Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | CRÉDITO AO CONSUMO UNIÃO DE CONTRATOS OBRIGAÇÃO DE ENTREGA EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 07/12/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | FUNDÃO – 2º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.428, 874, 879, 882 CC, DL Nº 359/91 DE 21/9, DL Nº 101/2000 DE 2/6, DL Nº 133/2009 DE 2/6 | ||
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Sumário: | 1. – Os requisitos previstos no art. 12º/2 do Dec.-Lei 359/91, não têm a ver com a oponibilidade das excepções do comprador ao financiador, mas sim com a questão da responsabilidade subsidiária do vendedor perante o comprador (uma atribuição adicional decorrente daquela norma, adicional porque o comprador não a teria se se estivesse perante uma compra e venda a prestações).
2. - A admissibilidade da excepção de não cumprimento, até ao novo regime do crédito ao consumo (do Dec.-Lei 133/2009) resulta da aplicação das regras gerais. 3. - O comprador pode opôr ao financiador o não cumprimento pelo vendedor da obrigação de entrega de documentos, sempre que esta obrigação esteja ligada por um nexo sinalagmático com a obrigação de reembolso do financiamento. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
O B (…), SA, requereu a execução de uma livrança contra A (…) e M (…), signatários da mesma. Os executados deduziram oposição, alegando, em síntese, que a livrança dada à execução foi entregue como garantia de um contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouro. Assim, os executados negociaram com a Auto (…), Lda, a aquisição de um veículo automóvel, tendo-lhes sido proposta a celebração de um crédito ao consumo para pagamento do veículo. Foi a vendedora a tratar da negociação e aprovação da operação de crédito junto do exequente/financiador, limitando-se os executados a assinar um formulário já redigido. Para garantia de cumprimento do contrato de financiamento, o financiador exigiu uma caução, a reserva de propriedade do veículo a seu favor e a livrança em branco dada à execução. A vendedora informou os executados que seria o financiador a efectuar o averbamento da propriedade e a remeter os docu-mentos do veículo, assim que estivessem disponíveis. Porém, passados me-ses, os documentos ainda não tinham chegado e, por isso, em Dezembro de 2004, os executados não puderam apresentar o veículo à inspecção perió-dica e tiveram de cessar a utilização do veículo. A 17/10/2005, o veículo foi apreendido, uma vez que tinha reserva de propriedade a favor da S (…), SA, facto desconhecido dos executados. Por tais razões, os executados suspenderam o pagamento das prestações mensais até que lhes fossem entregues os documentos do veículo. Concluíram pedindo a extinção da instância executiva com o reconhecimento da excepção de não cumprimento. Recebida a oposição, o financiador contestou alegando ter efectuado o pagamento do veículo à vendedora a pedido dos executados, que já tinham o veículo na sua posse. Cabia aos executados determinar a existência ou não de ónus ou encargos sobre o veículo, desconhecendo o fi-nanciador esse facto. Apenas em 2006, os executados deram conhecimento ao financiador que ainda não possuíam a documentação do veículo e que o mesmo estaria a ser objecto de medida cautelar, sendo certo que o financia-dor lhes comunicou a resolução do contrato por carta de 16/06/2005. Concluiu pela improcedência da oposição. (Até aqui utilizou-se, no essencial, o relatório da sentença recorrida) Depois do julgamento foi julgada improcedente a oposição. Os executados recorrem desta sentença, para que seja revogada e substituída por outra que julgue procedente a oposição com a consequente extinção da execução, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (em síntese): O financiador contra-alegou no sentido da confirmação da sentença. * Questões que importa decidir: se os executados/compradores podiam excepcionar o não cumprimento da obrigação da entrega dos documentos contra o exequente/financiador. * Factos provados (os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm da resposta aos quesitos): I Recurso quanto aos factos conclusão a) (…) A resposta ao quesito deve pois passar a ser de provado, sem restrições. II Recurso quanto ao direito Conclusão b) Das razões da sentença A sentença depois de dizer que entre os executados e a Auto (…) tinha sido celebrado um contrato de compra e venda (art. 874º do Código Civil) e depois de considerar que, para além das obrigações principais decorrentes desse contrato (art. 879º do CC: a obrigação de entregar a coisa, e a obrigação de pagar o preço) existem outras com carácter acessório, assumindo especial relevo no caso a obrigação de entrega dos documentos relativos à coisa ou direito (art. 882º/2 do CC), que se justifica pela ideia básica de colocar o comprador em condições de fruir plenamente o seu direito” (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. II, 4ª ed, Coimbra Editora, 1997, p. 173), conclui que em relação à falta de cumprimento desta obrigação é possível, dada a sua particular relevância nos contratos de compra e venda de veículos automóveis, opôr a excepção de não cumprimento do contrato (art. 428 do CC). Depois diz que no caso dos autos a vendedora não cumpriu tal obrigação, ou seja, os documentos nunca chegaram a ser entregues aos executados, o que determinou a impossibilidade de continuação do uso do veículo, por não ser possível submeter o mesmo à inspecção periódica e por entretanto ter sido apreendido, mas entende que não é possível aos executados oporem a excepção de não cumprimento do contrato, por um lado, porque em relação à vendedora eles já cumpriram a obrigação do pagamento do preço e, por outro lado, porque em relação ao financiador ou ao contrato de crédito ao consumo, não se verificam os dois requisitos exigidos para o efeito pelo art. 12º/2 do à data vigente RCC, com as alterações que lhe haviam sido introduzidas pelo Dec. Lei 101/2000, de 02/06 (acordo prévio de exclusividade e obtenção do crédito no âmbito desse acordo). Invoca neste sentido três acórdãos do STJ que serão referidos abaixo. * Da obrigação de entrega dos documentos Não está em causa, nos autos, a qualificação “dos contratos” nem que a falta de entrega dos documentos, no caso, equivale à falta de cumpri-mento da obrigação da entrega do bem, podendo por isso legitimar, contra o vendedor, a excepção de não cumprimento “do contrato”. Reforce-se apenas esta questão: para os executados poderem circular com o veículo tinham que ter os documentos do mesmo (arts. 5º/1a), 2 e 3, 9º e 25º/1, do Dec. Lei 54/75, de 12/02, 78º/1 e 2 do Código da Estrada, 11º/3 e 28º do Decreto 55/75, de 12/02, e 7º do Código do Registo Predial, nas redacções em vigor à data dos factos). Assim sendo, a vendedora estava obrigada a uma dada conduta como acessória à obrigação da entrega do veículo: o dever acessório de que fala o acórdão do STJ de 23/3/2006, publicado na CJ.STJ.2006, tomo I, págs. 150/152. Ora, “não tendo a ré entregue os documentos do veículo, violou a sua obrigação de entrega da coisa objecto do contrato de compra e venda pois, como refere [Pedro de Albuquerque], tratando-se de uma obrigação complexa, compreendendo a entrega da coisa propriamente dita (no caso o veículo) e os documentos, faltando entregar qualquer destas realidades, falta-se ao cumprimento da obrigação (Direito das Obrigações, vol. III, [sob coordenação de Menezes Cordeiro], p. 33)” (ac. do TRE de 23/2/2006, com o nº. 135/05-2 na base de dados do ITIJ – todas as referências deste género são sempre à base de dados do ITIJ). No mesmo sentido Carlos Ferreira de Almeida (em Contratos II, 2011, 2ª edição, Almedina, pág. 123), coloca a eventual obrigação de entrega de documentos no mesmo plano da obrigação da entrega do objecto em conformidade com o contrato; e Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho (Operação complexa de “crédito ao consumo” e excepção de não cumprimento do contrato, Cadernos de Direito Privado, nº. 28, Outubro/Dezembro de 2009, págs. 65/66, sob b)), fala de uma prestação acessória e explica que “o incumprimento da mesma acaba por ter um peso considerável no plano da satisfação dos interesses globais do seu credor: como é sabido, e é, aliás, afirmado no aresto aqui anotado [ac. do TRC de 03/06/2008, 39/07.5TBFVN.C1], a posse da documentação do veículo é normalmente obrigatória, sendo mesmo condição de circulação do veículo”. * Do pagamento do preço O primeiro argumento da sentença contra o uso da excepção não convence, por ser puramente formal e, verdade seja, a própria sentença não lhe dá grande relevo: não se pode dizer que os executados já pagaram o preço (à vendedora) e por isso não podem opor a excepção, quando os executados estão a ser demandados precisamente por não terem “pago” (embora ao financiador e embora o que esteja em dívida não seja formalmente o preço mas o reembolso do financiamento). Para além disso, se a sentença entende, seguindo os acórdãos do STJ citados, que os executados poderiam opor a excepção se estivessem preenchidos os dois requisitos que exige (previstos no art. 12º/2 do RCC: acordo prévio, exclusividade), que nada têm a ver com esse pagamento, então não pode deixar de entender que o pagamento efectuado não é obstáculo ao exercício da excepção. * Da oponibilidade da excepção do não cumprimento do contrato, segundo as regras gerais no entender da doutrina… Assim, o fundamento relevante para a inoponibilidade da excepção, defendida pela sentença recorrida, é apenas a previsão normativa do art. 12º/2 do RCC e é contra este fundamento que, por várias razões, os executados põem em causa a decisão recorrida. Antes de se entrar na apreciação destas razões diga-se o seguinte. Se não houvesse nenhuma norma que obstasse ao exercício da excepção, as regras gerais imporiam a admissibilidade da mesma. É o que resulta daquilo que se disse contra o argumento formal da sentença. A aparente contradição das afirmações de que os executados pagaram o preço mas estão a ser demandados por não “o” terem pago, resulta do facto de em face dos executados não se encontrar apenas a contraparte da venda efectuada. José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato no direito civil português, Conceito e fundamento, 1986, Almedina, explica que: Pedro Romano Martinez, no seu já antigo Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina,1994, págs. 466-467, expunha assim a situação prática e a solução para ela (é um estudo do juiz Nuno Miguel Pereira Ribeiro Coelho - O consumidor e a tutela do consumo no âmbito do crédito ao consumo. Algumas questões, RMP 103 -, que lembra esta obra): Calvão da Silva em anotação a um acórdão do STJ, publicada na RLJ nºs. 3911 e 3912, 2000, pág. 90, defende que (é o ac. do STJ de Dez2006, citado abaixo, que lembra esta anotação): Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias (Sobre o conceito e a extensão do sinalagma, Estudos em Honra do Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão Almedina, 2008, Vol. I, pág. 399; este estudo também está disponível em http://muriasjuridico.no.sapo.pt/wSinalagmaFinal.pdf) derivam a possibilidade do exercício da excepção pura e simplesmente do facto de existir, no caso, um sinalagma trilateral: Na posição destes autores, não se está pois perante contratos autó-nomos, nem perante uma união de contratos. Está-se antes perante um ne-gócio com sinalagama trilateral: um fornecimento de bens com financia-mento por terceiro. Ou seja, aquilo a que Carlos Ferreira de Almeida, obra citada, pág. 38, chamaria um contrato plurilateral (no caso trilateral) de troca. Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho (na anotação citada, pág. 62) explica: E, na nota 6 deste comentário, observa: Paulo Duarte, num estudo publicado por volta de 2007 [A Posição Jurídica do Consumidor na Compra e Venda Financiada: Confronto entre o Regime em Vigor (RJCC) e o Anteprojecto do Código do Consumidor (AntpCCONS.), nos estudos de Direito do Consumidor – 7/2005] entende que a falta, no ordenamento jurídico nacional de uma norma que, em geral, quanto à compra e venda financiada, regule o problema da repercutabilidade no mútuo das excepções oriundas do contrato de compra e venda representa uma verdadeira lacuna normativa que poderá ser col-matada através da extensão à compra e venda financiada, por via do argumentum a majore ad minus, dos princípios do direito cambiário que permitem desvios às regras da inoponibilidade de excepções ao portador do título, em particular no que diz respeito aos efeitos da “relação de colaboração planificada” entre o terceiro portador do título e o seu transmitente” (págs. 403 e 404). No entanto, como decorre da posição de Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias “não é forçoso considerar-se que existe uma lacuna, dada a extrema variedade de configurações do sinalagma trilateral. Pelo menos, não nos parece haver lacuna exclusiva do direito do consumo” (obra citada, nota 38). Assim sendo, vemos que todos estes autores admitem, de uma forma ou de outra, o uso, pelo comprador, contra o financiador, da excepção de não cumprimento do contrato, sem necessidade de fazer apelo à regra do art. 12º/2 do RCC. Ela decorreria da aplicação das regras gerais ou da aplicação analógica de regras que regulam situações semelhantes. * [Da protecção do consumidor] Se tudo isto é assim quanto aos contratos civis em geral, logo fica o começo de uma dúvida de que um regime jurídico de protecção ao consu-midor – como lembra o ac. do STJ de 2007 citado abaixo, “o DL 359/91, diploma que transpôs para a nossa ordem jurídica duas Directivas comunitárias [, teve como] confessado objectivo […] o de no domínio do crédito ao consumo estabelecer normas que garantam adequada protecção dos direitos dos consumidores, assim cumprindo o objectivo estabelecido, quer no art. 129º-A do Tratado da União Europeia, quer no art. 81º, h), da nossa Lei Fundamental, que fixa como uma das “incumbências prioritárias do Estado”, justamente, “garantir a defesa dos interesses e dos direitos dos consumidores” – possa ter uma norma que tire este direito precisamente àquele que se destina a proteger. Aliás, como lembra Paulo Duarte (artigo citado, págs. 396/397, nota 28), o princípio da proibição de enfraquecimento da posição jurídica do consumidor, uma criação jurisprudencial alemã antes de haver normas legais que regulassem a questão, tem como ideia nuclear que “o desmem-bramento de uma operação economicamente unitária em dois contratos jurídico-formalmente distintos não deve colocar o consumidor em pior situ-ação do que estaria se o crédito fosse directamente concedido pelo vendedor no quadro de um contrato de compra e venda a prestações”. É o princípio referido acima por Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho, que, em última instância, poderia ser utilizado na defesa da posição contrária à da sentença recorrida. * … e da jurisprudência Vários acórdãos dos tribunais assumem isto mesmo e, por exemplo, o ac. do TRL de 23/02/2006 (10021/2005-.8) considera possível o uso da excepção para além do mais com recurso às regras gerais: Vários outros acórdãos das várias relações seguem, na prática, o mesmo entendimento, como se verá à frente. * Notas avulsas Por fim, para já, diga-se ainda que: i) O anteprojecto do código do consumidor, com a autoridade doutrinária que lhe é reconhecida, prevê expressamente a possibilidade do exercício da excepção do comprador contra o financiador, no seu art. 307, sem qualquer dependência de outros requisitos que não o de existir uma coligação de contratos: existindo esta, diz o art., “o consumidor tem o direito de recusar ou suspender o reembolso da quantia mutuada ou efectivamente utilizada sempre que se apoie em qualquer excepção relativa ao contrato de aquisição […] que o legitimaria a, do mesmo modo, recusar ou suspender o pagamento do preço ao fornecedor”. E, como nota Paulo Duarte (nota 21 das págs. 390/391): a “coligação de contratos” que é recortada nesta disposição do antpCCons é uma hipótese absolutamente objectiva, que não envolve qualquer elemento ou requisito volitivo, nem nenhuma espécie de “vontade coligante” dos sujeitos envolvidos. ii) O actual regime jurídico do crédito ao consumo (do Dec. Lei 133/2009, de 02/06) segue, no essencial, esta mesma regra. É o que está previsto no art. 18/3a) do Dec. Lei: No caso de incumprimento ou de des-conformidade no cumprimento do contrato de compra e venda […] coliga-do com contrato de crédito, o consumidor que, após interpelação do vendedor, não tenha obtido deste a satisfação do seu direito ao exacto cum-primento do contrato, pode interpelar o credor para exercer qualquer uma das seguintes pretensões: a excepção de não cumprimento do contrato […].” Ou seja, de novo, substancialmente, um único requisito, o da coliga-ção, que tem, como se viu, um sentido absolutamente objectivo. iii) Quem actualmente tem a posição assumida pela sentença recor-rida, e ainda exige a verificação daqueles requisitos que dela decorrem, reconhece – expressa ou implicitamente (quando diz que se está a resolver a questão com o direito constituído, como quem diz: não com aquele que seria desejável; caso do ac. do STJ de 04/2007; ou quando se diz, como nos acs. do STJ de 11/2008 e de 01/2010, “considere-se ou não questionável a exclusividade aqui exigida”) - a injustiça da situação, mas diz que nada pode fazer, sem fazer qualquer referência a todas as vias de solução acabadas de expôr. Ora, que sentido tem falar de uma solução jurídica concreta injusta, lamentando-a, se nem sequer se afastam as inúmeras vias de solução existentes em alternativa? * Do art. 12º/2 do RCC Posto isto… A sentença recorrida, seguindo três acórdãos do STJ, vem defender que é o art. 12º/2 do RCC que permite o uso da excepção, pois que só essa norma é que afastaria o princípio da relatividade dos contratos (eles só valem entre as partes que o celebraram…), mas que apenas o permite se se verificarem dois requisitos cumulativos. A norma em causa (do art. 12º/2) tem o seguinte teor: Antes de ver, qual a fundamentação da sentença recorrida quanto a isto, veja-se o que diz a doutrina quanto a esta norma: * Da inaplicabilidade do art. 12º/2 à questão da oponibilidade das excepções, segundo a doutrina Paulo Duarte, artigo citado, diz que o art. 12º/2 nada tem a ver com o problema da repercutabilidade das excepções do contrato de compra e venda no contrato de mútuo. O art. 12º/2 só tem a ver com a questão da responsabilidade subsidiária do financiador pelo incumprimento do contrato de compra e venda, atribuindo um direito adicional ao comprador, nas condições exigentes nela previstas (e são exigentes precisamente porque atribuem um direito adicional) (págs. 398 a 403). E lembra que havia uma norma na Directiva 87/102/CEE, Directiva que o RCC visou transferir para o direito interno que, dela sim, decorria ex-pressamente o regime de tal questão, que era o art. 11º/1 da Directiva (págs. 395 a 398). Dizia este art. 11º/1 que a existência de um contrato de crédito não influenciará de maneira alguma os direitos do consumidor contra o forne-cedor dos bens […] adquiridos ao abrigo desse contrato, nos casos em que os bens e serviços não sejam fornecidos ou de qualquer modo não estejam em conformidade com o contrato relativo ao seu financiamento” (pág. 395). Desta norma decorria pois a consagração legal expressa do prin-cípio, referido acima, da proibição de enfraquecimento da posição jurídica do consumidor, que, como também acima se viu, permite a Pereira Coelho defender a possibilidade de uso da excepção contra o financiador. Assim, existiam duas normas para resolver duas questões distintas: o art. 11º/1 da Directiva resolvia a questão da oponibilidade da excepção e o art. 11º/2 resolvia a questão da responsabilidade subsidiária do financiador. A primeira não foi transposta. A segunda foi transposta para o art. 12º/2 do RCC. Assim sendo, não faz qualquer sentido pretender ver no art. 12º/2 do RCC a resolução da questão que era resolvida pelo art. 11º/1 da Directiva, mas apenas a resolução da questão que era resolvida pelo art. 11º/2 da Di-rectiva, a da responsabilidade subsidiária do financiador e não a da oponibi-lidade de excepções. A posição deste autor é apoiada pela estudo dos dois outros profes-sores já referidos, Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias, que dizem (págs. 400 a 402): E logo adiantam estes autores: Esta interpretação destas normas não deixa dúvidas e, assim sendo, a questão da admissibilidade da excepção do não cumprimento não depende do art. 12º/2 do Dec. Lei 359/91, mas apenas das regras gerais relativas ao sinalagma existente entre os três contratantes. * Os acórdãos do STJ No entanto, não é esse o entendimento dos acórdãos citados pela sentença recorrida. Dizem então os acórdãos do STJ em causa: Ac. do STJ de 24/04/2007 (07A685): O ac. invoca o acórdão do STJ de 05/12/2006 (06A2879), acórdão este, de 2006, que cita, em abono da interpretação perfilhada, Meneses Leitão, Direito das Obri-gações, I, 200, e Gravato de Morais, União de Contratos de Crédito e de Venda para Consumo. Efeitos para o Financiador do Incumprimento pelo Vendedor, 95, 253 e 415; este acórdão de 2007 diz que também Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, 188 e sgs, faz uma esclarecedora resenha de direito comparado, dando conta da actual situação no quadro da União Europeia, e mostrando que a nossa legislação, no aspecto aqui considerado, não difere substancialmente da dos restantes países da União, designa-damente O Reino Unido, a França e a Alemanha (mas este acórdão de 2007 não cita quaisquer passagens que esclareçam de que efectivas soluções este autor está a falar). Apesar do sumário deste acórdão de 2007 também referir a questão da oponibilidade da excepção de não cumprimento, nele não estava em causa o exercício da excepção mas sim a pretensão dos réus relacionadas com o pedido de resolução da compra e venda por incumprimento da chamada (vendedora) e a anulação do mútuo, em ambos os casos com a consequência da restituição das quantias pagas a uma e a outro, prontificando-se o réu a entregar à chamada o veículo adquirido. O ac. também invoca o do STJ de 02/11/2004, na CJ2004STJ, III, pág. 104. Neste, também o que estava em causa não era a excepção de não cumprimento, mas sim a pretensão de restituição do valor pago. Neste acórdão não se invoca qualquer doutrina ou jurisprudência. Ac. do STJ de 14/02/2008 (08B074): No caso deste acórdão, o comprador quer que se declare a nulidade da compra e, por consequência, a do financiamento. O ac. apenas cita um dos trabalhos de Paulo Duarte (publicado na revista “Sub Júdice”, n.º24, de Janeiro /Março de 2003, intitulado “A sensibilidade do mútuo às excepções do contrato de aquisição na compra e venda, no quadro do regime jurídico do consumidor”) para descrever juridicamente a operação negocial em causa. Depois exige a verificação dos requisitos do art. 12º/2, embora aluda apenas a um deles, quando se refere à exigência de que financiamento tenha sido concluído no contexto de uma colaboração planificada entre o mutuante e o vendedor (acordo prévio) sem qualquer referência à exclusividade. Ac do STJ de 20/10/2009 (1202/07.4TBVCD.S1) Estavam em causa pretensões de resolução e de restituição. Na fundamentação não se refere qualquer doutrina e remete-se para os acórdãos do STJ de 2007 e de Nov2008 e mais à frente para o de Dez2006 e referência que aí se faz da posição de Gravato Morais. No mesmo sentido dos três acórdãos citadas pela sentença recorrida, podiam ainda invocar-se os acórdãos do STJ: de 13/11/2008 (07B27224): Estavam em causa pretensões relacionadas com a revogação da compra e venda relativamente ao financiamento. O ac. do STJ pressupõe que o art. 12º/2 rege também a questão da oponibilidade das excepções ao financiador, sem justificar, e remete depois para os acs. do STJ de 2006 e 2007. e o de 07/01/2010 (08B3798): No caso estavam em causa pretensões de nulidade, resolução e restituição. O ac. resolve a questão simplesmente com remessa para as posições assumidas no ac. do STJ de 2007 (que por sua vez tinha remetido, no essencial, para o de 2006) e no de Nov/2008. * O acórdão do STJ de 05/12/2006 (06A2879) No caso deste acórdão do STJ houve suspensão do pagamento, mas a pretensão dos réus compradores é também a de resolução do financiamento com restituição e indemnização. Este acórdão do STJ confirma o ac. do TRL de 2006, referido abaixo, que reconhece aos réus compradores os direitos à resolução e restituição contra o financiador. O ac. do STJ fá-lo com base no art. 12º/2 do Dec. Lei 359/91, cujos requisitos considera verificados, com recurso à prova indiciária. Vê-se que a referência à obra de Menezes Leitão tem só a ver com a qualifica-ção do contrato. A referência que faz a Gravato Morais (inclusive ao artigo por este publicado na SI nºs. 286/288, Julho-Dezembro de 2000, págs. 375/411) permite ver que este autor defende, de facto, que o art. 12º/2 do Dec. Lei 359/91, tem a ver com as duas questões já referidas: a oponibilidade das excepções e a responsabilidade subsidiária do financiador e que também ele sustenta o recurso à prova indiciária. É este, por fim, o acórdão do STJ que faz a referência à anotação de Calvão da Silva citada acima. * A via sugerida pela fundamentação deste acórdão de Dez2006 - ou seja, invocar, com apoio da posição defendida por Gravato Morais, a prova indiciária para preenchimento dos requisitos do art. 12º/2 (mais liberal na utilização de “uma equivalente intensidade presuntiva” é o estudo de NMP Ribeiro Coelho, referido acima, págs. 92 a 96, espec. págs. 94 e 95) - tem sido aproveitada para, noutros acórdãos, se dar procedência à pretensão dos compradores. Assim, por exemplo, o ac. do TRP de 31/03/2011 (1805/07.7TB VLG.P1): * Das razões pelos quais estes acórdãos não têm de ser seguidos na solução do caso dos autos Diga-se antes de mais que, apesar de ser inequívoco que estes acór-dãos assumem de facto a posição perfilhada pela sentença recorrida e por isso contrária à que aqui se considera correcta, a verdade é que nenhum des-tes acórdãos do STJ trata de um caso, como o dos nossos autos, em que o comprador pretenda apenas não ser obrigado a pagar enquanto os documen-tos do veículo não lhe forem entregues. O que os compradores fizeram nes-tes casos dos acórdãos do STJ foi invocar a nulidade do contrato com a pre-tensão de dela obter “vantagens” (restituição do que tinham pago). Ou seja, não um caso de “atitude defensiva”, mas de uma “atitude agressiva” (na acepção de Paulo Duarte e Maria de Lurdes Pereira/Pedro Múrias). Depois, como de facto em todos eles não se ponha apenas uma questão de oponibilidade de excepções mas de exercício de direitos, contra o financiador, de declaração de nulidade do contrato e de restituição de prestações pagas, justificava-se como se viu acima, a invocação das exigên-cias do art. 12º/2 do RCC. Por outro lado, se bem se vir, na parte em que a razão de decidir destes acórdãos pode ser aproveitada, mal, para a questão da simples (porque desacompanhada da pretensão de exercício de outros direitos) oponibilidade das excepções, toda a fundamentação deles acórdãos se ba-seia, de uma forma ou de outra, apenas numa interpretação que se considera errada (como ficou esclarecido naqueles estudos de Paulo Duarte, Maria de Lurdes Pereira e Pedro Múrias) da norma do art. 12º/2 do RCC, que tem por base a posição defendida por Gravato Morais (principalmente, segundo as citações que são feitas, no seu União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo, 54 e ss., e Contratos de Crédito ao Consumo, 229 e ss., especialmente, 248 e ss. [no mesmo sentido, veja-se o artigo do mesmo autor, União de Contratos de Crédito e de Venda para Consumo: Situação Actual e Novos Rumos, nos Estudos de Direito do Consumidor, 7/2005, págs. 279 e segs]). Note-se, entretanto, que o acórdão do STJ com mais extensa fun-damentação, que é o de Dez2006, no essencial a base da posição sustentada por todos os outros, decidiu, contrariamente a todos estes, pela procedência da pretensão dos compradores... Por fim, todos estes acórdãos desconhecem a posição defendida por Paulo Duarte e Maria de Lurdes Pereira/Pedro Múrias quanto ao alcance e razão de ser da norma do art. 12º/2 do Dec. Lei 359/91. Desconhecem-na e por isso não a afastam nem dão razões para a afastar. Assim sendo, não se vêem razões que possam ser aduzidas a favor da tese defendida por aqueles acórdãos do STJ para aplicação ao caso dos autos (em que, repete-se, está em causa apenas a oponibilidade da excepção de não cumprimento), e por isso, as exigências do art. 12º/2 do RCC não são de aplicar quanto à possibilidade de invocar a recusa de pagar a presta-ção ao financiador, enquanto o vendedor não cumprir a sua obrigação de entregar os documentos do veículo. * Das interpretações restritivas de tal interpretação do art. 12 do RCC Mesmo aqueles que viam (usa-se a forma verbal do passado, para realçar que são posições no essencial assumidas antes da publicação dos estudos de Paulo Duarte, Maria de Lurdes Pereira, Pedro Múrias e FMB Pereira Coelho), no art. 12º/2 do RCC o regime da oponibilidade das excepções do compra-dor ao financiador, no caso das vendas para consumo financiadas, procura-vam, tendo em conta a injustiça material a que conduz tal interpretação, vias de resolver a questão a favor da oponibilidade das excepções. * Da oponibilidade mesmo sem exclusividade Assim, parte da jurisprudência tem feito uma interpretação restri-tiva de tal norma, admitindo a oponibilidade, mesmo sem exclusividade: É o caso do acórdão citado pelos recorrentes, do TRL de 23/02/2006 (10021/2005-.8), já citado acima, que entendeu (no contexto das razões invocadas, já citadas) que: Nos outros pontos do sumário diz-se: Esta posição foi seguida pelo, também invocado pelos recorrentes, ac. do TRC de 22/01/2008 (2695/06.2YXLSB.C1): * Da oponibilidade no caso da colaboração referida no nº. 1 do art. 11 do RCC Outra parte da jurisprudência, entende que “o termo “exclusiva-mente” constante da alínea a) do nº 2 do mencionado artigo, nada tem a ver com o quadro das relações comerciais entre o mutuante e o fornecedor, referenciando apenas a vinculação do financiamento à aquisição de bens a fornecedor determinado; por isso, para que o comprador possa opor as excepções ao financiador, basta-se com a prova da colaboração referida no nº. 1 do art. 12º do Dec. Lei 359/91. Assim, os acórdãos da Relação de Guimarães de 24/05/2007 (766/07) e de 0/09/2007 (1612/07-2), cuja fundamentação é a seguinte: * Da relativização da exclusividade Seguindo esta fundamentação, mas entendendo que o que se está a fazer é a relativizar a exigência da exclusividade e portanto a aplicar ainda o nº. 2 do art. 12, vai o ac. do TRP de 14/03/2011 (3974/08.0TBVLG-B.P1) que interpreta estes requisitos nos seguintes termos: É também o caso do acórdão do TRE de 03/02/2010 (45/09.5TBETZ.E1): É também a posição seguida no estudo de FMB Pereira Coelho já citado: * Da jurisprudência das relações que segue a posição do STJ Entretanto, reconheça-se, parte significativa da jurisprudência das relações continua a seguir a interpretação de que não se podem dizer preenchidos os requisitos do art. 12º/2 do RCC, quando se prova que vendedor coopera com mais do que um único financiador. É o caso, apenas por exemplo, do ac. do TRP de 03/05/2011 (3477/08.2TBVNG.P1) que já refere, em nota, o estudo de Pereira Coelho, através da citação do ac. do TRP de 14/03/2011, mas contrapõe-lhe toda a doutrina em sentido contrário (apesar de apenas referir a posição doutrinária de Gravato Morais…). * Da aplicação destas posições da jurisprudência ao caso dos autos Do que antecede resulta o seguinte: a jurisprudência na sua maior parte tem vindo a aceitar até agora, que a questão da oponibilidade das excepções está regulada no art. 12º/2 do Dec. Lei 359/91. Mas parte dela, com o apoio implícito dos acórdãos do STJ citados (pois que eles têm reme-tido para o acórdão de Dez/2006 que defende tal), serve-se de prova indiciá-ria (= tese da prova indiciária) para considerar como verificados tais requi-sitos, enquanto que outra parte faz uma interpretação restritiva da norma, quer no sentido de dispensar, na prática, um dos requisitos (= tese da dis-pensa da exclusividade), quer no sentido de os interpretar como valendo apenas nas relações do financiador com o vendedor (= teses da relatividade da exclusividade). Posto isto: O acórdão do STJ de Dez/2006 concluiu pela existência manifesta de um acordo de colaboração exclusiva entre a vendedora e o financiador, ao abrigo do qual teve lugar a concessão àqueles do crédito em causa, dos seguintes factos: O comprador dirigiu-se ao estabelecimento do vendedor a fim de adquirir a viatura. Nessa ocasião, o comprador assinou um documento com vista à obten-ção de crédito para a aquisição do veículo. No stand do vendedor havia autoco-lantes publicitários do financiador, colados nos vidros. O fornecedor do bem tinha em seu poder impressos do financiador, em branco, que eram preenchidos nas instalações do vendedor, por este, de acordo com as instruções fornecidas pelo financiador. Os contratos de crédito são propostos ao financiador pelo vendedor do bem, não tendo os clientes qualquer contacto directo com o financiador, na altura da formalização do contrato de crédito. Existindo, assim, um acordo prévio entre fornecedor e financiador, mediante o qual este coloca à disposição do fornecedor formulários seus de contratos de crédito, que são utilizados pelo fornecedor para financiar a aquisição de bens por si fornecidos, as seus clientes. Foi por via deste acordo entre o financiador e o fornecedor do bem, que foi atribuído o crédito ao comprador. A parte final que foi colocada em itálico é obviamente uma nova descrição dos outros factos. Por isso, no essencial, o que relevou para o ac. do STJ de 12/2006 para dar como provada a exclusividade e o acordo prévio foi o seguinte: o facto de os documentos do crédito, que eram formulários em branco do financiador em poder do vendedor, terem sido assinados na ocasião em que o comprador se dirigiu ao stand do vendedor com o fim de adquirir o veículo, tendo sido aí preenchidos, pelo vendedor, de acordo com as instruções fornecidas pelo financiador. A existência, no stand, de autocolantes publicitários do financiador, colados nos vidros. E o facto de os contratos de crédito serem propostos ao financiador pelo vendedor do bem, não tendo os clientes qualquer contacto directo com o financiador, na altura da formalização do contrato de crédito. Ora, no caso dos autos provou-se que: Os compradores negociaram com a vendedora a aquisição do veículo. Nessa ocasião, a vendedora propôs aos compradores a celebração de um contrato de crédito ao consumo para pagamento do veículo, tendo afirmado que tinha uma parceria com o financiador e que conseguiria, com facilidade, que a operação fosse aprovada. Foi a vendedora que negociou com o seu parceiro financeiro a concessão do mencionado crédito. Aprovada a operação de crédito, tratou de toda a documentação e apresentou o formulário do contrato, devidamente preenchido, para que os compradores o assinassem. Entre os compradores e a financiador foi celebrado o contrato de financiamento. O financiador entregou directamente à vendedora o montante financiado aos executados. O confronto de uma com outra situação, ajuda a perceber que, no caso do acórdão do STJ se pode dizer estar indiciada uma colaboração ex-clusiva, prévia e estável no âmbito do qual a venda foi acordada, enquanto que no caso dos autos apenas se pode dizer que está indiciado que a venda foi celebrada no âmbito de uma colaboração prévia, que, com esforço se poderia dizer estável, mas não exclusiva. Assim, seguindo a posição do STJ, como o fez a sentença recorrida, não se poderia dizer que estivessem verificados os requisitos do art. 12º/2 do RCC. Já se se seguirem quaisquer das outras teses, dir-se-ia que o esta-vam. * Da procedência do recurso, embora por outras razões Os recorrentes entendem que se deve fazer esta interpretação restri-tiva, seguindo os acs. dos tribunais das relações de Coimbra e de Lisboa. Como aqui se está a defender que o art. 12º/2 nada tem a ver com a oponibilidade das excepções, que tenham a ver com a venda, do comprador ao financiador, mas com as condições de atribuição aos compradores de um direito adicional, colocando-o numa situação mais vantajosa do que aquela que teria num contrato de compra e venda a prestações, e que, sendo assim, se justificam plenamente as exigências acrescidas nele previstas, não se pode aderir a estas interpretações restritivas. Elas são soluções para resolver um problema que não se põe, ou que não se deveria pôr, como resulta dos ensinamentos actuais da doutrina citada. Acrescenta-se, no entanto, que, se fosse outro o entendimento sobre o alcance do art. 12º/2 do RCC, então seria de seguir, sem quaisquer reservas, tais interpretações restritivas, que, nesse contexto, se justificariam perfeitamente, como o demonstram os vários acórdãos que as defendem, bem como a anotação de FMB Pereira Coelho. Não faz sentido impor ao comprador, que está há mais de 8 anos à espera de ter a disponibilidade do automóvel que comprou e de que já pagou mais de 1/3 do respectivo valor, que continue a pagar, sem que antes o vendedor lhe entregue os documentos do automóvel. E é só isso que, no caso destes autos, os compradores que-rem: não pagar mais enquanto não lhes forem entregues os documentos. Em suma, o recurso procede, não em razão de uma interpretação restritiva dos requisitos contidos no art. 12º/2 do RCC, mas sim por se entender que não têm aplicação ao exercício da recusa em cumprir a presta-ção por não cumprimento da prestação em falta, que a ela estava ligada, pela vontade dos declarantes, por um óbvio nexo sinalagmático. * Da obrigação de entrega dos documentos Conclusão c) Os recorrentes aproveitam a via de fundamentação do ac. do TRC de 06/2008 que tem a ver com o facto de ser o financiador que tinha que proceder ao averbamento da propriedade do veículo em nome do compra-dores e do registo da reserva de propriedade a favor do financiador. Como era, por isso, o financiador que tinha que entregar os documentos aos com-pradores (depois de ter feito aqueles registos), a excepção poderia ser-lhe oposta pelos compradores pois que é a essa obrigação que se contrapõe à dos compradores pagarem o “preço” (ou melhor: o reembolso do capital). Mas esta fundamentação não pode ser usada nestes autos pois que nestes apenas ficou provado que “a vendedora informou os executados que seria o exequente quem faria o averbamento da propriedade do veículo e que iria remeter os documentos do veículo assim que estivessem disponí-veis, uma vez que havia também que proceder ao averbamento da reserva de propriedade, o que levaria algum tempo.” Ora, o financiador não fica vinculado por aquilo que a vendedora diz…. Tal fundamentação não se podia, por isso, utilizar nestes autos (nem, salvo erro, se podia utilizar no caso do ac. do TRC de 06/2008, pois que aí também não se provou que o financiador se tivesse obrigado, mas apenas que o vendedor tinha informado que seria o financiador a fazê-lo… Daí que, ainda salvo erro, esse acórdão do TRC de 06/2008 não tivesse razão na fundamentação utilizada, nem a tenha, nesta parte, a anotação de FMB Pereira Coelho, que também utiliza tal facto como se estivesse provado [ou seja, dá como assente que era o financiador que estava obrigado a entregar os documentos]). * Da “inexigibilidade” da obrigação exequenda Visto que os compradores podem opôr – e opuseram - a excepção de não cumprimento da obrigação da entrega dos documentos ao financia-dor, a conclusão é a de que a obrigação, para já, é como se não fosse exigí-vel, o que deve acarretar a extinção desta execução [arts. 804º e 814/e) do CPC e Lebre de Freitas, A acção executiva… 5ª edição, Coimbra Editora, 2009, págs. 29 (nota 2), 82-83, 93]. * Sumário: I – Os requisitos previstos no art. 12º/2 do Dec.-Lei 359/91, não têm a ver com a oponibilidade das excepções do comprador ao financiador, mas sim com a questão da responsabilidade subsidiária do vendedor perante o comprador (uma atribuição adicional decorrente daquela norma, adicional porque o comprador não a teria se se estivesse perante uma compra e venda a prestações). II – A admissibilidade da excepção de não cumprimento, até ao novo regime do crédito ao consumo (do Dec.-Lei 133/2009) resulta da aplicação das regras gerais. III – O comprador pode opôr ao financiador o não cumprimento pelo vendedor da obrigação de entrega de documentos, sempre que esta obrigação esteja ligada por um nexo sinalagmático com a obrigação de reembolso do financiamento. * Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por esta que julga procedente a oposição, com a consequência da extinção da execução. Custas pela exequente (quer do recurso quer da execução). Coimbra, 12/07/2011. Pedro Martins ( Relator ) Virgílio Mateus António Carvalho Martins
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