Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
286/2002. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data do Acordão: 02/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 14º, Nº1, 15º, Nº1 E 42º DO CÓD. DA ESTRADA
Sumário: 1. Da conjugação dos arts. 14º, nº1, 15º, nº1 e 42º do Cód. da Estrada conclui-se que o trânsito em filas paralelas só se verifica quando os veículos ocupam todas as vias de trânsito e avançam em fil, numa situação em que a velocidade de cada veículo dependente da velocidade do veículo da frente; Nessas específicas condições de circulação, a circunstância dos veículos de uma das filas avançarem mais rapidamente que os veículos de outra, não consubstancia manobra de ultrapassagem.

2. Apurando-se que no momento do acidente e no sentido Lisboa – Leiria, circulavam na via, constituída por duas semi faixas de rodagem, quatro veículos, a saber, os dois veículos intervenientes no acidente – o BA que circulava pela semi faixa da esquerda e o PJ que circulava pela semi faixa da direita – e ainda os dois veículos que circulavam à retaguarda do BA e desconhecendo-se quaisquer outras particularidades relativas às condições de circulação, os elementos existentes no processo são insuficientes para se concluir que o caso integra uma hipótese de trânsito em filas paralelas, faltando os elementos característicos indicados no referido art. 14º.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

A... e mulher B... intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra C... , D... e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a sua condenação solidária no pagamento:

a) da quantia de 78.362,89€ ;

b) nos juros, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.

Para tanto, alegam, em síntese, o seguinte:

No dia 4 de Setembro de 2000, pelas 19,35 H., ocorreu um acidente de viação, na E.N. no 1, ao km 115,250, na localidade de Santo Antão, Batalha;

No sentido de trânsito Leiria-Lisboa, circulava o veículo 00-00-PX, ligeiro de passageiros, marca Fiat, descapotável, propriedade de E... , e por esta conduzido pela metade direita da faixa de rodagem;

Em sentido contrário, circulava o veículo PJ-00-00, ligeiro de passageiros, conduzido pelo réu C...;

Ao chegar ao km 115,250, o veículo PJ-00-00, depois de invadir a berma direita da via (atento o seu sentido de marcha), guinou para a esquerda, atravessou em diagonal toda a faixa direita (Lisboa-Leiria), entrou na vala separadora das faixas de rodagem, aí "levantou voo", e foi cair sobre o capot e parte do habitáculo do veículo 00-00-PX, em consequência do que a condutora deste, E..., sofreu gravíssimas lesões traumáticas que foram causa necessária, directa e suficiente da sua morte

O acidente ficou a dever-se, pois, a culpa do condutor do veículo PJ-00-00.

No entanto, alguém terá afirmado que um outro veículo, de matrícula 00-00-BA, terá de alguma forma contribuído também para que o veículo PJ-00-00 tenha invadido a berma do lado direito (sentido Lisboa-Leiria), visto que, ao ultrapassar este último, se terá encostado demasiado ao PJ-00-00, o qual, para evitar o encosto, se terá desviado para a direita, pertencendo o veículo BA à ré D...;

Pese embora as diligências efectuadas, os autores não lograram apurar quem é o proprietário do veículo PJ, nem a companhia de seguros, ou sequer se tinha seguro válido; como também não lograram apurar a identidade do condutor do veículo BA, nem a companhia de seguros, ou sequer se tinha seguro válido, pelo que se justifica a intervenção do Fundo; 

Em consequência do acidente os autores, pais da E..., que faleceu com 21 anos, no estado de solteira e sem filhos, deixando-os como únicos herdeiros, sofreram prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.

O Fundo de Garantia Automóvel apresentou contestação, invocando ser parte ilegítima nos presentes autos, porquanto o responsável civil é antes de mais aquele sobre quem impende a obrigação de segurar, ou seja, o proprietário do veículo. Impugnam, ainda, a factualidade invocada na petição inicial.

A ré D... apresentou contestação, invocando a sua ilegitimidade porquanto, à data do acidente, era proprietária do veículo automóvel de marca Peugeot com a matrícula 00-00-BA, sobre o qual existia contrato de seguro obrigatório automóvel válido, realizado com a Companhia de Seguros F... sob a apólice n° AU20557423. No mais, impugna a factualidade constante da petição inicial.

O réu C... apresentou a sua contestação, aduzindo, em súmula, que:

O acidente deu-se por culpa exclusiva de um terceiro veículo de matrícula 00-00-BA.

O seu veículo PJ-00-00 circulava pela sua mão direita em velocidade moderada, inferior ao limite legalmente estabelecido, em completas condições de segurança, sempre com atenção ao trânsito que no momento circulava na referida via;

Quando circulava na mesma, o réu foi ultrapassado pelo veículo de matrícula 00-00-BA mas embora este tenha iniciado a manobra de ultrapassagem ao veículo do réu, ao pretender concluí-Ia e tomar a sua mão do lado direito da via, fê-lo a destempo, ou seja, quando a manobra de ultrapassagem ainda não se havia concluído, atirou-se, por erro de condução grave provocado por imperícia ou negligência grosseira, para cima do veículo conduzido pelo réu;

Que, quando se viu apertado pela manobra do condutor do BA, a fim de
evitar o choque, guinou para a direita em direcção à berma e travou mas, devido à rapidez da manobra e provavelmente à areia que se encontrava na berma entrou em despiste, guinando agora para o lado esquerdo da via e, completamente desgovernado, transpôs a vala que separa as duas vias de trânsito e foi embater no veículo 00-00-PX conduzido pela infeliz vítima que circulava no sentido oposto, ou seja, Leiria / Lisboa, imobilizando-se na berma diante desta;

Pelo que o réu não teve qualquer responsabilidade na produção do acidente dos autos já que também ele, vítima de condução irresponsável do condutor do BA, nada pôde fazer para evitar o mesmo no qual também o próprio e sua mulher foram vítimas porque saíram gravemente feridos do acidente.

Os autores apresentaram a sua réplica e deduziram incidente de intervenção da Companhia de Seguros F..., como seguradora do veículo 00-00-BA, propriedade da ré D..., para quem foi transferida a responsabilidade através da apólice AU 20557423.

Foi proferido despacho admitindo o chamamento da Companhia de Seguros F..., tendo-se ordenado a citação da chamada.

A interveniente Companhia de Seguros F..., apresentou contestação em articulado próprio, aduzindo, em resumo, que o acidente não foi participado à interveniente, que desconhece os termos em que o mesmo ocorreu; No que concerne aos danos não patrimoniais, o peticionado peca por excesso, não se coadunando com a natureza meramente compensatória da ressarcibilidade de tais danos;

Os autores deduziram incidente de intervenção principal de H... , que foi deferido, determinando-se a citação da mesma nos termos e para os efeitos do estatuído no art. 327° do Cód. de Processo Civil.

Por despacho de fls. 174 e 175, foi ainda ordenada a apensação aos presentes autos da acção declarativa sob a forma de processo sumaríssimo n° 7665/03.0 THPRT, em que é autor o Hospital Geral I... que demanda os réus Companhia de Seguros F..., o Fundo de Garantia Automóvel e C..., por serviços de assistência médica prestados a H... e a C..., passageira e condutor, respectivamente, do veículo PJ-00-00.

Foi proferido despacho saneador, conhecendo-se acerca das excepções de ilegitimidade passiva deduzidas pelos réus Fundo de Garantia Automóvel e D..., no sentido da sua improcedência. Foram igualmente organizados a matéria dada como assente e a base instrutória, as quais não mereceram qualquer reclamação.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual os autores vieram deduzir incidente de ampliação do pedido, admitido por despacho de fls. 444 e 445 e respondeu-se aos quesitos sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma:

“Destarte e por todo o exposto, decide-se o seguinte:

julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, proposta por A... e mulher B..., à qual se encontra apensa acção de processo sumaríssimo proposta pelo HOSPITAL GERAL I... e, consequentemente, decide-se:

a) condenar a Ré/Chamada COMPANHIA de SEGUROS F...., actualmente J... — COMPANHIA de SEGUROS, S.A., a pagar-lhes as seguintes quantias:

A) aos Autores A... e B...:

1) 9.975,96 € (nove mil novecentos e setenta e cinco Euros e noventa e seis cêntimos) pela perda total do veículo PX pertencente à falecida filha;

2) 605,29 € (seiscentos e cinco Euros e vinte e nove cêntimos) pela despesa com o funeral da mesma filha;

3) 603,55 € (seiscentos e três Euros e cinquenta e cinco cêntimos) com a aquisição de terreno no cemitério para sepultura da mesma filha;

4) 2.334,37 € (dois mil trezentos e trinta e quatro Euros e trinta e sete cêntimos) relativo ao custo de aquisição de uma campa para a sepultura da referenciada filha;

5) 45.000.00 Euros (quarenta e cinco mil Euros), relativa ao ressarcimento do dano da perda do direito à vida (dano morte);

6) 17.500,00 Euros (dezassete mil e quinhentos Euros), a cada um, pelos danos não patrimoniais próprios sofridos pelos Autores pais ;

7) sob os montantes mencionados de 1) a 4) incidem juros moratórios, vencidos e vincendos, às diferentes taxas legalmente fixadas, de forma supletiva, desde a citação e até integral pagamento;

8) sob os montantes mencionados em 5) e 6) incidem juros moratórios vincendos, computados desde 08/02/08, e até integral pagamento, às diferentes taxas legais supletivas;

9) julgar o pedido formulado improcedente, quanto ao demais peticionado, bem como totalmente improcedente quanto aos demais Réus/Chamados.

B) ao Autor Hospital Geral de I...:

10) a quantia de 1.924,53 € (mil novecentos e vinte e quatro Euros e cinquenta e três cêntimos) ;

11) sob a qual acrescem juros moratórios, à taxa legal, desde 19/04/2003 — cf., facto 2.25 -, e até integral pagamento.

C) custas a cargo dos AA. A... e B... e Ré J... — Companhia de Seguros, S.A., na proporção do respectivo decaimento - cf. art. 446º, n°s 1 e 2, do Cód. Processo Civil -, sendo que relativamente ao pedido deduzido pelo Hospital Geral de I... asa custas são da inteira responsabilidade da mesma Ré, fixando-se a procuradoria em 1/2 da taxa de justiça.

Registe e notifique”.

Não se conformando, a ré J... – Companhia de Seguros SA recorreu, referindo que deve “ser dado provimento ao recurso, com todas as consequências, nomeadamente condenar-se a interveniente-apelante e o R. apelado C... em partes iguais no tocante ao montante indemnizatório a pagar aos AA”.

Formula, em síntese, as seguintes conclusões:       

“I- Devido ao acidente a que se reportam os presentes autos, o R. C..., condutor do veículo PJ-00-00 foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência no competente processo crime, cujos termos correram pelo 1° Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, Proc n° 316/00.6GTLRA, tendo a sentença aí proferida transitado em julgado em 2004.03.25.

II- Decorre do disposto no art. 674°-A do CPC que o R. C... jamais pode pôr em causa no presente processo cível o decidido definitivamente na sentença penal condenatória — cuja certidão está junta aos autos — pela singela razão de não ser terceiro em relação à decisão penal que o condenou. Destarte,

III- O R. C... o tinha forçosamente de ser condenado na presente acção cível e não absolvido do pedido contra ele formulado.

IV- A similitude e identidade da factualidade provada no aludido processo crime e no presente, no respeitante ao acidente de viação propriamente dito, não configura a situação de trânsito em filas paralelas: não há trânsito em filas paralelas porquanto os veículos intervenientes PJ-00-00 e 00-00-BA não circulavam numa zona cheia da faixa de rodagem da ENn°1, no sentido Sul-Norte e nenhum veículo precedia o PJ na hemi-faixa do lado direito das duas referidas na alínea D) da matéria de facto assente.

V- A manobra do R. C... é uma ultrapassagem pela direita em violação à regra geral do art. 36° do Código da Estrada e concorreu para produção do acidente.

VI- O mesmo R. C... imprimia ao veículo PJ velocidade superior ao legalmente permitido — 90 km/hora — ao arrepio do art. 27°, n°1 do Código da Estrada, velocidade esta que também foi determinante da tragédia — morte de E....

VII- O condutor do veículo 00-00-BA, ao invadir a hemi-faixa direita por onde circulava o PT, também contribuiu para aquela tragédia.

VIII- Estima-se a contribuição dos aludidos dois condutores para a eclosão do embate de tão funestas consequências em 50% para cada um deles.

IX- Dado que a apelante assumiu a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo 00-00-BA dentro dos limites do seguro obrigatório, deverá ser condenada a pagar apenas metade das verbas devidas aos AA. A... e B... e ao A. Hospital Geral de I....

X- Em consonância com as conclusões anteriores, deverá o R. C... ser condenado a pagar idêntica quantia à suportada pela interveniente-apelante aos mesmos AA. referidos na conclusão precedente.

XI- Só a consideração de culpas concorrentes no sentido propugnado pela apelante pode obstar que a decisão na presente acção padeça de entorse inultrapassável, face à sentença penal transitada em julgado e que condenou o arguido — o aqui R. — C....

XII- Decidindo de forma diversa, a douta sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 15°, 27°, n°1, 36°, n°1 e 42°, todos do Código da Estrada, 674°-A e 675°, n°l (por força do art. 4° do CPP), ambos do CPC e 507° do Código Civil”.

Os autores recorreram subordinadamente, formulando as seguintes conclusões:

“1. A recorrente não põe em causa a matéria de facto dada como provada.

2. Face à mesma, somos de opinião que a douta sentença deve ser confirmada;

Contudo

3. Para a hipótese de o Venerando Tribunal ad quem, sufragar outro entendimento, então devem também ser condenados os Réus C... e mulher e o Fundo de Garantia Automóvel na proporção que o douto Acórdão entender de molde a que, em qualquer dos casos, os Autores sejam ressarcidos da totalidade dos danos apurados.”     

O Centro Hospitalar L... autor no processo, “informou” nos autos não apresentar alegações “uma vez que o seu crédito se encontra assegurado por qualquer uma das RR”.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade, rectificando esta Relação um lapso material manifesto quando, sob o nº 1.5, se consignou “no sentido Leiria-Lisboa” e não, como se impunha, “no sentido Lisboa-Leiria”, como alegado no art. 5º da petição inicial, aditando-se ainda um outro facto, tendo em conta a certidão junta aos autos a fls. 420- 435:

1 - Da matéria de facto assente:

1.1 - No dia 4 de Setembro de 2000, pelas 19h:35m, ao km 115.250 da EN n.° 1, na localidade de Santo Antão, Batalha, área desta comarca, ocorreu um acidente de viação - alín. A) ;

1.2 - O veículo ligeiro de passageiros, de matrícula 00-00-PX, marca Fiat, descapotável, propriedade de E..., e por esta conduzido, circulava no sentido Leiria - Lisboa, pela metade direita da faixa de rodagem - alín. B) ;

1.3 - O veículo ligeiro de passageiros, de matrícula PJ-00-00, propriedade de H..., conduzido pelo réu C..., circulava no sentido Lisboa - Leiria - alín. C);

1.4 - As faixas de rodagem, cada uma dividida em duas hemifaixas por traço longitudinal descontínuo, eram separadas, à data do acidente, por uma vala - alín. D);

1.5 - Ao chegar ao km 115.250, o veículo PJ-00-00, invadiu a berma direita da via atento o seu sentido de marcha, guinou para a esquerda, atravessou em diagonal toda a faixa direita, no sentido Lisboa - Leiria e, completamente desgovernado, transpôs a vala separadora das faixas de rodagem e foi cair sobre o capot e parte do habitáculo do veículo 00-00-PX - alín. E);

1.6 - Imobilizando-se, depois, na berma do lado direito da via, atento o sentido Leiria-Lisboa - alín. F);

1.7 - O veículo PJ deixou vincado na berma do lado direito da faixa de rodagem, no sentido Lisboa - Leiria, um rasto de derrapagem de 38.50 metros e no pavimento da faixa de rodagem, no mesmo sentido, um rasto de travagem, em diagonal, de 20 metros - alín. G);

1.8- A condutora do veículo PJ, E..., veio a falecer no mesmo dia - alín. H);

1.9- À data do acidente a vítima era solteira e tinha 21 anos de idade - alín. I);

1.10 - A responsabilidade pelos danos causados pela circulação do veículo 00-00-BA, propriedade da ré D..., estava transferida para a interveniente Companhia de Seguros F... através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela Apólice n.° AU20557423 - alín. J);

2 - Da matéria de facto controvertida:

2.1 — O veículo PJ circulava pela hemifaixa direita das duas referenciadas em 1.4, existentes no sentido de marcha em que circulava - resp. facto 10;

2.2 — Quando assim circulava, o veículo PJ ultrapassou, pelo menos, dois dos veículos que circulavam no mesmo sentido, mas na hemifaixa do lado esquerdo (das duas referenciadas em 1.4), iniciando ainda a ultrapassagem de um terceiro, com a matrícula 00-00-BA - resp. facto 2°;

2.3 — Este veículo (BA), pretendendo dar passagem aos veículos que o precediam, invadiu a hemifaixa direita (das duas referenciadas em 1.4), por onde circulava o PJ nos termos descritos em 2.2 - resp. facto 3°;

2.4 - Foi em direcção do veículo PJ, cortando-lhe a linha de circulação ou marcha, sendo iminente o choque entre ambos - resp. facto 4º;

2.5 - Este, quando se viu apertado pela manobra do condutor do veículo BA, e a fim de evitar o choque, guinou para a direita em direcção à berma e travou - resp. facto 5° ;

2.6 - Devido à rapidez da manobra e à existência de areia na berma do lado direito da via, atento o sentido de marcha de ambos os veículos, o veículo PJ entrou em despiste, tendo guinado para o lado esquerdo da via - resp. factos 6º e 7º;

2.7 - A sequência do acidente, a condutora do veículo PX sofreu lesões traumáticas que provocaram necessariamente a sua morte - resp. facto 8º;

2.8 - A vítima não deixou filhos - resp. facto 9°;

2.9 - Trabalhava por conta da empresa M... ., com sede em Santo Antão - Batalha, onde auferia a remuneração média mensal de aproximadamente 100.000$00 - resp. facto 10°;

2.10 - Vivia com os autores, seus pais - resp. facto 11º

2.11 - Estes, que apenas têm outro filho, devotavam à vítima o maior dos carinhos e desvelo - resp. facto 12°;

2.12 - E eram correspondidos por esta com profundo amor e carinho - resp. facto 13°;

2.13 - A vítima era uma pessoa alegre, trabalhadora, filha devota, muito amada pelos pais - resp. facto 14°;

2.14 - Com a sua morte, os autores sofreram um rude golpe psicológico e moral - resp. facto 15°;

2.15 - A sua tristeza e dor têm sido profundos e ainda não se encontram refeitos de tal abalo - resp. facto 16°;

2.16 - No acidente, o veículo PX ficou completamente destruído - resp. facto 17º;

2.17 - Valia o mesmo, à data do acidente, 2.000.000$00/9.975.96 € - resp. facto 18°;

2.18 - Com o funeral gastaram os autores 121.350$00/605.29 € - resp. facto 19º ;

2.19 - na aquisição do terreno no cemitério gastaram 121.000$00/603.55€ - resp. facto 20º;

2.20 - Com a aquisição de uma campa, gastaram 2.334.37€ - resp. facto 21°;

2.21 - A sequência do acidente referido em 1.1, o Hospital Geral de I... prestou assistência a H... nos dias 5, 6, 25 de Setembro, 03 de Outubro e 15 de Novembro do ano de 2000 - resp. facto 22°;

2.22 - Tendo ainda prestado assistência a C... no período de 05 a 19 de Setembro de 2000 - resp. facto 23°;

2.23 - O qual foi ao serviço de urgência nos dias 3 e 11 de Outubro e 15 de Novembro de 2000, bem como à consulta externa em 02 e 16 de Outubro, 05 de Dezembro de 2000 e em 11 de Janeiro de 2001 - resp. facto 24°;

2.24 - O custo dos serviços prestados pelo Hospital Geral de I... a H...e C... ascendeu a 1.924.53€ - resp. facto 25°;

2.25 - O Hospital Geral de I... enviou, em 15.04.2003, à ré J... SA, que as recebeu, as facturas que constam a fls. 23 e 24, cujo teor se dá aqui inteiramente por reproduzido - resp. facto 26º;

Por sentença proferida em 10 de Março de 2004, nos autos de processo comum que correram termos no Tribunal Judicial de Porto de Mós, sob o nº 316/00.6GTLRA, transitada em julgado em 25/03/2004, o réu C... foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido no artigo 137º, nº1 do Código Penal, na pena de duzentos (200) dias de multa, à taxa diária de cinco euros (5,00€), conforme certidão de fls. 420 a 435 (facto aditado por esta Relação).     

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do mesmo diploma.

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, conclui-se que a única questão a decidir no processo consiste em saber se a responsabilidade emergente do acidente se deve imputar, exclusivamente, à condutora do veículo BA, com a consequente condenação da seguradora apelante, por força do contrato de seguro, como se entendeu na decisão recorrida ou, pelo contrário, se o acidente se ficou a dever à actuação da condutora daquele veículo e ainda do condutor do veículo PJ, concorrendo ambos, em igual medida, para a produção do acidente, pelo que se impõe responsabilizar também este condutor, como pretende a seguradora apelante e, assim sendo, ainda, a proprietária do veículo e mulher daquele réu, H... e o Fundo de Garantia Automóvel, como entendem os autores apelantes, em sede de recurso subordinado.

2. Começamos por referir que não impressiona o argumento avançado pela seguradora e alusivo ao caso julgado formado pela sentença proferida no processo de natureza criminal, relativamente ao réu C..., com base na ponderação de que, para os efeitos a que alude o art. 674ºA do C.P.C., não pode considerar-se esse réu como um “terceiro”.

Efectivamente, mesmo que assim se entendesse, tendo em conta os específicos termos dessa decisão, a que adiante aludiremos com mais pormenor, sempre quedaria por analisar a responsabilidade deste réu em função do seu grau de culpa, ou a medida da sua contribuição para a produção do acidente, matéria que não foi objecto de apreciação no âmbito desse processo.

Por outro lado, olvida a apelante que estamos no âmbito de responsabilidade solidária sendo certo que, tendo os autores recorrido subordinadamente, por arrastamento, está também em causa aferir da responsabilidade dos demais réus indicados.

                                             *

O acidente ocorreu no dia 4 de Setembro de 2000, pelas 19h:35m, na EN n.° 1, via em que as faixas de rodagem, cada uma dividida em duas hemifaixas por traço longitudinal descontínuo, eram separadas, à data do acidente, por uma vala.

Atente-se na dinâmica do acidente:

O veículo PJ, conduzido pelo réu C..., circulava no sentido Lisboa- Leiria, pela hemifaixa direita de rodagem, tendo ultrapassado, pelo menos, dois dos veículos que circulavam no mesmo sentido, mas na hemifaixa do lado esquerdo, iniciando ainda a ultrapassagem de um terceiro, com a matrícula 00-00-BA, veículo este que, pretendendo dar passagem aos veículos que o precediam, foi em direcção do veículo PJ, cortando-lhe a linha de circulação ou marcha, sendo iminente o choque entre ambos, pelo que o condutor do PJ, quando se viu apertado pela manobra do condutor do veículo BA, e a fim de evitar o choque, guinou para a direita em direcção à berma – onde existia areia – e travou, entrando em despiste, após o que atravessou em diagonal toda a faixa direita, no sentido Lisboa - Leiria e, completamente desgovernado, transpôs a vala separadora das faixas de rodagem e foi cair sobre o capot e parte do habitáculo do veículo 00-00-PX, que seguia no sentido Leiria - Lisboa, na hemifaixa direita, conduzido por E..., que veio a falecer no mesmo dia.

Perante este quadro, escreveu-se na decisão recorrida:
“Aqui chegados, poder-se-ia afirmar que a conduta de C..., condutor do PJ, também não era isenta de reparos, pois este fez, pelo menos, duas ultrapassagens pelo lado direito, e havia iniciado a ultrapassagem de um terceiro veículo, in casu o BA. E, conforme já vimos, a manobra de ultrapassagem pela direita apenas é legalmente admissível nos casos referenciados, sem correspondência com o caso concreto, sendo regra geral a de que a manobra de ultrapassagem deve fazer-se pela esquerda.
Todavia, também conforme já vimos, o art. 42º contém uma outra excepção, ao considerar não estarmos perante o conceito de ultrapassagem, para os efeitos previstos neste Código, por referência aos casos de trânsito em filas paralelas, quando os veículos de uma fila circularem mais rapidamente que os de outra. Ou seja, nos casos em que existe mais do que uma via de trânsito no mesmo sentido, a circunstância dos veículos em trânsito na fila ou hemifaixa mais à direita transitarem mais rapidamente do que os colocados nas filas ou hemifaixas mais à esquerda não configura, para os efeitos das regras estradais, como efectiva e verdadeira ultrapassagem. Pelo que, apesar de na factualidade provada se falar em ultrapassagem, no caso concreto tal manobra não possui tal natureza normativa, não sendo rotulada ou juridicamente enquadrada como tal. O que determina não poder considerar-se a conduta do tripulante do PJ, o ora Réu C..., como violadora da regra geral de ultrapassagem enunciada, antes sendo perfeitamente admissível perante a configuração da via, e pela circunstância de o mesmo já nela transitar pelo lado direito. Lado, reconheça-se, pelo qual os demais veículos deviam igualmente transitar, atento o espaço disponível existente por onde o PJ acabou por circular mais rapidamente. (…)
Resulta assim do exposto não poder reconhecer-se no analisado comportamento do condutor do PJ a prática de qualquer contra-ordenação estradal, conducente a uma situação de conculpabilidade no embate ocorrido. Mas, não revelarão os demais factos apurados efectiva violação ilícita das regras estradais, de forma a presumir-se a negligência na sua conduta ?
Ora, é certo ter-se provado que o veículo PJ invadiu a berma direita, atento o sentido em que circulava, na qual deixou vincado um rasto de derrapagem de 38,50 metros, tendo ainda deixado no pavimento da faixa de rodagem, atento o mesmo sentido, e na diagonal, um rasto de travagem de 20 metros. Todavia, conforme já vimos, a manobra efectuada, notoriamente de recurso, procurando evitar o embate, teve por causa a conduta ilícita e culposa do condutor do BA, ao cortar a sua linha de trânsito, conducente ao ocorrido despiste. E, por outro lado, apesar da extensão de tais marcas, não resulta da factualidade provada (pois tal também não foi alegado) a que velocidade circulava o PJ, de forma a poder-se considerar a mesma como desrespeitadora do objectivo limite previsto para o local. E, nem se pode concluir, sem mais, pela existência de excesso de velocidade relativa, em inobservância do estatuído no n° 1 do art. 24º, pois, para além da existência de areia na berma, que potenciou a extensão de tal derrapagem e posterior despiste, não se tratou de prever a execução de uma manobra potencialmente necessária, ou de ter necessidade de parar o veículo no espaço livre e visível, mas antes a necessidade de reagir, de forma súbita e rápida, a um comportamento inopinado do condutor do BA, que lhe surge como obstáculo impeditivo da sua livre circulação. O que consideramos afastar, de forma decisiva, a existência de uma situação de conculpabilidade na produção do embate, o qual deverá ser antes totalmente imputável ao comportamento do condutor do BA, por efectiva culpa na sua produção.

Não podemos aceitar inteiramente esta argumentação porquanto se discorda do pressuposto que parte a 1ª instância. Efectivamente, considerou-se que o caso dos autos configura uma situação de trânsito em filas paralelas, quando entendemos que a factualidade apurada não suporta essa qualificação.

Vejamos, antes de mais, os preceitos pertinentes, tendo em conta o Código da Estrada (1998), na redacção aplicável aos autos atenta a data do acidente – redacção anterior, portanto, ao Dec. Lei 265- A/ 2001 de 28/09/2001 –, mormente o disposto nos arts.14º, 15º e 42º.

O art. 14º rege sobre a “Pluralidade de vias de trânsito” e dispõe o seguinte: “Sempre que, no mesmo sentido, sejam possíveis duas ou mais filas de trânsito, este deve fazer-se pela via de trânsito mais à direita, podendo, no entanto, utilizar-se outra se não houver lugar naquela e, bem assim, para ultrapassar ou mudar de direcção” – nº1.

Quanto ao art. 15º, sob a epígrafe “Trânsito em filas paralelas”, preceitua: “Sempre que, existindo mais de uma via de trânsito no mesmo sentido, os veículos, devido à intensidade da circulação, ocupem toda a largura da faixa de rodagem destinada a esse sentido, estando a velocidade de cada um dependente da marcha dos que o precedem, os condutores não podem sair da respectiva fila para outra mais à direita, salvo para mudar de direcção, parar ou estacionar” – nº1 (sublinhado nosso).

Por último, o art. 42º estipula sobre a “Pluralidade de vias e trânsito em filas paralelas”, nos seguintes termos: “Nos casos previstos no nº 2 do artigo 14º e no artigo 15º, o facto de os veículos de uma fila circularem mais rapidamente que os de outra não é considerado ultrapassagem para os efeitos previstos neste Código”.

Da conjugação destes preceitos conclui-se que o trânsito em filas paralelas só se verifica quando os veículos ocupam todas as vias de trânsito e avançam em fila, numa situação em que a velocidade de cada veículo dependente da velocidade do veículo da frente. Nessas específicas condições de circulação, a circunstância dos veículos de uma das filas avançarem mais rapidamente que os veículos de outra, não consubstancia manobra de ultrapassagem.

No caso dos autos, sabe-se apenas que no momento do acidente e no sentido Lisboa – Leiria, circulavam na via, constituída por duas semi faixas de rodagem, pelo menos, quatro veículos, a saber, os dois veículos intervenientes no acidente – o BA que circulava pela semi faixa da esquerda e o PJ que circulava pela semi faixa da direita – e ainda os dois veículos que circulavam à retaguarda do BA. Com base nesse circunstancialismo e desconhecendo-se quaisquer outras particularidades relativas às condições de circulação, não nos parece adequado considerar-se, como fez a 1ª instância, que o caso integra uma hipótese de trânsito em filas paralelas, faltando os elementos característicos indicados no citado preceito.

Assim sendo, a manobra feita pelo condutor do PJ que, seguindo pela via da direita, circulava a velocidade superior à dos veículos que, no mesmo sentido de trânsito, seguiam pela semi faixa da esquerda, tendo passado por dois deles e preparando-se para o fazer também relativamente ao BA, configura uma manobra que vulgarmente se designa de ultrapassagem pela direita, em contravenção ao disposto no art. 36º, nº1 do C. da Estrada, nos termos do qual a manobra de ultrapassagem deve ser efectuada pela esquerda.

Nesta perspectiva, afastamo-nos do raciocínio expendido na decisão recorrida e, ao invés, concorda-se com o que se escreveu na decisão proferida no processo de natureza criminal, em que o ora réu C...respondeu como arguido, sendo que a factualidade que aqui se deu por assente e o circunstancialismo apurado e fixado no âmbito do processo crime, é absolutamente similar. [ [1] ]

Nessa decisão pode ler-se:
“Ora, no caso sub judice, a norma que reclama dos automobilistas que não se adiantem pela direita aos demais encontra-se consolidada, sendo conhecida da generalidade dos cidadãos (em consonância aliás com a exigência de que a circulação das viaturas se processe o mais à direita possível da faixa de rodagem) tudo isto como forma de disciplinar o trânsito e manter a circulação automóvel dentro dos limites de segurança preventivos quanto à materialização dos perigos que reconhecidamente envolvem o tráfego estradal. Como tal, entende-se que, a partir do momento em que um condutor assume a ultrapassagem pela direita de outras viaturas, está a adoptar uma conduta temerária e descuidada, porque desconforme com o dever de cuidado que no caso se impunha.
Foi isso, justamente, que sucedeu na situação em apreço, pois C... não se coibiu de fazer uso da via de trânsito mais à direita para ultrapassar os veículos que seguiam à sua frente, assim dando origem a um processo causal que, culminando num embate entre veículos em consequência do qual vem a falecer um dos seus ocupantes, se tem de considerar idóneo e adequado para que se lhe impute a morte ocorrida. Na realidade, nas descritas circunstâncias, o resultado típico e o processo causal que o originou era previsível nos seus elementos essenciais, dada a probabilidade de o mesmo não ocorrer caso o arguido tivesse adoptado uma conduta diferente por mais cuidadosa. De resto, C... tinha a obrigação de cumprir uma conduta deste tipo, tanto mais que ele podia prever – como inclusive o fez – o resultado como consequência normal ou típica da sua conduta”.       

E nem se argumente que, nessa sentença, não se ponderou a actuação da condutora do veículo BA. Efectivamente, escreveu-se aí o seguinte:
“Claro que ainda se poderia ponderar sobre o contributo causal que possa ter sido emprestado ao caso pela conduta do condutor da viatura que, circulando na via de trânsito da esquerda, ingressou naquela pela qual seguia o arguido, sem tomar as devidas precauções. Entende-se, porém, que, sem prejuízo da censurabilidade deste comportamento (que, inclusive, se afigura ter relevância tanto no campo civil como no campo criminal), o mesmo não interrompeu o nexo causal que havia sido colocado pelo comportamento negligente do arguido e, logo não pode, por si só, motivar a desresponsabilização do arguido. Nessa óptica, independentemente da concorrência de culpas  existentes, as atenções terão in casu que se centrar nos contornos daquela que foi a conduta do arguido para, conforme a análise que atrás se efectuou, aferir se houve ou não culpa da sua parte”.        

A questão que ora se nos coloca é, pois, tão só, a de determinar a medida em que cada um dos veículos (BA e PJ) concorreu para o acidente, ou seja, afinal, graduar a culpa de cada um dos condutores.

A apelante – que refere expressamente não pôr em causa os valores indemnizatórios fixados na sentença, sendo certo que os autores também não o fizeram –, considera que os condutores do PJ e do BA contribuíram, na proporção de 50% cada, para a ocorrência do acidente em consequência do qual a condutora do veículo PX sofreu lesões que determinaram a sua morte.

Ponderando a dinâmica do acidente, supra descrita, parece-nos que o desvalor da actuação da condutora do veículo BA é mais elevado do que o do condutor do PJ, revelando um notável grau de imperícia, desconsideração e negligência o condutor que, pretendendo passar da semi faixa de rodagem esquerda para a semi faixa de rodagem direita não se certifica, previamente, que o pode fazer com segurança, o que implica, basicamente e em primeira linha, averiguar se essa faixa está ou não ocupada por outro veículo – trata-se de uma elementar regra de condução.

Acresce que qualquer juízo valorativo sobre a actuação do réu C... relativamente à velocidade que imprimia ao seu veículo, que não logrou controlar, depois de ter guinado para a direita e subsequente acto de travagem, há-de ser temperado pela constatação da existência de areia na berma, facto que também pode ter potenciado o despiste do veículo.

Assim, parece-nos equilibrado considerar que a contribuição do veículo BA para a produção do acidente é superior à do veículo PJ, fixando-se essa medida na proporção de 70% e 30%, respectivamente. 

3. Do disposto nos arts. 21º e 29º, nº6 do Dec.Lei 522/85 resulta, como se referiu na decisão recorrida, que são pressupostos da intervenção do Fundo de Garantia Automóvel:

- do ponto de vista substantivo: que a indemnização decorra de um acidente originado por veículo sujeito ao seguro obrigatório; que esse veículo se encontre matriculado em Portugal; que o lesante seja desconhecido ou, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz

- do ponto de vista processual, que a acção seja intentada contra o Fundo e também contra o responsável civil.

Apurando-se que o veículo de matrícula PJ-00-00 não possuía, à data do acidente, seguro válido e eficaz, o Fundo de Garantia Automóvel é responsável pelo ressarcimento dos danos emergentes do acidente, sendo também responsáveis o condutor e proprietária do veículo (os réus  C... e H...), atento o disposto no art. 503º, nº1 do Cód. Civil.  

Saliente-se que na sentença recorrida se afastou a responsabilidade destes três réus apenas porque se considerou que “não sendo reconhecida culpabilidade ao condutor de tal veículo (de matrícula PJ-00-00) na ocorrência do embate, logicamente que tais demandados não poderão ser responsabilizados pelo ressarcimento dos danos daí decorrentes. O que determina, necessariamente, a sua efectiva absolvição do pedido contra si deduzido”.

Alterado esse juízo, necessariamente se conclui pela procedência do pedido indemnizatório, pelos valores fixados na sentença, também contra os réus aludidos.    

Por último, nos termos do disposto no art. 497 do Cód. Civil, perante os autores lesados é solidária a responsabilidade da ré seguradora, do FGA e dos réus C... e H..., relevando a diversidade do conteúdo das prestações da seguradora, por confronto com os demais réus, apenas nas relações entre os responsáveis – em termos similares, aliás, ao que dispõe o art. 512º, nº2 do referido diploma.

                                             *

Conclusões:
1. Da conjugação dos arts. 14º, nº1, 15º, nº1 e 42º do Cód. da Estrada conclui-se que o trânsito em filas paralelas só se verifica quando os veículos ocupam todas as vias de trânsito e avançam em fila, numa situação em que a velocidade de cada veículo dependente da velocidade do veículo da frente; Nessas específicas condições de circulação, a circunstância dos veículos de uma das filas avançarem mais rapidamente que os veículos de outra, não consubstancia manobra de ultrapassagem.
2. Apurando-se que no momento do acidente e no sentido Lisboa – Leiria, circulavam na via, constituída por duas semi faixas de rodagem, quatro veículos, a saber, os dois veículos intervenientes no acidente – o BA que circulava pela semi faixa da esquerda e o PJ que circulava pela semi faixa da direita – e ainda os dois veículos que circulavam à retaguarda do BA e desconhecendo-se quaisquer outras particularidades relativas às condições de circulação, os elementos existentes no processo são insuficientes para se concluir que o caso integra uma hipótese de trânsito em filas paralelas, faltando os elementos característicos indicados no referido art. 14º.

                                             *

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da recorrente J... Companhia de Seguros e procedente o recurso subordinado apresentado pelos autores A... e B... e, consequentemente, alterando-se, nessa parte, a sentença recorrida, decide-se condenar solidariamente os réus J... – Companhia de Seguros SA, o Fundo de Garantia Automóvel, C... e H... a pagar aos autores A..., B... e ao Hospital Geral de I... as quantias indemnizatórias fixadas na sentença recorrida.

Custas, em 1ª instância, pelos autores e réus, na proporção do decaimento e, nesta Relação, pelos réus.

Notifique.

[1] Salienta-se o que o Sr. Juiz escreveu no despacho de fundamentação da resposta aos quesitos: “A certidão junta em sede de audiência de julgamento, reportada a sentença crime devidamente transitada em que figurou como arguido o ora Réu C..., acabou por não revelar-se relevante para a matéria de facto considerada provada, nos termos do juízo presuntivo exposto no art. 674º-A do Cód. de Processo Civil, atenta a similitude e identidade da factualidade provada no que concerne ao embate ocorrido, e consequências daí advenientes”.