Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
211/17.0GAMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
MEDIDA DA PENA ACESSÓRIA
PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS
Data do Acordão: 02/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JLC DE CANTANHEDE)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 65.º, 69.º E 71.º DO CP
Sumário: I – São penas acessórias as que só podem ser decretadas na sentença conjuntamente com uma pena principal.

II – São aplicáveis às penas acessórias os critérios legais de determinação das penas principais o que vale dizer que, em princípio, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória sem esquecer, todavia, que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente.

III – Ainda que o arguido não tenha antecedentes criminais, tenha confessado os factos e não sejam significativas as exigências de prevenção especial, a elevada ilicitude do facto revelada pela concreta TAS – com necessário reflexo na perigosidade do condutor – e as prementes exigências de prevenção geral impõem que a pena se afaste do seu mínimo legal.

Decisão Texto Integral:








Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Cantanhede, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal.

 

Por sentença de 2 de Agosto de 2017, foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de setenta dias de multa à taxa diária de € 5, perfazendo a multa global de € 350 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses.


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            Inconformada com a decisão, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            I – A douta sentença recorrida condenou o arguido A... , para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de 3 meses, nos termos do disposto no artigo 69.º 1 al. a) do Código Penal.

II – O Tribunal a quo considerou provado que o arguido, no dia 18/7/2017, pelas 01h31, conduzia o ciclomotor de matrícula X (... ) na Rua Principal, Corticeiro de Baixo, Mira, com uma taxa de álcool de pelo menos de 2, 13 g/1.

III – Considerou ainda a situação económica, social e familiar do arguido e a sua confissão integral e sem reserva dos factos de que o mesmo vinha acusado.

IV – A determinação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, tal como na determinação da pena principal, deve respeitar o disposto no artigo 71.º do Código Penal, isto é, a culpa do agente, as exigências de prevenção geral e especial e o grau de ilicitude do facto.

V – A duração da pena acessória dependerá também, em nosso ver, dos objetivos da política criminal associados, no caso dos autos, à sinistralidade rodoviária.

VI – A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses aplicada ao arguido é manifestação insuficiente e desajustada às exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama.

            VII – O Tribunal a quo deveria ter condenado o arguido na pena acessória de conduzir veículos motorizados pelo período de pelo menos 5 meses.

VIII – Tendo o Tribunal recorrido condenado o arguido na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses, violou o disposto no artigo 71.º do Código Penal.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser declarada a nulidade da sentença recorrida, por violação do artigo 71.º do Código Penal, devendo ser substituída por outra que, condenando o arguido A... , pela prática da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do disposto no artigo 69.º n.º 1 al. a), do Código Penal, pelo período de pelo menos 5 meses.

V. Exas, porém, e como sempre farão Justiça.


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            O arguido respondeu ao recurso, alegando, em síntese, que tendo confessado, estando arrependido, tendo sido motivo pelo receio que lhe furtassem a scooter, não tendo antecedentes criminais, atenta a sua situação económica e familiar e a medida da pena de multa que lhe foi fixada, as razões de prevenção que se fazem sentir e a medida da sua culpa tornam adequada a sua condenação a pena acessória fixada, e concluiu pela improcedência do recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concordando com os argumentos da Digna Magistrada recorrente e referindo a jurisprudência desta Relação, e concluiu pelo provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, reafirmando o alegado na resposta ao recurso e concluindo pelo não provimento deste.

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            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada do Ministério Público recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se a medida da pena acessória decretada deve ou não ser agravada para o período de cinco meses de proibição de conduzir veículos com motor.


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            Para a resolução desta questão importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim;

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos [de acordo com a audição do registo gravado da audiência]:

            “ (…).

            1. Os factos constantes da acusação [a saber:

i) No dia 18 de Julho de 2017, pelas 01h31, na Rua Principal, em Corticeiro de Baixo, Mira, o arguido conduzia o ciclomotor com a matrícula X (... )

ii) Ao ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, apresentou uma TAS de 2,024 g/l.

iii) O arguido quis conduzir na via pública o referido ciclomotor, sabendo que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido antes do exercício da condução lhe determinava uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l e, não obstante, não se absteve de o fazer, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal].

2. O arguido não tem antecedentes criminais.

3. O arguido vive em casa própria com os filhos e a mulher, que trabalha.

4. O arguido aufere quinzenalmente uma pensão de cerca de 450 dólares canadianos.

(…)”.


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            Da [incorrecta] medida da pena acessória decretada

            1. Como se referiu, a única questão suscitada no recurso prende-se com a correcção ou não da medida da pena acessória fixada pela Mma. Juíza a quo, entendendo a Digna Magistrada recorrente que a sua fixação no mínimo legal não satisfaz adequadamente as exigências de prevenção, pugnando pelo seu agravamento.

            Contrária é, como também se referiu, a posição do recorrente.

            Vejamos então a quem, em nosso entender, assiste razão.

São penas acessórias as que só podem ser decretadas na sentença conjuntamente com uma pena principal.

É condição necessária da aplicação da pena acessória a condenação do agente numa pena principal mas não, sua condição suficiente pois torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie, da pena acessória (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 197). É que, como decorre do princípio geral estabelecido no art. 65º, nº 1 do C. Penal, nenhuma pena envolve, como efeito necessário a perda de direitos, civis, profissionais ou políticos.

O C. Penal prevê as penas acessórias no Livro I, Título III, Capítulo III, mas não estabelece um regime específico para a sua determinação. Elas pressupõem, como vimos, a condenação do arguido numa pena principal [prisão ou multa], são verdadeiras penas criminais e por isso, também elas estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 34).

Por esta razão, são-lhes aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais o que vale dizer que, em princípio, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória sem esquecer, todavia, que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente. Por isso, a conveniência na observação desta relação de proporcionalidade não significa que a medida concreta da pena acessória tenha que ser fixada, quase que por cálculo aritmético, na exacta proporção da medida concreta da pena principal.

2. O art. 69º, nº 1 do C. Penal prevê um período de três meses a três anos para a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

A fundamentação da determinação da medida concreta da pena acessória que consta da sentença recorrida [melhor dito, que se ouve no registo gravado da audiência de julgamento] é muito breve, limitando-se, em bom rigor, à qualificação da TAS de que o arguido era portador no acto da fiscalização como elevada, com a inerente referência à ilicitude da conduta, e à afirmação da premência das exigência de prevenção geral e à falta de significado das exigências de prevenção especial.  

Pois bem.

É efectivamente elevado o grau de ilicitude do facto, uma vez que a concreta TAS acusada pelo arguido em muito excede o limiar da tipicidade e corresponde já a um estado de intoxicação alcoólica grave.

O arguido agiu com dolo directo portanto, com dolo intenso.

São prementes, como se reconheceu na sentença recorrida, as exigências de prevenção geral, dada a frequência, e sem sinais de abrandamento, com que este crime vem sendo praticado, com graves consequências ao nível da sinistralidade rodoviária, em muito contribuindo para as negras estatísticas nacionais.

A situação económica e familiar do arguido é, para este efeito, pouco relevante, como pouco relevante é também a confissão, mesmo que integral e sem reservas [que, contudo, não consta, enquanto tal, dos factos provados], uma vez que foi detido em flagrante delito.  

Assim, ainda que o arguido não tenha antecedentes criminais, tenha confessado os factos e não sejam significativas as exigências de prevenção especial, a elevada ilicitude do facto revelada pela concreta TAS – com necessário reflexo na perigosidade do condutor – e as prementes exigências de prevenção geral impõem que a pena se afaste do seu mínimo legal, considerando-se mais adequada e plenamente suportada pela medida da culpa do arguido, ainda que benevolente, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de cinco meses, pretendida pela Digna Magistrada recorrente.


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III. DECISÃO

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso. Em consequência, decidem:

            A) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido A... na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses.

            B) Condenar o arguido A... – pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal – na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de cinco meses.

C) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.

D) Recurso sem tributação.


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Baixados os autos, a 1ª instância diligenciará pela notificação do arguido para que proceda à entrega da carta de condução, no prazo de dez dias e sob a cominação devida.

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Coimbra, 28 de Fevereiro de 2018


Heitor Vasques Osório (relator)


Helena Bolieiro (adjunta)