Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
147/05.7TAANS
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE CONSTRUÇÃO
RESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO E DO SUBEMPREITEIRO
Data do Acordão: 06/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 277.º N.ºS 1, ALÍNEAS A) E B) E 3 DO CÓD. PENAL, Nº 4) DO ART° 8, DECRETO-LEI Nº 441/91, DE 14 DE NOVEMBRO
Sumário: 1. A acção típica no crime de infracção a regras de construção previsto no artº 277º do C. Penal, centra-se na criação de um perigo para a vida ou integridade física de outrem decorrente da violação de regras legais, regulamentares ou técnicas na direcção ou execução de uma obra de construção.

2. Este preceito visa garantir a segurança em determinadas áreas da actuação humana contra comportamentos susceptíveis de colocar em perigo a vida ou a integridade física de outrem, as actividades de segurança, higiene e saúde do trabalho.

3. Visados pelo comando legal são aqueles que planeiam, executam e dirigem a obra, sendo que cada uma dessas pessoas que intervém nestas diferentes fases torna-se responsável pela violação das regras vigentes nos respectivos sectores.

4. No caso em análise, o arguido na qualidade de legal representante da empresa empreiteira a quem tinha sido adjudicada a obra, não tinha a obrigação de assegurar aos trabalhadores da empresa, a quem solicitara a execução da obra, as condições de segurança, higiene e saúde, já que não tinha aí trabalhadores seus a desempenhar qualquer actividade laboral.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

            RELATÓRIO

            Em processo comum singular do Tribunal Judicial da Comarca de Ansião, por sentença de 07.11.29, foi para além do mais decidido, no que para a apreciação do presente recurso interessa, condenar:

            - o arguido A……….., pela prática, sob a forma consumada, de um crime de violação de regras de construção, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 277.º n.ºs 1, alíneas a) e b) e 3 do Cód. Penal, na pena de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros.

            - o arguido B……………, pela prática, sob a forma consumada, de um crime de violação de regras de construção, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 277.º n.ºs 1, alíneas a) e b) e 3 do Cód. Penal, na pena de cento e vinte dias de multa, à taxa diária de cinco euros,

            Inconformado, o arguido A…………… interpôs recurso, concluindo nos seguintes termos:

            “ A) Recurso sobre a Matéria de Facto

            1. O Tribunal não acrescentou, com interesse para a decisão da causa, os factos seguintes:

            a) A direcção e fiscalização dos trabalhadores e da obra era realizada apenas pelo Arguido A…..

            b) Todos os instrumentos e utensílios e maquinaria da obra eram propriedade da firma M…………...

            Em nenhum momento tais declarações foram contraditas quer por declarações dessintonicas quer por qualquer outro meio de prova. E afigura-se-nos importante para a boa análise da factualidade sub judice.

            São de importância incontornável para caracterizar em última análise as categorias do negócio e em consequência definir responsabilidades, ver ou não verificado a tipicidade e a culpa; pelo que se pugna sejam adicionados á matéria de facto provada.

            O Tribunal deu por provado uma conclusão jurídica.

            O Tribunal fixou provado que ambos arguidos eram responsáveis pela obra, devendo ao invés, fixar tão somente a factualidade activa de cada um dos arguidos, para em sede própria, aplicar a lei aos factos dados por provados.

            Pelo que se pugna sejam retirado dos factos dados por provados.

            B) Recurso sobre a matéria de Direito

            1. O Tribunal recorrido assumiu que o Arguido A……… uma vez que este enquanto representante da firma R…… entidade a quem foi adjudicada obra era por via disso responsável pela segurança da obra verificando-se necessariamente o crime de Infracção a regras de Segurança p. p. artº 277 do C.Penal, sendo que deveria o Tribunal a Quo interpretar a norma não a aplicando dado que da matéria probatória havida se pode extrair que toda a direcção e execução da obra esteve a cargo de M……. subempreiteira da obra, consequentemente a Autoria do Arguido B……. designadamente no " domínio Funcional do Facto" encontrava-se absolutamente excluída.

            2. O Tribunal recorrido interpretou erroneamente o preceituado no Decreto-lei nº 441/91, de 14 de Novembro, mais propriamente no nº 4) do art° 8 uma vez que fez aplicar ao arguido B…….. a alínea C) dessa disposição, fazendo assim verificar o tipo de ilícito, quando tal norma tem como génese e âmbito de aplicação apenas Trabalhadores e Empregadores.

            A alínea c) do nº 4 do art° 8, quando se refere a o adjudicatário, figura que se desconhece do quadro de conceitos estipulados por tal diploma, pretende referir-se a entidade que assumindo a execução da obra e, sendo também ela entidade empregadora, subempreita a outras suas pares em comunhão de esforços a realização de diversos trabalhos; havendo sempre nelas o elemento comum.”.

            A Exmª Procuradora-Adjunta respondeu, pugnando pelo improvimento do recurso.

            Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto entende igualmente que o recurso não deve merecer provimento.

            Foi cumprido o artº 417º nº 2 CPP.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

            É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:

            “ 1. No dia 6 de Agosto de 2002, pelas 11h30, nas instalações da U ., sita em Chão de Couce, Ansião, procedia-se à substituição da cobertura da nave industrial de um dos edifícios.

            2. A obra estava a ser executada pelos trabalhadores da empresa M………., relativamente à qual o arguido A…………. é representante legal.

            3. A substituição do telhado de chapas foi adjudicado à empresa R……., da qual o arguido B…………………. é representante legal, que por sua vez solicitou à empresa M………….. a execução desses trabalhos.

            4. S……………., soldador, era à data dos factos empregado da empresa M…….. e em obediência às suas ordens e instruções, encontrava-se a colocar as chapas do telhado da empresa U.

            5. A dado momento, o ofendido, executando os trabalhos acima mencionados sem estar preso por um cinto ou arnês a nenhum ponto fixo, desequilibrou-se e caiu a cerca de 6 metros de altura.

            6. Em consequência da queda descrita, o ofendido sofreu fracturas do fémur esquerdo, da asa ilíaca esquerda, da apófise transversa de L1 e do 12º arco costal esquerdo, com derrame pleural à esquerda, o que lhe determinou, como consequência directa e necessária, 181 dias de doença, com afectação para o trabalho.

            7. Foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, uma das quais determinou o encurtamento do membro inferior esquerdo.

            8. O processo utilizado para a substituição da cobertura da nave não foi realizado com respeito pelas regras de protecção colectiva de segurança vigente, nem foi utilizada a protecção individual.

            9. Os arguidos, como responsáveis pela obra, e o arguido A…….. também na qualidade de representante da entidade empregadora do ofendido, deveriam ter garantido a observância das obrigações previstas no art. 8º do Decreto-Lei 441/91, de 14/11, nos artigos 5º e 8º do Decreto-Lei nº 155/95, de 1/7, e nos artigos 11º e 13º da Portaria nº 101/96, de 3/4, assegurando aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho e procedendo, na concepção dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de protecção.

            10. Se tivesse sido colocada a protecção colectiva e individual exigível à obra em causa, o ofendido não teria caído ao solo e não teria sofrido as lesões supra descritas.

            11. Os arguidos não manifestaram o cuidado que o dever geral de providência aconselha e que podiam e deviam ter, pondo em perigo a segurança dos trabalhadores, devendo ter evitado um resultado que podiam e deviam prever, caso tivessem agido com diligência e cumprido as obrigações que a lei impunha na execução da construção e para prevenir os acidentes nessa actividade.

            12. Sabiam, ainda, que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

            13. Dos certificados de registo criminal dos arguidos nada consta. “.

            Factos não provados:

            “ Não se provou que:

            - O resultado do acidente colocou em perigo a vida do ofendido.       

            - A M…………. limitou-se a ceder à R……….. alguns dos seus trabalhadores, atentas as boas relações comerciais até então existentes entre as duas empresas;

            - Entre os representantes de tais empresas, A……..a (da M………..) e B………….. (R…….), foi acordado que seria a R……… a supervisionar e dirigir os trabalhos;

            - Seriam da responsabilidade da R……… todas as legais obrigações respeitantes à execução dos trabalhos, nomeadamente a criação, estabelecimento e fornecimento de tudo o que se mostrasse necessário ao respeito pelas regras de segurança colectiva e individual de todos os trabalhadores, no caso em particular daqueles que eram da M…..;

            - Competia à R……., e ao sr. B…… em concreto, a direcção, orientação, e fiscalização dos trabalhadores da M……, naquele local e naquela obra, assegurando que estes trabalhavam em plenas condições de segurança;

            - Ao estabelecer o acordo com a R….., a M….. teve o cuidado que ficasse bem claro que todas as condições de trabalho, de segurança, de orientação e fiscalização dos seus empregados, naquela obra em concreto, ficavam a cargo da R….;

            - Seriam como funcionários da R….. e seria esta quem orientava as obras e os trabalhadores (mesmo os da M……..) naquele local;

            - Confiou a M……. que a R….. cumpriria o que fora entre as empresas acordado e que aos seus trabalhadores estariam a ser fornecidos os meios de segurança necessários para a obra em que estavam a trabalhar para aquela outra empresa;

            - O arguido A…… não participou na obra a que os autos se reportam;

            - Só a temeridade, desatenção e descuido inexplicável e indesculpável do trabalhador acidentado está na origem da queda de que foi vítima;

            - Ao não atentar na placa translúcida que estava no tecto e que se quebraria, como quebrou, ao pisá-la, ou passar por cima dela;

            - Terá sido avisado para essa eventualidade e mesmo assim não atentou ou não teve o cuidado que lhe era exigível para não a pisar.”.

            Motivação da decisão de facto:

            “ Foram relevantes para a decisão da matéria de facto o certificado do registo criminal dos arguidos de fls. 808 e 809, os relatórios médico-legais de fls. 115 a 117, 139 a 141, 220 e 221, 272 e 273, as fotografias de fls. 10 e 11 (que mostram a altura do telhado ao chão e o buraco no tecto), os documentos juntos ao processo de fls. 74 a 77, 788 a 790, e 800, bem como as declarações do arguido B….. e o depoimento das testemunhas inquiridas em audiência.

            As declarações do arguido B……., o qual, em suma, disse que na altura dos factos era gerente da R……, à qual foi directamente adjudicada pela U a obra em causa, que depois subempreitou à M…..; que apresentou o arguido A… como a pessoa que iria fazer a obra ao responsável da U, Engº S ; que só comprou para a obra as chapas metálicas da cobertura; que só foi à obra após o acidente, tendo acabado a obra, não conhecendo o trabalhador sinistrado, e que desconhece as condições de trabalho no local; que as ferramentas e os demais materiais utilizados eram da M………, incluindo um empilhador. Mais referiu que o acordo que a R………. fez com a M……. não foi de mera cedência de trabalhadores, mas sim de subempreitada, sendo que a U pagou a obra à R…., e depois esta pagou à M…..

            Reconheceu, todavia, que se fosse hoje, teria falado nas condições de segurança à M……., e que o não fez porque tinha confiança em tal empresa.

            A testemunha T , funcionário da U durante cerca de 6 meses, declarou que assistiu à realização da obra em causa, tendo observado que os trabalhadores levavam as chapas e subiam eles próprios para o telhado através de uma empilhadora, que no telhado não havia barreiras de protecção, nem andaimes, nem redes de protecção, e que os trabalhadores que executavam tal obra não usavam capacete nem cinto de segurança.

            A testemunha S declarou, em síntese, que na altura dos factos era director de produção e responsável pelas instalações da U, que a obra em causa foi adjudicada à R…….., mas que o trabalho foi executado pela M………, tendo chegado a conhecer o respectivo legal representante.

            Referiu que os trabalhos de substituição do telhado eram efectuados por 4 ou 5 trabalhadores que estariam por conta da M….. e que duraram cerca de duas semanas; que o telhado tinha 6 metros; que os trabalhadores iam para o telhado por uma escada, no exterior, e também através de um empilhador; que os trabalhadores não tinham capacetes, não havia andaimes nem redes de protecção, mas tem a ideia de que havia na obra cintos de segurança que não foram utilizados.

            Disse também que alertou várias vezes a pessoa responsável pelos trabalhadores no local (que não era o arguido A……) para estes utilizarem os cintos; que viu o arguido A…..  na obra quando este lhe foi apresentado pelo arguido B…… no início dos trabalhos, e pelo menos mais uma outra vez, e que o arguido B…… também esteve presente na obra; que o acidente aconteceu a cerca do meio da duração da obra e que após o acidente foram tomadas providências de segurança.

            Esta testemunha declarou que, enquanto representante do dono da obra, não nomeou formalmente um coordenador em matéria de segurança.

            A testemunha V , inspector do IDICT, referiu que os serviços de inspecção do trabalho só tiveram conhecimento do acidente a 12/08/2002, mas que o local do mesmo só foi visitado no dia 12/11/2002, data em que o telhado já estava colocado. Mais referiu que a nave era grande, pelo que deveriam ter sido colocadas redes no lado interior, bem como deveriam ter sido tomadas medidas de segurança individual; e que chegou à conclusão, por documentos que lhe foram remetidos, que o sinistrado era trabalhador da M………………… na altura do sinistro.

            A testemunha X, trabalhador da M…….. na altura dos factos, referiu peremptoriamente que ele e os seus colegas de trabalho (incluindo o sinistrado S…………) estavam a trabalhar na obra em causa por conta da M………, que era quem pagava os respectivos salários, e a quem pertencia a ferramenta e o empilhador utilizados. Referiu que manobrava o empilhador que também servia para colocar os trabalhadores no telhado e que no telhado havia um muro ao redor da própria estrutura do edifício.

            Salientou que o arguido A…… ia à obra várias vezes por semana e orientava o serviço, e que o arguido B……. e o Engº S não davam ordens nem instruções; mas que foi uma vez com o arguido A comprar ferramentas e materiais para a obra em causa.

            Referiu que não havia encarregado nenhum na obra, e que as orientações e ordens eram dadas pelo arguido A……, quer pessoalmente, quer telefonicamente, bem como através de outro empregado da M….., de nome …., que quando se deslocava à obra transmitia ordens do arguido A…..

            A testemunha R , empregado da M…… na altura dos factos, referiu que aquando da execução da obra em causa só recebiam ordens e instruções do arguido A……., o qual se deslocou ao local do referido trabalho pelo menos duas vezes. Referiu também que não havia na obra equipamento de segurança e que ninguém falou de questões de segurança; que o sinistrado era habitualmente atencioso e cuidadoso com os perigos e que os trabalhadores não foram avisados da existência de uma placa translúcida no telhado.

            A testemunha Q , trabalhador da Mambore na altura dos factos, disse que ele e outros colegas de trabalho estavam a efectuar a colocação de telha nova no telhado na U por conta da Mambore, que era quem lhes pagava; que na execução de tal trabalho não utilizavam cinto, nem arnês, nem redes; que foram os trabalhadores que alertaram o arguido A que estavam a trabalhar sem segurança; que embora a Mambore tivesse redes de protecção, as mesmas não foram levadas para a obra em causa porque segundo uma avaliação feita pelos próprios trabalhadores, a sua colocação no local não era viável por causa da altura e das máquinas existentes.

            Referiu que comentaram com o arguido B sobre a insegurança, mas que o fizeram casualmente, por estar lá presente, e não com o intuito de este tomar qualquer atitude a esse respeito, e que este lhes disse para trabalharem com cuidado; que viu o arguido Adelino na obra duas vezes, o qual não dava ordens aos trabalhadores, mas com quem falaram quando precisaram de ferramentas; e que só recebiam instruções do arguido A.

            Esta testemunha também declarou que trabalhou para a Mambore de 1999 a 2006, e que, para além do acidente em apreço, não sucedeu nenhum outro acidente com trabalhadores da referida empresa.

            Referiu ainda que nenhum dos trabalhadores presentes coordenava a obra, pois só recebiam instruções do arguido A……,  o qual terá ido ao local duas vezes, uma primeira vez quando levou os trabalhadores para verem a obra, e uma segunda vez antes do acidente.

            As testemunhas Y  e O , trabalhadores da Riade, referiram que se deslocaram à obra em causa por conta de tal empresa a um sábado para acabar tal obra, fazendo uns remates que faltava fazer.

            De referir que, em geral, o tribunal deu crédito às testemunhas supra referidas por terem deposto de forma espontânea e coerente, com conhecimento directo dos factos em apreço, e que não valorou os depoimentos escritos das testemunhas O  e P , obtidos por carta rogatória constante a fls. 658 e seguintes, por não terem conhecimento dos factos em apreço.

            Quanto aos factos não provados, a convicção do Tribunal resultou de não se ter produzido prova quanto aos mesmos, ou de se ter produzido prova em sentido inverso.


*

            Face às conclusões da motivação do recurso, a discordância do arguido assenta nos seguintes pontos:

            - impugnação da matéria de facto.

            - divergência quanto ao enquadramento jurídico.

            Entremos pois nessa apreciação.

            Entende o arguido que, por terem interesse para a decisão da causa e resultarem dos depoimentos prestados pelas testemunhas X  e R , deverão ser aditados à matéria de facto provada, os seguintes factos:

            a) A direcção e fiscalização dos trabalhadores e da obra era realizada apenas pelo Arguido A…….

            b) Todos os instrumentos e utensílios e maquinaria da obra eram propriedade da firma M……….

            Pois bem conforme resulta da própria leitura da motivação de facto, dúvidas não há de que os factos referidos e cuja inclusão o recorrente pretende ver aditados à facticidade provada, têm o seu suporte na prova produzida em audiência e designadamente nos invocados depoimentos.

            Sucede porém que tal factualidade, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se afigura com qualquer interesse para a decisão da causa.

            Na verdade, como é sabido à matéria de facto provada e não provada não vão todos os factos alegados ou que tenham resultado da discussão da causa.

            Logicamente, que apenas os factos que sejam relevantes ou que tenham interesse para a decisão, isto é os factos essenciais[1]

            Como escreve Germano Marques da Silva[2] “ No que se refere à indicação dos factos provados e não provados não se suscitam dificuldades: eles são todos os constantes da acusação e da contestação, quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais, e ainda os não substanciais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão da causa, quando aceites nos termos do artº 359º nº 2 “.

            Os factos impertinentes ou desnecessários não têm pois aqui cabimento.

            Ora no caso vertente em que está em causa a prática de um crime de violação de regras de construção, saber se os bens que estavam a ser utilizados na obra pertenciam a um ou outro dos arguidos ou mesmo a terceiro, é completamente irrelevante.

            É igualmente indiferente saber se a direcção e fiscalização dos trabalhadores que executavam a obra era exercida apenas pelo representante da entidade que executava a obra, e da qual eles eram seus empregados.

            É evidente que esse poder de direcção teria que caber ao empregador.

            Porém não é isso que aqui está em causa.

            O que importa é saber se o arguido na qualidade de representante da empresa adjudicatária deveria ou não ter-se preocupado com a segurança da obra, o que o mesmo é dizer, saber se infringiu ou não as “ regras legais, regulamentares ou técnicas” referentes à segurança da obra, como constituindo pressuposto do crime de violação das regras de construção.

            O recorrente entende que tal tarefa cabia apenas ao representante da M…., empresa à qual solicitou a execução da obra, e era a entidade empregadora da vítima.

            E julgamos que a razão lhe assiste.

            Com efeito estabelece expressamente o artº 8º nº 4 c) do Dec. Lei 441/91, de 14 de Novembro[3], em matéria de segurança e saúde que:

            “ Quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, actividades com os respectivos trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os empregadores, tendo em conta a natu­reza das actividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da pro­tecção da segurança e da saúde, sendo as obrigações asseguradas pelas seguintes entidades.

            a) A empresa utilizadora, no caso de trabalhadores em regime de tra­balho temporário ou de cedência de mão-de-obra;

            b) A empresa em cujas instalações outros trabalhadores prestam servi­ços a título de trabalhador por conta própria, independente ou ao abrigo de contratos de prestação de serviços;

            c) Nos restantes casos, a empresa adjudicatária da obra ou do serviço, para o que deve assegurar a coordenação dos demais empregadores através da organização das actividades previstas no artigo 13º, sem prejuízo das obrigações de cada empregador relativamente aos respectivos trabalhadores”. (o sublinhado é nosso)

           

            Ora como decorre do referido preceito para que o recorrente fosse responsabilizado pelas actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho, seria necessário que a empresa adjudicatária desenvolvesse em simultâneo com a empresa que recebera a subempreitada “ actividades com os respectivos trabalhadores no mesmo local de trabalho”.

            Como resulta da matéria de facto provada, isso não acontecia, pois a obra estava a ser executada exclusivamente pelos trabalhadores da empresa M…. (Cfr. pontos 2 e 3).

            Assim sendo parece-nos claro que não impendia sobre o arguido, na qualidade de representante da empresa adjudicatária, qualquer especial obrigação de garantir em coordenação com o representante da M….. a segurança da obra que lhe havia sido adjudicada, pois esta estava a ser executada apenas pelos trabalhadores desta última empresa.

            Assim a obrigação da execução de todos os trabalhos necessários para garantir a segurança dos trabalhadores e satisfazer os regulamentos de segurança aplicáveis recaía exclusivamente sobre o representante da entidade empregadora do ofendido.

            Daí que se conclua, por um lado que os factos cuja inclusão o arguido pretendia ver aditados à factualidade provada, não têm qualquer interesse para a decisão da causa.

            E por outro lado que se impõe alterar a matéria de facto provada nos pontos 9, 11 e 12, os quais passarão a ter a seguinte redacção:

            “9. O arguido A…., como responsáveis pela obra e na qualidade de representante da entidade empregadora do ofendido, deveria ter garantido a observância das obrigações previstas no art. 8º do Decreto-Lei 441/91, de 14/11, nos artigos 5º e 8º do Decreto-Lei nº 155/95, de 1/7, e nos artigos 11º e 13º da Portaria nº 101/96, de 3/4, assegurando aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho e procedendo, na concepção dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de protecção.

            11. O arguido A….. não manifestou o cuidado que o dever geral de providência aconselha e que podia e devia ter, pondo em perigo a segurança dos trabalhadores, devendo ter evitado um resultado que podia e devia prever, caso tivesse agido com diligência e cumprido as obrigações que a lei impunha na execução da construção e para prevenir os acidentes nessa actividade.

            12. Sabia, ainda, que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.”.

            Ora a acção típica no crime de infracção a regras de construção previsto no artº 277º do C. Penal, centra-se na criação de um perigo para a vida ou integridade física de outrem decorrente da violação de regras legais, regulamentares ou técnicas na direcção ou execução de uma obra de construção.

            O referido preceito visa garantir a segurança em determinadas áreas da actuação humana contra comportamentos susceptíveis de colocar em perigo a vida ou a integridade física de outrem, as actividades de segurança, higiene e saúde do trabalho.

            Visados pelo comando legal são aqueles que planeiam, executam e dirigem a obra, sendo que cada uma dessas pessoas que intervém nestas diferentes fases torna-se responsável pela violação das regras vigentes nos respectivos sectores.

            No caso em análise, como vimos o arguido na qualidade de legal representante da empresa empreiteira – R…… - a quem tinha sido adjudicada a obra, não tinha a obrigação de assegurar aos trabalhadores da M……, a quem solicitara a execução da obra, as condições de segurança, higiene e saúde, já que não tinha aí trabalhadores seus a desempenhar qualquer actividade laboral, pois a obra era da exclusiva responsabilidade da M…..

            Não tinha pois o recorrente a obrigação de cooperar com o subempreiteiro dessa obra e entidade patronal do sinistrado, no sentido da protecção da segurança e da saúde, como resulta do estatuído no art.º 8º, nº 4, al. c), do D.L. 441/91, de 14/11, e como tal tem se ser absolvido da prática do crime de que vinha acusado.           

           

DECISÃO

 

            Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida no segmento em que condenou o recorrente  B……, o qual vai agora absolvido da  prática do crime de violação de regras de construção, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 277.º n.ºs 1, alíneas a) e b) e 3 do Cód. Penal.

            Sem tributação.

            Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)

            Coimbra, 4 de Junho de 2008.


[1] “ Não existe violação do artº 374º nº 2, do CPP por nem todos os factos constantes da acusação/pronúncia e da contestação terem sido enumerados como provados ou não provados. Só os factos essenciais para a decisão da causa têm de constar da enumeração” – AcSTJ 98.02.11, BMJ 474, pág. 151.
“ O disposto no artº 374º nº 2, do CPP apenas exige que sejam enumerados os factos essenciais para a descoberta da verdade, e não aqueles que são indiferentes para esta, como acontece com os meramente instrumentais” – AcSTJ 98.10.07, CJSTJ 3, pág. 183.
[2] Obra citada, Vol. III, pág. 292.
[3] O Capítulo III do Dec. Lei 441/91, referente aos Direitos, deveres e garantias das partes, foi entretanto derrogado pelo artº 273º e ss do Código de Trabalho e 211º e ss do Regulamento do Código de Trabalho.