Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
147/1999.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
Data do Acordão: 01/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 8º, Nº 2, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA
Legislação Comunitária:
CONVENÇÃO DE BRUXELAS
Legislação Estrangeira:
CONVENÇÃO DE LUGANO
Sumário: I – As convenções internacionais a que Portugal se vinculou prevalecem sobre as normas internas, como decorre da letra do artº 65º, nº 1, do CPC.

II – As Convenções de Bruxelas e de Lugano, relativas à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, estabelecem como regra geral que as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado – artº 2º.

III – Em matéria de acidentes de trabalho, no confronto com o empregador e com a seguradora que substitui aquele na respectiva responsabilidade, a obrigação de reparação emerge do contrato de trabalho.

IV – Nenhuma das referidas Convenções dispõe de uma norma específica sobre a atribuição de competência para as acções decorrentes de acidentes de trabalho, pelo que a regra a aplicar, na falência de outros elementos de conexão, terá de ser a regra do domicílio dos demandados ou a regra do lugar da prestação habitual do trabalho – artºs 2º e 5º.

V – A regra contida nos artºs 18º das referidas Convenções já foi interpretada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias no sentido de que permite ao requerido não só contestar a competência, mas também apresentar, ao mesmo tempo, a título subsidiário, a sua defesa, sem contudo perder o direito de arguição da excepção de incompetência.

VI – Os Tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer uma acção emergente de acidente de trabalho ocorrido com um trabalhador português a bordo de um navio ancorado num porto marítimo de França, mesmo que em consequência desse acidente o trabalhador venha a falecer em Portugal, se o contrato de trabalho em causa não estiver sujeito à lei portuguesa, mas à lei holandesa, onde foi celebrado e onde a entidade patronal tem a sua sede.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Os autores intentaram contra as rés a presente acção emergente de acidente de trabalho, pedindo que as rés sejam condenadas a pagar-lhes prestações legais de reparação de acidente de trabalho ocorrido com D...., ao serviço da B... mediante contrato de trabalho, no dia 14 de Agosto de 1981 e quando se encontrava a bordo do navio Italian Express que se encontrava ancorado no posto de Brest – França, e em consequência do qual veio a falecer em Portugal.
A ré B... , na contestação que oportunamente deduziu (termos da defesa aos quais a outra ré manifestou aderir, na respectiva contestação), defendeu a incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a presente acção, estribando-se na inexistência de factores de conexão que lhes possam atribuir a competência. Alegou que o contrato de trabalho que a ligava ao sinistrado não estava sujeito à lei portuguesa, já que foi contratado na Holanda, país onde tem a sua sede, não tendo qualquer representação em Portugal. E que nos termos do contrato as funções do malogrado D...eram para ser exercidas na Holanda, sendo que sempre mantiveram acordado que era a lei holandesa que regia o contrato de trabalho entre as partes, sendo que aquele recebia o salário em moeda holandesa, o mesmo era-lhe pago na Holanda, foi inscrito como beneficiário da Segurança Social Holandesa e aquando do acidente foi, por ela, indemnizado. Para além do facto de D... ter a nacionalidade portuguesa, defendeu, não existe qualquer outro elemento de conexão.
Os autores responderam à questão da competência internacional dos tribunais portugueses afirmando que já estaria resolvida nos autos, por despacho proferido na sua fase conciliatória, referindo que a ordem jurídica portuguesa integra um conjunto de direitos subjectivos, concretizáveis através de uma acção que decorre nos tribunais, a quem incumbe a aplicação do direito. E que o elemento de conexão que existe com a ordem jurídica portuguesa é a nacionalidade do falecido que tinha a sua residência habitual na Nazaré. Deste modo, enquadraram a competência dos tribunais portugueses na alínea d), 2ª parte do artigo 65º do C.P.Civil. Concluíram pela improcedência da excepção.
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Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a ser proferida decisão em sede de despacho saneador na qual, reconhecendo que na fase conciliatória já fora apreciada a questão da competência internacional por despacho judicial transitado em julgado, se considerou o tribunal competente em razão da nacionalidade.
Deste despacho foi interposto recurso de agravo, no âmbito do qual este tribunal da relação deliberou revogar aquele despacho, determinando a sua substituição por outro que apreciasse o mérito efectivo da excepção de incompetência absoluta, considerando que a já referida decisão proferida na fase conciliatória do processo não decidiu, em termos definitivos para o processo e para a sua fase contenciosa, a questão.

Cumprindo o deliberado, o tribunal de 1ª instância conheceu, então, do mérito da excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses, julgando improcedente a excepção de incompetência internacional e declarando a sua competência internacional para conhecer do pedido formulado pelos autores nesta acção.
É deste despacho que ambas as rés B... e C... vêm agora recorrer apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:
“1- Verificando-se que: o sinistrado foi contratado na Holanda pela 1ª Recorrente, a qual tem sede na Holanda, não tendo filial, sucursal, agência, delegação ou representação permanente em Portugal; as funções eram para serem exercidas na Holanda ou nos locais onde andassem os navios daquele empresa; o contrato de trabalho foi redigido em língua Holandesa; o mesmo previa a lei Holandesa como aplicável; a remuneração era recebida em moeda Holandesa; e era paga na Holanda; o sinistrado estava inscrito na Segurança social Holandesa; o acidente ocorreu em França, os tribunais Portugueses não são internacionalmente competentes para julgar a presente acção.
2- Perante tal factualidade, face ao artigo 11º do CPT (versão de 1981) verifica-se a inexistência de factor de conexão que permita atribuir competência aos Tribunais Nacionais para dirimir esse litígio.
3- Mesmo que existisse factor de conexão, o artigo 3° da Convenção de Lugano afasta directamente a aplicabilidade do artigo 11° do Código de Processo do Trabalho.
4- A atribuição de competência internacional aos Tribunais de Trabalho Portugueses por força do estatuído do artigo 16° do Código de Processo do Trabalho de 1981 não se encontra directamente afastada pela referida Convenção, em particular pelo seu artigo 3°, mas há que ter em conta que o artigo 11° do Código de Processo de Trabalho o está.
5- Não sendo aplicável o artigo 11º do Código de Processo de Trabalho, não o poderão ser os restantes artigos do mesmo Código, nomeadamente o artigo 16°, na medida em que o artigo 11 ° estabelece, em primeiro lugar, a competência internacional dos Tribunais do Trabalho Portugueses pela sua competência interna e o artigo 16° é uma regra de competência interna.
6- Aplicar o artigo 16° do Código de Processo do Trabalho ao caso sub judice, com o intuito de atribuir competência internacional aos Tribunais do Trabalho Portugueses viola claramente o constante do artigo 3° da Convenção de Lugano, que impossibilita a invocação do artigo 11 ° do Código de Processo do Trabalho na medida em que para definição para definição da competência internacional, o artigo 16° só é relevante em conjunto com o artigo 11°, não tendo relevância "a se" para determinação da competência internacional.
7- Não se pode fazer aplicação do artigo 65° do Código de Processo Civil, dado que a invocabilidade desta norma está afastada pelo Código de Processo do Trabalho, nomeadamente, artigos 1º e 11º.
8- O Código de Processo do Trabalho dispõe expressa e imperativamente sobre esta matéria remetendo apenas para o artigo 65-A do Código de Processo Civil.
9- O artigo 65° do Código de Processo Civil só se aplicaria se o Código de Processo do Trabalho não disciplinasse tal matéria directamente, o que o faz no seu artigo 11°.
10- Apenas nos caso omissos se recorrerá à legislação processual comum (Código de Processo Civil), situação que no caso da competência internacional não se verifica.
11- Mesmo a entender-se que o artigo 65° do Código de Processo Civil, em concreto alínea d), não se verifica o elemento de conexão pessoal ou real.
12- A finalidade jurídico processual do princípio da causalidade explanado na alínea d) do nº 1 do artigo 65° do Código de Processo Civil, é um "caso excepcional e subsidiário" de competência.
13- Não se verificam conflitos de jurisdição uma vez que os Tribunais de Trabalho Holandeses serão internacionalmente competentes, à luz da Convenção de Lugano para dirimir o presente litígio.
14- Não existe igualmente qualquer conflito negativo de jurisdição e a jurisdição holandesa reconhece, em abstracto, o direito carecido de tutela, sendo as condições gerais do contrato de trabalho celebrado entre a 1ª Recorrente e o Sinistrado, prevêem no artigo 6° do mesmo que a lei aplicável é a Holandesa.
15- A possibilidade prevista no artigo 65° d) 2ª parte do Código de Processo Civil é manifestamente inaplicável "in casu", pois a Holanda é um país da Comunidade Europeia, com uma justiça, ao que se sabe, credível, não havendo onde ancorar uma eventual impossibilidade aí prevista.
16- Não se verifica igualmente qualquer impossibilidade de facto ou material.
17- Não basta a situação de carência de garantia judiciária do autor, é ainda necessário que a acção tenha qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal ou real, entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional.
18- A nacionalidade Portuguesa do sinistrado e o facto de a residência dos beneficiários ser em Portugal, não são elementos de conexão suficientes para atribuir competência internacional aos Tribunais de Trabalho Portugueses, caso contrário os tribunais Portugueses ganhariam uma competência universal, independentemente dos factores de conexão efectivamente ponderosos.
19- Face aos factos alegados no ponto 1 das presentes conclusões, verifica-se claramente a inexistência de factor de conexão ponderoso que permita atribuir competência aos Tribunais Nacionais para dirimir esse litígio.
20- Assim, face à Convenção de Bruxelas, também os nossos tribunais são internacionalmente incompetentes.

Os autores não fizeram apresentação de contra-alegações.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto, defendendo que:
- são aplicáveis ao caso dos autos a Convenção de Bruxelas e, bem assim, à Convenção de Lugano, as quais prevalecem sobre as normas internas, sendo certo que estabelecem como regra geral que as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado;
- por força delas está afastada a regra do artigo 11º do Código de Processo do Trabalho de que na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste Código, sem prejuízo do disposto no artigo 65.0-A do Código de Processo Civil ou de ser português um trabalhador, se o contrato tiver sido celebrado em território nacional.
- contudo, as mesmas convenções enunciam uma regra (artigo 18°) nos termos da qual para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições da presente convenção, é competente o tribunal de um Estado contratante perante o qual o requerido compareça, a qual só não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência.
- ambas as rés apresentaram as respectivas contestações e ambas se defenderam alegando não só a excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses, mas também a excepção da prescrição e, bem assim, defenderam-se por impugnação.
- por isso, encontra-se ultrapassada a questão da incompetência internacional que pudesse faltar aos tribunais portugueses, pelo que o recurso não deverá proceder.

As rés responderam a este parecer.
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II- OS FACTOS:
No despacho recorrido foi seleccionada a seguinte matéria de facto com relevo para a apreciação da questão, selecção essa não discutida pelas recorrentes e que é a que importa considerar:
1. Entre 1973 e 14 de Agosto de 1981 vigorou entre D... e B... um contrato de trabalho, nos termos do qual aquele exercia funções de engenheiro chefe nos navios desta empresa ou por ela fretados.
2. D... foi contratado pela ré B... na Holanda, onde esta tem a sua sede, não tendo qualquer representação em Portugal.
3. As funções cometidas ao D... eram para serem exercidas na Holanda ou no local por onde navegassem os navios da ré B... ou os navios por ela fretados.
4. Todas as estipulações contratuais foram redigidas em língua holandesa, tendo o D... aceite as condições gerais que constam do documento de folhas 472, cuja tradução faz folhas 542.
5. D... recebia as suas remunerações em moeda holandesa e as mesmas eram-lhe pagas na Holanda.
6. No dia 14 de Agosto de 1981, D... sofreu um acidente de trabalho quando se encontrava a bordo do navio Italian Express que se encontrava ancorado no posto de Brest – França.
7. Em 8 de Janeiro de 1982 D... foi transportado, em coma vigil, de Brest para o Hospital da Cruz Vermelha ou permaneceu em coma durante 16 anos.
8. D... faleceu em Portugal no dia 5 de Outubro de 1997, em consequência do acidente de trabalho.
Devem, ainda, considerar-se os seguintes factos aceites nos autos:
9- Ambas as rés tem domicílio na Holanda, não possuindo estabelecimento ou representação em Portugal.
10- O sinistrado tinha residência habitual na Nazaré, Portugal.
11- A participação que deu origem aos presentes autos deu entrada em 18-09-1998.
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III. Direito
As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a da (in)competência internacional dos tributais portugueses para conhecer da presente acção.

Vejamos:
Como se reconhece na decisão recorrida, a atribuição da competência dos tribunais fixa-se no momento em que a acção é proposta (n° 1 do artigo 22 da LOFTJ).
Estamos, sem dúvida, perante litígio privado internacional, conectado, pelo menos, com as ordens jurídicas de Portugal e da Holanda. Estados aqueles Contratantes das Convenções de Bruxelas (à qual Portugal aderiu em 1991) e de Lugano, celebrada a 18-9-88, relativas à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (a qual, no nosso País, entrou em vigor a 1-7-92 - aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 33/91, de 24 de Abril de 91, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 51/91, de 30 de Outubro).
Não merece também dúvida, que inserindo-se a fase conciliatória e a fase judicial do processo de acidente de trabalho na mesma acção, importa serem de considerar aplicáveis as leis em vigor à data da participação que deu origem aos presentes autos, isto é, em 18-09-1998.
Na data apontada vigorava, na ordem interna, o Código de Processo do Trabalho de 1981 e, na ordem internacional, Portugal estava vinculado, como dissemos, às Convenções de Bruxelas e, bem assim, à Convenção de Lugano (esta última dita “convenção paralela”, porque, na prática, estende a primeira a Estados não integrantes da União Europeia).
Nos termos do art. 8º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.”.
Conforme Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, 1999, vol. I, pág.124), as “normas de competência internacional definem a susceptibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses, tomados no seu conjunto, relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras” e que, além “de receberem competência do artº 65º, os tribunais portugueses recebem-na também de Convenções internacionais”; estas no “seu campo específico de aplicação prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente as reguladoras da competência internacional constantes do Código” (neste sentido, Ferrer Correia in “Lições de Direito Internacional Privado”, 2000, vol. I., pág. 494, e Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vicente, in “Comentário à Convenção de Bruxelas”, 1994, págs. 124 e segs.).
Ou seja, as convenções internacionais a que Portugal se vinculou prevalecem sobre as normas internas, como decorre claramente hoje da letra do artigo 65º nº 1 do C.P.Civil (redacção introduzida pelo DL 38/2003, de 8 de Março), interpretando a doutrina referida.
Ambas as referidas Convenções estabelecem como regra geral que as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado (artigos 2º). Ambas estabelecem (artigos 3º) que as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Contratante por força das regras enunciadas nas secções II a VI do título II e que contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, em Portugal: o n.o 1, alínea c) do artigo 65º, o nº 2 do artigo 65º e a alínea c) do artigo 65º-A do Código de Processo Civil e o artigo 11º do Código de Processo do Trabalho.
Este artigo 11º reporta-se – porque era o que estava em vigor à época – ao artigo 11º Código de Processo de Trabalho de 1981, o qual preceituava: “na competência internacional dos tribunais portugueses estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste Código, sem prejuízo do disposto no artigo 65ºA do Código de Processo Civil ou de ser português um trabalhador, se o contrato tiver sido celebrado em território nacional”.
Pelas regras estritas do referido artigo 11º, aplicadas à situação dos autos, verificamos que só um elemento de aplicação ocorre – ser português o trabalhador – pelo que afastada está a competência dos tribunais de trabalho portugueses à luz da parte final do artigo 11º do CPT de 1981, na medida em que o contrato de trabalho foi celebrado na Holanda.
Todavia, a decisão recorrida considerou que a competência internacional dos Tribunais de Trabalho Portugueses devia também ser aferida através das “regras de competência interna”, regras que se encontram plasmadas nos artigos 14º e seguintes do CPT de 1981, sendo certo que o artigo 16º preceituava que: “1. As acções emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional devem ser propostas no tribunal do lugar onde o acidente ocorreu ou onde o doente trabalhou pela última vez em serviço susceptível de originar a doença; (…) 3. É também competente o tribunal do domicílio do sinistrado ou doente se a participação aí for apresentada ou se ele requerer até à fase contenciosa do processo.”
Por isso, sustentou que, podendo aferir-se a competência dos Tribunais de Trabalho portugueses nos termos enunciados no artigo 11º e interpretando extensivamente o nº 3 do artigo 16º do CPT de 1981, de forma a facultar-se aos beneficiários a escolha de um entre os vários foros igualmente competentes para conhecer do pedido, então não podia deixar-se de concluir pela competência dos Tribunais de Trabalho portugueses para conhecer do pedido formulado pelos autores.
Não é possível, contudo, esta interpretação.
As Convenções de Bruxelas e de Lugano não tomaram posição expressa quanto ao artigo 16º do CPT de 1981. Todavia, estando por elas afastado o artigo 11º, afastado terá que estar o recurso ao artigo 16º do CPT, para o qual aquele remete, por se tratar de uma regra de competência interna - neste sentido, de resto, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, em Acordão de 11 de Maio de 2000 (in CJ-STJ, tomo II, pág. 262), como reconhece a decisão recorrida, embora directamente sobre uma acção emergente de contrato de trabalho e sobre a regra do artº 15º do CPT, defendendo que, apesar do artigo 3º da Convenção de Lugano não afastar directamente o artigo 15º do CPT de 1981, estando afastada a aplicação do artigo 11º do CPT, que estabelece em primeiro lugar a competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses, afastada está a possibilidade de recurso ao artigo 15º em virtude de se tratar de uma regra de competência interna.
A decisão recorrida divergiu da orientação do referido Acórdão, porquanto não se estaria aqui perante matéria de contrato individual de trabalho, mas sim de acidente de trabalho. Não pode haver diferença, contudo, para este efeito. É certo que os artigos 5º das Convenções de Bruxelas e de Lugano preceituam que o requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação deva ser cumprida e que “(…) em matéria de contrato individual de trabalho, esse lugar é o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, é o lugar onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador”, nada dispondo directamente quanto a acidentes de trabalho. Só que, em matéria de acidentes de trabalho, no confronto com o empregador e com a seguradora que substitui aquele na respectiva responsabilidade, a obrigação de reparação emerge do contrato de trabalho, de igual forma – trata-se de responsabilidade contratual e não de responsabilidade extra-contratual (na nossa lei processual cabe-lhe diferente forma de processo, mas tal não descaracteriza a natureza contratual da obrigação).
A decisão recorrida, ainda e como argumento ex abundante, defendeu ser possível o recurso ao artigo 65º do C.P.Civil, pela alínea d) do seu nº1, sendo possível recorrer ao critério da necessidade, no qual se alarga a competência internacional dos tribunais portugueses naquelas situações em que o direito invocado só se possa efectivar em território português. Ora, a redacção da referida alínea d) aplicável é, necessariamente, a anterior à introduzida pelo DL 38/2003, de 8 de Março (a qual veio introduzir o conceito de dificuldade apreciável para os autores proporem a acção no estrangeiro). Na redacção aplicável (do DL 329-A/95) não se vê que o direito dos autores não pudesse ser efectivado nos tribunais holandeses, sendo certo que essa impossibilidade teria de ser absoluta (de resto, no caso, será a legislação substantiva holandesa a aplicável, como já o reconheceu o despacho de fls. 554). Não há sólidas bases de demonstração, em concreto, para afirmar essa impossibilidade. Mesmo não sustentando a tese das recorrentes de que se não pode fazer aplicação do artigo 65° do Código de Processo Civil (dado que a invocabilidade desta norma está afastada pelo Código de Processo do Trabalho, nomeadamente pelos artigos 1º e 11º, pois o Código de Processo do Trabalho dispõe expressa e imperativamente sobre esta matéria remetendo apenas para o artigo 65-A do Código de Processo Civil e, assim, o artigo 65° só se aplicaria se o Código de Processo do Trabalho não disciplinasse tal matéria directamente, o que o faz no artigo 11°), a verdade é que aquela impossibilidade não está demonstrada nos autos.

Afastada está, então e como dissemos, a regra do artigo 11º do Código de Processo do Trabalho de que na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial estabelecidas no Código.
Nenhuma das Convenções (Bruxelas e Lugano) dispõe de uma norma específica sobre a atribuição de competência para as acções decorrentes de acidentes de trabalho, pelo que a regra a aplicar, na falência de outros elementos de conexão, terá de ser a regra do domicílio dos demandados (artigos 2º, de ambas) ou a regra do lugar da prestação habitual do trabalho (artigos 5º), o que vai conduzir, em ambos os casos, à competência dos tribunais holandeses.

Resta, contudo, apreciar a questão suscitada pelo Ex.mo Procurador Geral Adjunto, no seu parecer.
Vejamos, então:
É certo que ambos os artigos 18º das Convenções de Bruxelas e de Lugano dispõem que “para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições da presente convenção, é competente o tribunal de um Estado contratante perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 16º”.
É certo, também, que as rés demandadas compareceram a contestar a acção e que não se limitaram a excepcionar a incompetência, mas também deduziram toda a defesa que lhes cabia.
A invocação da incompetência foi-o, contudo, a título principal, como não podia deixar de ser (nas conclusões das contestações ambas as rés pedem, em primeiro lugar a absolvição da instância - resultado da procedência da excepção da incompetência).
No nosso sistema de defesa concentrada, face ao disposto nos arts. 487º nº 1, 489º nº 1 e 2 e 490º nº 1, todos do C.P.Civil, toda a defesa deve ser deduzida na contestação.
Assim, as rés não podiam limitar a sua defesa excepcionando a incompetência absoluta para afastar aquela regra de competência resultante da comparência e depois, no caso de improcedência da excepção, apresentarem nova contestação com a demais defesa. Caso o fizessem, sujeitar-se-iam, designadamente, à sanção prevista no art. 490º nº 2 (admissão por acordo dos factos alegados na petição) e à preclusão da invocação das outras excepções que não são do conhecimento oficioso.
A regra contida nos artigos 18º das Convenções de Bruxelas e de Lugano já foi interpretada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias no sentido de que permite ao requerido não só contestar a competência, mas também apresentar, ao mesmo tempo, a título subsidiário, a sua defesa, sem contudo perder o direito de arguição da excepção de incompetência. A este propósito, v. Acs. citados na “Colecção Divulgação do Direito Comunitário: as Convenções de Bruxelas e de Lugano do Ministério da Justiça, Ano 8, nº 20, 1996, pag. 42 (anotação ao artigo 18° da Convenção de Bruxelas):
- o Ac. de 24/06/81, Elefanten Schuh GmbH contra Pierre Jacqmain, (150/80) - Pedido de decisão prejudicial do TJCE: “o artigo 18º deve ser interpretado no sentido em que a regra de competência que estabelece não é aplicável logo que o requerido conteste não somente a competência do tribunal, mas se pronuncie sobre a questão de fundo do litígio, na condição de que a contestação daquela competência, se não for prévia a essa questão de fundo, não se situe após o momento da tomada de posição considerada pelo direito processual nacional como a primeira defesa dirigida ao tribunal requerido”.
- o Ac. de 31/03182, C.H.W. contra G.J.H., (25181) - Pedido de decisão prejudicial e o Acórdão de 14107/83, Gertlng Konzern Spezlale Kredltverslcherung A.G. e outros contra Administrazione dei Tesoro dello Stato, (201/82) - pedido de decisão prejudicial: “o artigo 18° desta Convenção deve ser interpretado no sentido em que permite ao requerido contestar não só a competência do tribunal, mas apresentar ao mesmo tempo a título subsidiário, uma defesa sobre a questão de fundo, sem perder o direito de arguir a excepção de incompetência do tribunal”.
Importa, também, tomar nota do muito recente Acórdão desta Relação de 5-12-2006, in www.dgsi.pt, processo 2/04.8TBAVR.C1, que se pronuncia no mesmo sentido, embora a propósito do artigo 24º do Regulamento CE/44/2001, com redacção idêntica àqueles artigos 18º das Convenções.
Portanto, as contestações mais amplas das rés não podem configurar a aceitação tácita da competência do tribunal português, pelo que fica afastada a regra da extensão dos referidos artigos 18º.

Em conclusão, o tribunal recorrido é internacionalmente incompetente para esta acção, o que determina a absolvição da ré da instância – artigos 101º, 105º, 288º nº 1 alínea a), 493º nº 2 e 494º nº 1 alínea a), todos do Código do Processo Civil.
Não pode, pois, subsistir o entendimento sustentado pelo tribunal “a quo”, procedendo o recurso.
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, delibera-se em julgar procedente o agravo e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, julga-se procedente a excepção da incompetência absoluta do tribunal de Leiria, em razão das regras de competência internacional, e absolve-se as rés da instância.
Sem custas, por os autores delas estarem isentos (art. 3º do CCJ aplicável).