Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TERESA ALBUQUERQUE | ||
Descritores: | INCUMPRIMENTO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS VALOR PROCESSUAL AUTORIDADE E CASO JULGADO DESPESAS SIGNIFICATIVAS | ||
Data do Acordão: | 05/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 78.º-D, DO CIRS ARTIGOS 1874.º E 1906.º, 2 E 3, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 91.º, 2; 297.º, 1; 304.º 986.º, 1, DO CPC ARTIGOS 39.º, 4; 41.º; 43.º E 48.º DO RGPTC | ||
Sumário: | I – No incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais a que se reportam os arts 41º e 48º do RGPTC, está ainda em causa o interesse imaterial e o estado das pessoas, pelo que o respectivo valor processual é o de € 30,000,01.
II - Uma decisão de absolvição do pedido nesse tipo de incidente, que tenha advindo da interpretação das cláusulas dessa regulação no referente a concretas despesas, não se pode impor num subsequente incumprimento dessas responsabilidades referentemente a diferentes despesas, mesmo que semelhantes, por efeito da excepção de autoridade de caso julgado, desde logo, porque em ambos os incidentes a questão em causa constitui questão principal e não prejudicial a qualquer outra. III – No resultado interpretativo decorrente do primeiro incidente de incumprimento não interveio qualquer norma legal de que decorresse um comando decisório mas apenas o mero ponto de vista do julgador e, por isso, esse resultado só se imporia num subsequente, ainda que similar, incidente de incumprimento, em função do seu peso persuasivo. IV – Para que esse resultado interpretativo alcançasse valor de caso julgado fora desse processo, necessário teria sido que aí tivesse sido requerido o julgamento com essa amplitude, nos termos do nº 2 do art 91º CPC. V – Despesas significativas como as resultantes da aquisição de um computador e acessórios ou resultantes da aquisição da carta de condução só podem considerar-se como educacionais quando se alegue e prove que a decisão que presidiu às mesmas adveio de uma exigência extrínseca de carácter escolar, caso contrário são de se inserir na base fixa da pensão de alimentos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I - AA, suscitou o presente incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, contra BB, alegando, em síntese, que o Requerido ficou obrigado a suportar metade das despesas com o filho comum, nomeadamente de saúde médicas e medicamentosas, aparelhos ou materiais médicos, (como, por exemplo, óculos ou de natureza estomatológica), bem como despesas educativas e escolares (nomeadamente as explicações e livros escolares), mediante apresentação dos respectivos documentos comprovativos, e que incumpriu esta obrigação, estando em dívida com o pagamento de € 1.325,65 (mil trezentos e vinte e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora. Terminou pedindo o accionamento dos meios para tornar efetivo o pagamento em falta, bem como a condenação do requerido em multa e indemnização em juros de mora. E atribuiu ao incidente em causa o valor de € 30,000,01. O Requerido opôs-se, alegando, também em síntese, não ter pago os valores referidos por estarem abrangidos pela pensão mensal de alimentos, conforme sentença proferida no apenso D, à exceção dos valores referentes a metade do custo de carta de condução do filho maior (€ 441) e a metade das despesas com a aquisição de um computador portátil, rato, teclado e adaptador (€731,30), relativamente aos quais entende não estar obrigado, concluindo pela improcedência total do pedido. Contestou o valor atribuído pela Requerente ao incidente, entendendo que, à semelhança do que sucedeu no referido apenso D, em que se aplicou o estipulado no art 297º/1 do CPC, o valor processual do incidente deverá ser fixado em € 1.325,60, por ser esse o valor que a Requerente pretende nele obter. Teve lugar conferência de pais, sem acordo. Os autos prosseguiram para audição técnica especializada, não tendo sido obtido qualquer consenso, assumindo o Requerido o propósito de reatar a relação com o filho, sem correspondência por parte do jovem. Foi ordenada a continuação da conferência de pais, na sequência da audição técnica especializada, sem acordo. As partes apresentaram alegações e teve lugar audiência de julgamento, tendo sido ouvidos Requerente e Requerido, o jovem CC e inquiridas duas testemunhas, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedente o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais e absolveu o Requerido do pedido, fixando o valor da causa em € 1.325,65 (mil trezentos e vinte e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos). II – Do assim decidido, apelou a Requerente, que concluiu as respectivas alegações, nos seguintes termos: Quanto ao segmento de facto da decisão recorrida: 1ª.) – Deve ser aditado a tal decisão a matéria que de imediato se enuncia: 5 -No passado, o Pai pagou as despesas do tipo … , e , posteriormente deixou de as pagar porque as considera irrisórias , e jurisdicionalmente livre delas 6. O Pai deixou de as pagar alegando para justificar tal atitude, que o Filho não tinha a relação afectiva desejada pelo Progenitor Pai (o que se fundamenta na seguinte matéria de facto, provinda do depoimento gravado de BB); Quanto a decisão de direito recorrida: 2ª.) – A douta sentença recorrida constitui, na parte em que decide pela excepção do caso julgado, uma decisão-surpresa, é processualmente nula por violação do princípio do contraditório, e das garantias constitucionais de um processo justo e equitativo – a qual pressupunha que, antes da sua prolação, a notificação prévia da Recorrente para sobre ela se pronunciar. Atitude processual que contraria as disposições dos arts 2º, 20º da Constituição. 3ª.) – Não ocorre, no caso sub judicio, a excepção invocada do caso julgado, pois que os factos invocados na acção correspondente ao apenso D são diferentes dos invocados no apenso G, no qual foi prolatada a sentença aqui recorrida. Se a excepção de caso julgado supõe a tripla identidade – sujeitos, pedido e causa de pedir, ela não se verifica nesta acção. 4ª.) - Se bem que os sujeitos processuais sejam considerados pela Ex.ma Julgadora do os mesmos, em ambas as lides – o apenso D e o apenso G, são diferentes os factos jurídicos (porque se deve considerar como tal a materialidade de cada concreto acto de despesa feita em benefício do Jovem, na data da sua ocorrência, na sua descrição e o seu montante; 5ª.) - É naturalmente os pedidos não são idênticos. Se bem que enquadráveis na qualificação de pedidos relativos ao estado de pessoas e interesses imateriais são também diferentes os quantitativos reclamados em cada despesa em cada um dos processos, e diferentes os objectos em que tais despesas foram feitas. 6ª.) – O ónus da prova da despesa cumpre-se com a sua alegação e demonstração pelo Progenitor que a fez; e que foi feita documentalmente e por presunções judiciais. 7ª.) - A ora Recorrente, para além de ter cumprido o ónus probatório a seu cargo, por meio de documentos, beneficia, igualmente das presunção judicial. Meio de prova, emergente do direito probatório civil, que a douta sentença recorrida não considerou. 8ª.) - Nessa medida, segundo as regras legais de repartição do ónus da prova, seria ao aqui Recorrido que cumpria provar a sua dispensabilidade segundo o regime legal e jurisdicionalmente aplicável. 9ª.) – A situação configurada pelos autos configura abuso de direito, matéria de conhecimento oficioso. Não tendo considerado o caso sub judicio à luz do princípio da proibição do abuso, a decisão recorrida incorreu, também, em erro de julgamento. 10ª.) – A despesa com tratamento dentário está incluída no compromisso entre os Progenitores- parte da regulação inicial, e nunca alterada – na qual se auto-compuseram, sendo a sentença meramente homologatória do acordo. 11ª.) – As despesas com a obtenção de computador acessórios são para o Jovem CC indispensáveis, dada a sua condição de estudante universitário que estuda Engenharia Informática. 12ª.) – Está na mesma condição de indispensável a despesa com a formação como condutor, isto é a chamada “obtenção” da carta”. 13ª.) – Nunca o Pai pediu a alteração dessa regulação – e apenas por essa via poderia conseguir a mudança desse compromisso, seja mediante novo acordo de pais, seja por decisão directa da Juiz. 14ª.) – Os acordos entre Pais interpretam-se segundo as regras gerais, e tal não pode ser o “thema decidendum“ dos presentes aotos, seja porque a Recorrente não colocou tal questão como pressuposto do pedido deduzido no requerimento inicial; nem a colocou o Réu. 15ª.) - Requerido que se limitou a dizer que “não era obrigado”, sem especificamente ter pedido em Juízo a sua interpretação e deixando a Autora na impossibilidade de exercício do contraditório sobre a questão da interpretação. 16ª.) - Numa lide deste tipo, está sempre em causa o interesse imaterial e o estado das pessoas, pelo que o respectivo valor processual não pode ser inferior a Euro 30,000,01. 17ª.)- A decisão recorrida ofende o caso julgado que se formou através da sentença homologatória do acordo de pais, nunca modificado. Caso julgado que admite o recurso que a Requerente desta decisão aqui interpõe, por considerar-se vencida, como é, e independentemente do valor materialmente peticionado. 19ª.) – A douta decisão recorrida violou, entre outras, as disposições dos arts. 370º. , 351º., 376º., do Cód. Civil, dos arts. 2º., 3º,. 580º., 581º. do Cód. Proc Civil, do art. 2004º. Do Cód Civil, , pelo que deve ser revogada e substituída por outra que conceda provimento ao recurso, julgando o incidente procedente O Requerido não apresentou contra-alegações. III - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. CC nasceu a .../.../2001, sendo filho de BB e de AA. 2. As respetivas responsabilidades parentais foram reguladas por acordo dos seus progenitores, homologado por sentença de .../.../2011, transitada em julgado, proferida no âmbito da ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, de que os presentes autos são apenso, tendo ficado estabelecido, para além do mais, o seguinte: d) O pai pagará, a título de alimentos, a quantia mensal de Euros: 250 (duzentos e cinquenta euros), valor que creditará em conta bancária titulada pela requerente mãe, e de que o mesmo tem já conhecimento, até ao dia 05 do mês a que disser respeito e será atualizado anualmente, no mês de Janeiro, em função do índice de atualização das rendas previsto anualmente para o ano civil seguinte; e) O montante assim acordado é devido a partir da presente data, pelo que deve o pai proceder ao pagamento de metade da mensalidade até ao final do corrente mês; f) O pai suportará ainda metade das despesas com o menor, nomeadamente de saúde (médicas e medicamentosas, aparelhos ou materiais médicos, como por exemplo óculos ou de natureza estomatológica), bem como despesas educativas e escolares (nomeadamente as explicações e livros escolares) mediante apresentação dos respetivos documentos comprovativos. 3. A requerente realizou com o filho CC as despesas elencadas no artigo 6.º do requerimento inicial. 4. CC frequenta o ensino superior e estuda engenharia informática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de .... 5. No âmbito do apenso D, em incidente de incumprimento das responsabilidades parentais que opunha os aqui Requerente e Requerido, em 25 de julho de 2017, foi proferida sentença, nos termos da qual foi decidido, além do mais, o seguinte: 6.- “VALOR DA AÇÃO: Em conformidade com o disposto no artigo 306º, números 1 e 2, do Código do Processo Civil, não comportando a presente ação a prolação de despacho saneador, compete fixar o valor à causa neste momento. Para tanto, importa ter presente o disposto no artigo 296º, número 1, do Código do Processo Civil, nos termos do qual “A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido”. Ora, contendendo a presente ação com os alimentos devidos ao jovem CC, poder-se-ia equacionar a aplicação ao caso destes autos da norma do artigo 298º, número 3, do Código de Processo Civil, nos termos da qual nas ações de alimentos definitivos e nas de contribuição para despesas domésticas o valor é o quíntuplo da anuidade correspondente ao pedido. Afigura-se, todavia, que o critério apontado se dirige às ações em que se pretende a fixação de uma pensão de alimentos (ou de uma contribuição para despesas domésticas), situação distinta da trazida a estes autos, em que se discute apenas a questão de saber se determinadas despesas, reclamadas pela requerente, deverão ou não ser repartidas com o requerido, no cumprimento da obrigação de alimentos anteriormente definida aquando da regulação das responsabilidades parentais relativas ao filho de ambos. Tampouco será de aplicar ao caso destes autos a regra do artigo 304º, número 1, do Código de Processo Civil, uma vez que, sendo invoca (a que era aplicável a regra do artigo 303º, do Código de Processo Civil), o presente incidente tem efetivamente valor diverso, pois que a sua utilidade se circunscreve ao esclarecimento da questão referida, tendo em vista a condenação do requerido no pagamento de quantia certa (a correspondente à sua participação nas despesas reclamadas), caso se conclua pela procedência do pedido. Nessa medida, o critério aplicável será o do artigo 297º, número 1, do Código de Processo Civil, nos termos do qual, se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário. Consequentemente, o valor da ação deverá ser fixado por referência à quantia pedida, a título de prestações vencidas, e às quantias que se venceram no decurso da ação, ante a remissão no pedido para o disposto no artigo 48º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, atendendo-se, como assim, a umas e outras (cf. artigo 300º, número 1, do Código de Processo Civil). Não se atenderá ao pedido de fixação de uma indemnização, uma vez que a requerente não a quantifica, deixando tal matéria para decisão do Tribunal. Pelo exposto, pretendendo a requerente obter o pagamento da comparticipação do pai nas despesas efetuadas com explicações (€: 1.200,50), viagem a ... (€: 410,00 + 60,00), despesas com creme e protetor solar (€: 20,15 + 17,71) e com tinteiro (20,00), a utilidade da presente ação cifrar-se-á na quantia de €:864,18 (oitocentos e sessenta e quatro euros e dezoito cêntimos), que corresponde a metade do valor total das referidas despesas. Será, pois, nessa quantia que será fixado o respetivo valor processual. (…) Concordantemente, as despesas com cremes, protetores solares, com o brufen da dor de cabeça ocasional, com a consulta de rotina e mesmo com o tratamento das recorrentes gripes de inverno (…), não configurando despesas extraordinárias, deverão considerar-se cobertas pela pensão de alimentos de base fixa, mensalmente a cargo do pai, a qual, reafirma-se, é de montante expressivo e bastante para lhes dar adequada satisfação, sem qualquer prejuízo para o menor nem desequilíbrio prestacional para a progenitora residente (a qual, não obstante litigar com apoio judiciário, exerce também a profissão de advogada e aparenta sinais exteriores de um considerável nível de vida, de que as férias em ..., reportadas nos autos, e o seu telemóvel de topo de gama, visionado pelo Tribunal, são exemplo). Da mesma forma, integrarão a pensão de alimentos de base fixa, mensalmente a cargo do pai, as despesas correntes com material escolar do filho, onde se incluem as mochilas, cadernos, folhas, tinteiros, canetas (…), apenas ficando de forma, e a exigir uma adicional comparticipação do pai, aquelas que, à semelhança das especificamente previstas (explicações e livros escolares), se possam considerar extraordinárias, seja pelo seu montante, seja pela raridade da sua ocorrência. Assim e em resumo, entende este tribunal não serem exigíveis ao pai, ora requerido, as despesas suportadas pela mãe com o protetor solar 50+ “Galenic Solar Spray”, no montante de € 20,15 (vinte euros e quinze cêntimos), nem com o creme da marca Locoid lipocreme 1mg/g e creme extra emoliente + gel, no montante total de € 17,71 (dezassete euros e setenta e um cêntimos), nem, finalmente, com o tinteiro de marca HP INK CART 901/TRI OFFICEJET, no montante de €: 20,00 (vinte euros). IV – Do confronto entre as conclusões das alegações e a decisão recorrida, resultaria constituírem objecto do presente recurso a apreciação das seguintes questões: - o valor do incidente em causa; - a pretendida impugnação da matéria de facto; - se a decisão, na parte em que julgou em função do caso julgado decorrente da anterior decisão proferida no apenso D, constituiu uma decisão surpresa; - se não se verifica a excepção de autoridade de caso julgado; - se a situação configurada nos autos constitui abuso de direito; - se as despesas com a carta de condução e com o computador e acessórios são despesas de formação a considerar como educacionais. Sucede que no que se refere às questões atinentes à decisão surpresa e ao abuso de direito, elas surgem nas conclusões das alegações sem que tenham tido qualquer expressão nas alegações de recurso. Ora, se do comando do nº 1 do art 639º CPC resulta que o recorrente deve concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão em função da alegação previamente apresentada, necessariamente que esta há-de comportar, não sinteticamente, esses fundamentos, o que não sucede na situação dos autos relativamente à dita decisão surpresa e ao abuso de direito. Sempre se dirá, no entanto, que a aqui apelante, nas alegações a que se reporta o art 39º/4 RGPTC, já adiantara «que a decisão objecto deste específico incidente é, materialmente, uma questão totalmente nova (…) Não há caso julgado sobre as despesas elegíveis para o efeito da coparticipação pelo pai em metade do seu montante», considerações que excluíam o entendimento que veio a ser tido pela Exma Julgadora a quo, não podendo, pois, entender-se ter a mesma ficado surpreendida com a decisão em apreço. Quanto ao abuso de direito surge o mesmo totalmente descontextualizado, não se percebendo minimamente onde está o direito, na perspectiva da Apelante e o respectivo abuso. Deste modo, serão as demais questões acima enunciadas que nos ocuparão no presente recurso. Em primeiro lugar, o valor do incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais a que se reportam os arts 41º e 48º do RGPTC. Desde os pretéritos arts 181º/2 e 189º da OTM que tem vindo a ser apontada a natureza incidental do processo de incumprimento relativamente ao processo de regulação, não se estando, manifestamente, perante um processo autónomo daquele outro. Faz sentido, ainda hoje, à luz do art 43º do RGTC, correspondente ao art 181º da OTM, referir, como se fazia no Ac STJ de 24/1/89, [1] que «o requerimento feito a tribunal, ao abrigo do art 181º da OTM, para que determine as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa (…) constitui uma providência de cariz incidental, dado pressupor ou envolver uma ocorrência estranha aos termos e actos normais do processo de regulação do poder paternal, embora com uma tramitação própria, distinta da providência da regulação do poder paternal que lhe serve de matriz ou origem. Tendo a providência requerida o carácter de episódio ou acidente, pois que visa a resolução de uma questão secundária e acessória que se enxertou na questão fundamental (…)». O processo incidental de incumprimento em causa comporta uma fase declarativa – referente ao apuramento do incumprimento - a que são aplicáveis subsidiariamente as regras processuais referentes aos incidentes da instância, por força do disposto no art 986º/1 CPC - e uma fase executiva - referente ao decretamento das medidas tendentes ao cumprimento. Segundo o nº 1 do art 304º CPC, o valor dos incidentes «é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores». A questão, é, portanto, a de saber, se o facto de neste tipo de processo de incumprimento estar directamente em causa o apuramento do montante deste, implica que se deva entender que o incidente em que se traduz tem «realmente» valor diverso do da causa, como foi entendido no apendo D, quando aí se referiu que «o presente incidente tem efetivamente valor diverso, pois que a sua utilidade se circunscreve ao esclarecimento da questão referida, (em que se discute apenas a questão de saber se determinadas despesas, reclamadas pela requerente, deverão ou não ser repartidas com o requerido, no cumprimento da obrigação de alimentos anteriormente definida aquando da regulação das responsabilidades parentais relativas ao filho de ambos) tendo em vista a condenação do requerido no pagamento de quantia certa (a correspondente à sua participação nas despesas reclamadas), caso se conclua pela procedência do pedido». E se aplicou o critério de fixação do valor constante do nº 1 do art 297º - «Se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário». Não é esse o nosso entendimento, antes se aderindo à posição da apelante, no aspecto em apreço, subscrevendo-se as suas considerações a esse respeito, que a mesma condensou na conclusão 16ª - «Numa lide deste tipo, está sempre em causa o interesse imaterial e o estado das pessoas, pelo que o respectivo valor processual não pode ser inferior a Euro 30,000,01.» Efectivamente, e como a mesma o evidencia, «em qualquer lide de incumprimento, lide essa que está na dependência da regulação das responsabilidades parentais que se quer ver executada face ao inadimplemento do devedor, está em causa a discussão de interesses imateriais. A satisfação do dever de alimentos e, particularmente a satisfação de tal dever em relação a Jovens adultos, é da essência do direito à vida, direito fundamental estruturante da tutela das pessoas no próprio Ordenamento Jurídico-Constitucional, no contexto do princípio do Estado de Direito Material, proclamado pela nossa Constituição. A montante do aspecto material objectivado no valor pecuniário das prestações em que se concretiza, (…) está o interesse imaterial em que as responsabilidades dos Pais em relação aos Filhos, crianças ou jovens adultos, sejam satisfeitas integral e pontualmente. Nessa medida, o interesse imaterial caracteriza sempre o processo, qualquer que seja o momento da regulação em que se concretiza o específico incumprimento imputado à contra-parte. Nem pelo facto de, por vezes, esse incumprimento se concretizar em quantias a pagar em dinheiro, a lide deixa de ter por objecto interesses imateriais. O Estado assume como tarefa prioritária que o dever dos Pais em relação aos Filhos, por prestações de qualquer natureza, relacionadas com a sua condição de fragilidade pessoal associada à situação de criança ou de jovem seja cumprida. E, processualmente, seria inadmissível, porque arbitrário e discriminatório, separar deveres de prestação dos Progenitores expressos em dinheiro e deveres de prestação dos Progenitores expresso no regime de visitas ou nos tempos de convívio com o Progenitor não guardião». Esse ponto de vista vê-se reflectido na jurisprudência[2] dizendo-se que «o incidente de incumprimento previsto no art 181º da OTM, tem o valor processual do processo principal, sempre superior à alçada do Tribunal da Relação (…) ». Ou que «o incidente de incumprimento em regulação do poder paternal por falta de pagamento de pensão de alimentos, tem o valor processual do processo principal e por isso sempre superior à alçada da Relação». Por outro lado, e como melhor se verá em função das considerações que adiante se farão a respeito da excepção decorrente da autoridade do caso julgado, não podia o Tribunal a quo, como fez, transpôr para o presente incidente a decisão referente ao valor daquele a que se reporta o Apenso D - que parte da aplicação do critério do º 1 do art 297º CPC– a coberto daquela excepção, pelo simples motivo de estar em causa um incidente diverso daquele que aí foi julgado e a questão do valor do mesmo não se configurar como prejudicial, mas constituir o thema decidendum. Coimbra, 30 de Maio de 2023 (Maria Teresa Albuquerque) (Falcão de Magalhães) (Pires Robalo)
|