Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3666/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: REGISTO DA ACÇÃO
FALTA DE REGISTO
Data do Acordão: 01/17/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 3.º DO CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL
Sumário: 1. De acordo com o n.º 2 do art. 3º do Código de Registo Predial, as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência.
2. Todavia, se tal suspensão da instância não ocorrer a fim de a parte requerer o registo, nenhuma nulidade processual é praticada, porque tal falta nenhuma influência tem no exame e decisão da causa.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)- RELATÓRIO
A... e marido B... intentaram, no Tribunal de Vouzela, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra
-C... e marido D...;
- E..., F... e G...,
Pedindo se declare
-que os 1ºs RR. não adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre o prédio urbano que identificam no art. 3º da petição, carecendo de causa legítima a aquisição do mesmo, não podendo inscrevê-lo em seu nome na Conservatória do Registo Predial;
-a nulidade da escritura de justificação notarial, identificada na petição, em que os 1ºs RR. intervieram como justificantes e os demais como declarantes, ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos do imóvel justificado, efectuados ou a efectuar na Conservatória do Registo Predial.

Como fundamento do pedido, os AA. alegaram, em resumo, o seguinte:
-O prédio urbano sobre que incidiu a escritura de justificação notarial, outorgada no dia 2002.08.12, em que intervieram os RR. C... e marido D... como justificantes e os demais 3 RR. como declarantes, pertence à herança aberta por óbito de H... e I..., pais da Autora e da Ré C...;
-Por estes foi adquirido verbalmente há mais de 30 anos, e sempre se mantiveram na posse pacífica, pública, na convicção de serem os únicos donos, e, depois do óbito de ambos tal posse manteve-se nos herdeiros (a A. A..., a Ré C... e J...);
-Na mencionada escritura de justificação notarial, declararam falsamente os 1ºs RR que eram, com exclusão de outrem, donos desse prédio que adquiriram, em 1979, por doação verbal dos pais da titular inscrita, e desde então se têm mantido na posse boa para usucapião, sendo tais declarações confirmadas pelos demais RR.

Citados, contestaram os RR., concluindo pela improcedência da acção e deduzindo pedido reconvencional. Alegaram, em resumo, ter a Ré C... permutado verbalmente com o seu pai um prédio que uma sua avó lhe havia doado verbalmente, e tal aconteceu há mais de 23 e 25 anos, recebendo em troca o prédio identificado na escritura de justificação. Sempre se mantiveram os RR., desde a data da permuta, na posse pública, pacífica, exclusiva desse prédio, na convicção de serem donos.
Como fundamento da reconvenção, e atentos os factos que alegaram, pediram a condenação dos AA. a reconhecerem o direito de propriedade dos RR. sobre o prédio identificado na escritura de justificação e inscrito na matriz predial urbana em nome da Ré.

Os AA. responderam, concluindo pela improcedência da reconvenção.

Prosseguindo os autos os seus regulares termos, foi, por fim, proferida sentença
-a declarar sem efeito a mencionada escritura de justificação notarial outorgada na parte em que refere ter os RR. adquirido em 1979 por doação verbal dos pais da titular inscrita o prédio inscrito na matriz urbana sob o art. 1708, com a área de quintal que excede 400 m2, sito à presa Grande, Adside, Vouzela, omisso na Conservatória do Registo Predial de Vouzela, ordenando-se o cancelamento dos correspondentes registos realizados a favor dos RR.
-a manter a escritura de justificação notarial relativamente à declaração dos RR. de aquisição do direito de propriedade por intermédio de usucapião quanto ao prédio urbano composto de casa de habitação de r/c e 1º andar, com a área de 75 m2 e quintal de 400 m2, sito à presa Grande, lugar de Adside, a confrontar do norte com Luís Gonçalves Pereira, sul com Manuel Antunes, nascente com estrada e do poente com caminho público, inscrito na matriz respectiva em nome da declarante mulher, sob o art. 1708, com o valor patrimonial de € 10.800,00, omisso na Conservatória do Registo Predial de Vouzela;
-Absolver os RR. dos demais pedidos e julgar parcialmente procedente a reconvenção, condenado os AA. a reconhecer o direito de propriedade dos RR. sobre o prédio com as características em que foi mantida a escritura de justificação notarial.

Irresignados com tal decisão, apelaram os AA., rematando deste jeito a sua alegação:
1ª- Os RR. e Reconvintes assentam a causa de pedir da Reconvenção, para além do mais, nos factos alegados nos arts. 3º a 13º da contestação e 29º a 38º da Reconvenção, de onde decorre que a avó da Ré C... teria doado verbalmente a esta o prédio com o artigo urbano 457º da freguesia de Campia, e que esta tê-lo-ia permutado com os seus pais com o prédio em questão nestes autos;
2ª-Porém, na escritura de justificação notarial, e objecto desta acção, afirmaram os RR. que adquiriram o prédio dos autos por doação meramente verbal dos pais da titular inscrita em 1979 e que, desde então, têm andado na posse do mesmo;
3ª-A matéria que constitui causa de pedir do pedido reconvencional foi levada aos arts. 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º e 15º da B.I;
4ª-Não resultando provada a existência de qualquer permuta, é manifesta, desde logo, a contradição entre a resposta dada ao art. 7º da BI e a constante da resposta dada ao art. 12º da BI que, por seu turno, pressupõe a existência da permuta, o que, por outro lado também, está em contradição com a origem apontada ao prédio objecto da escritura de justificação notarial;
5ª-A inexistência do aludido negócio de permuta, determina que não haja objecto de causa de pedir que sustente o pedido formulado em reconvenção, até porque os RR. nunca receberam de permuta o prédio cuja propriedade invocam, o que, aliás, em termos de área, nem sequer correspondia com o do art. 29º da reconvenção (resposta ao art. 15º da BI);
6ª- No caso dos autos o Tribunal não deu cumprimento ao disposto nos arts. 659º, nº. 3 e 660º, n.º2 do CPC, posto que, fundando os Reconvintes a causa de pedir na alegada existência de uma permuta (através da qual teriam entrado na posse do prédio dos autos) que não resultou provada, o Tribunal ao decidir favoravelmente aos RR. pronunciou-se sobre questão que não resulta de prova efectuada, de onde decorre que a sentença está ferida de nulidade;
7ª-Os RR. pedem em reconvenção que os AA. sejam condenados a reconhecer o direito de propriedade da Ré C... e do marido sobre o prédio identificado sob o art. 29º da contestação e alínea c) dos factos assentes, pelo que a reconvenção está sujeita a registo predial;
8ªAs acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência;
9ª-Não tendo sido ordenado o registo da reconvenção, a instância deveria ter sido suspensa até que se mostrasse efectuado o registo. E não sendo efectuado no prazo fixado os AA. deveriam ser absolvidos da instância, e sendo nulo todo o processado posterior aos articulados;
10ª-Os meios probatórios constantes do processo, do registo e gravação nele realizada, impunham decisão diversa sobre os pontos de facto constantes das respostas dadas aos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º e 15º da BI, diversa da recorrida. Os artigos 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da BI mereciam a resposta incondicional e sem restrições de provados. Os arts. 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º e 15º da BI mereciam a resposta de não provados. Tal se extrai dos documentos, dos factos assentes, bem como dos depoimentos de parte dos AA. das testemunhas Clarinda, José Armando, Laurentina e José Jesus;
11ª- A sentença impugnada violou o disposto nos arts. 342º, 343º, 349º, 369º, 371º, 372º, 616, n.º1, 1278º, 1316º, 1294º, 1251º, 1260º, 1261º, 1262, 1263, alínea a), 1288º, 1296º, 1317, alínea c), todos do CC; arts. 2º, n.º1, alínea a), 3º, n.º1, alínea a) e 2, 7º e 116 do CRPredial; arts. 514º, 501º, n.3, 264º, n.ºs 1, 2 e 3; 665º, 659º, n.º2 todos do CPC.

Os RR. contra-alegaram no sentido da manutenção do julgado.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II)- OS FACTOS
Na sentença recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
1- No dia 05.10.1997, no Hospital Distrital de Viseu, freguesia de Santa Maria, concelho de Viseu, e em 17.04.1999, no lugar de Adside, onde ambos nasceram e residiam, faleceram, respectivamente, H... e mulher I..., que também usava I... Antunes, que foram casados um com o outro em primeiras e únicas núpcias de ambos sob o regime da comunhão geral, não deixando testamento nem qualquer outra disposição de última vontade;
2- H... e mulher I... deixaram a suceder-lhes, ele, o cônjuge e as três filhas, e ela, estas mesmas três filhas, que são a autora mulher, a ré mulher e J..., casada com Carlos Alberto Costa Nogueira na comunhão de adquiridos;
3- Encontra-se inscrito sob o artigo 1708º da matriz predial urbana da freguesia de Campia, concelho de Vouzela, o prédio sito na Presa Grande, Adside, composto de casa de habitação de r/c com 3 assoalhadas, 1 cozinha e uma casa de banho, com quintal, com a superfície coberta de 75 m2 e a superfície descoberta de 1.445 m2, a confrontar do norte com Luís Gonçalves Pereira, do sul com Manuel Antunes, do nascente com estrada e do poente com caminho público, figurando como titular do direito ao rendimento C...;
4- No dia 30.08.2002, no jornal “N. de Vouzela” foi publicado um anúncio encabeçado pela seguinte expressão “Cartório Notarial de Oliveira de Frades -Extracto”;
5- No anúncio mencionado pode ler-se ainda: “Maria Isilda Simões Figueiredo Coronha, ajudante do mesmo Cartório, nos termos do art. 100º do C.N., certifico que no dia de hoje, a fls. 86 do Livro de Notas 152-C deste Cartório, foi lavrada uma escritura de justificação, na qual, C..., contribuinte 138803277 e marido D..., contribuinte 13880235, casados segundo o regime da comunhão geral, naturais da freguesia de Campia, onde residem no lugar de Adside, do concelho de Vouzela, para fins do disposto no n.º1 do art. 116º do Código de Registo Predial e nos termos do art. 89º do Código do Notariado, declaram que com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do prédio urbano composto de casa de habitação de r/c e 1º andar, com a área de 75 m2 e quintal com 1445 m2, sito à Presa Grande, referido lugar de Adside, a confrontar do norte com Luís Gonçalves Pereira, sul com Manuel Antunes, nascente com estrada e do poente com caminho público, inscrito na matriz respectiva em nome da declarante mulher, sob o art. 1708, com o valor patrimonial de € 10.800, omisso na Conservatória do Registo Predial de Vouzela;
6- Mais se pode ler no mencionado anúncio que “embora não tenham título documental da aquisição derivada de tal prédio, nem possibilidade de o obter, adquiriram-no por volta do ano de 1979, por doação meramente verbal dos pais da titular inscrita, e desde então até hoje sempre eles o têm usufruído como coisa própria, autónoma e exclusiva, dele retirando as normais utilidades de que é susceptível, nomeadamente habitando a casa, nela guardando os seus bens e pertenças, suportando os normais encargos fiscais e de sua administração, sempre se comportando como seus donos, na convicção de não lesarem direito de outrem, à vista de toda a agente, de forma pacífica e ininterrupta, sem querelas, questões ou oposição de quem quer que fosse, pelo que na impossibilidade de poder comprovar a sua aquisição pelos meios normais, justificam assim a sua aquisição, nos termos da lei civil, de forma originária, por usucapião” e “Está conforme com o original como se narra. Oliveira de Frades, aos doze de Agosto de dois mil e dois”;
7- H... e I... criaram galinhas na casa referida no anterior n.º 4 e 5;
8- Pelo menos desde 1981, os RR. C... e marido têm utilizado como coisa própria o prédio referido nos n.º 4 e 5, excepção feita à parte que excede 400 m2 de quintal, nele fazendo obras, rogando pessoas para trabalharem, comprando e pagando os materiais para nele aplicarem, habitando a casa, nela guardando os seus bens, tratando do quintal e nele fazendo plantações;
9- O que fazem à vista de toda a agente;
10-Sem oposição de ninguém;
11-E convictos de não lesarem direitos alheios;
12-Pelo menos em 1981 o prédio referido nos n.ºs 4 e 5 não tinha a configuração actual;
13-O quintal era mais pequeno;
14-O quintal em 1981 tinha cerca de 400 m2.

III)- O DIREITO

Atentas as conclusões da alegação a delimitar o objecto do recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 690º, n.º. 684º, n.º3 e 660º, n.º2, do CPC), suscitam os Apelantes as seguintes questões:
1ª- Existência de causa de pedir para a reconvenção;
2ª- Nulidade processual;
3ª-Reexame do julgamento de facto.

III-1)- Vejamos a 1ª questão.
Alegam os Apelantes que na escritura de justificação notarial, os RR. declararam ter adquirido o prédio identificado em causa por doação meramente verbal dos pais da titular, em 1979, e que desde então, têm andado na posse do mesmo. Acrescentam, ainda, tendo os RR. alegado, como causa de pedir da reconvenção, uma permuta verbal com os pais da Ré, não resultou provada tal permuta.
Cumpre, desde já assinalar, que os RR./Reconvintes invocaram, como causa de pedir, além do mais, uma permuta verbal com os pais da Ré, há mais de 23 e 25 anos. Tal matéria consta do quesito 7º, que mereceu resposta negativa. Tendo já procedido a audição dos registos sonoros, aliás, também, transcritos, constando do processo todos os elementos de prova, dir-se-á que ocorre erro de julgamento a esse respeito, nada obstando a um reexame oficioso por banda deste Tribunal. Efectivamente, é abundante e convincente a prova sobre a existência de uma permuta verbal entre a Ré e o seu pai H.... Citam-se os depoimentos das testemunhas Durval Antunes e Eduardo Duarte, um e outro tios da Autor e Ré, Emília Augusta, Carlos Nogueira, cunhado da Autora e Ré, porque casado com uma irmã destas, Fernando Dias Pereira, irmão do pai da Autora e Ré e J..., irmã da autora e Ré. Atentas as relações de parentesco esclarecerem, sem margem para qualquer hesitação, que a Ré trocou verbalmente com o pai um bem, sito ao Aido, que lhe fora doado verbalmente pela avó materna Olívia, ficando com o prédio dos autos que pertencia aos pais, e tal teria ocorrido pelo ano de 1978.
Assim sendo, altera-se a resposta ao quesito 7º, nos seguintes termos:
“Apenas provado que a Ré C... adquiriu o prédio referido em C) e E), por permuta verbal efectuada há mais de 20 anos com seu pai H..., esclarecendo-se que, na altura, o quintal do prédio tinha uma área não superior a 400 m2”.

Nesta conformidade inexiste qualquer contradição entre as respostas aos quesitos 7º e 12º, sendo certo que mesmo a manter-se a resposta negativa ao quesito 7º, a resposta negativa não entraria em contradição com qualquer outra factualidade que se desse como apurada. A resposta negativa não significa afirmação do contrário, ou seja, no caso concreto, que não existiu permuta verbal, tudo se passando, afinal, como se o facto não tivesse sido alegado.
Na tese dos Apelantes, caso não se tivesse apurado a alegada permuta verbal, e já vimos que existe prova mais que bastante, então soçobraria a causa de pedir. De forma alguma pode ser acolhido tal entendimento, porquanto a causa de pedir invocada pelos RR. consiste na usucapião ou numa posse revestida por certas características. E a posse boa para a usucapião não carece necessariamente de ser titulada, relevando a diferença entre a posse titulada e não titulada apenas para efeitos da usucapião, obedecendo esta a prazo diversos, consoante a posse que a fundamenta é titulada ou não titulada.
Obviamente, e agora como resposta a uma outra objecção dos Apelantes, mesmo que não fosse alterada a resposta ao quesito 7º, e, por conseguinte, não fosse dada como assente a invocada permuta verbal, jamais a sentença estaria viciada por pretenso excesso de pronúncia, ao julgar verificada a usucapião, porque concorrendo os indispensáveis requisitos.
Improcede, pois, a 1ª questão.

III-2)- Atentemos, agora, na 2ª questão.
Segundo os Apelantes, a reconvenção carecia de registo, nos termos do arts. 2º, n.º1, alínea a) e n.º3, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Registo predial. Não tendo sido efectuado o registo, acrescentam, praticou-se uma nulidade processual após os articulados, nulidade essa que afecta a sentença.
Será assim?
As acções e decisões sujeitas a registo estão enumeradas no art. 3º do Código de Registo Predial. E segundo o n.º2 “as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência”. Ou seja, após os articulados deve a instância ser suspensa, permitindo à parte que requeira o registo da acção ou da reconvenção junto da competente Conservatória do Registo Predial.
No caso vertente, não foi registada a reconvenção, nem ocorreu suspensão da instância após os articulados. Destinando-se o registo da acção a dar publicidade ao direito que se reclama, visa tal como o registo das situações jurídicas reais, a segurança do comércio, podendo o registo da acção ser útil até para evitar nova demanda. O registo da acção tem como finalidade demonstrar que a partir da sua feitura nenhum interessado poderá prevalecer-se, contra o registante, dos direitos que sobre o mesmo imóvel adquira posteriormente ou que, adquirido antes, tenha negligenciado o seu registo Cfr. acórdão do STJ, publicado no BMJ n.º 438º, p. 402 . Como escreve Seabra Magalhães, in Estudos de Registo Predial, p. 24 e segs., “ o registo da acção mais não é que a antecipação do registo da própria sentença transitada com a condição, clara, de que esta acolha o pedido do autor e dentro dos limites em que o acolher. Ao mesmo tempo que assegura os interesses do autor, o registo da acção tende igualmente proteger eventuais interessados, alertando-os para o facto de a titularidade registral a favor do réu ou a existência ou inexistência tabulares de um direito sobre o prédio inscrito em nome deste poderem vir a ser prejudicados pela pretensão do autor, caso obtenha ganho de causa”. Como normas que apelam ao registo da acção, citam-se, a título de exemplo, os arts. 291º do CC e art. n.º3 do art. 271º do CPC.
Sendo controvertida na jurisprudência a questão de saber se a acção em que se invoquem na petição inicial factos integradores da usucapião deve ou não ser registada Cfr., entre outros, os acórdãos publicados na CJ 1996, 1º, p. 278 e na CJ 1995, 1º, p. 134, a verdade é que importa, agora, apenas indagar das consequências de a presente acção não ter sido suspensa após os articulados. E contrariamente ao entendimento dos Apelantes, a falta do registo da acção não constitui qualquer nulidade processual, como preconizado no acórdão desta Relação publicado na CJ 1997, 5º, p. 38, e no acórdão da Relação de Lisboa, publicado na CJ 1989, 2º, p. 113. A não suspensão da instância após os articulados, como manda o n.º2 do art. 3º do CRP, não tem qualquer influência no exame e decisão da causa. E se tal omissão constituísse nulidade processual, também já estaria sanada, porque não arguida tempestivamente, e já que as nulidades devem ser reclamadas oportunamente. Nem ao Tribunal da Relação cabe pronunciar-se sobre questões não colocadas no tribunal recorrido, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, não se destinando os recursos a obter decisões sobre matéria nova.
Em suma, e salvo o devido respeito, não é de sufragar a tese da nulidade processual decorrente da falta de suspensão da instância após os articulados, ao abrigo do n.º2 do art. 3º do Código de Registo Predial.

III-3)- Analisemos, por fim, a 3ª e última questão.
Defendem os Apelantes que os artigos 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da base instrutória deveriam ser considerados provados, e não provados os artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º e 15º da mesma peça processual.
Como concretos meios probatórios a impor, na sua óptica, decisão
diversa da recorrida, citam os Recorrentes os próprios depoimentos, bem como os depoimentos das testemunhas que arrolaram (B..., Clarinda Dias Batista, José Armando Garrido Oliveira, Laurentina da Cruz Duarte e José de Jesus). Apesar de transcreverem, olvidam, porém, os Recorrentes os depoimentos das várias testemunhas arroladas pelos RR. que, adiante-se, desde já, esclarecem, com total segurança, a realidade dos factos, e quase fazendo propender para a litigância de má fé a impugnação que se faz do julgamento de facto.
Almejam, afinal, os AA/Recorrentes, na presente de acção de impugnação de facto justificado por escritura notarial, prevista no art. 101º do Código do Notariado, que se dê como provada a factualidade que alegaram visando contrariar os factos integradores da usucapião invocados na escritura, ou seja, em resumo, que o prédio em causa integra o acervo hereditário deixado por óbito dos pais da Autora e Ré, que o compraram verbalmente há mais de 30 anos e que na posse boa para usucapião sempre os pais se mantiveram enquanto vivos Como salientado na jurisprudência, tal acção configura uma acção de simples apreciação negativa (art. 4º, n.º1, alínea a) do CPC) cabendo ao réu, na contestação, alegar os factos constitutivos do direito de propriedade que se arroga na escritura de justificação notarial e ao autor a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito ( cfr., entre outros, os acórdãos do STJ, na CJ 1998, 1º, p.116, na CJ 2002, 1º, p. 148, de 24.06.2004, Revista n.º 3811/03-2ª Secção, in www.stj.pt, desta Relação na CJ 2002, 2º, p. 33, da Relação de Lisboa na CJ 2003, 2º, p. 107). . Toda essa factualidade foi vertida nos quesitos 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da base instrutória, tendo merecido respostas negativas, com excepção da resposta ao quesito 2º a que foi dada resposta com esclarecimento, correspondendo ao n.º 7 da factualidade dada por assente e acima transcrita. E dando por assente tal factualidade, consequentemente se deu por não provada a factualidade que os RR. alegaram, ou seja, os factos integradores da usucapião do direito de propriedade, vertidos nos arts. 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º e 15º da base instrutória e que constam dos números 8 a 14 da factualidade apurada e acima explicitada.
Como já se anunciou, é concludente e verdadeiramente arrasadora, a prova testemunhal apresentada pelos RR., em contraposição com a prova arrolada pelos Recorrentes. Assim, os próprios AA., nos seus depoimentos de parte, não deixam de aceitar factos que os desfavorecem quanto à ocupação que os RR. fazem do prédio, há muitos anos, fazendo obras, à vista de toda a agente e de forma pacífica. A testemunha Clarinda confirma aqueles factos e mais esclareceu que na povoação consta ter havido uma troca entre a Ré e o seu pai, H.... A testemunha José Armando Oliveira, bem como a testemunha Laurentina, sua esposa, residiram alguns anos na casa e sabem que o Réu fez obras na casa e, depois, foi para lá viver com a Ré, acrescentando até a testemunha Laurentina que as obras eram feitas pelos RR. na convicção de serem os donos do prédio. A testemunha José de Jesus sabe que os RR. fizeram obras e habitam a casa há vários anos.
Face a essa prova, de forma alguma poderia ser alcançada a convicção, com o mínimo de segurança, sobre os factos que os AA. alegaram na petição inicial e viram vazados nos arts. 2º a 6º da base instrutória. Designadamente não resiste tal prova à determinante e abundante prova apresentada pelos RR., estribada nos seguros e minuciosos depoimentos das testemunhas Durval Antunes, Emília Augusta, Carlos Nogueira, Fernando Dias Pereira, J... (curiosamente irmã da Autora e Ré, sendo as três as únicas herdeiras dos bens deixados pelos pais) e António Lopes Batista. Testemunhas que, exceptuando a última, tinham perfeito conhecimento da existência de uma permuta verbal acordada entre a Ré C... e o pai H..., até pelos estreitos laços de parentesco com as partes. Por conseguinte, face à convincente prova indicada pelos RR., não poderia deixar de ser dada como provada a matéria inserta nos arts. 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º e 15º da base instrutória, matéria essa alegada na contestação, e cuja prova competia aos RR. sob pena de proceder a acção de impugnação de facto justificado em escritura notarial.
Inexiste, pois, qualquer erro na apreciação da prova testemunhal produzida, quer mesmo da prova documental junta aos autos que os Recorrentes sequer especificam, como era seu dever.
Em síntese, apenas alterando oficiosamente a resposta ao quesito n.º 7º pela forma sobredita, sem qualquer relevo no julgamento de direito, mantém-se, no mais, o julgamento de facto que não padece de erro na apreciação da prova, inexistindo, também, qualquer nulidade processual e concorrendo todos os factos constitutivos do direito ou facto justificado na escritura que os AA. visaram impugnar com a presente demanda.

IV)- DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, salvaguardada a alteração da resposta ao quesito 7º, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão impugnada.
Custas pelos Apelantes.
COIMBRA,

(Relator- Ferreira de Barros)
(1º Adj.- Des. Helder Roque)

(2º Adj.- Des. Távora Vítor)