Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
220/05.1TXCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: CUMPRIMENTO DO REMANESCENTE DA PENA
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
COMPETÊNCIA PARA EMISSÃO
Data do Acordão: 01/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 22°, N.º 8 DO DECRETO-LEI 783/76; 36.º DO DECRETO-LEI N.º 65/2003, DE 23 DE AGOSTO
Sumário: I. - Tendo num processo pendente no Tribunal de Execução de Penas sido revogada a liberdade condicional de um condenado e tendo sido promovida a sua captura a dentro do espaço da União Europeia, compete ao Tribunal de Execução de Penas, se estiverem reunidos todos os pressupostos de que depende a ordem de privação da liberdade, emitir os respectivos mandados de detenção (europeus).
Decisão Texto Integral: 5

I – RELATÓRIO
1. Nos autos registado sob o n.º220/05.1TXCBR-A, do Tribunal de Execução das Penas (TEP) de Coimbra, foi concedida ao recluso …, melhor identificado nos autos, a liberdade condicional, por decisão de 25 de Maio de 2005, pelo período decorrente até 23 de Janeiro de 2007 e sob as condições que então foram determinadas.
Instaurado processo de revogação da liberdade condicional, veio a ser proferida decisão, em 15 de Maio de 2007, que revogou a liberdade condicional e determinou que «oportunamente, passe mandados de detenção para cumprir o remanescente da pena».
Posteriormente, em 26 de Maio de 2008, o Ministério Público promoveu a emissão de M.D.E., perante a informação de que o condenado se encontra detido em França.
Apreciando essa promoção, foi proferido o seguinte despacho:
«Promoção que antecede:
Tendo em conta o teor dos art. 467.º, 469.º, 470.º, 474.º, 475.º e 476.º, todos do CPP, 22.º do DL 783/76 de 29/10 “a contrario” e 91.º, n.º1 e 2 al. g) da Lei 3/99 de 13/1, o TEP apenas tem competência para diligenciar de imediato e caso não regresse de SPP, pela captura do arguido
No caso dos autos o arguido foi colocado em L. condicional e foram também já determinados mandados de detenção “nacional”.
Estão pois esgotadas as nossas competências, entendendo-se, ao abrigo dos normativos atrás citados, que a competência para a emissão dos mandados de detenção europeus, ora promovidos, é da competência dos tribunais da condenação.
Assim nada a apreciar por este TEP»
2. O Ministério Público junto do TEP suscitou a aclaração, tendo a M.ma Juíza remetido o requerente para «as normas aludidas no despacho de fls. 115» e «para o teor do acórdão da Relação de Coimbra (aliás, já por nós citado em processos idênticos) proferido no processo n.º 183/99.0TBVGS-A.C1, de 3/10/2007 (…)».
3. Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
«1.O Tribunal de Execução de Penas é competente para decidir a concessão e a revogação de liberdade condicional.
2.É igualmente este tribunal o competente para executar as suas decisões em tal matéria
3. É da competência do TEP a emissão de mandados de libertação no caso de concessão de liberdade condicional e de mandados de detenção no caso da sua revogação.
4.Foi violada a norma do n.º 8 do artigo 22° do Decreto-Lei 783/76.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que determine a emissão de mandado de detenção europeu pois assim é de Direito e só assim se fará Justiça.»
4. Admitido o recurso e mantida a decisão sem acréscimo de razões, subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que o mesmo merece provimento (cfr. fls. 34 e 35).
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º1, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O recorrente identifica como questão a apreciar: determinar se o TEP é competente para a emissão de mandados de detenção europeus na sequência da revogação da liberdade condicional.
2. Apreciando
2.1.Antes de mais, importa salientar que o despacho recorrido, muito embora conclua com a afirmação «Assim nada a apreciar por este TEP», o que poderia inculcar que nada se decidiu por esse despacho, certo é que tomou posição quanto a uma questão concreta: a de saber se o TEP tem ou não competência para ordenar a emissão de mandados de detenção europeus, uma vez revogada a liberdade condicional. E tomou posição no sentido de que não tem tal competência.
Quer isto dizer que o despacho recorrido, pese embora a sua formulação, consubstancia uma declaração de incompetência do TEP para a emissão de mandados de detenção europeus e que, por conseguinte, algo foi, efectivamente, decidido.
2.2. A decisão recorrida fundamenta a afirmação da incompetência do TEP num conjunto de normativos, “a contrario”.
Posteriormente, remete, ainda, para um Acórdão desta Relação de Coimbra, relativo à revogação da saída precária prolongada.
Se bem interpretamos a posição assumida pelo tribunal a quo, este entende que o TEP terá apenas competência para diligenciar de imediato pela captura de condenado que não regresse de uma saída precária prolongada, no âmbito do despacho preliminar que não ponha termo ao processo, proferido no processo de revogação da saída.
Vejamos:
Dispõem os artigos 467º, 469º, 470º, 474º, 475º e 476º, todos do C. P. Penal, mencionados no despacho recorrido.
Artigo 467º, n.º1:
1. As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português ou sob administração portuguesa e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional.
Artigo 469º:
Compete ao Ministério Público promover a execução das penas e das medidas de segurança e, bem assim, a execução por custas, indemnização e mais quantias devidas ao Estado ou a pessoas que lhe incumba representar judicialmente.
Artigo 470º:
1. A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido.
2. Se a causa tiver sido julgada em primeira instância pela relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou se a decisão tiver sido revista e confirmada, a execução corre na comarca de domicílio do condenado, salvo se este for magistrado judicial ou do Ministério Público aí em exercício, caso em que a execução corre no tribunal mais próximo.
Artigo 474º:
1. Cabe ao tribunal competente para a execução decidir as questões relativas à execução das penas e das medidas de segurança e à extinção da responsabilidade, bem como à prorrogação, pagamento em prestações ou substituição por trabalho da pena de multa e ao cumprimento da prisão subsidiária.
2. A aplicação da amnistia e de outras medidas de clemência previstas na lei compete ao tribunal referido no número anterior ou ao tribunal de recurso ou de execução de penas onde o processo se encontrar.
Artigo 475º:
O tribunal competente para a execução declara extinta a pena ou a medida de segurança, notificando o beneficiário com entrega de cópia e, sendo caso disso, remetendo cópias para os serviços prisionais e, serviços de reinserção social e outras instituições que determinar.
Artigo 476º:
1. Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de uma pena de prisão ou de uma medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335º, 336º e 337, com as modificações seguintes:
a) Os editais e anúncios contêm, em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indicação da sentença condenatória e da pena ou medida de segurança a executar;
b) O despacho de declaração da contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal referido no artigo 470.º ou do Tribunal de Execução das Penas.
É evidente que de nenhum dos mencionados normativos do C.P.P. consta expressamente a indicação da entidade competente para a emissão de mandados de detenção europeus e o que mesmo ocorre, aliás, com as restantes disposições citadas no despacho recorrido e pertencentes ao Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro (alterado pelos Decretos-Leis n.º 222/77, de 30 de Maio, 204/78, de 24 de Julho e 402/82, de 23 de Setembro e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto) e à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.
Porém, quando se coloca a questão da competência para emissão de mandado de detenção europeu, importa ter em vista o disposto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, diploma interno de transposição da Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002 (2002/584/JAI), relativa ao mandado de detenção europeu.
Prescreve o aludido artigo 36º:
É competente para a emissão do mandado de detenção europeu a autoridade judiciária competente para ordenar a detenção ou a prisão da pessoa procurada nos termos da lei portuguesa.
Não há, pois, que distinguir entre a entidade competente para ordenar a emissão de mandados de detenção nacionais e a entidade com competência para ordenar a emissão de mandados de detenção europeus: a competência para a emissão de MDE cabe à mesma autoridade judiciária competente para ordenar a detenção ou a prisão de pessoa procurada em Portugal.
Ora, a M.ma Juíza a quo, no despacho que revogou a liberdade condicional, logo determinou que, oportunamente, fossem passados mandados de detenção do condenado, que efectivamente foram emitidos pelo TEP.
E como não se infere dos autos que tais mandados tenham sido ordenados no âmbito da previsão do artigo 75.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, que nem sequer foi invocado e reporta-se a circunstâncias específicas que permitem a detenção da pessoa em causa ainda no decurso do processo de revogação da liberdade condicional e em caso «de urgente e reconhecido interesse público» (antes, pois, de haver decisão transitada em julgado a revogar a liberdade condicional), somos levados a concluir que o tribunal a quo estabeleceu, indevidamente, uma distinção que a lei não admite: a da competência para ordenar a passagem de mandados de detenção de difusão nacional, que tomou para si, e a competência para ordenar a emissão de mandados de detenção europeus, que remeteu para o tribunal da condenação.
Ao tomar como sua a competência para ordenar a passagem de mandados de detenção “nacionais” para execução da sua decisão de revogação da liberdade condicional (e fora do contexto específico do mencionado artigo 75.º, n.º1), o tribunal a quo, para ser inteiramente consequente, teria de assumir a competência para ordenar a passagem de mandados de detenção europeus tendo em mira a mesma finalidade.
É certo que decorre do disposto no artigo 470.º do C.P.P. o princípio geral de que o tribunal da condenação mantém-se competente para a execução dessa decisão, mas essa regra sofre excepções, em função das competências legalmente atribuídas ao Tribunal de Execução das Penas. Essas excepções decorrem dos artigos 91.º e 92.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro e do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, mormente dos seus artigos 22.º e 23º.
Do que se trata, nos autos, é apenas de dar execução à decisão de revogação da liberdade condicional – decisão que integra, sem margem para qualquer dúvida, as competências do tribunal de execução das penas.
Sendo a revogação da liberdade condicional uma decisão do TEP, determinante da execução da prisão ainda não cumprida, afigura-se-nos que, nos termos gerais da Lei, compete ao TEP a sua execução, designadamente, através da emissão de mandados de detenção no caso de revogação.
E sendo essa a posição que o TEP concretamente assumiu nos autos, quando os mandados em questão eram de difusão nacional, não há razão para excluir tal competência quando se pretende conferir à ordem de detenção projecção internacional, através da difusão de mandados de detenção europeus.
2.3. Assim, o recurso deverá proceder, mas com uma ressalva que importa salientar: a única questão de que importa conhecer, neste recurso, é a da competência para ordenar a passagem de mandados de detenção europeus, desde que verificados os pressupostos de que depende tal emissão.
Por outras palavras: não cumpre a este tribunal apreciar se estão ou não verificados os diversos pressupostos de que depende a ordem de privação da liberdade do condenado, na sequência da decisão de revogação da liberdade condicional – designadamente, saber, além do mais, se tal decisão chegou a transitar em julgado –, mas apenas determinar que o TEP, partindo do pressuposto de que tem competência para emitir mandados de detenção europeus, aprecie o requerimento apresentado pelo Ministério Público nesse sentido.
III – Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em, concedendo provimento parcial ao recurso, revogar o despacho recorrido e determinar que o mesmo seja substituído por outro em que o Tribunal de Execução das Penas, pressupondo ser competente para determinar a emissão de mandados de detenção europeus na sequência da decisão de revogação da liberdade condicional, aprecie o requerimento apresentado pelo Ministério Público.