Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3283/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO ALBUQUERQUE
Descritores: BALDIOS
ALIENAÇÃO
APROPRIAÇÃO PRIVADA
Data do Acordão: 01/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 4º, 28º , 31º E 39º DA LEI Nº 68/93, DE 4/09
Sumário: I – Os terrenos baldios não pertencem ao domínio público, nem ao domínio privado do Estado ou das autarquias locais, constituindo, antes, propriedade comunal ou comunitária dos moradores de determinada freguesia ou localidade desta e que exerçam aí a sua actividade .
II – Actualmente estão os baldios de algum modo dentro da disciplina do direito privado, embora com inúmeras especificidades, de harmonia com a actual lei – Lei nº 68/93, de 4/09 -, designadamente restrições quanto à sua alienação – artº 31º - e só quando extintos entram eles no domínio privado da autarquia em que se inserem – artº 28º, al. a).

III – Não é o interesse público ou o interesse geral da população servida pelas autarquias locais que a lei dos baldios pretende proteger, antes a preservação de uma forma de propriedade sui generis , regida em parte por regras consuetudinárias .

IV – Não é abusiva a actuação do Ministério Público em defesa do interesse dos compartes contra os interesses do Estado ou das autarquias locais, pretendendo fazer valer, nos termos da lei, a nulidade de actos e contratos celebrados sobre terrenos baldios e que redundam num benefício ilegítimo da autarquia ou do Estado .

V – No artº 39º da actual Lei dos Baldios – alterado pela Lei nº 89/97, de 30/07 - estão previstas circunstância muito especiais para a alienação dos terrenos baldios, visando-se regularizar situações anteriores – construções criadas até à publicação da Lei de 1993 -, anómalas, de levantamento de construções duradoiras destinadas a habitação ou a fins de exploração económica ou de utilização social, sendo que o recurso à acessão industrial imobiliária aí previsto carece de ser feito valer no prazo de um ano a contar da data de entrada em vigor da Lei nº 89/97, de 30/07, e pelos proprietários das construções feitas nesses terrenos .

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível da Relação de Coimbra:

I – O Digno Magistrado do Ministério Público intentou em 21 11/1996 e no âmbito da legitimidade que lhe assiste para defesa dos interesses dos compartes dos baldios, conferida pelo artº 4º,nº2 da Lei de Baldios em vigor (Lei nº 68/93 de 4/09, alterada pontualmente pela Lei nº 98/97 de 30/07) no tribunal supra identificado, a presente acção ordinária contra :
1 ) A...
2 ) B...
3) C...
4) D...
5) E...
6) F...
7 ) G...
8) H...
9) I...
10) J...
11) K... e mulher L...
12) M... e mulher N...
13) O... e mulher P...
14) Q... e mulher R...
15) S... e mulher Maria de Fátima da Costa Ferreira
pedindo, a final, a condenação dos RR a :
a) Ver declarada a nulidade da justificação notarial titulada pela escritura de 22/05/1996;
b) Ver declarada a nulidade dos contratos de compra e venda celebrados entre a 1ª R e os RR O..., K..., H..., S..., Q..., I..., M... e “J...”;
c) Ver declarada a nulidade da doação do prédio denominado “ Berganteiro Baixo “, feita pelo R I... a a favor do R H... ;
d) Reconhecerem que os prédios são terrenos baldios e a abrir mãos dos mesmos a favor dos compartes do lugar de Mogueirães;
e) Abster-se a 1ª R de praticar quaisquer actos materiais de apossamento ou outros que dificultem ou impeçam o uso e fruição de tais baldios pelos respectivos compartes;
f) Ver cancelados o registo dos mesmos prédios no que respeita à titularidade a que se arrogam sobre eles.
Alega, em resumo, que em 22 de Agosto de 1995, foi celebrada uma escritura de justificação do direito de propriedade por posse usucapiente da autarquia mencionada (indevidamente identificada pelo respectivo órgão executivo, ou seja, a Junta da Freguesia de Cambra), e conforme declarações prestadas pelos 2º, 3º e 4º RR dos terrenos rústicos denominados “Vale de Abrosa de Baixo”, “Vales “, “Berganteiro “, Vale de Abrosa “, “Berganteiro de Baixo”, “Picoto”, “Lomba da Porqueira “, “Medeiro”, todos situados na dita freguesia e melhor identificados na p.i, tendo tais declarações sido confirmadas pelos RR E..., F... e G... (5, 6º e 7º RR) na qualidade de testemunhas.
Mais alega que no mesmo acto, os 2º, 3º e 4º RR sempre em representação da Junta de Freguesia e cada um dos RR O..., K... , H..., S..., I... , M... , Q... (13º, 8º,16º9º, 12ºe 14ºRR) e ainda U..., este na qualidade de sócio-gerente da R “J... “(10ª R) declararam vender e comprar aqueles prédios rústicos, tendo sido na base dessa escritura efectuado o registo das aquisições na Conservatória a favor dos RR O..., K... , H..., I..., M... e “J... “.
Posteriormente o R H... adquiriu por doação do R I..., o prédio “Berganteiro de Baixo “, com inscrição do respectivo direito a seu favor.
Acontece que contrariamente ao exarado em tal escritura , jamais a 1ª R os possuiu como proprietária, antes desde tempos mais recuados que os habitantes do lugar de Mougueirães têm tirado dos ditos terrenos todas as vantagens possíveis, pelas mais diversas formas, em conjunto e sem oposição, na convicção de estarem a usufruir de coisa que comunitariamente lhes pertence, com observância dos usos e costumes reconhecidos pela comunidade de que fazem parte e das comunidades vizinhas a que por direito histórico e até por usucapião constituindo baldios, sendo, pois, falso que a Junta exercesse quaisquer actos de posse como proprietária, o que é do conhecimento de todos eles.
E refere ainda que a escritura de justificação, bem como as subsequentes transmissões onerosas ou gratuitas dos prédios são nulas por incidirem sobre baldios, existindo desconformidade entre a sua titularidade registral e a real.
Citados, os 1º a 7º, 9º e 11 º s RR contestaram em conjunto, impugnando os factos alegados e sustentando que os prédios em causa sempre foram do domínio privado da autarquia, com dedução da factualidade pertinente com a sua aquisição por posse usucapiente e a presunção registral.
Disseram ainda que as escrituras foram sobejamente divulgadas e publicitadas por toda a região, bem como a pretensão da 1ª R em vender os terrenos, através da afixação de anúncios públicos nos locais adequados e de após a outorga das escrituras, ser o seu extracto publicado no jornal tendo decorrido o prazo legal de 30 dias para serem inscritos a favor dos adquirentes no registo os direitos derivados da compra `1ª R , concluindo pela sua absolvição .
Também a R “J... “(10 ª R) contestou, afirmando ter adquirido por arrematação em hasta pública o prédio denominado “Medeiro” e que pretendendo construir no local as suas instalações viu aprovada pela Câmara Municipal o seu projecto, tendo procedido a diversas benfeitorias e que sempre agiu de boa fé, pelo que mesmo que fosse verdade o que alega o A, se estaria perante um clamoroso abuso de direito, a impôr a sua absolvição do pedido.
E em reconvenção, pede que no caso da nulidade vir a ser declarada e não ser considerado o abuso do direito que por força da acessão industrial imobiliária, visto as benfeitorias terem o valor de 9.579.823$00 e o terreno tal como existia antes da incorporação das mesmas, não mais de 1.326.250$00 que se lhe reconheça o direito a fazer seu o prédio em causa.
Por seu turno os RR M... e mulher (12ºs RR) contestaram igualmente os factos articulados na petição e que sempre estiveram convictos que o prédio que adquiriram por compra era propriedade da autarquia, acrescentando que a venda foi publicitada pela 1ª R através de editais afixados em variados locais e que na arrematação em hasta pública foram cumpridas todas as formalidades e feitas as vendas em sessão aberta a toda a gente .
Mais alegam ter decorrido mais de um ano desde a data da escritura sem que alguma vez ela tivesse sido posta em causa e nem mesmo quando procederam a trabalhos de terraplanagem com vista à instalação de um estaleiro de materiais de construção civil, o que além do mais poderá configurar a iniciativa do Mº Público como um abuso de direito, a implicar a improcedência, mesmo que se viesse a provar a natureza de baldio dos terrenos .
Igualmente os RR O... e mulher(13º RR) contestaram nos mesmos termos dos anteriores e no que respeita ao prédio que adquiriram, concluindo pela improcedência.
Também o R H... e ímplicitamente, a da interveniente Caixa
Inconformados, recorreram de apelação as RR A... e outros, J... e Caixa Geral de Depósitos, tendo apenas as duas últimas apresentado alegações na 1ª instância em que concluem nos seguintes termos:

Apelação da R J...
1 – O princípio da boa fé, nos contratos e fora deles, aplica-se a todos os intervenientes, incluindo o Estado
2 – A interpretação da lei pode e deve fazer-se perspectivando não só o seu elemento literal, mas também aquilo que o legislador pretendia proteger com determinado preceito.
3 – È possível a uma entidade admnistrativa o não cumprimento de uma ordem quando em resultado desse mesmo cumprimento os prejuízos daí resultantes para si e para terceiros sejam manifestamente superiores aos que resultam desse mesmo cumprimento, tomando-se em consideração nesta área o interesse público como fim último a prevalecer .
4 – A recorrente é uma sociedade comercial que se dedica à produção de aves e que adquiriu um terreno para a construção de pavilhões, no âmbito da prossecução dessa sua actividade, à vista de de toda a gente, de forma publicamente publicitada antes e depois da escritura.
5 – Não devendo resultar dúvidas sobre a boa fé de actuação da sociedade ora recorrente aquando desta compra .
6 – E não milita em sentido contrário a esta boa fé o facto provado em 13. de que um dos seus sócios e gerentes ter conhecimento que o terreno era administrado pela A..., a vendedora .
7 – Não é legítimo pensar-se que um gerente deva ter conhecimento jurídico suficiente e capaz de discernir entre uma administração de um terreno e a possibilidade da sua propriedade ser de outrem por se tratar de uma simples administração, não compatível com a propriedade .
8 – A... recebeu o preço da aquisição realizada pela recorrente e utilizou essa verba em benefício da população em geral, como lhe compete .
9 – Na sequência da escritura, a recorrente pagou o preço à Junta de Freguesia, pagou os custos da escritura e da Conservatória, pagou a sisa, o licenciamento da construção e outras licenças.
10 – Foi devidamente licenciada para a construção, para a ligação eléctrica e para o específico fim a que se dedica.
11–Lidou desde o início com todas as entidades públicas competentes, sem qualquer restrição .
12 – Com a venda realizada à recorrente e com as demais, as entidades públicas e em particular a Junta receberam as contrapartidas devidas, tendo-as integrado na sua contabilidade e utilizado a favor de de todos.
13 – Sendo este interesse público que a lei pretende proteger com a legislação relativa aos baldios .
14 – A decisão do tribunal, ao decidir na simplicidade do preceito legal, é violadora das elementares regras de boa fé.
15 – Constituindo uma situação abusiva que o Mº Público, em representação dos interesses do Estado pretenda por esta via a aplicação da lei, literalmente quando um outro organismo do Estado beneficiou dessa mesma actuação e foi aliás quem a imaginou e levou à prática
16 – A improcedência da acção será, assim, um acto de justiça.
17 – A situação dos autos configura, assim, o instituto do abuso do direito.
18 – Pois o cumprimento da decisão sempre se revelará mais prejudicial para o Estado e para os cidadãos do que o seu não cumprimento.
19 – Devendo, assim, aferir-se a proporcionalidade entre o custo do cumprimento ou incumprimento, ponderados os benefícios e os prejuízos
20 – A ser levado ao extremo o decidido, a recorrente julga–se no direito de ser reembolsada pela Junta que lhe vendeu o terreno, do custo do mesmo bem como a indemnizá-la de todos os prejuízos causados.
21 – O que será insustentável para a autarquia e para os cidadãos
22–Tanto mais que todos os cidadãos, sem excepção e ainda que políticamente adversos, beneficiaram do encaixe financeiro realizado pela Junta.
23 – Deve ainda entender-se ser possível a aplicação da acessão industrial imobiliária, sendo certo que os factos provados contêm todos os pressupostos para o efeito.
24 - A decisão em análise é violadora do constante nos artºs 227º, 334º e 1340º do CC, dos artºs 1º,3º,4º,nº1, 26º a 31º e 39º da Lei nº68/93 de 4/09 e do artº 668º nº1 do CPC.

Apelação da Caixa Geral de Depósitos
1 – A Lei nº 89/97 de 30 de Julho não é uma mera lei interpretativa, mas antes lei inovadora, na medida em que introduz na ordem juridica alterações relativamente ao regime anteriotrmente existente.
2 – Com carácter inovatório, a dita Lei facilitou o recurso a acessão imobiliária, passando a presumir-se a boa fé de quem construiu, permitiu o recurso à aquisição por acessão imobiliária , ainda que o valor do terreno fosse superior ao valor acrescentado e concedeu um novo prazo de um ano para regularizar as situações de obras irregularmente levantadas em terreno baldio.
3 – As ressalvas introduzidas pela Lei nº 89/97 na redacção do nº2 do artº 39º da Lei nº 68/93 de 4 de Setembro, abrangem todas as situações de facto existentes na data em que a Lei alteradora entrou em vigor, ou seja, em 4 de Agosto de 1997.
4 – A Lei nº 89/97 concedeu o prazo de um ano, contado desde 4 de Agosto de 1997, para que os proprietários das construções efectuadas em terrenos baldios accionassem o direito de adquirir os mesmos terrenos por acessão imobiliária.
5 – Relativamente ao R H... não se tornava necessário, nem admissível tomar qualquer outra actuação naquele sentido, uma vez que na sua contestação/reconvenção de 11/04/1997 havia já invocado o seu direito de adquirir por acessão imobiliária os prédios “Berganteiro” e “ Berganteiro de Baixo “
6 – A ora recorrente fez sua a contestação do R H... e enquanto titular da hipoteca inscrita sobre os mesmos prédios, tem interesse na manutenção dos registos de aquisição e de hipoteca em vigor sobre os mesmos prédios.
7 – A d. sentença em apreço não fez correcta aplicação da Lei nº 89/97 de 30 de Julho, ao determinar que esta lei introduziu no nº 2 do artº 39º repercutiam os seus efeitos ao início da vigência da lei alterada – Lei nº 68/93 de 4 de Setembro (Lei dos Baldios ).
8 – A interpretação da douta sentença se vingasse, inutilizaria os efeitos pretendidos pelas alterações de 1997, já que nem sequer os potenciais destinatários disporiam do prazo ora concedido que com aquela interpretação, teria de se considerar já decorrido.
9 – A melhor interpretação da aludida legislação deveria ter conduzido à declaração de aquisição pelo R. H... dos prédios “Berganteiro” e “Berganteiro de Baixo” por acessão imobiliária, mantendo-se os registos dessa aquisição e da hipoteca a favor da ora recorrente .
O Ministério Público contralegou sustentando o acerto da sentença, contrariando os fundamentos de um e outro dos recursos
Outrossim e nas alegações do agravo interposto pela A... e outros do despacho que mandou repetir a notificação prevista no artº 512º do CPCivil, agravo esse mandado subir com aquelas apelações, a requerimento das mesmas que não alegaram na apelação, disseram eles nas conclusões, o seguinte :
1 – O douto despacho de fls decidiu na primeira parte indeferir o requerido pelo Mº Público e considerar sanada a nulidade por este invocada.
2 -Assim sendo, assegurar a tramitação prevista no DL 44129 não significa necessariamente conhecer nessa altura das reclamações contra a especificação e o questionário.
3 – Na verdade, na fase em que se encontram os autos .- designado dia para julgamento - lógico seria que as reclamações fossem decididas nessa fase.
4 – Não pode ser deixado ao livre arbítrio do tribunal o momento de conhecer das reclamações pelo facto de se ter verificado um desvio no formalismo processual descrito na lei .
5 – E mesmo que o douto despacho recorrido decidisse apreciá-las, para como se diz “ proceder às rectificações necessárias e possíveis para que tal tramitação seja respeitada e seguida”, deveriam as partes ser notificadas dessa decisão apenas para efeitos de dela tomarem conhecimento e não para as notificar para juntar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova
6 – Na verdade a notificação para este efeito – junção da prova – foi feita às partes em 7/10/1999.
7 Após esta data, foram as partes notificadas em 8 de Novembro seguinte da admissão dos róis, em 16 de Dezembro da nomeação de perito, em 23 de Março de 2000 do resultado da peritagem, em 19 de Maio da data a designar julgamento, sendo certo que só após aquela data veio o Mº Público juntar o seu rol de testemunhas , arguindo uma nulidade quer foi considerada sanada pelo Tribunal.
8 - A decisão recorrida, considerando sanada a nulidade invocada não pode permitir ao mesmo tempo voltar-se a uma fase processual há muito ultrapassada – a da junção da prova.
9 – O douto despacho é assim contraditório, pois ao julgar sanada a nulidade invocada deveria assegurar a observância da tramitação adequada sem prejuízo dos actos processuais já praticados pelas partes.
Não houve contra-alegação do Ministério Público.

II – Nesta instância foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, pois , decidir.

III – Antes porém de apreciarmos o objecto dos recursos de apelação, importa que nos debrucemos sobre o recurso de agravo interposto pelos RR Junta de Freguesia e outros, mandado subir não obstante a deserção decretada do respectivo recurso de apelação e face ao requerimento, nesse sentido, por arrastamento e em vista dos recursos de outros RR já que a eventual procedência do mesmo, implicará necessariamente a anulação do julgamento, prejudicando a apreciação das apelações.

Esquemáticamente e no que a este recurso respeita, são os seguintes os factos a ter em conta:
- Como atrás se disse, a presente acção foi intentada pelo Ministério Público em 21/11/1996
- Ultrapassada a fase dos articulados e sem precedência de audiência preliminar, foi proferido a fls despacho saneador, com a selecção dos factos assentes e organização da base instrutória e em que, na parte final, se ordenou o cumprimento do artº 512º do CPC.
- Todos os RR apresentaram no prazo nele previsto os seus róis de testemunhas e requerimentos de prova, tendo ainda os RR Junta de Freguesia e outros e a Caixa Geral de Depósitos apresentado reclamações contra a selecção dos factos assentes e controvertidos e os RR M... Torres e mulher requerido uma perícia
- Por despacho de fls 391, foram admitidos os róis e a perícia e ordenada a notificação do A dos róis e das reclamações apresentadas pelos RR supra identificados.
- O Mmo Juiz deu depois seguimento à perícia, designando perito tendo por anterior despacho de fls dito que oportunamente se iria pronunciar sobre as reclamações e mandado seguir os autos para o Presidente do Círculo para marcação do julgamento.
- Concluida a perícia e apresentado o relatório, sendo depois os autos sido remetidos a Viseu para indicação da data do julgamento, veio , então, o Ministério Público por requerimento de fls 407 arguir a nulidade da omissão do despacho a decidir as reclamações, por ser aplicável ainda aos autos a tramitação prevista no CPC anterior á Reforma, sendo que só a partir da notificação de tal despacho deveria correr o prazo para apresentação dos róis de testemunhas e requerimento de outras provas
- Esta arguição foi contrariada pelos RR Junta de Freguesia e outros que aceitando ser aplicável de facto aos autos a anterior formulação do artº 511ºque impunha que o Juiz decidisse as reclamações apresentadas, após o que correria o prazo de apresentação das provas a partir da respectiva notificação oficiosa pela secretaria afirmaram que o Ministério Público deveria logo ter arguido a nulidade, o que não fez quando notificado do despacho onde se determinara o cumprimento indevido do artº 512º, nos termos da tramitação imposta pela reforma, e depois o que lhe mandara dar conhecimento das reclamações entretanto apresentadas e do pedido de perícia, deixando correr os autos até à fase do julgamento.
Postos os factos , vejamos, agora , o direito.
Com efeito, o Mmo Juiz, reconhecendo que a arguição do Ministério Público contra o desvio operado ao formalismo próprio previsto nos artºs 511º e 512º do CPC na redacção anterior à reforma e aplicável aos autos, por via do disposto no artº 16º do DL nº 329-A /95 era já extemporâneo, não deixou, por outro lado de reconhecer impôr-se o cumprimento de tal tramitação no que respeita às reclamações contra a especificação e o questionário que ainda não haviam sido objecto de qualquer decisão, donde ao deferir as ditas reclamações, entender dever seguir-se a notificação prevista no artº 512ºna anterior redacção, para se restabelecer a sequência dos actos processuais determinada no CPC antes da respectiva reforma
È contra este entendimento que se insurgem os agravantes, contrapondo que sanada que ficou a nulidade, por não tempesti vamente arguida pelo desvio operado no formalismo atinente ao momento próprio da notificação para as partes apresentarem os requerimentos de prova, não tinha o Mmo Juiz que ordenar de novo a dita notificação, mesmo considerando que a decisão sobre tais reclamações era prévia à notificação oficiosa das partes para apresentarem os seus róis de testemunhas e requerimentos de prova, sob pena de entrar em contradição com a primeira parte do despacho
Cremos que os agravantes não têm razão no que afirmam.
Desde logo e se é verdade que o Ministério Público não estava em tempo de reclamar contra o desvio operado na ordem das notificações do despacho saneador, da especificação e questionário ( apesar de epigrafadas tais peças com a nova terminologia da reforma,) não menos certo é que as próprias agravantes vieram reclamar contra os mesmos , fazendo-o fora do tempo próprio, no âmbito da tramitação imposta pelo novo regime processual ( posteriormente alterada pelo DL nº38/2003, de 8/03 que voltou a admitir as reclamações contra a selecção da matéria de facto a partir da notificação do saneador) visto segundo o disposto no artº 508-B introduzido pela dita reforma, o momento adequado para o efeito e não havendo audiência preliminar, ser o início da audiência de julgamento, cabendo , então ao juiz que a ela presidisse decidir as mesmas e sendo facultado, em caso de alargamento da base instrutória, a apresentação das respectivas provas pelas partes ou imediatamente ou no prazo de dez dias, tudo conforme resulta do artº 650º, nºs 1 aln f) e nº2.
Ora tendo sido logo deduzidas tais reclamações e sendo certo que o Mmo Juiz se apercebeu antes de sobre elas se pronunciar que os autos tinham indevidamente tramitado como se fosse aplicável o novo regime - que prescindiu, em ordem à maior celeridade dos autos do compasso de espera decorrente da resolução do incidente de reclamação das partes contra a especificação e o questionário como prévio à abertura da fase da instrução, acaso não decidisse o tribunal pela realização da audiência preliminar, como sede preferencial para a resolução das mesmas, nos termos do nº1 do aln e) do artº 508º-A - nada obstava a que no uso dos seus poderes de ordenar a tramitação dos autos segundo o regime legal aplicável, tivesse decidido tais reclamações e na sequência determinado que as partes fossem advertidas para apresentarem as respectivas provas.
Doutra forma, estaria a ser subvertida a lógica da tramitação que não obstante o indevida ordem de cumprimento do artº 512ºas partes, mais particularmente, os próprios agravantes seguiram ao apresentarem logo as respectivas reclamações que determinaram com o seu deferimento, a modificação, tanto da especificação como do questionário, e aceitando de resto que era o regime processual do Código, antes da Reforma, o aplicável aos autos.
Logo, o que não faria sentido é que ao decidir tais reclamações, elas mesmo apresentadas na perspectiva da aplicabilidade da sequência definida pelo regime dos artºs 511º e 512º, mau grado ter sido ordenado, por eventual lapso, o cumprimento deste último preceito, não devesse o Mmo Juiz atribuir a tal despacho o efeito jurídico inerente à luz do regime processual aplicável, ou seja, agindo de forma a assegurar a harmonia e a unidade entre os actos de processo praticados e a praticar, por via da tramitação erradamente mandada seguir, com aquela notificação.
Desta feita , entendemos que não existe a apontada contradição, usando, sim, na emergência, o Mmo Juiz os poderes conferidos no artº 266ºdo CPC, para a reposição da normalidade dos trâmites legais do processo.
Em conformidade, entendemos que o agravo não pode proceder.

IV -Posto isto, vejamos quais os factos que foram considerados assentes e provados e que os apelantes não questionam, apenas discutindo, nos termos que adiante analisaremos, a aplicação do direito
1) No dia 22 de Maio de 1995, no Cartório Notarial de Oliveira de Frades, foi celebrada escritura pública de justificação, na qual B..., C... e D... declararam que a A... é dona e k legítima possuidora, com exclusão de outrém, dos seguintes prédios, de que se omitem para maior economia, as confrontações respectivas e todos eles situados nos limites do lugar de Mogueirães, concelho de Vouzela e inscritos a favor da 1ª R :
a) terreno denominado “Vale de Abrosa de Baixo”, inculto, inscrito na matriz sob o artº 7376, com a área de 980m2, valor patrimonial de Esc 5.000$00 e declarado de Esc 105.000$00.
b) Terreno denominado “Vales “, inculto,)inscrito na matriz sob o artº 7377, com a área de 1.000m2, com o valor patrimonial de 5.000$00 e declarado de 130.000$00;
c) Terreno denominado “Berganteiro “, inculto, inscrito na matriz sob o artº 7378º, com a área de 1.150m2, valor patrimonial de Esc 6.000$00 e o declarado de 110.000$00;
d) Terreno denominado “Vale de Abrosa “inculto, inscrito na matriz sob o artº 7739, com a área de 1000m2, valor patrimonial de 5.000$00 e declarado de 110.000$00.
e) Terreno denominado “Berganteiro de Baixo “, inculto, inscrito na matriz sob o oartº7380º,, com a área de 850m2, com o valor patrimonial de 5.000$00 e o decç larado de 110.000$00;
f) Terreno denominado “Picoto”, culto e inculto, inscrito na matriz sob o artº 7381º, com a área de 2.000m2, o valor patrimonial de 12.000$00 e o declarado de 220.000$00;
g) Terreno denominado “Lomba da Porqueira”, culto e inculto, inscrito na matriz sob o artº7328, com a área de 990m2, valor patrimonial de 5.000$00 e declarado de 60.000$00;
h) Terreno denominado “Medeiro” inculto, inscrito na matriz em nome da 1ª R sob o artº 7383º, com a área de 32.700m2, valor patrimonial de 15.000$00 e declarado de 1.226.250$00;
2 – Mais se diz na referida escritura que a A... , desde há mais de 20, 30 , 50 e 100 anos vem usufruindo directamente ou por outras pessoas a quem os cede, como coisa própria autónomas e exclusiva, dos prédios referidos no número anterior, deles retirando as utilidades de que são susceptíveis, designadamente cortando a árvores para venda , resinando pinheiros, roçando matos, plantando árvores, tais como pinheiros, o que tudo tem sido feito à vista de toda a gente, de forma pacifica e ininterrupta, sem oposição de quem quer que seja e que com base em tal declaração foi justificada a titularidade dos prédios pela 1ª R;
3 – No mesmo acto notarial, B..., C... e D..., em representação da A..., venderam :
a) ao R O..., o prédio denominado “Vale de Abrosa de Baixo” pelo preço de 105.000;
b) ao R K... o prédio denominado “Vales “;
c) ao R H... o prédio denominado “Berganteiro”;
d) ao R S... o prédio denominado “Vale de Abrosa “
e) ao R I..., o prédio denominado “Berganteiro de Baixo;
f) ao R M... , o prérdio denominado “Picoto”
g) ao R Q..., o prédio denominado “Lomba da Porqueira”
h) a U... , na qualidade de sócio gerenteda R “J... “ o prédio denominado “Medeiro”
4 – Com bza< ase na do ita escritura foi efecti uado o registo dos prédios denominados “Vale de Abrosa de Baixo “, “Vales “”Berganteiro”, “Berganteiro de Baixo “, “Picoto “ e “Medeiro” os quais foram inscritos a favotr dos RR compradores .
5 – Por doação do R I..., o R H... adquiriu o prédio rústico denominado “ Berganteiro de Baixo “, o qual se encontra , agora inscrito a seu favor;
6 – Os prédios identificados em 1) encontram.-se inscritos na matriz em nome da R Junta de Freguesia ;
7 – A escritura de justificação mencionada em 1) foi publicitada e e divulgada em toda a região, bem como a pretensão da Junta em vender os ditos prédios, esta através de anúncios publicos no adro da Igreja, na sede da Junta de Freguesia e em todos os estabelecimentos comerciais da zona ;
8 – Após a outorga da escritura foi publicado extracto da mesma no jornal;
9– Encontra-se registada, desde 2/06/1997, sobre o prédio i identificado em c) do nº1, hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos para garantia de um empréstimo no valor de 6.000.000$00
10 – Desde tempos imemoriais, há mais de cem anos que os habitantes do lugar de Moguirães têm retirado dos terrenos identificados em 1) todas as vantagens possíveis, designadamente lenha, matos , pastoreio e estrumes;
11 – o que sempre fizeram em conjunto , à vista de toda a gente, sem oposição ou interrupção de quem quer que fosse , como se de um direito de vizinhos se tratasse e na convicção de estarem a usufruir de coisa que comunitariamente lhes pertence;
12 – O uso e a fruição atrás referidos têm vindo a ser feitos de acordo com os usos e costumes reconhecidos pela com unidade de que faziam parte e das comunidades vizinhas;
13 - Os RR compradores e o sócio gerente da R J... tinham conhecimento de que os terrenos em causa eram administrados pela A... ;
14 – A R “Avicambfra Lda “ apresentou na Câmara Municipal de Vouzela, o seu projecto de construção para o terreno adquirido, sendo o mesmo licenciado;
15 – Para o efeito despendeu a quantia de 119.540$00;
16 – Posteriormente tais projectos vieram a ser licenciados para o específico fim da sua actividade através de alvará concedido pela Direcção Regional de Ambiente e Recursos naturais do Centro;
17 Onde despendeu as quantias de 43.093$$ e 20.000$00.
18 – No terreno que adquiriu à R “Avi cambra Lda “ ef dificou uma cabine telefónica, tendo solicitado a competente ligação para o fornecimento que foi realizada pela EDP a suas expensa gastando 324.897$00;
19 – Construiu uma cabine para o furo de água onde também colocou depósitos para a mesma ;
20 – Vedou, ainda o terreno adquirido com rede colocada sobre um murete de cimento e tijolo, suportado por ferros espaçadamente colocados;
21 – Após o que edificou uma construção em blocos, coberta a telha, na qual entroncam perpendicularmente dois pavilhões de forma arredondada e revestidos integralmente com material de fabrico italiano, adequado para a manutenção de certas temperaturas.
22 – Antes das obras, o terreno tinha o valor de 1.226.250$00;
23 – Com as obras realizadas pela R “J... “o prédio passou a ter o valor de 9. 579.83 23$00;
24 – Após a aquisição do prédio, os RR M...s e mulher procderam à sua terraplanagem, com o que gastaram a quantia de 600.000$00;
25 – O R H... requereu na Câmara Municipal de Vouzela licença para a construção de uma casa de habitação nos prédios denominados “Berganteiro de Baixo” e “Berganteiro “, bem como para a construção de um muro de vedação dos prédios, no que despendeu as quantias de de 37.800$00 e 8.191$00 respectivamente;
26 – Requereu, ainda, licença de utilização do domínio hídrico na DRARN para abertura de um furo artesiano no mesmo prédio e que lhe custou 20.380$00.
27 – Procedeu, nos referidos prédios ao início de construção de uma casa de habitação, à construção de um muro de vedação e à abertura de furo artesiano, onde já gastou no total de 5.000.000$00;
28 - Os prédio denominados “Berganteiro “ e “Berganteiro de Baixo “ à data da escritura valiam a quantia total de 220.000$00;
29 –Com as obras realizadas pelo R H... nos prédios em causa, os mesmos passaram a ter, dado constituirem , actualmente um único prédio, pelo menos, o valor de 5.000.000$00,
30 - O prédio identificado em c) do nº 1 valia antes de nele ser implantado o prédio urbano, não mais de 120.000$00.
31 – Após a construção passou a valer, pelo menos 6.500.000$00.

V - Como é bem sabido os recursos são conhecidos pela ordem da sua interposição – artº 710º , nº1 – pelo que começaremos por apreciar a apelação da R” J... “ cujo requerimento antecedeu de um dia, o apresentado pela R (interveniente )Caixa Geral de Depósitos
No âmbito deste recurso, cujo objecto se acha circunscrito pelas conclusões da alegação respectiva, nos termos dos artºs 660º, nº2, 684º, nº3 e v690º,nº1 do CPC, são essencial e aparentemente duas as questões que nos compete dilucidar, a saber :
a) O abuso de direito
b) A acessão industrial imobiliária.

A questão do abuso de direito.
A recorrente volta de novo a insistir no seu recurso na tese de que o exercício da presente acção pelo Ministério Público com vista a fazer valer a nulidade dos actos e negócios jurídicos de apropriação e subsequente transmissão dos terrenos baldios identificados nos autos e a restituição dos mesmos à posse dos compartes do lugar de Mogueirães, de harmonia com o disposto no artº 4ºda Lei dos Baldios se traduzia num verdadeiro abuso de direito, por exceder de forma clamorosa e conforme o disposto no artº 334º do CCivil, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico e social do direito.
Ora esta questão foi tratada, diga-se com muita proficiência e de forma asaz desenvolvida na douta sentença, acentuando-se na mesma após diversas considerações sobre a magna importância de tal instituto que para que o abuso de direito exista não basta que o seu exercício deste cause prejuízo a outrém, é necessário que o respectivo titular exceda de forma clamorosa e intolerável os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social do direito.
Acontece que no caso em apreço para tentar caracterizar a desproporção entre aquele exercício e a lesão que ela irá suportar com a declaração de nulidade da aquisição onerosa e apossamento do baldio, onde instalou uma unidade produtiva no âmbito do ramo de actividade comercial a que se dedica, veio a recorrente trazer à liça o desrespeito pelos interesses do Estado ou da própria autarquia, enquanto tendo recebido esta avultada contrapartida pela venda do mesmo a procedência da acção se traduzir num delibarado prejuizo pae ra os cofres públicos em vista da reposição do preço recebido, como consequêncvia da declaração de nulidade do contrato esquecendo não estar em causa na lide o interesse público do Estado ou da autarquia, mas os interesses do universo de compartes, despojados, justamente por via de uma ilícita apropriação e venda pela Junta de Freguesia R, entidade que o administrava, do direito de fruirem e tirarem todas as vantagens que o baldio desde tempos remotos lhes proporcionava.
Como é bem sabido, e vem sendo sublinhado tanto pela jurisprudência ( v. os Acs desta Relação de 13/02/1996 e de 5/05/1998, CJ Tº 1de 1996,32 e Tº 3,de 1998, 7 respectivamente e do Supremo de 20/01/1999 e de 21/11/2000, CJ/S, Tº 1, de 1999, 53 e Tº 3, de 2000, 125) como pela doutrina (cfr Menezes Cordeiro, Tratado, Tomo II (coisas ) 89 e ss e Durval Ferreira, Posse e Usucapião, 94) os terrenos baldios não pertencem ao domínio público, nem ao domínio privado do Estado ou das autarquias locais, constituindo, antes, propriedade comunal ou comunitária dos moradores de determinada freguesia ou localidade desta e que exerçam aí a sua actividade.
E actualmente, ao contrário do que sucedeu com a publicação da primeiras leis de baldios post 25 de Abril, em que se acentuava serem eles bens fora do comércio jurídico privado, estão eles de algum modo dentro da disciplina do direito privado embora com inúmeras especificidades de harmonia com a actual lei ( Lei nº68/93), como avisadamente alerta Menezes Cordeiro (op. cit.,102/103) designadamente restrições quanto à sua alienação – artº 31º- e só quando extintos entram eles no domínio privado da autarquia em que se inserem – artº 28. aln a).
Não se compreende, assim, que a recorrente pretenda que o beneficio pecuniário obtido nos actos e negócios celebrados pela R Junta de Freguesia constituísse razão para o Ministério Público deixar de fazer valer os direitos dos compartes ou do universo de compartes, em nome de um suposto interesse público, como se o mesmo agisse na qualidade estrita de representante do Estado.
Volta a repetir-se que não é o interesse público ou o interesse geral da população servida pelas autarquia locais que a lei pretende proteger com a legislação dos baldios, antes a preservação de uma forma de propriedade sui generis, regida em parte por regras consuetudinárias ( e componente do chamado sector social e cooperativo – artº 82º, nº4, aln b) da Constituição) e cuja especialidade advém fundamentalmente de estarem na titularidade das comunidades locais, o chamado “universo de compartes “ não redutível à soma dos cidadãos que conformam o substracto daquelas pessoas colectivas públicas, não havendo que confundir os planos dos interesses que os orgãos do universo de compartes (Assembleia e Conselho Directivo) e os das autarquias ou do próprio Estado visam prosseguir.
Não vemos, pois, razão alguma, para considerarmos abusiva por éticamente reprovável ,a actuação do Ministério Público, por na defesa do interesses dos compartes, conforme o expressamente estatuído no artº 4º nº2 da Lei em vigor e não os do Estado ou da autarquia, fazer valer, nos termos da lei a nulidade dos actos e contratos celebrados e que redundaram num benefício ilegítimo da autarquia R por isso mesmo justamente demandada, não existindo nenhuma desproporção intolerável entre o exercício desse direito e o sacríficio imposto à recorrente, ou contradição de comportamentos assumidos anteriormente pelos titulares do mesmo, de forma a legitimar a convicção de que o direito à reposição do terreno baldio à posse da comunidade lesada, não seria exercido
Nestes termos, entendemos improcederem as atinentes conclusões do recurso.

A questão da acessão industrial imobiliária.
Também a sentença se debruçou detidamente sobre a questão suscitada pela recorrente em fazer valer no presente caso, o seu direito à acessão industrial imobiliária, como modo de aquisição da propriedade, deduzindo, para esse efeito o pertinente pedido reconvencional.
E decidiu não estarem reunidos os respectivos pressupostos, nos termos do artº 39º nºs 2 e 1 da Lei de Baldios por as construções levadas a efeito pela recorrente no terreno baldio adquirido serem posteriores à publicação da mesma e como tal estarem fora da salvaguarda das situações irregulares anteriores e anómalas de levantamento de tais construções destinadas a habitação ou a fins de exploração económica ou utilização social.
Sucede , porém que a recorrente não obstante na conclusão 24ª dizer que afinal estariam sempre reunidos, face aos factos provados, os ditos pressupostos para o exercício do direito de acessão industrial imobiliária, não fez a menor referência ao assunto no texto da alegação, preenchido, de princípio ao fim, com considerações, sem dúvida doutas, embora a nosso ver algo deslocadas, a respeito e em torno, exclusivamente, do instituto do abuso de direito.
Como é bem sabido e decorre do disposto no artº 690º, nº1 do CPC, o âmbito objectivo do recurso como acima já se sublinhou é delimitado pelas conclusões que o recorrente formula ao alegar, conclusões estas que servem para sintetizar os fundamentos pelos quais se defende a revogação, a alteração ou a anulação da sentença.
De facto é no corpo da alegação que o recorrente tem o ónus de indicar as razões de discordância com o julgado
Deste modo e como vem sendo constantemente relembrado pela jurisprudência ( cfr , entre outros os Acs do Supremo de 2/02/2000., AD 468º, 1657 de 31/01/2002, Rv nº 3767/01, Sumários,58º e de 14/03/2003, Agr nº545/02-1 º Sumários, 4 5/2002) não tem o tribunal de recurso que apreciar questões que versadas no dito “corpus” da alegação não figurem nas conclusões ou que nesta apenas figurem e não no arrazoado que antecede.
Ora, omitindo por completo a recorrente versar no texto da alegação a questão da acessão industrial imobiliária, nela expondo de forma explícita e clara as razões da discordância com o decidido, mostra –se de todo inócua a afirmação numa das derradeiras conclusões de que deveria ser julgado procedente o seu pedido reconvencional em vista à aquisição daquele direito do terreno baldio em que implantara o pavilhão para a exploração do seu negócio de produção e venda de aves,
Em face do exposto, decide-se julgar irrelevante tal conclusão, dela não se conhecendo, por extravazar da alegação produzida.

VI – Resta, por último apreciar o recurso de apelação da R Caixa Geral de Depósitos e que visa em exclusivo saber se a alteração introduzida pela Lei nº 89/97de 30 de Julho ao artº 39º nº2 da Leinº68/93, lei actualmente vigente sobre baldios implicará estar em tempo o R H..., enquanto dono da construção de uma casa de habitação implantada em dois dos baldios por ele adquiridos à R Junta, um deles e outro adquirente por doação do mesmo e a ela hipotecados para fazer valer o seu direito à acessão industrial imobiliária.
Considerou-se, de facto na sentença que para o exercício de tal direito, mesmo face à referida alteração, sempre seria necessário demonstrar que a dita construção era anterior à entrada em vigor do primeiro dos diplomas mencionados, perante o disposto no nº1 do citado artº 39º para que remete o nº2 alterado, mas nada melhor do que transcrevermos o trecho da mesma a isso respeitante
Afirmou o Mmo Juiz , o seguinte :
“ Como já ficou dito, no artº 4º da Lei nº 68/93 de 4/09, consideram-se nulos os actos ou negócios jurídicos da apropriação ou apossamento, tendo por objecto terrenos baldios, bem como da sua posterior transmissão, admitindo-se em circunstâncias muito especiais, a alienação dos baldios ( nos caso previstos na presente lei).
Entre os casos previstos interessam à situação sub judice os previstos no artº 39 que teve em vista regularizar situações anteriores, anómalas, de levantamento de construções duradoiras destinadas a habitação ou a fins de exploração económica ou utilização social
E tal regularização podia fazer-se de duas formas:
a) por alienação da iniciativa da assembleia de compartes, desde que se trate de situações, relativamente às quais se verifique, no essencial, o condicionalismo previstio no artº 39, nº1
b) ou por recurso à acessão industrial imobiliária, presumindo-se até prova em contrário a boa fé de que construiu e podendo o autor da incorporação adquirir a propriedade do terreno, nos termos do artº 1340º, nº1 do CCivil, ainda que o valor deste seja maior do que o valor acrescentado, a ser feita valer, ( face à nova redacção do nº2 ) no prazo de um ano a contar da data da entrada em vigor da Lei nº89/97de 30/07 pelos proprietários das construções feitas com qualquer das ditas finalidades e pelo que respeita à parcela do terreno baldio de que se trata
De todo o modo, a ressalva feita pelo nº1 do artº 39º para a qual remete o nº2 abrange apenas as construções implantadas em terrenos baldios antes da publicação da Leinº 68/93, porque a partir da mesma, comanda o nº4 que fere de nulidade os actos ou negócios jurídicos de apropriação ou de apossamento, tendo por objecto terrenos baldios.
Em face da matéria de facto provada, dúvidas não restam que as construções foram efectuadas depois da publicação da Lei nº 68/93 de 4/09, tanto quanto é certo que a escritura pública de justificação e das compras e vendas, foi celebrada em 22 de Maio de 1995, e logo faltando um dos pressupostos para o recurso à acessão industrial imobiliária no que toca à construção do R H...”
Ora o que a Caixa vem justamente contestar no seu recurso é que tendo a Lei nº 89/97, carácter inovatório na parte em que alterou as condições de aquisição pelos proprietários das referidas construções previstas na anterior redacção do nº2 do artº 39º, estaria o mesmo em tempo de fazer valer aquele direito, como de facto fez, ao deduzir o seu pedido reconvencional nos presentes autos em data anterior à entrada em vigor de tal lei.
Vejamos se com razão, visto não se pôr em dúvida que o pedido reconvencional do R H... foi deduzido em data anterior à publicação daquele diploma.
A Lei nº 89/97, no seu § único, modificou entre outras disposições, o citado nº2 do artº39º, inserido no capítulo V, sob a epígrafe “Disposições Finais e Transitórias” deixando intocado o seu nº1 que vale a pena transcrever, para melhor aclaramento da questão:
“ Os terrenos baldios, nos quais até à data da presente lei, tenham sido efectuadas construções de carácter duradoiro, destinadas a habitação ou a fins de exploração económica ou utilização social desde que se trate de situações relativamente às quais se verifique no essencial o condicionalismo previsto no artº 31º( condições de alienação pela assembleia de compartes e por prévia deliberação desta, por razões de interesse local) podem ser objecto de alienação pela assembleia de compartes, por deliberação da maioria de dois terços dos seus membros presentes, com dispensa de concurso público, através da fixação de preço por negociação directa, cumprindo-se no mais o disposto em tal artigo”
Por sua vez, na anterior redacção, prescrevia o nº2 que :
“ Quando não se verifiquem os condicionalismos previstos no nº anterior e no artº 31º,os proprietários das referidas construções podem adquirir a propriedade da parcela do terreno baldio estritamente necessária ao fim da construção de que se trate, por recurso á acessão da industrial imobiliária nos termos gerais do direito, sob pena de não tomando essa iniciativa no prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor da presente lei da presente lei, poderem os respectivas comunidades locais adquirir a todo tempo as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas nos terrenos , avaliadas por acordo, ou na falta dele, por avaliação judicial”.
Acontece que a lei posterior, Lei nº 89/97, veio introduzir uma modificação desse nº2, que passou a ter a seguinte redacção :
“ Quando não se verifiquem os condicionalismos previstos no nº anterior e no artº 32º, os proprietários das referidas construções podem adquirir a parcela de terreno de que se trata por recurso à acessão industrial imobiliária, presumindo-se até prova em contrário, a boa fé de quem construiu e podendo o autor da incorporação adquirir a propriedade do terreno, nos termos do disposto no artº 1340º, nº1 do CCivil, ainda que o valor deste seja maior, sob pena de, não tomando essa iniciativa no prazo de um ano a contar da entrada em vigor da presente lei, poderem as respectivas comunidades locais adquirir a todo o tempo as benfeitorias necessária e úteis incorporadas no terreno, avaliadas por acordo ou na falta dele , por decisão judicial”
Ora, não se discute por certo que esta nova lei veio modificar as condições de aquisição por acessão industrial imobiliária das construções feitas nos baldios que estavam previstas na anterior lei e concedeu um novo prazo (de um ano) aos seus proprietários para fazer valer esse direito, pelo que não constitui norma interpretativa da anterior que veio substituir, antes assume carácter substancialmente inovatório.
E assim sendo , pareceria à primeira vista que ela abarcaria as construções efectuadas em baldios mesmo que posteriores à publicação da Lei anterior, justamente por se tratar de uma norma transitória de salvaguarda de situações que de outra forma teriam de ser atingidas pela nulidade decretada para todos os actos e negócios que visassem o apossamento de particulares ou por outras entidades públicas de tais terrenos, despojando dos mesmos as respectivas comunidades locais.
A nova lei pretendeu, em suma, dar uma segunda oportunidade aos donos das construções que quisessem fazer valer os seus direitos em terrenos baldios, depois de esgotado o prazo de dois anos sobre a publicação daquela
Mas daqui não decorre salvo o devido respeito que a dita nova estatuição abarque as situações de construções em baldios, efectuadas até à sua entrada em vigor,
Com efeito, há que conjugar a dita nova disposição do nº2 com a previsão do respectivo nº1, que permite a regularização das situações de construção criadas até à publicação da Lei de 1993 e durante o prazo de dois anos o que significa que não foi intenção do legislador estender o dito novo prazo e as novas condições para o exercício da acessão às construções efectuadas depois da publicação daquela outra. já que deixou intacto o conteúdo do nº1
Certo que a técnica legislativa não terá sido a melhor, enquanto se marca um novo prazo de regularização das construções referidas no nº anterior e artº 31º, facultando-se o exercício do direito potestativo de acessão a partir da data da entrada em vigor da nova lei e se alude nesse nº anterior ao regime excepcional de regularização das ditas construções efectuadas à data da sua publicação, ou seja à data da publicação da anterior lei.
Ou seja, não se discutindo ter aquela modificação carácter inovador, enquanto aligeirou os requisitos para o exercício do direito de acessão e como tal com eficácia para regular, nos termos gerais do artº 12º nº2 do CCivil as situações de construções em baldios constituidas à data da sua entrada em vigor e não à entrada em vigor da lei anterior, e logo não se poder integrar na mesma, à luz do artº 13º nº1 do mesmo código, esta eficácia mostra-se no caso expressamente restringida ou limitada pela remissão operada ao nº1 em que se define como pressuposto de regularização de tais construções, o terem sido elas feitas e existirem à data da publicação da nova lei
Como bem se sabe, a salvaguarda de tais situações de construção irregular em terrenos baldios visou intuitos de pacificação social, surgindo como reacção ao algum radicalismo das primeiras leis post- 25 de Abril, este amenizado com a publicação da lei vigente, sendo o caracter restritivo de tal salvaguarda e logo a sua eventual escassa aplicação que motivou o legislador a conceder um novo prazo e condições mais vantajosas aos donos da mesmas, mas sem alterar os pressupostos da aplicação de tal regime de direito transitório expressamente determinados no nº1 do citado artº 39 – existirem á data da publicação desse diploma, terem natureza duradoira e destinarem-se a fins de habitação, exploração económica e utilização social.
Nesta conformidade, entendemos que carece de razão a recorrente Caixa, o que equivale a dizer que também nesta parte, a sentença não é merecedora de censura.

V – Nos termos expostos decide-se negar procedência aos recursos e confirmar a douta sentença.
Custas a cergo dos recorrentes.