Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
712/10.0TMCBR-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: INCUMPRIMENTO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
VALOR PROCESSUAL
AUTORIDADE E CASO JULGADO
DESPESAS SIGNIFICATIVAS
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 78.º-D, DO CIRS
ARTIGOS 1874.º E 1906.º, 2 E 3, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 91.º, 2; 297.º, 1; 304.º 986.º, 1, DO CPC
ARTIGOS 39.º, 4; 41.º; 43.º E 48.º DO RGPTC
Sumário: I – No incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais a que se reportam os arts 41º e 48º do RGPTC, está ainda em causa o interesse imaterial e o estado das pessoas, pelo que o respectivo valor processual é o de € 30,000,01.

II - Uma decisão de absolvição do pedido nesse tipo de incidente, que tenha advindo da interpretação das cláusulas dessa regulação  no referente a concretas despesas, não se pode impor num subsequente incumprimento dessas responsabilidades referentemente a diferentes despesas, mesmo que semelhantes, por efeito da excepção de autoridade de caso julgado, desde logo, porque em ambos os incidentes a questão em causa constitui questão principal e não prejudicial a qualquer outra.

III – No resultado interpretativo decorrente do primeiro incidente de incumprimento não interveio qualquer norma legal de que decorresse um comando decisório mas apenas o mero ponto de vista do julgador e, por isso, esse resultado  só se imporia num subsequente, ainda que similar, incidente de incumprimento, em função do seu peso persuasivo.

IV – Para que esse resultado interpretativo alcançasse valor de caso julgado fora desse processo, necessário teria sido que aí tivesse sido requerido o julgamento com essa amplitude, nos termos do nº 2 do art 91º CPC.

V – Despesas significativas como as resultantes da aquisição de um computador e acessórios ou resultantes da aquisição da carta de condução só podem considerar-se como educacionais quando se alegue e prove que a decisão que presidiu às mesmas adveio de uma exigência extrínseca de carácter escolar, caso contrário são de se inserir na base fixa da pensão de alimentos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

            I - AA, suscitou o presente incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, contra BB,  alegando, em síntese, que o Requerido ficou obrigado a suportar metade das despesas com o filho comum, nomeadamente de saúde médicas e medicamentosas, aparelhos ou materiais médicos, (como, por exemplo, óculos ou de natureza estomatológica), bem como despesas educativas e escolares (nomeadamente as explicações e livros escolares), mediante apresentação dos respectivos documentos comprovativos, e que incumpriu esta obrigação, estando em dívida com o pagamento de € 1.325,65 (mil trezentos e vinte e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora.
            Terminou pedindo o accionamento dos meios para tornar efetivo o pagamento em falta, bem como a condenação do requerido em multa e indemnização em juros de mora.
            E atribuiu ao incidente em causa o valor de € 30,000,01.

            O Requerido opôs-se, alegando, também em síntese, não ter pago os valores referidos por estarem abrangidos pela pensão mensal de alimentos, conforme sentença proferida no apenso D, à exceção dos valores referentes a metade do custo de carta de condução do filho maior (€ 441) e a metade das despesas com a aquisição de um computador portátil, rato, teclado e adaptador (€731,30), relativamente aos quais entende não estar obrigado, concluindo pela improcedência total do pedido.
            Contestou o valor atribuído pela Requerente ao incidente, entendendo que, à semelhança do que sucedeu no referido apenso D, em que se aplicou o estipulado no art 297º/1 do CPC, o valor processual do incidente deverá ser fixado em € 1.325,60, por ser esse o valor que a Requerente pretende nele obter.

            Teve lugar conferência de pais, sem acordo.
             Os autos prosseguiram para audição técnica especializada, não tendo sido obtido qualquer consenso, assumindo o Requerido o propósito de reatar a relação com o filho, sem correspondência por parte do jovem.
            Foi ordenada a continuação da conferência de pais, na sequência da audição técnica especializada, sem acordo.

            As partes apresentaram alegações e teve lugar audiência de julgamento, tendo sido ouvidos Requerente e Requerido, o jovem CC e inquiridas duas testemunhas, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedente o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais e absolveu o Requerido do pedido, fixando o valor da causa em € 1.325,65 (mil trezentos e vinte e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos).

            II – Do assim decidido, apelou a Requerente, que concluiu as respectivas alegações, nos seguintes termos:
            Quanto ao segmento de facto da decisão recorrida:
             1ª.) – Deve ser aditado a tal decisão a matéria que de imediato se enuncia:             5 -No passado, o Pai pagou as despesas do tipo … , e , posteriormente deixou de as pagar porque as considera irrisórias , e jurisdicionalmente livre delas              6. O Pai deixou de as pagar alegando para justificar tal atitude, que o Filho não tinha a relação afectiva desejada pelo Progenitor Pai (o que se fundamenta na seguinte matéria de facto, provinda do depoimento gravado de BB);
            Quanto a decisão de direito recorrida:
            2ª.) – A douta sentença recorrida constitui, na parte em que decide pela excepção do caso julgado, uma decisão-surpresa, é processualmente nula por violação do princípio do contraditório, e das garantias constitucionais de um processo justo e equitativo – a qual pressupunha que, antes da sua prolação, a notificação prévia da Recorrente para sobre ela se pronunciar. Atitude processual que contraria as disposições dos arts 2º, 20º da Constituição.
            3ª.) – Não ocorre, no caso sub judicio, a excepção invocada do caso julgado, pois que os factos invocados na acção correspondente ao apenso D são diferentes dos invocados no apenso G, no qual foi prolatada a sentença aqui recorrida. Se a excepção de caso julgado supõe a tripla identidade – sujeitos, pedido e causa de pedir, ela não se verifica nesta acção.
            4ª.) - Se bem que os sujeitos processuais sejam considerados pela Ex.ma Julgadora do os mesmos, em ambas as lides – o apenso D e o apenso G, são diferentes os factos jurídicos (porque se deve considerar como tal a materialidade de cada concreto acto de despesa feita em benefício do Jovem, na data da sua ocorrência, na sua descrição e o seu montante;
            5ª.) - É naturalmente os pedidos não são idênticos. Se bem que enquadráveis na qualificação de pedidos relativos ao estado de pessoas e interesses imateriais são também diferentes os quantitativos reclamados em cada despesa em cada um dos processos, e diferentes os objectos em que tais despesas foram feitas.
            6ª.) – O ónus da prova da despesa cumpre-se com a sua alegação e demonstração pelo Progenitor que a fez; e que foi feita documentalmente e por presunções judiciais.
             7ª.) - A ora  Recorrente, para além de ter cumprido o ónus probatório a seu cargo, por meio de documentos, beneficia, igualmente das presunção judicial. Meio de prova, emergente do direito probatório civil, que a douta sentença recorrida não considerou.
            8ª.) - Nessa medida, segundo as regras legais de repartição do ónus da prova, seria ao aqui Recorrido que cumpria provar a sua dispensabilidade segundo o regime legal e jurisdicionalmente aplicável.
            9ª.) – A situação configurada pelos autos configura abuso de direito, matéria de conhecimento oficioso. Não tendo considerado o caso sub judicio à luz do princípio da proibição do abuso, a decisão recorrida incorreu, também, em erro de julgamento.
            10ª.)  – A despesa com tratamento dentário está incluída no compromisso entre os Progenitores- parte da regulação inicial, e nunca alterada – na qual se auto-compuseram, sendo a sentença meramente homologatória do acordo.
            11ª.) – As despesas com a obtenção de computador acessórios são para o Jovem CC indispensáveis, dada a sua condição de estudante universitário que estuda Engenharia Informática.
            12ª.) – Está na mesma condição de indispensável a despesa com a formação como condutor, isto é a chamada “obtenção” da carta”.
             13ª.) – Nunca o Pai pediu a alteração dessa regulação – e apenas por essa via poderia conseguir a mudança desse compromisso, seja mediante novo acordo de pais, seja por decisão directa da Juiz.
            14ª.) – Os acordos entre Pais interpretam-se segundo as regras gerais, e tal não pode ser o “thema decidendum“ dos presentes aotos, seja porque a  Recorrente não colocou tal questão como pressuposto do pedido deduzido no requerimento inicial; nem a colocou o Réu.
            15ª.) - Requerido que se limitou a dizer que “não era obrigado”, sem especificamente ter pedido em Juízo a sua interpretação e deixando a Autora na impossibilidade de exercício do contraditório sobre a questão da interpretação.
            16ª.) - Numa lide deste tipo, está sempre em causa o interesse imaterial e o estado das pessoas, pelo que o respectivo valor processual não pode ser inferior a Euro 30,000,01.
            17ª.)- A decisão recorrida ofende o caso julgado que se formou através da sentença homologatória do acordo de pais, nunca modificado. Caso julgado que admite o recurso que a Requerente desta decisão aqui interpõe, por considerar-se vencida, como é, e independentemente do valor materialmente peticionado.
            19ª.) – A douta decisão recorrida violou, entre outras, as disposições dos arts. 370º. , 351º., 376º., do Cód. Civil, dos arts. 2º., 3º,. 580º., 581º. do Cód. Proc Civil, do art. 2004º. Do Cód Civil, , pelo que deve ser revogada e substituída por outra que conceda provimento ao recurso, julgando o incidente procedente

            O Requerido não apresentou contra-alegações.

            III - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
            1. CC nasceu a .../.../2001, sendo filho de BB e de AA.
            2. As respetivas responsabilidades parentais foram reguladas por acordo dos seus progenitores, homologado por sentença de .../.../2011, transitada em julgado, proferida no âmbito da ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, de que os presentes autos são apenso, tendo ficado estabelecido, para além do mais, o seguinte:
            d) O pai pagará, a título de alimentos, a quantia mensal de Euros: 250 (duzentos e cinquenta euros), valor que creditará em conta bancária titulada pela requerente mãe, e de que o mesmo tem já conhecimento, até ao dia 05 do mês a que disser respeito e será atualizado anualmente, no mês de Janeiro, em função do índice de atualização das rendas previsto anualmente para o ano civil seguinte;
             e) O montante assim acordado é devido a partir da presente data, pelo que deve o pai proceder ao pagamento de metade da mensalidade até ao final do corrente mês;
            f) O pai suportará ainda metade das despesas com o menor, nomeadamente de saúde (médicas e medicamentosas, aparelhos ou materiais médicos, como por exemplo óculos ou de natureza estomatológica), bem como despesas educativas e escolares (nomeadamente as explicações e livros escolares) mediante apresentação dos respetivos documentos comprovativos.
             3. A requerente realizou com o filho CC as despesas elencadas no artigo 6.º do requerimento inicial.
            4. CC frequenta o ensino superior e estuda engenharia informática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de ....           5. No âmbito do apenso D, em incidente de incumprimento das responsabilidades parentais que opunha os aqui Requerente e Requerido, em 25 de julho de 2017, foi proferida sentença, nos termos da qual foi decidido, além do mais, o seguinte:
            6.- “VALOR DA AÇÃO: Em conformidade com o disposto no artigo 306º, números 1 e 2, do Código do Processo Civil, não comportando a presente ação a prolação de despacho saneador, compete fixar o valor à causa neste momento.
            Para tanto, importa ter presente o disposto no artigo 296º, número 1, do Código do Processo Civil, nos termos do qual “A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido”.
            Ora, contendendo a presente ação com os alimentos devidos ao jovem CC, poder-se-ia equacionar a aplicação ao caso destes autos da norma do artigo 298º, número 3, do Código de Processo Civil, nos termos da qual nas ações de alimentos definitivos e nas de contribuição para despesas domésticas o valor é o quíntuplo da anuidade correspondente ao pedido.
            Afigura-se, todavia, que o critério apontado se dirige às ações em que se pretende a fixação de uma pensão de alimentos (ou de uma contribuição para despesas domésticas), situação distinta da trazida a estes autos, em que se discute apenas a questão de saber se determinadas despesas, reclamadas pela requerente, deverão ou não ser repartidas com o requerido, no cumprimento da obrigação de alimentos anteriormente definida aquando da regulação das responsabilidades parentais relativas ao filho de ambos.
            Tampouco será de aplicar ao caso destes autos a regra do artigo 304º, número 1, do Código de Processo Civil, uma vez que, sendo invoca (a que era aplicável a regra do artigo 303º, do Código de Processo Civil), o presente incidente tem efetivamente valor diverso, pois que a sua utilidade se circunscreve ao esclarecimento da questão referida, tendo em vista a condenação do requerido no pagamento de quantia certa (a correspondente à sua participação nas despesas reclamadas), caso se conclua pela procedência do pedido.
            Nessa medida, o critério aplicável será o do artigo 297º, número 1, do Código de Processo Civil, nos termos do qual, se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário.
            Consequentemente, o valor da ação deverá ser fixado por referência à quantia pedida, a título de prestações vencidas, e às quantias que se venceram no decurso da ação, ante a remissão no pedido para o disposto no artigo 48º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, atendendo-se, como assim, a umas e outras (cf. artigo 300º, número 1, do Código de Processo Civil).
            Não se atenderá ao pedido de fixação de uma indemnização, uma vez que a requerente não a quantifica, deixando tal matéria para decisão do Tribunal.
            Pelo exposto, pretendendo a requerente obter o pagamento da comparticipação do pai nas despesas efetuadas com explicações (€: 1.200,50), viagem a ... (€: 410,00 + 60,00), despesas com creme e protetor solar (€: 20,15 + 17,71) e com tinteiro (20,00), a utilidade da presente ação cifrar-se-á na quantia de €:864,18 (oitocentos e sessenta e quatro euros e dezoito cêntimos), que corresponde a metade do valor total das referidas despesas.
            Será, pois, nessa quantia que será fixado o respetivo valor processual.
            (…)
            Concordantemente, as despesas com cremes, protetores solares, com o brufen da dor de cabeça ocasional, com a consulta de rotina e mesmo com o tratamento das recorrentes gripes de inverno (…), não configurando despesas extraordinárias, deverão considerar-se cobertas pela pensão de alimentos de base fixa, mensalmente a cargo do pai, a qual, reafirma-se, é de montante expressivo e bastante para lhes dar adequada satisfação, sem qualquer prejuízo para o menor nem desequilíbrio prestacional para a progenitora residente (a qual, não obstante litigar com apoio judiciário, exerce também a profissão de advogada e aparenta sinais exteriores de um considerável nível de vida, de que as férias em ..., reportadas nos autos, e o seu telemóvel de topo de gama, visionado pelo Tribunal, são exemplo).
            Da mesma forma, integrarão a pensão de alimentos de base fixa, mensalmente a cargo do pai, as despesas correntes com material escolar do filho, onde se incluem as mochilas, cadernos, folhas, tinteiros, canetas (…), apenas ficando de forma, e a exigir uma adicional comparticipação do pai, aquelas que, à semelhança das especificamente previstas (explicações e livros escolares), se possam considerar extraordinárias, seja pelo seu montante, seja pela raridade da sua ocorrência.
            Assim e em resumo, entende este tribunal não serem exigíveis ao pai, ora requerido, as despesas suportadas pela mãe com o protetor solar 50+ “Galenic Solar Spray”, no montante de € 20,15 (vinte euros e quinze cêntimos), nem com o creme da marca Locoid lipocreme 1mg/g e creme extra emoliente + gel, no montante total de € 17,71 (dezassete euros e setenta e um cêntimos), nem, finalmente, com o tinteiro de marca HP INK CART 901/TRI OFFICEJET, no montante de €: 20,00 (vinte euros).

            IV – Do confronto entre as conclusões das alegações e a decisão recorrida, resultaria constituírem objecto do presente recurso a apreciação das seguintes questões:
            - o valor do incidente em causa;
            - a pretendida impugnação da matéria de facto;
            - se a decisão, na parte em que julgou em função do caso julgado decorrente da anterior decisão proferida no apenso D, constituiu uma decisão surpresa;
            - se não se verifica a excepção de autoridade de caso julgado;
            - se a situação configurada nos autos constitui abuso de direito;
            - se as despesas com a carta de condução e com o computador e acessórios são despesas de formação a considerar como educacionais.

            Sucede que no que se refere às questões atinentes à decisão surpresa e ao abuso de direito, elas surgem nas conclusões das alegações sem que tenham tido qualquer expressão nas alegações de recurso.
            Ora, se do comando do nº 1 do art 639º CPC resulta que o recorrente deve concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão em função da alegação previamente apresentada, necessariamente que esta há-de comportar, não sinteticamente, esses fundamentos, o que não sucede na situação dos autos relativamente à dita  decisão surpresa e ao abuso de direito.
            Sempre se dirá, no entanto, que a aqui apelante, nas alegações a que se reporta o art 39º/4 RGPTC, já adiantara «que a decisão objecto deste específico incidente é, materialmente, uma questão totalmente nova (…) Não há caso julgado sobre as despesas elegíveis para o efeito da coparticipação pelo pai em metade do seu montante», considerações que excluíam o entendimento que veio a ser tido pela Exma Julgadora a quo, não podendo, pois, entender-se ter a mesma ficado surpreendida com a decisão em apreço.
            Quanto ao abuso de direito surge o mesmo totalmente descontextualizado,  não se percebendo minimamente onde está o direito, na perspectiva da Apelante  e o respectivo abuso.
            Deste modo, serão as demais questões acima enunciadas que nos ocuparão no presente recurso.

            Em primeiro lugar, o valor do incidente de incumprimento da regulação             do exercício das responsabilidades parentais a que se reportam os arts 41º e 48º             do RGPTC.

            Desde os pretéritos arts 181º/2 e 189º da OTM que tem vindo a ser             apontada a natureza incidental do processo de incumprimento relativamente ao             processo de regulação, não se estando, manifestamente, perante um processo             autónomo daquele outro. Faz sentido, ainda hoje, à luz do art 43º do RGTC,             correspondente ao art 181º da OTM, referir, como se fazia no Ac STJ de 24/1/89,             [1] que «o requerimento feito a tribunal, ao abrigo do art 181º da OTM, para que             determine as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação             do remisso em multa  (…) constitui uma providência de cariz incidental, dado             pressupor ou envolver uma ocorrência estranha aos termos e actos normais do             processo de regulação do poder paternal, embora com uma tramitação própria,             distinta da providência da regulação do poder paternal que lhe serve de matriz ou             origem. Tendo a providência requerida o carácter de episódio ou acidente, pois             que visa a resolução de uma questão secundária e acessória que se enxertou na             questão fundamental (…)».

            O processo incidental de incumprimento em causa comporta uma fase             declarativa – referente ao apuramento do incumprimento - a que são aplicáveis             subsidiariamente as regras processuais referentes aos incidentes da instância, por             força do disposto no art 986º/1 CPC - e uma fase executiva - referente ao             decretamento das medidas tendentes ao cumprimento.

            Segundo o nº 1 do art 304º CPC, o valor dos incidentes «é o da causa a que             respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque             neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores».

            A questão, é, portanto, a de saber, se o facto de neste tipo de processo de             incumprimento estar directamente  em causa o apuramento do montante deste,             implica que se deva entender que o incidente em que se traduz tem «realmente»             valor diverso do da causa, como foi entendido no apendo D, quando aí se referiu             que «o presente incidente tem efetivamente valor diverso, pois que a sua utilidade             se circunscreve ao esclarecimento da questão referida, (em que se discute apenas             a questão de saber se determinadas despesas, reclamadas pela requerente, deverão             ou não ser repartidas com o requerido, no cumprimento da obrigação de alimentos             anteriormente definida aquando da regulação das responsabilidades parentais             relativas ao filho de ambos) tendo em vista a condenação do requerido no             pagamento de quantia certa (a correspondente à sua participação nas despesas             reclamadas), caso se conclua pela procedência do pedido». E se aplicou o critério             de fixação do valor constante do nº 1 do art 297º - «Se pela acção se pretende obter    qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível             impugnação nem acordo em contrário».

            Não é esse o nosso entendimento, antes se aderindo à posição da apelante,             no aspecto em apreço, subscrevendo-se as suas considerações a esse             respeito, que a mesma condensou na conclusão 16ª - «Numa lide deste tipo, está             sempre em causa o interesse imaterial e o estado das pessoas, pelo que o respectivo       valor processual não pode ser inferior a Euro 30,000,01.»

            Efectivamente, e como a mesma o evidencia, «em qualquer lide de             incumprimento, lide essa que está na dependência da regulação das             responsabilidades parentais que se quer ver executada face ao inadimplemento do             devedor, está em causa a discussão de interesses imateriais. A satisfação do dever             de alimentos e, particularmente a satisfação de tal dever em relação a Jovens             adultos, é da essência do direito à vida, direito fundamental estruturante da tutela             das pessoas no próprio Ordenamento Jurídico-Constitucional, no contexto do             princípio do Estado de Direito Material, proclamado pela nossa Constituição. A             montante do aspecto material objectivado no valor pecuniário das prestações em             que se concretiza, (…) está o interesse imaterial em que as responsabilidades dos             Pais em relação aos Filhos, crianças ou jovens adultos, sejam satisfeitas integral e          pontualmente. Nessa medida, o interesse imaterial caracteriza sempre o processo,             qualquer que seja o momento da regulação em que se concretiza o específico             incumprimento imputado à contra-parte. Nem pelo facto de, por vezes, esse             incumprimento se concretizar em quantias a pagar em dinheiro, a lide deixa de ter             por objecto interesses imateriais. O Estado assume como tarefa prioritária que o             dever dos Pais em relação aos Filhos, por prestações de qualquer natureza,             relacionadas com a sua condição de fragilidade pessoal associada à situação de             criança ou de jovem seja cumprida. E, processualmente, seria inadmissível,             porque arbitrário e discriminatório, separar deveres de prestação dos Progenitores             expressos em dinheiro e deveres de prestação dos Progenitores expresso no regime            de visitas ou nos tempos de convívio com o Progenitor não guardião».

            Esse ponto de vista vê-se reflectido na jurisprudência[2] dizendo-se              que «o incidente de incumprimento previsto no art 181º da OTM, tem o valor             processual do processo principal, sempre superior à alçada do Tribunal da             Relação  (…) ». Ou que «o incidente de incumprimento em regulação do poder             paternal por falta de pagamento de pensão de alimentos, tem o valor processual             do processo principal e por isso sempre superior à alçada da Relação».

            Por outro lado, e como melhor se verá em função das considerações que             adiante se farão a respeito da excepção decorrente da autoridade do caso julgado,             não podia o Tribunal a quo, como fez, transpôr para o presente incidente a decisão             referente ao valor daquele  a que se reporta o Apenso D  - que parte da aplicação             do critério do º 1 do art 297º CPC– a coberto daquela excepção, pelo simples             motivo de estar em causa um incidente diverso daquele que aí foi julgado e a             questão do valor do mesmo não se configurar como prejudicial,  mas constituir o             thema decidendum.  
            Procede, pois, no aspecto em apreço, a apelação.

            Em sede de impugnação da matéria de facto, a apelante pretende que se adicionem à matéria de facto as seguintes considerações factuais:
            5 -No passado, o Pai pagou as despesas do tipo … , e , posteriormente deixou de as pagar porque as considera irrisórias, e jurisdicionalmente livre delas;              6. O Pai deixou de as pagar alegando para justificar tal atitude, que o Filho não tinha a relação afectiva desejada pelo Progenitor Pai.
            Fundamenta a impugnação no depoimento do Requerido.
            Não obstante a apelante não ter concretizado as despesas a que se pretendia reportar no pretendido facto 5º, estão, evidentemente em causa as despesas de saúde «pouco substanciais», como o Requerido as qualificou no seu depoimento, e a que pretende reconduzir as cujo pagamento está em causa nos autos, com excepção das referentes à carta de condução e computador e acessórios.
            Não se vê que as circunstâncias factuais cuja inclusão na matéria de facto é pretendida – e que não foram invocadas na contestação - tenham interesse para a decisão da acção e, por assim ser, indefere-se essa inclusão.
            De facto, a circunstância de o Requerido em tempos ter pago despesas medicamentosas de caracter económico pouco significativo e ter deixado de o fazer em função da má relação afectiva entre ele e o filho, em nada ajuda na caracterização das despesas em apreço para efeito de apurar o incumprimento no que lhes respeita.
            Rejeita-se, pois, a pretendida impugnação da matéria de facto.

            A sentença recorrida, depois de evidenciar que nos presentes autos «está em causa, não a prestação de alimentos mensal e fixa, mas a comparticipação do pai nas despesas de saúde e escolares do filho», e que «o Requerido não só não alegou o pagamento da comparticipação nas despesas elencadas pela requerente, como reconheceu não o ter feito», veio a entender, implicitamente, que o  objeto do anterior incidente de incumprimento a que foi atribuída a letra D se inscreve como «pressuposto indiscutível» no objeto deste novo incumprimento, e, se naquele, perante idêntica pretensão à da aqui Requerente - o pagamento pelo requerido da comparticipação nas despesas do filho comum – o Tribunal interpretou o regime das responsabilidades parentais no que respeita ao pagamento pelo Requerido das despesas com o filho tendo concluído que as despesas com cremes, protetores solares, com o brufen da dor de cabeça ocasional, com a consulta de rotina e mesmo com o tratamento das recorrentes gripes de inverno (…), não configurando despesas extraordinárias, deverão considerar-se cobertas pela pensão de alimentos de base fixa, mensalmente a cargo do pai, a qual, reafirma-se, é de montante expressivo e bastante para lhes dar adequada satisfação, sem qualquer prejuízo para o menor nem desequilíbrio prestacional para a progenitora residente» (…), «esta interpretação do regime das responsabilidades parentais transitou em julgado, não podendo ser novamente discutida», por efeito da função positiva do caso julgado material designada por autoridade do caso julgado.
            Vindo a concluir, assim, que, «as despesas de saúde com taxas moderadoras, medicamentos de uso generalizado e consultas de rotina, a que o tratamento dentário no valor de € 55 se equipara, bem como as despesas com fotocópias da universidade, configuram despesas não extraordinárias, cobertas pela prestação de alimentos de base fixa que o requerido mensalmente suporta».
            Contra este entendimento, a apelante, depois de tecer considerações, salvo o devido respeito, mais adequadas à excepção de caso julgado do que à da autoridade do caso julgado  (conclusão 3ª, 4ª e 5ª), na conclusão 14ª, enuncia o que, no nosso entender, constituirá a chave da questão em apreço: «Os acordos entre Pais interpretam-se segundo as regras gerais, e tal não pode ser o thema decidendum dos presentes autos, seja porque a Recorrente não colocou tal questão como pressuposto do pedido deduzido no requerimento inicial, nem a colocou o Réu».
            Vejamos.
            Na contestação, o Requerido, admitindo o não pagamento das despesas referentes a taxas moderadoras resultantes de episódios de urgência e dos  medicamentos  advenientes  ou não desses  episódios de urgência, bem como o não pagamento da despesa resultante de tratamento dentário e das efectuadas com fotocópias, fê-lo por entender que os montantes peticionados esse nível – que em nenhum dos casos excedem os 50€ - estão abrangidos na pensão mensal paga por ele, e que, à data dessa oposição, se situava em € 279, 98, sendo que para fundamentar este seu ponto de vista valeu-se da decisão proferida no incidente de incumprimento, relevando a passagem acima transcrita.
            Decisão essa, que - e é importante que se assinale - teve por objecto despesas referentes a «cremes, protectores solares, brufen, consulta de rotina e despesas correntes com material escolar do filho, onde se incluem, mochilas, cadernos, folhas, tinteiros e canetas».
            O Exmo Juiz que assim decidiu limitou-se a interpretar as alíneas d) e f) da cláusula 3ª do acordo de regulação de responsabilidades parentais vigente entre os progenitores, decerto, quer, cada uma de per si, quer nas relações de uma com a outra, parecendo ter erigido como critério distintivo o carácter extraordinário (corrente) ou não das despesas em causa, carácter esse, extraordinário, aferido, por um lado, pelo seu montante, por outro, pela raridade da sua ocorrência.
            Nas situações em que esteja em causa o efeito positivo do caso julgado produzido em acção anterior, tal caso julgado só se poderá impor em acção subsequente quando o objecto da primeira decisão constitua questão prejudicial na segunda, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta haja de ser proferida. Por outras palavras, é necessário que o objecto da acção anterior se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto da acção posterior, ainda que este não coincida integralmente com aquele outro.
            O objecto da acção anterior tinha a ver, na sua causa de pedir, para além do teor das cláusulas acima referidas, com despesas referentes a cremes,  protectores solares, brufen, consulta de rotina  e despesas correntes com material escolar, onde se incluem, mochilas, cadernos, folhas, tinteiros e canetas .
            Não se nos afigura que uma decisão de absolvição do pedido adveniente da interpretação de cláusulas de um acordo de responsabilidades parentais no referente a concretas despesas - cremes, protectores solares, brufen, consulta de rotina, e despesas correntes com material escolar do filho, onde se incluem,  mochilas, cadernos, folhas, tinteiros e canetas – se possa impor, sem mais, num subsequente incumprimento dessas responsabilidades, cuja causa de pedir seja   diferente, pelo menos em espécie, de modo a que se possa dizer que o objecto daquele incumprimento constitui um «pressuposto indiscutível» nesta acção, não se configurando, a nosso ver, a necessária relação de prejudicialidade entre os objectos processuais de uma e outra acção.
            Desde logo, pela simples razão, já acima referida a propósito do valor do incidente, de em ambos os incidentes se colocar efectivamente questão similar mas como questão principal e não prejudicial a qualquer outra.
            Acresce a circunstância de no Apenso D, para se chegar à conclusão a que se chegou, ter intervindo um raciocínio de carácter silogístico a que apenas presidiu a mera interpretação do julgador, sem a interposição de qualquer norma legal de que decorresse um comando decisório, o que implica que aquela mera interpretação não possa, sem mais, como apanágio da autoridade do caso julgado, ser transposta para os presentes autos.
            Dever-se-á aqui manter a regra de que os fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando autonomizados da respectiva decisão judicial, antes valem apenas enquanto fundamento dessa decisão e em conjunto com ela.
            È, afinal, esta regra que decorre do nº 2 do art 91º CPC.
            Para que a questão suscitada pelo Requerido no anterior incidente alcançasse valor de caso julgado fora desse processo, necessário teria sido que o aí tivesse requerido o julgamento com essa amplitude, o que não foi o caso.
            Donde se entende que a interpretação feita no anterior incidente de incumprimento a respeito das cláusulas em questão do acordo de responsabilidade parentais não é transponível para este incidente em função da autoridade do caso julgado.

            Quando muito, sê-lo-ia em função da força persuasiva das considerações utilizadas para se alcançar o resultado a que chegou.
            Sucede que este Tribunal não partilha o entendimento daquele outro na interpretação das referidas cláusulas do acordo de responsabilidades parentais.
            È que as despesas médicas e medicamentosas e as de natureza estomatológica, claramente enunciadas na alínea e), independentemente do seu carácter regular ou ocasional e independentemente do seu montante mais ou menos significativo (pois, a partir de que quantitativo é que se poderá dizer que o valor é “avultado”? e a partir de que repetição de despesas é que se poderá dizer que as mesmas são “regulares” ?), haver-se-ão de conter na referida al e), merecendo por isso, a distribuição igualitária entre os Progenitores .
            O mesmo se diga da despesa com fotocópias (da Universidade) relativamente à categoria de despesas escolares.
            Consequentemente, a apelação procederá quanto a todas essas despesas (€ 50,21 +  € 85,72 + € 6,89 + €22,95 + €49,79 + €43,16 + € 13,17 + 17,50 = €  289,39 : 2 = € 144,69), estando, pois, o Progenitor em incumprimento no que respeita à quantia de € 144,69.

            Mais sensível será a questão de saber se as despesas que a progenitora custeou com a aquisição do computador e acessórios do mesmo e com a carta de condução do filho se devem integrar na al d) ou e) da cláusula em questão.
            O Tribunal recorrido discorreu, no essencial, do seguinte modo, a respeito desta questão, para concluir pela sua exclusão da al e) e, após, pela inexistência de incumprimento:
            (…) Defende a requerente, em sede de alegações, que a carta de condução é uma ferramenta de trabalho, indispensável para o acesso de casa ao emprego e indispensável para muitos empregos, mesmo de quadros técnicos superiores, pelo que deve ser entendida como despesa educativa.
            Despesas educativas e escolares são as despesas com o filho relacionadas com o seu processo educativo ou escolar.
            Pese embora se compreenda a utilidade que a carta de condução possa ter para um jovem, não só não se provou, como decorre do normal acontecer que tal instrumento não é indispensável nem tão pouco necessário ao sucesso académico de um jovem estudante universitário.
            Não basta alegar genericamente que há empregos que pressupõem a titularidade de carta de condução – desde logo relacionados com a condução – para se concluir que a despesa com a obtenção do título configura uma despesa com a educação.
            No que respeita à despesa com a aquisição do computador, rato laser, adaptador e teclado, defendeu a requerente em sede de alegações que o computador é uma ferramenta base do ensino superior e que os acessórios adquiridos configuram ferramentas complementares adequadas e compatíveis.
            Importa salientar que a compra de computadores não é enquadrável na categoria das despesas de formação e educação nos termos do artigo 78.º-D do CIRS.
            O Tribunal não ignora a essencialidade que a disposição de um computador assume para um aluno do ensino superior de um curso de engenharia informática.
            O que não foi alegado nem resultou da prova produzida foi a essencialidade do computador adquirido pela requerente para o filho. Não foi alegado nem provado que o jovem não dispusesse de computador adequado à concretização com sucesso do seu percurso académico. Não foi alegado nem provado que o computador adquirido pela requerente para o filho disponha de características adequadas ao curso que o jovem frequenta.
            Não foi alegado nem provado que os Professores do jovem ou qualquer elemento ligado à organização científica do curso que o jovem frequenta tivessem recomendado a compra de um computador com aquelas características ou tivessem sido consultados pelo jovem ou pela mãe em momento anterior à compra.
            Ainda que os Professores tivessem sugerido a compra de um computador ou que se considerasse que a frequência do curso de engenharia informática pressupunha a compra de um computador com aquelas características, sempre seria exigível que o filho consultasse o pai num momento prévio à realização da despesa, caso pretendesse a comparticipação do pai, considerando tratar-se de uma despesa com um valor significativo.
            Segundo as declarações do jovem, aconselhou-se com amigos, escolheu o computador sozinho quando estava no 2.º ou 3.º ano do curso pois o computador que tinha dava para trabalhar, mas era mais complicado, a mãe pagou e, apesar de não falar com o pai há 5 anos, pretende que este pague metade.
            Não é admissível e atenta contra o dever de respeito dos filhos para com os pais, mesmo maiores (artigo 1874.º do Código Civil) que um filho que, por opção, não fala com o pai há mais de cinco anos, tire a carta de condução sem consultar previamente o pai e compre um computador e acessórios por si escolhidos sem consultar previamente o pai e venha exigir-lhe o pagamento de metade das despesas».
            Contrapõe a Apelante o carácter aberto da referida al e), decorrente da utilização de “nomeadamente” e “bem como”, referindo, nessa lógica, que «mesmo que uma concreta despesa cuja elegibilidade se discute não seja, nem despesa de saúde, nem despesa educativa e escolar, ela deve ser considerada da responsabilidade comum e em partes iguais de ambos os Progenitores, desde que necessária à educação e formação do Jovem credor de alimentos». Acrescentando: «Relativamente às crianças e jovens adultos, a expressão sustento, pacificamente mobilizada pelo conceito de alimentos, abrange tudo o que é necessário para o credor de alimentos viver e desenvolver a sua personalidade, sem excluir todas aquelas que são necessárias para a formação e instrução do habilitando».
            Sendo esse o caso do computador e seus acessórios (ainda que porventura estes acessórios sejam mais orientados para jogos) e da carta de condução.
            Não nos parece que a mesma tenha razão.
            Independentemente do pendor aberto da cláusula em referência, independentemente da excepcionalidade das aquisições em causa e do carácter significativo das correspondentes despesas, é a base fixa da pensão de alimentos que deve cobrir, na medida das possibilidades dos pais, despesas do tipo das que estão em causa, à falta, como é o caso, da alegação e prova de que os bens e habilitação em apreço tenham constituído uma exigência de carácter escolar.
            Tais despesas não são, obviamente, inerentes a questões de particular importância[3], e que, por isso tenham que ser decididas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam antes da sua separação, nos termos do nº 2 do art 1906º do CC.
            Não se inserem também nos actos da vida corrente do filho a que se reporta o nº 3 dessa disposição legal.
             São despesas que têm a ver com o desenvolvimento da personalidade do filho, comuns na idade do mesmo e comuns no quadro social e económico dos aqui Progenitores, mas sem que se mostrem exógenas à comunidade filho/mãe – isto é, exigidas pelo exterior - como é suposto que sejam as da referida al e). Correspondem apenas a um maior conforto e aprazimento vivencial do filho, certamente difícil de ser negado na idade e vivência social em que o CC se insere.
            È também para este tipo de despesas que a pensão alimentar na sua parte fixa se destina, e cujo montante, como é sabido, se pauta por um critério de razoabilidade em que interfere também o contexto socio económico dos pais.
            Isto, sem embargo de as despesas em causa, na forma como vieram invocadas, constituírem, por excelência, um presente de aniversário ou de Natal, que o Progenitor interessado, como parece estar, num melhoramento das relações com o filho  - o que seria saudável e benéfico para todos – lhe poderia proporcionar por via deste processo, comparticipando na metade das mesmas.
            Mas, em rigor, e tanto quanto se entende, o incumprimento do Progenitor não se estende à metade dos valores referentes à carta de condução e ao  computador e acessórios.

            V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando correlativamente a sentença, declarando o incumprimento do Requerido relativamente à importância de144,69.

            Custas na acção e apelação por apelante e apelado na proporção do decaimento.

                                                           Coimbra, 30 de Maio de 2023

(Maria Teresa Albuquerque)

(Falcão de Magalhães)

(Pires Robalo)

 


[1]-  BMJ 361º-600
                              [2] -  Respectivamente, Ac R P 10/10/2006, Proc nº 0623494 e Ac STJ de 13/7/2004 CJ                STJ, T III-144.
               Não obstante, em sentido contrário, Ac RG 7/4/2022 (Relator, José Cravo) em cujo sumário se                refere: «I -No incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, estando em causa                apenas a pensão de alimentos, o valor do incidente é o valor total que resulta da soma das                prestações concretamente incumpridas, já que não estão em causa direitos indisponíveis. II - Para                efeitos de admissibilidade de recurso, dever-se-á atender não apenas ao valor da acção (superior                à alçada da Relação), mas também ao da sucumbência aferido em função do montante em dívida».
                              [3] - Já se tem visto como tal a habilitação para conduzir motociclos