabilidade pelo mesmo não se transmitiu.
4ª - O subscritor Valdemar faleceu em 20 de Março de 2002 e a livrança só foi preenchida em 27 de Novembro de 2002. No momento do preenchimento havia já caducado o direito da embargada a preencher o documento.
5ª - O preenchimento realizado pela embargada não teve na base um "contrato de preenchimento", mas uma mera "Declaração" assinada pelos subscritores da "livrança" e desacompanhada de qualquer aceitação pela destinatária.
6ª - A embargada preencheu abusivamente a "livrança", ao nela incluir 15.340,80€ a título de "despesas judiciais" numa altura em que não havia qualquer contencioso judicial e não tinham, portanto, sido realizadas "despesas judiciais".
O não conhecimento desta matéria torna nula a sentença, conforme disposto no artigo 668°, n° 1, d), do Código de Processo Civil.
Nas suas contra-alegações, o exequente entende que deve ser mantida a sentença recorrida, sendo com manifesta má-fé que os embargantes recorrem da douta sentença, pelo que deverão ser condenados, em litigância de má-fé, com indemnização a favor da recorrida, nos termos do artigo 457°, do CPC.
No saneador-sentença recorrido, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
Em 22 de Setembro de 1999, a exequente, por via de escritura pública, declarou que, para solicitação dos capitais de que Valdemar Duarte Rodrigues e Maria dos Anjos Marques Madrugo necessitassem, para aplicação exclusiva aos fins previstos na lei vigente sobre crédito agrícola mútuo, abria a favor destes um crédito, até à quantia de doze milhões de escudos, com garantia hipotecária sobre a fracção designada pela letra “Z”, descrita na CRP, sob o nº 1189 – 1.
No dia 22 de Outubro de 2001, por documento escrito e assinado, a exequente declarou emprestar a Valdemar Duarte Rodrigues e Maria dos Anjos Marques Madrugo, a pedido destes, a quantia de 50.000.000$00, a título de crédito à habitação (nº 61002221638) – construção de habitação própria – regime geral – a pagar pelos obrigados, em 240 prestações mensais, com início, em 22 de Novembro de 2001, e que não foram pagas, a partir de 22 de Maio de 2002 - 2.
Na mesma data, por escrito, devidamente assinado, Valdemar Duarte Rodrigues e Maria dos Anjos Marques Madrugo declararam que “Em garantia do cumprimento das obrigações ou responsabilidades assumidas no contrato de crédito nº 61002221638, de 22/Out./2001, e/ou dele emergentes, junto remetemos uma livrança por nós subscrita, em branco, a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Ribatejo Norte, CRL, ficando autorizados a preenchê-la, fixando-lhes a data, o vencimento, que poderá ser à vista, quando e como entenderem, o montante do capital mutuado, respectivos juros contratuais e quaisquer outras despesas, sempre que deixemos de cumprir qualquer das obrigações emergentes deste contrato (...)” - 3.
A exequente preencheu a livrança, acima referida, nos termos constantes de folhas 23 dos autos principais, dando-a à execução – 4.
Por escritura de 30 de Abril de 2002, foram os embargantes declarados habilitados como únicos herdeiros de Valdemar Duarte Rodrigues, falecido a 20 de Março de 2002 - 5.
Em 28 de Dezembro de 2002, encontrava-se em dívida à exequente, relativamente ao contrato de crédito nº 61002221638, a quantia total de €273.168,68, que inclui capital, juros remuneratórios e de mora, e despesas judiciais - 6.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da caducidade do preenchimento da livrança.
II - A questão do preenchimento abusivo da livrança.

I

DA CADUCIDADE DO PREENCHIMENTO DA LIVRANÇA

Efectuando uma síntese do essencial da matéria de facto que ficou consagrada, com interesse para a decisão do objecto do recurso, importa reter que, no dia 22 de Outubro de 2001, por documento escrito e assinado, a exequente declarou emprestar a Valdemar Duarte Rodrigues e Maria dos Anjos Marques Madrugo, a pedido destes, a quantia de 50.000.000$00, a título de crédito para construção de habitação própria, os quais, na mesma ocasião, declararam que, para garantia do cumprimento das obrigações ou responsabilidades assumidas, no contrato de crédito em causa, e/ou dele emergentes, entregavam uma livrança, por ambos subscrita, mas em branco, a favor da exequente, que ficou autorizada a preenchê-la, fixando-lhe a data, o vencimento, que poderia ser à vista, quando e como entendesse, o montante do capital mutuado, os respectivos juros contratuais e quaisquer outras despesas, sempre que aqueles subscritores deixassem de cumprir qualquer das obrigações emergentes do contrato, tendo a exequente preenchido a livrança, dando-a à execução.
Dispõe o artigo 10º, também, aplicável à livrança, por força do preceituado pelo artigo 77º, ambos da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL), que “se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservãncia desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.
A livrança em branco é aquela a que falta algum dos requisitos indicados pelos artigos 1º e 77º, da LULL, mas que incorpora, pelo menos, uma assinatura feita com a intenção de contrair uma obrigação cambiária .
A livrança, assim passada, deve ser entregue pelo subscritor ao credor, constituindo ainda uma livrança incompleta ou em formação, que só se transforma numa livrança em branco quando o subscritor dá ao credor autorização para o seu preenchimento , podendo, então, conjuntamente com a assinatura e a sua entrega pretéritas, ser lançada em circulação .
Com efeito, a embargante, para garantia do débito resultante de um contrato de financiamento para construção de habitação própria, entregou ao Banco exequente uma livrança, por si, previamente, subscrita, autorizando-o a proceder ao seu completo preenchimento, em obediência às condições ajustadas pelas partes, ou seja, fixando o seu vencimento e apresentando-a a desconto ou a pagamento, pelo valor total das importâncias em dívida, até ao limite do crédito aberto.
Assim sendo, tendo a livrança sido, posteriormente preenchida, nos termos acordados e, em conformidade com o estitpulado pelo artigo 1º, da LULL, passou a produzir todos os efeitos que lhe são próprios, não sendo necessário que contenha, no momento de ser passada, a totalidade dos seus requisitos constitutivos.
Efectivamente, verificados os requisitos mínimos, formais, exigidos pelos artigos 75º e 76º, da LULL, para que se possa considerar a existência de uma livrança em branco, a assinatura do documento, em termos de vinculação cambiária, de que conste a palavra «livrança», e materiais, o acordo do seu preenchimento e a sua entrega ao tomador, resulta insofismável a sua qualificação como título cambiário e, portanto, como título de crédito .
Os subscritores da livrança, ao aporem a sua assinatura na mesma, constituem, desde logo, uma obrigação cambiária, embora a mesma como tal não possa ser efecrivada senão depois do preenchimento.
De todo o modo, a obrigação cambiária surge logo no momento da emissão, podendo a livrança circular, por meio de endosso, mesmo ainda por preencher, desde que tenha já indicado o nome do tomador.
Por isso, a livrança, ainda mesmo antes de preenchida, circula como título cambiário, encontrando-se sujeita ao regime cambiário .
A morte de um dos subscritores da livrança, e não dos dois, uma vez que a executada-embargante, Maria dos Anjos, também a emitiu, até pelo princípio estruturante da autonomoia dos títulos cambiários, não determina a caducidade da livrança.
Aliás, a Lei Uniforme sobre Letra e Livranças não fixa o prazo dentro do qual a livrança deve ser preenchida, que está dependente do acordo de preenchimento, sendo certo que, na letra em branco, a prescrição só começa a correr, a partir do dia do vencimento aposto pelo cumpridor, desde que não haja infracção do contrato de preenchimento , ou seja, desde o dia em que o respectivo título deva ser considerado como letra , e durante o prazo de três anos, a que se reportam os artigos 70º, I, e 77º, da LULL.
Não se verifica, assim, a caducidade do direito da embargada preencher a livrança ajuizada.

II

DO PREENCHIMENTO ABUSIVO DA LIVRANÇA

Podendo a livrança ser emitida em branco, como se disse, a obrigação que incorpora só se efectiva, desde que, no momento do vencimento, este título se mostre preenchido, sob pena de não produzir os efeitos que lhe são próprios, atento o estipulado pelos artigos 75º e 76º, da LULL, porquanto o momento decisivo da afirmação da livrança não é o da sua subscrição, mas antes o do seu vencimento.
Ora, quem emite uma livrança em branco atribui aquele a quem a entrega o direito de a preencher, em certos e determinados termos, pelo que o preenchimento da mesma só é abusivo, se for efectuado com desrespeito pelo contrato de preenchimento.
Porém, os embargantes dizem que o preenchimento realizado pela embargada não teve subjacente um contrato de preenchimento, mas uma mera "declaração", assinada pelos subscritores da livrança, desacompanhada de qualquer aceitação pela destinatária.
Neste particular, ficou demonstrado que, na ocasião em que, por documento escrito e assinado, a exequente declarou emprestar a Valdemar Duarte Rodrigues e Maria dos Anjos Marques Madrugo a quantia de 50.000.000$00, a título de crédito destinado à habitação para construção própria, também, por escrito, devidamente assinado, estes declararam que, em garantia do cumprimento das obrigações ou responsabilidades assumidas no aludido contrato de crédito, entregavam uma livrança em branco, por si subscrita, a favor da exequente, que ficava autorizada a preenchê-la, sempre que aqueles deixassem de cumprir qualquer das obrigações emergentes desse contrato.
Ora, isto significa um perfeito acordo vinculativo de duas declarações de vontade, substancialmente distintas, mas correspondentes, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses contrapostos, mas harmónicos um com o outro, ou seja, que as partes envolvidas celebraram entre si um contrato , concretamente, um contrato de preenchimento, e não uma mera "declaração" assinada, desacompanhada de qualquer aceitação pelo destinatário.
Embora a eficácia da livrança fique dependente do seu preenchimento, a obrigação cambiária, por ela titulada, considera-se constituída, desde o momento da sua assinatura e entrega ao tomador.
E, se a livrança em branco não pressupõe, necessariamente, um prévio contrato de preenchimento, quando este exista, o preenchimento da livrança em branco, condição imprescindível para que possam verificar-se os efeitos, normalmente, resultantes das livranças, tem de realizar-se dentro dos limites e termos ajustados.
Com efeito, o contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deve definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação dos juros, etc .
Sustentam ainda os embargantes que a exequente preencheu, abusivamente, a livrança, uma vez que incluiu o valor de 15.340,80€, a título de "despesas judiciais", numa altura em que não havia qualquer contencioso judicial e não tinham, portanto, sido realizadas "despesas judiciais", invocando a nulidade da sentença, neste particular, por falta de conhecimento da matéria em questão.
Revertendo ao caso em análise, importa considerar que os embargantes, na altura em que contraíram o empréstimo para a habitação, em garantia do cumprimento das obrigações ou responsabilidades assumidas através do respectivo contrato de crédito, entregavam uma livrança em branco, por si subscrita, a favor da exequente, que ficou autorizada a preenchê-la, quando e como entendesse, nomeadamente, quanto ao montante do capital mutuado, aos respectivos juros contratuais e a quaisquer outras despesas, sempre que aqueles deixassem de cumprir qualquer das obrigações emergentes desse contrato.
Estipula o artigo 48º, 3º, da LULL, que “o portador pode reclamar daquele contra quem exerce o seu direito de acção as despesas do protesto, as dos avisos dados e as outras despesas”.
No conceito de outras despesas, abrangem-se, apenas, as que são, estritamente, necessárias para a efectivação do direito , nelas se compreendendo as despesas judiciais, desde que oportunas e necessárias .
As despesas judiciais, ou seja, as custas da parte, em cujo conceito, porém, não cabem os honorários, compreendem o que a parte haja despendido com o processo a que se refere a condenação e de que tenha direito a ser compensada em virtude da mesma, designadamente, as custas adiantadas, as taxas de justiça pagas, a procuradoria, os preparos para despesas e gastos e as remunerações pagas ao solicitador de execução, as despesas por ele efectuadas e os demais encargos da execução, em conformidade com o preceituado pelo artigo 33º, do Código das Custas Judiciais.
No caso de se pedirem honorários de advogado ainda não vencidos, à data da propositura da execução, e o seu montante depender do volume, importância e dificuldades dos serviços do patrocínio que o processo vier a exigir e dos demais critérios consagrados pelo artigo 65º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo DL nº 84/84, de 16 de Março, aplicável, não podem os mesmos ser computados, inicialmente, em quantia certa.
Com efeito, estipula o artigo 802º, do CPC, que não pode promover-se a execução enquanto a obrigação se não tornar certa e exigível, caso o não seja em face do título, sendo certa a obrigação que existe, verdadeiramente, cuja prestação se encontra, qualitativamente, determinada, ainda que por liquidar ou individualizar, e exigível a obrigação que se encontra vencida ou que o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777º, nº 1, do Código Civil, de simples interpelação do devedor.
É que, sendo possível conhecer, no âmbito da acção declarativa, da existência de obrigação, ainda não exigível, no momento da propositura da acção, desde que o réu a conteste, e bem assim como condená-lo a satisfazer a prestação, no momento próprio, nos termos do disposto pelo artigo 662º, nº 1, do CPC, semelhante faculdade é, claramente, inaplicável à acção executiva que, por essência, pressupõe o incumprimento da obrigação, por se encontrar em oposição com a norma especial contida no texto do artigo 802º, do CPC, supramencionado .
Assim sendo, as diligências destinadas a tornar certa ou exigível a obrigação exequenda revestem a natureza de verdadeiros preliminares da execução, de pressupostos substancias da mesma, razão pela qual se o credor instaurar logo o procedimento executivo, antes de tornar certa ou exigível a obrigação, não se encontrando a parte, no início do processo, em condições de quantificar as despesas judiciais (custas de parte) que vai passar a efectuar, apesar de reembolsáveis, não esclarecendo a natureza das despesas, nem podendo o pedido formulado, enquanto ilíquido, especificar os respectivos valores, não pode o mesmo, na falta de oportuno indeferimento liminar, proceder, sem mais, consequentemente, na parte em que excedeu os limites constantes do título executivo, atento o prescrito pelo artigo 811º-A, nº 2, do CPC, na redacção anterior à introduzida pelo DL nº 38/03, de 8 de Março.
No caso em presença, se a obrigação de pagamento das despesas de justiça só se vence quando a execução estiver finda, dever-se-á adoptar, por analogia, o procedimento contemplado pelo artigo 457º, nº 2, do CPC, apresentando o exequente, concluída a execução, a respectiva conta de honorários, sobre a qual se pronunciarão os executados e o juiz, a final, incluindo a secretaria, na liquidação a efectuar, a verba de honorários, em consonância com o preceituado pelos artigos 805º, nº 2, do CPC, e 53º, nº 1, do Código das Custas Judiciais .
Procedem, assim, nesta parte, as conclusões constantes das alegações dos embargantes.

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Finalmente, quanto ao pedido de condenação dos embargantes como litigantes de má-fé, formulado pela exequente, não se demonstrou que aqueles tenham alterado a verdade dos factos, omitido factos relevantes para a decisão da causa ou incorrido em abstenção grave ao dever de cooperação, razão pela qual, atento o disposto pelo artigo 456º, nºs 1 e 2, do CPC, se entende não ser a sua conduta processual determinante de litigância de má-fé.

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CONCLUSÕES:

I - Podendo a livrança ser emitida em branco, a obrigação que incorpora só se efectiva, desde que, no momento do vencimento, este título se mostre preenchido, sob pena de não produzir os efeitos que lhe são próprios, porquanto o momento decisivo da afirmação da livrança não é o da sua emissão, mas antes o do seu vencimento.
II – Circulando a livrança, ainda mesmo antes de preenchida, como título cambiário, encontra-se sujeita ao regime cambiário, não constituindo a morte de um dos seus subscritores causa determinante da sua caducidade.
III – Não pressupondo a livrança em branco, necessariamente, um prévio contrato de preenchimento, quando este exista o preenchimento daquela, condição imprescindível da verificação dos efeitos, normalmente, resultantes das livranças, tem de realizar-se dentro dos limites e termos ajustados, sob pena de se tornar abusivo, se for efectuado com desrespeito pelo contrato de preenchimento.
IV - Revestindo as diligências destinadas a tornar certa ou exigível a obrigação exequenda a natureza de pressupostos substancias da execução, se o credor instaurar logo o procedimento executivo, antes de a tornar certa ou exigível, por não se encontrar, no início do processo, em condições de quantificar determinadas despesas judiciais que vai passar a efectuar, na falta de oportuno indeferimento liminar, na parte em que o pedido excedeu os limites constantes do título executivo, dever-se-á adoptar, por analogia, o procedimento contemplado pelo artigo 457º, nº 2, do CPC.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar a apelação, parcialmente, procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, na parte em que incluiu no valor representado pela livrança o montante de 15340,80€, relativo a despesas judiciais, reduzindo-se, assim, o pedido executivo ao quantitativo de 257827.88€, acrescido de juros vincendos, à taxa solicitada de 8,78%, mas, apenas, sobre a quantia respeitante ao capital de 245616,04€, no mais confirmando o douto saneador-sentença apelado.

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Custas, a cargo dos embargantes e da exequente-embargada, na proporção de 2/3 e de 1/3, respectivamente.