Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | BELMIRO DE ANDRADE | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO CULPA PRESUMIDA RESPONSABILIDADE PELO RISCO | ||
| Data do Acordão: | 02/07/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | CELORICO DA BEIRA | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 496º, 506º, N.º 2 E 563º, DO C. CIVIL | ||
| Sumário: | I- Toda a responsabilidade civil tem como pressuposto necessário o nexo de causalidade adequada; II- E, segundo a doutrina mais criteriosa, na sua formulação negativa: “qualquer condição que interfira no processo sequencial dos factos que conduzem à lesão, e que não seja de todo indiferente à produção do dano, segundo as regras da experiência comum, seja causa adequada do prejuízo verificado” III- Havendo culpa presumida em relação a ambos os condutores, não se provando o nexo de causalidade entre qualquer delas e o acidente, cai-se na responsabilidade pelo risco, a repartir por ambos. IV- O tribunal está vinculado ao montante global do pedido mas não quanto à quantificação de cada uma das parcelas. V- A quantia da indemnização pelo direito à vida transmite-se segundo as regras da sucessão. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I. RELATÓRIO Nos presentes autos, após realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença mediante a qual foi decidido: - Julgar improcedente a acção penal, absolvendo o arguido A... do crime de homicídio por negligência p e p pelo artigo 137º do C.P. pelo qual vinha acusado; - Julgar improcedentes os pedidos de indemnização civil com base na responsabilidade civil conexa com a criminal deduzidos nos autos {por: -B..., viúva; - C..., menor, representado pela primeira, sua mãe; e - D....} assim absolvendo a demandada civil E..., dos pedidos contra ele formulados. * Recorrem da referida sentença os demandantes civis B... (admitida a intervir nos autos como assistente - fls. 153/266) e C...., este representado por aquela. Motivam o recurso com as seguintes CONCLUSÕES: 1. Na sentença sob recurso houve — salvo melhor entendimento -, erro notório na avaliação e ponderação dos factos, factos que não foram devidamente valorados, outros que foram incorrectamente julgados e que impunham decisão diversa e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. 2 Não se deve considerar provado que o F... seguia a uma velocidade não concretamente apurada mas superior a 50 Km/h. pois, com ao devido respeito por entendimento contrário, o raciocínio que leva a tal conclusão não está correcto. 3. Factos e argumentos há nos autos que convencem que ao Km 125,956 da EN 17, área da comarca de Celorico da Beira, o Arguido ao efectuar a curva para a esquerda atento o seu sentido de circulação, invadiu parte da hemi-faixa de rodagem esquerda, indo embater no F...; 4. E dando-se o embate entre os dois veículos na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido Gouveja/Celorico, o Arguido actuou com violação das regras de cuidado a que se encontrava obrigado, não tendo previsto o embate e as suas consequências, o que era-lhe exigível de acordo com as suas capacidades pessoais e circunstâncias do caso detendo consciência, tanto mais que era condutor profissional, de que a sua conduta era proibida por lei e punida por lei penal 5. Prova-o o teor do croqui e da participação do acidente; 6. Prova-o as características do local onde ocorreu o acidente. 7. Prova-o o local onde se ficaram os vestígios de vidros e plásticos decorrentes do embate dos veícu1os acidentados. 8. Prova-o a falta de sinais de travagem no asfalto onde ocorreu o acidente 9. Prova-o o local da imobilização do Autocarro conduzido pelo Arguido. 10. Prova-o as Leis da Física Mecânica. 11. Prova-o as testemunhas apresentadas pelos Recorrentes e pelo Ministério Público. 12. Logo, conclui-se que o acidente ocorreu porque o veiculo conduzido pelo Arguido invadiu a faixa de rodagem do veiculo conduzido pelo depois falecido F...e dado que o local da ocorrência e uma curva fechada sem visibilidade, impediu que houvesse travagens de qualquer um dos veículos ou tentativa de escapar por parte do Jeep onde seguia F.... 13. Foi repentinamente, em cima da curva, que tudo sucedeu. 14. E tudo sucedeu na faixa de rodagem do veículo do F..., logo, o Arguido invadiu a faixa de rodagem contrário e logo provocou o acidente. 15. Assim sendo, deverá ser condenado o Arguido pela autoria de um crime de homicídio por negligência e a Seguradora condenada no pagamento da indemnização peticionada. 16. Obtendo o presente recurso provimento, revogando-se a douta sentença sob recurso, e substituindo-se a mesma por outra que condene nos termos referidos OU, o que por mera hipótese se coloca, seja anulado o julgamento e realizado o mesmo novamente, desta feita com a reconstituição do acidente no local por forma a esclarecer o teor da participação do acidente e o croqui. * Respondeu a demandada E... Seguradora sustentando o bom fundamento da decisão recorrida. Respondeu também a digna magistrada do MºPº junto do tribunal recorrido pugnado pela improcedência do recurso, destacando que não houve registo da prova produzida em audiência em virtude de todos os sujeitos processuais terem prescindido dessa faculdade, não se verificando qualquer dos vícios previstos no art. 410º, n.º2 do CPP. No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual manifesta inteira concordância com os fundamentos da resposta apresentada em 1ª instância. Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP. Corridos os vistos, tendo-se procedido a julgamento, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre conhecer e decidir. *** II. FUNDAMENTAÇÃO 1. O âmbito do recurso é definido pelas respectivas conclusões – Cfr. art. 412º, n.º1 do CPP e Germano Marques as Silva, Curso de processo Penal, 2ª ed., III, 335, jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74. Assim, sintetizando, são as seguintes as questões a decidir: - existência dos vícios de erro notório e insuficiência previstos no art. 410º n.º2 do CPP; - impugnação da matéria de facto com base na reapreciação da prova; - verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade criminal e da responsabilidade civil conexa. Questões cuja decisão obriga à ponderação da decisão da matéria de facto recorrida. * 2. A decisão da matéria de facto, com a motivação que a suporta, é a seguinte: Factos provados: 1. Da acusação, da contestação e do pedido de indemnização civil resultaram provados os seguintes factos: 2. No dia 9 de Novembro de 2002, pelas 18h30m, o arguido conduzia o veículo pesado de passageiros, de matrícula TR-70-13, pela Estrada Nacional n.º 17, no sentido Celorico da Beira – Gouveia. 3. Nas mesmas circunstâncias espacio-temporais, F..., conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 53-85-HD, em sentido contrário, ou seja de Gouveia para Celorico da Beira. 4. Ao Km. 125,956 da EN 17, área desta comarca de Celorico da Beira, o arguido deparou-se com uma curva à esquerda, tendo em conta o seu sentido de marcha 5. O F..., que circulava pela hemifaixa de rodagem direita, tendo em conta o seu sentido de marcha, passava nesse momento pela mesma curva, que para si se orientava para a direita, em descida. 6. Os veículos embateram um no outro, respectivamente a parte frontal esquerda do veículo conduzido pelo arguido e a parte frontal esquerda do veículo conduzido por F.... 7. O veículo conduzido por F..., por força do embate, foi projectado para o local onde se veio a imobilizar, em cima da margem direita da estrada, atento o sentido Gouveia – Celorico da Beira. 8. Na hemi faixa de rodagem direita, atento o sentido Gouveia – Celorico da Beira ficaram vestígios – vidros, plásticos, óleo, etc. 9. O TR-70-13 ficou imobilizado obliquamente, com a frente virada para Gouveia. 10. A EN 17 tem 6,20m de largura, configurando uma curva de reduzida visibilidade. O piso estava húmido e não havia nevoeiro. 11. Em consequência do embate o F...sofreu farcturas dos ossos que constituem o tecto da orbita direita, fractura dos ossos da base, lesões da massa encefálica, essencialmente na região occipital, lesões no cerebelo e Bolbo, facturas dos ossos da orbita direita, pequeno hematoma nas paredes do tórax, laceração do pulmão esquerdo, pequeno hemotorax, hemoperitoneu extenso, hematoma do mesentério, fractura do fígado, fractura da coluna cervical, com secção parcial da medula, fractura do fémur esquerdo e fractura do fémur direito. 12. Estas lesões cranioencefálicas, torácicas, abdominais, e dos membros inferiores foram causa directa e necessária da sua morte, verificada às 18h30m do mesmo dia 9 de Novembro de 2002. 13. O condutor F... era portador de uma TAS de 0,68g/l. 14. O embate entre os veículos foi violento. 15. Por força do embate entre o TR e o HD, o eixo da roda do TR partiu e ficou destruída toda a parte lateral da zona do rodado do TR. 16. Era noite. 17. O veículo conduzido pelo F... não tinha efectuado a inspecção obrigatória. 18. O F... seguia a uma velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50 km/h. 19. A velocidade máxima permitida no local do embate é de 50 km/hora. 20. O arguido é motorista de ambulâncias nos Bombeiros de Seia, onde aufere o salário mínimo nacional. 21. É condutor há mais de 30 anos (desde 13.5.1975) 22. É considerado cuidadoso, prudente e conduz com atenção. 23. Tem um filho com 26 anos que trabalha. 24. É casado e a mulher é operária numa fabrica, onde aufere o valor do salário mínimo. 25. Tem casa própria. 26. Tem de escolaridade a 4.ª classe. 27. O arguido foi condenado no Tribunal Judicial de Seia, em 12.1.1999, transitada em julgado, pela prática do crime de injúria, na pena de 50 dias de multa, à razão diária de 1.000$00. Do pedido de indemnização civil: 28. A E... Companhia de Seguros, SA., assumiu perante a União Desportiva de Seia, a responsabilidade decorrente dos prejuízos causados pelo veículo matrícula TR-70-13, através do contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 9915944. 29. O F... nasceu em 23.11.1973, tendo há data do acidente 26 anos de idade. 30. Era uma pessoa saudável e de compleição robusta. 31. Gozava de boa saúde, era activo e trabalhador, e exercia a profissão de técnico de ar condicionado, na Vismea em Viseu. 32. F... casou com Elisabete Sofia de Sousa Lopes, no dia 22 de Junho de 2001, na Conservatória do Registo Civil de Viseu. 33. C..., nascido em 19 de Março de 2002, é filho de F.... 34. A demandante Elisabete despendeu a quantia de € 1343,00 de despesas de funeral. 35. Comprou roupa de luto. 36. O F...era marido e pai extremoso, amantíssimo de sua mulher e de filho Leandro, a quem dedicava todo o amor. 37. Em consequência do falecimento do marido a Elisabete sofreu perturbações, depressão profunda e insónia, tendo sido medicada e acompanhada por médico particular e depois em consultas no hospital de Abraveses (Viseu), tendo dispendido em despesas farmacêuticas a quantia de € 115, 35. 38. O A....conduzia o veículo automóvel TR, enquanto empregado da União Desportiva de Seia. 39. D...é dona do veículo ligeiro de passageiros de matrícula 53-85-HD. 40. Antes do embate o HD valia cerca de € 10.000. 41. Em consequência do embate o HD ficou danificado ao ponto de ser irreparável. * Factos não provados Não se provou que: 1. Ao km 125,956, da EN 17, área desta comarca de Celorico da Beira, o arguido, ao efectuar a curva para a esquerda atento o seu sentido de circulação, invadiu parte da hemifaixa de rodagem esquerda, indo embater no F.... 2. O embate entre os dois veículos deu-se na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido Gouveia – Celorico. 3. O TR circulava a uma velocidade superior à do HD e o HD circulava atento às regras estradais. 4. O arguido actuou com violação das regras de cuidado a que se encontrava obrigado, não tendo previsto o embate e as suas consequências, sendo-lhe exigível de acordo com as suas capacidades pessoais e circunstâncias do caso que previsse a verificação de tal resultado. 5. Detinha a consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 6. O HD invadiu a faixa de rodagem esquerda, atento seu sentido da marcha, por onde circulava o TR-70-13. 7. O F...entrou na curva em despiste e com os pneus a “chiar”. 8. Como trabalhador, o F...auferia, em média, a quantia mensal de € 650. 9. Que a demandante Elisabete despendeu a quantia de € 200 na compra de roupa de luto. 10. Que a demandante Elisabete foi acompanhada pelo médico até 27 de Novembro de 2005. 11. Que despendeu em médicos e despesas farmacêuticas, além de € 115,35, até € 770. 12. A Elisabete dependia economicamente do marido pois apenas auferia o salário mínimo. 13. Que os pneus do HD estavam em mau estado. 14. Que o HD antes do acidente valia cerca de € 12.500. * Motivação da matéria de facto Este processo, como tantos outros é mais um exemplo claro da dificuldade de apreciação da prova testemunhal e da sua fiabilidade ou não. De realçar que os factos dados como provados e não provados resultaram da análise conjunta da prova testemunhal produzida em audiência bem como da análise das fotografias juntas aos autos. No entanto, por um conjunto de circunstâncias, foi possível ao tribunal afirmar que o condutor do HD, ao contrário do referido na acusação é que circulava a uma velocidade superior à do condutor do TR, e ainda que não fosse desatento, a sua capacidade de percepção e reacção eram claramente diminuídas em face da TAS que apresentava. Na realidade quer o condutor do TR, o arguido, quer as testemunhas G..., que seguia atrás do banco do condutor, quer H..., treinador da União, que ia no TR, no banco ao lado do condutor, à sua direita, confirmaram que o arguido estava a fazer uma condução normal, como sempre fazia, nas várias vezes em que já tinha conduzido o TR, no âmbito das deslocações da equipa de futebol da União Desportiva de Seia. No entanto e na esteira do que também é referido pelo arguido, a testemunha H... referiu que o Jeep apareceu muito de repente, e quase sem darem conta, foram embatidos na roda do lado esquerdo. Em relação à condução efectuada pelo arguido refere que a mesma é atenta e cuidada, uma condução moderada e com segurança, sendo que não podia ir muito depressa porque havia saído de uma curva, o veículo é velho, tem mais de 20 anos, e anda frequentemente nos oficinas para reparação. Do mesmo modo a testemunha I..., ao tempo director da União Desportiva de Seia, também seguia no autocarro, no banco atrás do condutor, e ao lado da testemunha G.... Também por si foi referido que o arguido estava a fazer uma condução normal, e que a dada altura viu o jeep, mas quase no momento do choque. Confirmou igualmente que o embate se deu na lateral da roda esquerda da frente, sendo que Jeep rodopiou e depois foi ficar junto à casa que ali se encontra, sem ter tocado em qualquer outro ponto do autocarro. Também referiu que já era noite, e que a sua preocupação eram os miúdos que iam no autocarro. O arguido confirmou o local dos factos bem como o dia, sendo que em relação ao embate em si, refere que só se apercebeu dele, mesmo no momento em que o Jeep embateu contra si. Na realidade refere que circulava na EN 17, sentido Celorico da Beira- Gouveia. Quando, ao fazer uma curva para a esquerda, foi embatido no seu lado esquerdo pelo jeep, que segundo disse, invadiu a sua faixa de rodagem. Confirmou ainda que circulava devagar, a cerca de 30 a 40 km/h, atento ao trânsito, bem como o local onde ficaram os veículos, o jeep, após o embate fez ricochete e ficou junto à parede da casa, virado para o sentido em que vinha, e o autocarro ficou atravessado no meio da via pública. Em relação ao embate todos foram unânimes em referirem que o choque foi muito violento. Quanto aos danos do autocarro os mesmos foram confirmados pelas testemunhas J..., bate chapas, trabalhador da oficina onde se encontra o mesmo, e L.... Ambos esclareceram que o dano maior foi na roda do lado esquerdo, sendo que, por força do embate, arrancou a mola, o eixo do lado esquerdo, partiu a barra de direcção, a roda entrou para debaixo do autocarro. Mais referiram que a caixa de direcção do autocarro estava no corredor do veículo. Em relação ao autocarro em si referem ainda que o mesmo não podia andar muito porque já era muito velho, usando a expressão são uns “ferrões a andar”. A testemunha M..., ocupante do autocarro e que seguia nos bancos traseiros do lado esquerdo, apenas sabe precisar que só se deu conta do acidente no momento concreto do embate, uma vez que o choque foi muito violento. Quanto à prova da velocidade a que seguia o F...o tribunal formou a sua convicção com base num conjunto de circunstâncias que permitem retirar essa conclusão. E desde logo o estado em que ficaram os veículos, como é possível constatar pelas fotografias juntas aos autos, aliado ao facto das testemunhas que seguiam no autocarro, bem como o arguido terem referido que só se aperceberam dele no momento do embate. Ademais, todas as testemunhas ouvidas referiram que o embate foi um grande estrondo, sendo que apenas com uma condução claramente ultrapassando os limites de velocidade se poderia dar um embate com tal violência. Senão vejamos o estado em que ficaram ambos os veículos, como se contacta pelas fotografias juntas aos autos a fls. 206 e 207, sendo que a partefrontal do HD ficou totalmente destruída, e o TR com a parte lateral esquerda, sendo visível que a roda esquerda se movimentou para trás. E ainda que não se tenha feito prova directa quanto a tal, decorre de toda a prova circunstancial que o HD ia claramente em excesso de velocidade, ao entrar na curva, sendo que não se apurou qual a concreta velocidade a que seguiam. Mas ditam as leis da física e decorre da própria experiência comum que só um embate a grande velocidade de um dos veículos é que era apto a produzir os danos que se verificam nas viaturas, quando não se provou que o TR ia a velocidade superior à legalmente permitida. Impõe-se ainda dizer que em relação à participação do acidente de viação, e designadamente do croqui de fls. 18, que foi claramente defendido e confirmado pelo sr. agente de autoridade N...., que o tribunal levanta sérias duvidas quanto a ele, designadamente pelo local em que é desenhado, obviamente que não à escala, o veículo TR Olhando-se para o croqui contacta-se que o TR que encontra quase na sua totalidade na faixa de rodagem contrária, atento o seu sentido de marcha, quando as testemunhas ouvidas dizeram que quanto muito teria apenas uma ou até as duas rodas da frente na faixa de rodagem contrária. Acresce que estamos a falar de uma curva muito fechada, com reduzida visibilidade e em com cerca de 6,20 de largura, sendo que o que parece do croqui é que temos uma estrada muito larga em comparação com o autocarro. E as medidas ai indicadas também não esclarecem o tribunal devidamente quanto à localização exacta do TR na medida em que para além da distância entre a frente e a parte de trás do mesmo, em relação à casa, impunha-se que fosse indicado o valor da distância da casa ao início da faixa de rodagem, e a medida da faixa de rodagem no local onde ficou o veículo, na medida em que sendo uma curva, pode não corresponder aos 6,20 de uma zona anterior em recta. E ademais, as medidas indicadas quanto à frente e parte de trás do TR até foram tiradas com base em pontos diferentes, o que salvo o devido respeito pelo trabalho dos Sr. soldados da GNR não é uma actuação correcta, e não permite ao tribunal dai extrair conclusões seguras. Teve-se ainda em conta os documentos de fls. 3, 9 e 13, participação do acidente de fls. 16 e ss, com as ressalvas supra expostas, relatório de exame toxicológico de fls. 25, relatório de autopsia de fls. 46 e ss, fotografias de fls. 202 a 207, bem como as juntas na audiência de julgamento, a solicitação do tribunal, por serem originais e a cores, o CRC de fls. 305e 306, as certidões de nascimento e de casamento de fls. 310 e 311, a factura e o recibo da funerária de fls. 313 e 314, cópia da apólice de fls. 359, as facturas/recibo juntas pela demandante Elisabete, no decurso da audiência de julgamento e a certidão da Conservatória do Registo Automóvel, junta aos autos. Da prova produzida não foi possível situar o local do embate na faixa de rodagem, na medida em que a prova foi em si contraditória e neste caso tem de ser valorada a favor do arguido. A prova produzida também não foi muito certa quanto ao local onde cada uma das viaturas ficaram, em confronto com o croqui junto aos autos. De realçar que o tribunal não tem minimamente em consideração o depoimento da testemunha O...., na medida em que nos parece que mentiu descaradamente em tribunal, ao referir inicialmente que estava a entrar em casa da sua cunhada, no momento do embate, quando ouviu um estrondo e depois veio cá fora ver o que se passava e já viu os veículos acidentados. No entanto mais tarde refere que, afinal já estava na cozinha da cunhada a fazer uma sandes, quando ouviu o estrondo, que confirma ter sido muito forte. No entanto sempre foi dizendo que o jeep não podia vir muito depressa na medida em que tinha um cruzamento antes, e que a culpa do acidente foi do autocarro, porque vinha muito depressa (sic.)! Mas ao ser confrontado com o facto do autocarro ter saído de uma curva antes de entrar naquela já nada soube dizer. Acresce que, por sua vez, o seu cunhado, P...., referiu que afinal aquela testemunha estava consigo, na estrada, no momento do embate, juntamente com a mulher Q...., sendo que referiu que vinham todos juntos, e que por causa do embate já não entraram em casa. Esta testemunha consegue no entanto afirmar, com certeza, que o embate se deu no meio da via e que o jeep não passou para a faixa contrária. Mas em relação à condução do autocarro, que até vinha no mesmo sentido que a testemunha, ou seja Celorico da Beira – Gouveia refere que não se apercebeu da sua condução. Mas já consegue afirmar que o jeep era capaz de vir em velocidade para não conseguir fazer a curva e ter ido sempre a direito. E estranha o tribunal que sendo o local uma subida, no sentido Celorico da Beira – Gouveia, a testemunha ainda estava afastada do local do embate, o autocarro um veículo com alguma dimensão, o jeep que ficou a tapar o ângulo de visão da testemunha, que estava, ao que refere, do lado direito do mesmo, se tenha apercebido e possa afirmar peremptoriamente que viu o autocarro a pisar o traço! Por sua vez a mulher desta testemunha, Maria Alice Garcia, referiu que afinal não vinham nada todos juntos, mas sim o seu marido e o seu cunhado à frente e ela atrás, com a cunhada e as crianças. E disse mais, que iam todos em cima da ponte que fica situada antes do local do acidente, e que do local onde se encontravam não podiam ver o embate, mas apenas ouvir o estrondo, na medida em que têm a visão tapada por uma casa que se situa abaixo da sua, no sentido Gouveia Celorico da Beira. Impõe-se referir que a casa a que se refere esta testemunha, como sendo a sua é a casa branca que se vê nas fotografias, do lado direito, atento o sentido de marcha, Gouveia Celorico da Beira. Em relação ao embate nada sabia, sendo que o que viu, e designadamente a roda do lado esquerdo do autocarro na faixa direita, apenas após o embate. Também esclareceu que lhe pareceu que o autocarro quando passou por si estava a circular a uma velocidade normal. Justiça tem de ser feita a esta testemunha que com clareza e alguma isenção, ao contrário do seu marido e cunhado, esclareceu apenas o que viu, sem querer mostrar mais do que aquilo que tinha visto e claramente, como fizeram o seu marido e cunhado no sentido de responsabilizarem o arguido pelo sucedido. Quanto às testemunhas supra referidas que iam dentro do autocarro e que referiram que o embate se deu na sua hemifaixa e que o autocarro não pisou, sequer, o traço delimitador das hemifaixas, cumpre apenas dizes que, ainda que o seu depoimento tenha sido credível quanto ao referido supra, quanto ao concreto sitio por onde passou o arguido não colhe. Na realidade o local é uma curva de difícil visibilidade, para a esquerda, atento o sentido de marcha do autocarro, e tendo em conta as dimensões do veículo é muito difícil, quem nele é transportado poder afirmar com toda a certeza que não saiu da sua hemífaixa de rodagem. E nem se diga que o facto dos vestígios se encontrarem todos na hemifaixa de rodagem por onde circulava o HD permite sem mais dizer-se que o embate se deu na sua hemifaixa de rodagem, ou seja, na hemifaixa direita, sentido Gouveia Celorico da Beira. É que, sendo o local uma curva fechada, o autocarro um veículo de grandes dimensões, certamente que pouco espaço haveria na sua faixa de rodagem para que os vestígios ali se encontrassem. Mas por outro lado importa ainda dizer que o TR ainda andou, por pouco que fosse, como foi relatado pelas testemunhas que iam dentro do mesmo e designadamente o condutor, o Director do clube Desportivo de Seia bem como o treinador, que seguiam ao lado do condutor ou imediatamente atrás, pelo que podem perfeitamente ter sido projectados para esse lado da via. Sem mais prova, o tribunal não consegue dizer com segurança, que o embate se deu na hemifaixa de rodagem por onde circulava o HD. Por outro lado importa ter presente os princípios relativos à prova que vigoram em processo penal, alguns deles constantes de regras da Constituição da República Portuguesa relativos a direitos, liberdades e garantias que gozam de aplicabilidade directa (n.º 1 art.º 18). Nos termos do n.º 2 do art.º 32 da Constituição “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”. Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, estatui, no n.,º 1 do art.º 11, que “toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas”. No mesmo sentido estabelece o art.º 6, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950, aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, que “qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”, assim como dispõe o art.º 14.º, n.º 2, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1976, aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12 de Junho, que “qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida”. O princípio da presunção de inocência tem vários corolários: por um lado isenta o arguido da prova da sua inocência, a qual aparece imposta ou ficcionada pela lei; por outro lado, o arguido não é considerado como mero objecto processual ou meio de prova, mas sim sujeito processual com armas iguais às do acusador, o Ministério Público; e por último, como corolário do princípio da presunção de inocência surge o princípio in dubio pro reo que se relaciona com o modo como o julgador penal deve valorar a prova feita e decidir com base nessa prova. Este procura responder ao problema da dúvida sobre o facto na apreciação do caso criminal (e não dúvida de direito, sobre o sentido da norma). “O princípio in dubio pro reo parte da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, ou seja, não pode abster-se de optar pela condenação ou pela absolvição, existindo uma obrigatoriedade de decisão, e determina que, na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido” (cfr. Rui Patrício, O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no actual processo penal português, pág. 30 e no mesmo sentido Fernando Gonçalves, Manuel João Alves e Manuel Valente, Lei e Crime, O Agente Infiltrado…, pág. 132). Diferentemente do que se passa em processo civil, no processo penal compete, em último termo, ao juiz, oficiosamente, o dever de instruir e esclarecer o facto sujeito a julgamento. No entanto, “se o tribunal mesmo através da sua actividade probatória não lograr obter a certeza dos factos mas antes permanecer na dúvida, terá por princípio de decidir em desfavor da acusação, absolvendo o arguido por falta de provas” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, lições policopiadas, 1988-9, pág. 144). Assim, e à luz do princípio da investigação, compreende-se que, apesar de toda a prova produzida, factos que não possam ser subtraídos à dúvida razoável do tribunal, também não possam ser considerados provados. E se “aquele mesmo princípio obriga em último termo, o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa desfavorecer a posição do arguido: um non liquet em questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido”, uma vez que a sua presunção de inocência não foi “ilídida”. (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., bem como, no mesmo sentido Germano Marques da Silva, Curso de Processo penal, I. volume, pág. 83). Se o julgador, através da prova produzida não ficar convencido sobre a existência dos pressupostos de facto e ainda assim condenar o arguido, estará a violar o princípio da culpa, o qual é fundamento e limite de aplicação de uma pena, nos termos do art.º 40 do Código Penal. Por isso, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol. pág. 215, consideram que “os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico material da culpa concreta, como suporte axiológico-normativo da pena”. A dúvida que fundamenta o princípio terá de ser insanável, razoável e objectivável, isto é, pressupõe que tenha sido desenvolvido toda uma actividade no sentido do esclarecimento do tribunal, sem que se tenha ultrapassado o estado de incerteza, tem de ser uma dúvida séria e argumentada, e por fim, é necessário que seja justificável. Importa ainda frisar que o princípio in dubio pro reo também se relaciona com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127 do CPP, pois dúvida e convicção são indissociáveis, havendo quem o considere limite normativo deste (Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio Pro Reo, pág. 51, bem como Rui Patrício, supra citado). Ou seja, impede o julgador de tomar uma decisão segundo o seu critério, no que respeita aos factos duvidosos desfavoráveis ao arguido. Por outro lado liga-se à questão da fundamentação das decisões, a qual constitui garantia integrante do próprio Estado de Direito democrático, traduzindo-se num factor de transparência da justiça. Se as decisões para se imporem, devem ser fundamentadas, a fundamentação só é verdadeiramente possível e convincente se o julgador estiver certo quanto à decisão relativa à questão de facto. Atento ao disposto no n.º 4 do art.º 97 e n.º 2 do art.º 374 do CPP, na fundamentação da decisão deve constar a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Só a prova de todos os elementos constitutivos essenciais da infracção permite a punição. Como salienta o Prof. Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal II, pág. 282 e 283) “ o fim da prova é a demonstração da verdade dos factos; justificação da convicção sobre a sua existência, enquanto eles constituem pressuposto da aplicação da lei”, uma vez que no processo penal são os factos que “formam o fundamento da sentença, quer absolutória, quer condenatória, e determinam a graduação da responsabilidade”. Da análise crítica da prova produzida, conjugando os depoimentos prestados, que se pautaram por vagos, o tribunal não consegue ultrapassar o estádio da dúvida razoável quanto ao cometimento, pelo arguido dos factos que lhe são imputados. A dúvida insanável sobre factos desfavoráveis imputáveis ao arguido conduzirá a que se dêem como não provados, que é o que acontece com o facto de ter ou não invadido a hemi-faixa de rodagem contrária aquela onde seguia. * Quanto aos factos provados do pedido de indemnização civil tiveram-se em conta os depoimentos das testemunhas Gonçalo de Jesus Lopes, pai da demandante Elisabete, e da testemunha Susana Isabel Sousa Lopes, que confirmaram no essencial os factos provados. Na verdade por eles foi confirmado que o F... era uma pessoa saudável e trabalhadora, o tipo de trabalho que desenvolvia. Também relataram o sentimento de perda e dor da sua filha e irmã, bem como o estado em que ficou após a morte do marido e a necessidade de recurso a tratamento médico e farmacológico. Quanto ao valor do HD a testemunha Gonçalo referiu que o mesmo devia valer cerca de dois mil contos (€ 10.000). Os factos não provados do pedido de indemnização civil resulta de não se ter feito prova deles, por nenhuma testemunha ouvida ter demonstrado conhecimento concretos e porque não constam dos autos qualquer prova documental que permitisse dá-los como provados (estranhamente designadamente quanto aos pagamentos efectuados pela assistente em médicos particulares, p.ex.). *** 3. Apreciação 3.1. Invocam os recorrentes (cfr. síntese efectuada na conclusão 1ª) a existência de “erro notório na avaliação e ponderação dos factos, factos que não foram devidamente valorados, outros que foram incorrectamente julgados e que impunham decisão diversa e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”. Impugnando assim a decisão da matéria de facto, indistintamente, com fundamento nos vícios de erro notório e de insuficiência enunciados no art. 210º n.º2 do CPP, bem como na reapreciação da prova produzida. O que melhor se evidencia das conclusões que se seguem em que os recorrentes criticam a decisão com o fundamento de que procedeu a uma incorrecta avaliação da prova (toda a prova) sustentando que devia ter dado como provado, em síntese, que o acidente ocorreu na maia faixa de rodagem que competia à vítima e o acidente causado pela conduta do arguido que invadiu essa meia faixa de rodagem, contrária aquela que lhe competia. Como resulta das conclusões 5 a 10 em que descreve as provas que na sua perspectiva impõem a decisão propugnada: “o teor do croqui e da participação do acidente (…) as características do local onde ocorreu o acidente; (…) o local onde se ficaram os vestígios de vidros e plásticos decorrentes do embate dos veícu1os acidentados; (…) a falta de sinais de travagem no asfalto onde ocorreu o acidente; (…) o local da imobilização do Autocarro conduzido pelo Arguido. (…) as Leis da Física Mecânica; (…) as testemunhas apresentadas pelos Recorrentes e pelo Ministério Público”. * 3.2. No que toca à impugnação da decisão com base reapreciação da prova, para além do modo equívoco da impugnação, apontando para os vícios da decisão previstos no art. 410º, verifica-se, no caso que não houve registo da prova produzida em audiência. Com efeito, como resulta da acta da audiência de discussão e julgamento, os intervenientes processuais declararam, unanimemente, “prescindirem da documentação das declarações a prestar em audiência, nos termos do artigo 364º n.º1 do CPP” – cfr. acta da audiência, a fls. 435 dos autos. Declaração que, nos termos do art. 428, n.º2 do CPP “vale como renúncia ao recurso em matéria de facto”. A falta de registo torna aliás impossível o cumprimento dos ónus previstos para o efeito no art. 412º n.º3 e 4 e no art. 431º, b) do CPP. Sendo certo que a impugnação da decisão tem como fundamento a reapreciação dos depoimentos prestados em audiência pelo agente da GNR que elaborou a participação do acidente e pelos depoimentos das testemunhas que dizem ter assistido ao acidente. Estando assim arredada a reapreciação da prova. * 3.3. Vícios do art. 410º, n.º2 A sindicância da decisão da matéria de facto com os fundamentos enunciados nas alíneas do n.º2 o art. 410º tem o seu âmbito delimitado, desde logo, pelo texto do mesmo preceito: “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência”. Tratando-se de “vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão” – cfr. Ac. STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224. Na verdade a sentença, para permitir a sua reapreciação dos seus fundamentos em via de recurso, deve apresentar uma estrutura lógica escorreita, evidenciando os vários elementos do silogismo judiciário a que dá forma. Com efeito verificando-se a existência de vícios a esse nível pode afirmar-se que não consente uma verdadeira reapreciação dos respectivos fundamentos. Daí que tais vícios sejam de conhecimento oficioso – cfr. o acórdão do STJ para fixação de jurisprudência de 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95. O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena não arguidos de falsos – cfr. Ac. STJ 10-03.99, SASTJ n.º 29, p. 73. Ou quando se dão como provados factos que face às regras da experiência comum e à lógica corrente não se podiam ter verificado Ac. STJ 02.06.99, proc. 354/99, citado por Maia Gonçalves, em anotação ao art. 41º do seu C. Anotado, 13ª ed.. Já o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada radica na “insuficiência da matéria de facto” apurada para uma decisão jurídica criteriosa. E não da “insuficiência da prova” para a decisão da matéria que o tribunal recorrido deu como provada, situação a resolver em sede de reapreciação da prova produzida, como pressupõe a motivação aduzida pelos recorrentes neste âmbito. Como referem SIMAS SANTOS / LEAL HENRIQUES (Recursos em Processo Penal, Ed. Rei dos Livros, 5ª ed., p. 61, “Trata-se de uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”. Radicando assim em o Tribunal não ter investigado factos relevantes aduzidos pela acusação ou pela defesa, resultantes da discussão da causa ou cujo esclarecimento se impunha para a definição dos elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime ou para a determinação da medida da pena. * Na perspectiva de aplicação dos referidos considerandos ao caso em apreço verifica-se, desde logo, que os fundamentos aduzidos pelos recorrentes para caracterizar a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” (conclusão n.º1), como já se adiantou, reportam-se à apreciação da prova, na perspectiva de que é a prova que é insuficiente para dar como provados os factos impugnados, dentro da crítica indiscriminada à decisão com base numa diferente análise dos meios de prova. Enquanto, como se evidenciou, o vício de insuficiência previsto no art. 410º, n.º2 é relativo à insuficiência da matéria de facto para a decisão sobre os pressupostos da responsabilidade criminal e da aplicação da pena. Também o vício de erro notório é invocado, no caso, na mesma perspectiva da reapreciação (“pura e dura”), da prova – arredada, no caso, como se referiu, pela falta de registo da prova de que os recorrentes prescindiram. Que não na perspectiva de que se trata de um erro que resulte evidente (notório na perspectiva de aparente, que se evidencia) da própria decisão em si ou do seu confronto com as regras da experiência sem necessidade de discutir os fundamentos intrínsecos do respectivo mérito. Com efeito toda a crítica dirigida à decisão tem por base não a análise da decisão em si, mas a discordância da apreciação da prova. O que resulta óbvio do “prova-o” sucessivamente repetido nas conclusões 5 a 11, relativamente a cada um dos correspondentes tens probatórios ali enunciados. Por outro lado, tendo presente a decisão recorrida e a fundamentação que a suporta, verifica-se que a mesma é clara, assentando num caminho perfeitamente evidenciado pela decisão que se mostra, outrossim, em total consonância/sintonia lógica coma decisão. Pode questionar-se a apreciação efectuada mas não dizer-se que a decisão em si ou em confronto com as regaras da experiência é ilógica ou impossível. Muito menos que devia ter procedido à investigação de outros factos que nem os recorrentes dizem quais sejam. Destacando-se que no cerne da discussão – o ponto de embate situado pela acusação na “mão de trânsito” do arguido - a motivação é exaustiva na análise crítica da prova em que assenta, explanando as razões pelas quais não mereceu crédito ao julgador o “desenho” relativo à posição dos veículos efectuado na participação do acidente. Não se verificando assim, dentro da própria motivação aduzida pelos recorrentes, os pressupostos legais dos invocados vícios. Que por isso são manifestamente improcedentes. * 3.4. Ainda que centrando a sua argumentação na impugnação da decisão da matéria de facto, a pretensão dos recorrentes consiste essencialmente na procedência do pedido de indemnização civil formulado nos autos. Ou seja (cfr. conclusões 15-16) a “condenação da Seguradora no pagamento da indemnização peticionada”. A condenação penal do arguido (pedida como pressuposto da responsabilidade civil conexa com a criminal) está liminarmente afastada, por não provada a conduta culposa imputada na acusação ao arguido. Mas em relação à responsabilidade civil importa ainda verificar a existência dos pressupostos da responsabilidade civil com base no risco, face ao disposto no art. 377º do CPP. A sentença recorrida, pronunciando-se sobre a responsabilidade pelo risco, afastou-a com fundamento na existência de conduta culposa da própria vítima. Concluindo pela existência de culpa presumida da vítima pela condução com uma taxa de alcoolemia no sangue de 0,68 gr./l e a velocidade não concretamente apurada mas superior ao limite máximo de 50 km/h estabelecido para o local. No entanto a sentença recorrida nada diz sobre uma presunção de culpa que também impendia sobre o condutor, pela circunstância de conduzir ao serviço da proprietária do veículo - “enquanto empregado da União Desportiva de Seia” – cfr. facto provado n.º 38. Presunção de culpa estabelecida no artigo 503º n.º3 do C. Civil e Assento do STJ de 14.03.1983 (DR de 28.06.1983). Presunção de culpa que, por identidade de razão, levaria à repartição dos danos. De qualquer afigura-se que a matéria de facto dada como provada não permite a imputação objectiva do acidente à conduta culposa de qualquer dos condutores porque não estabelece qual a conduta causal do mesmo. Não permite designadamente estabelecer o nexo de causalidade adequada entre a actuação da vítima (condução sob o efeito do álcool e velocidade não apurada mas superior a 50 km./h.) e o acidente. Na verdade a conduta descrita na acusação como causal do acidente (cfr. fls. 277 dos autos) era a invasão, pelo arguido, da meia faixa de rodagem contrária (aquela que competia à vítima) na qual, de acordo com a participação do acidente, se encontravam todos os vestígios do embate (plásticos e vidros partidos). Por outro lado, da matéria provada, se bem que não se tenha provado a referida conduta imputada ao arguido na acusação como causa do acidente, também não se provou a versão invocada pelo arguido na contestação - de que tenha sido a vítima que invadiu a meia faixa que competia ao arguido. Com efeito resulta da matéria não provada (facto não provado n.º2) que: “O embate entre os dois veículos deu-se na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido Gouveia – Celorico”. Assim, em face da matéria de facto provada, supra descrita, desconhece-se, de todo, em qual das metades da faixa de rodagem ocorreu o acidente - não resulta provado que tenha ocorrido na meia faixa que competia à vítima nem, tão-pouco, que tenha ocorrido na meia faixa contrária que competia ao arguido. Não se apurou designadamente que a vítima mortal tenha saído da sua mão de trânsito indo colher o outro veículo na meia faixa contrária – pressuposto indispensável para que o acidente possa ser imputado à conduta negligente da vítima. Ora toda a responsabilidade civil tem como pressuposto necessário o nexo de causalidade adequada – cfr. artigo 563º do C. Civil. Embora tal conceito comporte qualquer das formulações da referida teoria (formulação positiva ou negativa) vem-se entendendo que a doutrina mais criteriosa é a da formulação negativa, correspondente ao ensinamento de Enneccerus- Lehmann - cfr. Antunes Varela Obrigações, I vol., p. 899. “O que significa que qualquer condição que interfira no processo sequencial dos factos que conduzem à lesão, e que não seja de todo em todo indiferente à produção do dano segundo as regras normais da experiência comum, seja causa adequada do prejuízo verificado” – cfr. Ac. STJ de 18.05.2006, CJ/STJ, tomo I/2006, p. 95 e Ac. STJ de 20.06.2006, CJ/STJ, tomo I/2006, p. 119 recentemente publicados. No âmbito da sinistralidade rodoviária, pronunciando-se sobre o direito de regresso contra o condutor sob influenciado álcool, decidiu o Assento do STJ (agora acórdão para uniformização de jurisprudência) n.º6/2002 de 28.05.2002, publicado no DR, I série –A, de 18.06.2002 que tal direito exige “o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequado entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”. Doutrina que aqui tem integral aplicação, por identidade de razões. Assim, no caso, desconhecendo-se de todo a conduta causal do acidente designadamente que a vítima tenha saído da sua mão de trânsito, caímos no âmbito da responsabilidade pelo risco, por não provado o nexo de causalidade entre a conduta em que radica a culpa presumida (e existe presunção em relação a ambos os condutores, um pelo álcool, outro pela condução sob as ordens e direcção do proprietário) e o acidente. Responsabilidade a repartir em proporções iguais, na falta de melhores elementos, como estabelece o art. 506º n.º2 do C. Civil. * 3.5. Definida a responsabilidade do arguido por metade dos danos (transferida para a demandada E..., por força do contrato de seguro titulado pela apólice 9915944), resta quantificar a indemnização. Assinalando-se que se bem que o tribunal esteja vinculado ao montante global do pedido, não o está quanto à quantificação de cada uma das parcelas efectuada na petição. Está em primeiro lugar a indemnização pela privação do direito à vida e danos não patrimoniais da vítima. Preceitua o art. 496º, n.º3, 2ª parte, do C. Civil que “no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior”. Não mencionando a lei o direito à vida da vítima, a questão da indemnização do dano morte, distinto do sofrimento da vítima entre o acidente e a morte) transformou-se numa vexata questio, objecto de debate doutrinal e divergências a nível da jurisprudência. No entanto a nível da jurisprudência, após as dúvidas iniciais que suscitou a redacção deste preceito, o Assento do STJ de 17.03.1971 (BMJ 205º, p. 150), tirado para uniformização de jurisprudência, estabeleceu, em definitivo, que a privação do direito à vida é em si mesma passível de reparação pecuniária. Tal acórdão uniformizador colocou a vida no lugar de bem jurídico supremo e rompeu com preconceitos positivistas de que não podia verificar-se o surgimento de um direito pela perda da vida, nascido já "depois da morte do titular". O que equivaleria, como bem salientou LEITE DE CAMPOS em estudo publicado no BMJ 365, pag. 5 e segs. a deixar sem reparação a violação do bem supremo. Com efeito o direito não nasce com a consumação do dano (morte) em si, mas sim com a prática do acto ilícito gerador da morte – cfr. VAZ SERRA, na RLJ, Ano 99º, p. 80. E nesse momento a morte não está ainda consumada, sendo certo que o dano pode vir a consumar-se mais tarde, nalguns casos muito mais tarde, mas com base na lesão causada. Isto para além de que existe sempre um momento, ainda que fugaz, entre a lesão e a morte, ainda quando se verifica a morte imediata. Na lição, ainda actual, de Dario Martins de Almeida (Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, Almedina, 1987, pág. 191) “a lesão do direito à vida só pode ser encarada sob três pontos de vista: a) enquanto vida que se perde, na função normal que desempenha na família e na sociedade em geral; b) enquanto vida que se perde, no papel excepcional que desempenha na sociedade (...); c) enquanto vida que se perde, sem qualquer função específica na sociedade (...) mas assinalada por um valor de afeição mais ou menos forte. A equidade passa então a exercer-se, na prática, a partir daqueles diferentes pontos de vista. Trata-se, afinal, de encontrar um mero expediente compensatório, porque a vida não tem sucedâneo, nem jamais será possível fixar-lhe um preço”. Noutro entendimento a indemnização pelo dano morte deve ser a mesma em todos os casos e não em montante variável – cfr. Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2001 e Anúncio n.º 50/2001 da Secretaria-Geral do Conselho de Ministros (DR II S de 24.04.2001), de acordo com a recomendação do Provedor de Justiça no mediático caso da derrocada da ponte de Entre-os-Rios Numa perspectiva de síntese entende-se que a indemnização pela perda do direito à vida envolve uma componente básica essencial inerente à dignidade de toda a vida humana e ao princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei. E uma outra em que se deve valorar o concreto relevo da pessoa em questão na sociedade ou as suas eventuais excepcionais qualidades. No juízo de equidade que deve presidir à determinação concreta da indemnização pela perda do direito à vida, deverá o tribunal atender, nomeadamente “ao valor intelectual e humano da vítima (...) às suas qualidades de trabalho e idoneidade moral, ao factor idade, para demarcar diferenças no valor compensatório da vida - Cfr. Ac. RC de 26.11.91, CJ, tomo 5/91,71; AC. RC de 14.06.2000, C.J, tomo 3/2000, p.55/56. Quanto ao valor concreto da indemnização, escreve o Conselheiro SOUSA DINIS, em estudo publicado na CJ/STJ 1997, II, 11 e segs., actualizado na CJ/STJ, 2001, Tomo I, p 1 a 12, que “presentemente os tribunais estão a atribuir, por este dano, entre 4.000 e 5.000 contos”. No já referido “Caso de Entre-os-Rios” o Provedor de Justiça recomendou e o Governo aceitou a atribuição de 10.000.000$00 por cada vítima, englobando a indemnização pela perda do direito à vida em si (5.000.000$00) e igual montante relativo aos danos não patrimoniais sofridos por cada vítima este especialmente valorizado tendo em conta as circunstâncias particularmente dramáticas do caso - as vítimas terão sofrido um pavor indescritível durante a queda do alto tabuleiro até ao abismo das águas e morte atroz. A indemnização a fixar não deve ser meramente simbólica, devendo dar uma expressão monetária adequada aos padrões da vida actual – cfr., entre outros, os Acs. do S.T.J. de 16/12/1993, CJ/STJ, T3-181, de 11/10/1994, CJ, T3-89, de 18/03/1997, CJ, T1-163, de 13/01/2000, BMJ 493º-354, e de 09/05/2002, DR, 1ª S., de 27/06/2002, págs. 5057 e ss. Tendo presente o acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 09.05.2002, no sentido de evitar a dupla valoração do dano e a conjugação do dever de actualização com a obrigação de juros, a quantificação será reportada à data da notificação para contestar. Tudo ponderado, tendo presente ainda a idade da vítima, pessoa plenamente integrada na vida social e familiar, e, no que concerne ao dano não patrimonial da vítima o sofrimento foi muito breve, sendo a morte imediata (cfr. factos n.º11 e 12) bem como os padrões seguidos pela jurisprudência (designadamente os valores fixados pelos acórdãos do STJ acessíveis em http://www.cidadevirtual.pt/sj/jurisp/DanoMorte.html), entendem-se ajustadas as seguintes quantias: € 40.000,00 (equivalente a 8.000 contos) pela perda do direito à vida e € 10.00,00 (equivalente a 2.000 contos) pelo dano não patrimonial do sofrimento e percepção da morte. * A transmissão da indemnização pela privação do direito à vida / danos não patrimoniais tem sido objecto de entendimentos diferentes. De tal forma que já foi dito que o n.º3 do art. 496º proporciona “construções quase de tipo labiríntico” – cfr. CARLOS P. CORTE-REAL, (Direito da família e das Sucessões, Ed. Lex, 1993, Vol. II, p. 58). Entende-se que o melhor destes entendimentos é o propugnado por DARIO M. ALMEIDA, ob. cit. 177 (também VAZ SERRA, na R.L.J., Ano 107º, 140, alterando assim a posição que antes sustentara em como se transmitia por via sucessória às pessoas indicadas no art. 496º do C. Civ., GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 6ª ed., p. 95 e segs.) aceite maioritariamente pela jurisprudência, ou seja, que o direito se transmite por via sucessória nos termos do art. 2133º do C. Civil. Com efeito se antes das alterações introduzidas ao C. Civil pelo DL 496/77 de 25.11 a interpretação de que o direito à indemnização pela perda do direito à vida se transmitia pela ordem do art. 496º tinha a justificação de atribuir um direito sucessório ao cônjuge sobrevivo que este não tinha pelas regras gerais da sucessão, razão deixou de se verificar com a atribuição de um direito sucessório próprio ao cônjuge com a redacção introduzida por aquele DL ao art. 2133º, englobando a posição do cônjuge no elenco dos herdeiros. E sendo a indemnização pela perda do direito à vida uma “criação jurisprudencial” (o art. 496º não a prevê expressamente e o próprio legislador histórico não a terá previsto, quando na 2ª Revisão ministerial alterou profundamente o artigo 759º do Anteprojecto de Vaz Serra – cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 1983, 539 e CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, 2ª ed. I. Vol., 294) tendo em vista que às pessoas identificadas no art. 496º é conferido um direito pessoal próprio pelos seus danos não patrimoniais, não faria sentido atribuir-lhes, a par daquele, um outro direito que se transmitisse de forma diversa das regras gerais da sucessão. Tanto mais que se trata de direito que nasceu na esfera jurídica da vítima, autónomo daqueles que são reconhecidos pessoalmente às pessoas indicadas no art. 496º. De qualquer forma no caso em apreço o resulta é o mesmo: a quantia arbitrada a título de indemnização pela perda do direito à vida e danos não patrimoniais sofridos pela vítima divide-se, em partes iguais entre a mulher e o filho. * Danos não patrimoniais próprios dos autores Este dano deve ser valorado tendo por referência, de um lado o valor arbitrado pelo bem supremo e de outro que os beneficiários continuam afectados pelo dano, ao contrário da vítima mortal que nunca beneficia da indemnização. E os autores sofreram uma perda profunda não só com a notícia da morte do ente querido mas pela perenidade da ausência nas suas vidas e pelo desfazer da estrutura familiar, num casal jovem e com um filho de meses. No caso da autora relevam especificamente a dor e sofrimento inerentes à perda do marido, com 26 anos de idade, a perda do amparo familiar, num núcleo familiar restrito, unida por intensos laços afectivos, um projecto de vida que ruiu, a necessidade de acompanhamento psicológico. O autor pela sua tenra idade (ainda não tinha completado 8 meses de idade) não teve naturalmente a percepção da morte do pai que teria numa idade mais avançada. No entanto sabendo-se que já no ventre materno a criança tem a percepção do mundo exterior e da afectividade que rodeia, a morte do pai com tudo o que significa em termos de desabamento do mundo que o rodeia, com o universo familiar desfeito, a consequente afectação psicológica da mãe, não pode deixar de ter consequências profundas a nível da personalidade moral do autor, seu crescimento e desenvolvimento. Em juízo de equidade, tendo por referência os critérios supra referidos, entendem-se ajustados os montantes de € 20.000,00 para autora e € 10.000,00 para o autor. * Danos patrimoniais Assinala-se liminarmente que o recurso não aproveita à autora não recorrente – não se verifica nenhuma das circunstâncias previstas no art. 402º do CPP ou do art. 683º do CPC. Nos termos do art. 495º, n.º1 do C. Civil assiste à recorrente o direito ao reembolso das despesas suportadas com o funeral: 1.343,00. As despesas reclamadas pela recorrente relativas a assistência médica dela própria situam-se fora do apertado do âmbito do direito reconhecido a terceiros (a autora não interveio no acidente) previsto no citado art. 495º, como melhor se verá de seguida. Daí improceder o pedido nesta parte. * Reclamam depois os autores indemnização pela perda de rendimentos patrimoniais que lhes eram proporcionados pelo marido e pai. O valor do pedido formulado neste âmbito tem como referência o rendimento global que a vítima auferiria em toda a sua vida activa. Como se a indemnização fosse pedida pela própria vítima. No entanto quem reclama a indemnização não é o próprio lesado, mas antes a viúva e o filho, que não foram intervenientes no facto gerador da obrigação, como tal terceiros em relação à obrigação fonte da indemnização. O direito reclamado surge apenas como efeito (reflexo) da lesão, em virtude de estarem ligados ao lesado pelos laços do casamento e da filiação, respectivamente. Que não por se tratar de danos sofridos pelos próprios. Ora o direito de indemnização de terceiros apenas é reconhecido, comos e adiantou supra, no estreito limite definido pelo já citado artigo 495º do C. Civil. Preceito que postula sob a epígrafe "Indemnização a Terceiros em Caso de Morte ou Lesão Corporal": (...) 3. Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. Como escrevem PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, Coimbra Ed., 3ª Ed., em anotação ao art. 495º) "o disposto no n.º3 constitui uma excepção ao princípio segundo o qual só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal tem direito a indemnização e não os terceiros que apenas reflexa ou indirectamente sejam prejudicados". O inciso legal "os que os podiam exigir", designadamente a forma verbal utilizada, no imperfeito, é susceptível de causar dúvidas sobre os pressupostos do direito que o autor tem que alegar e provar: - basta-lhe provar que está no leque dos titulares do direito a alimentos definido pelo artigo 2009º do C. Civil? Ou tem que provar, em concreto, os pressupostos previstos nos artigos 2003º-2004º do C. Civil, ou seja a efectiva necessidade de quem reclama e a efectiva prestação pelo obrigado em os prestar? A letra da lei afasta claramente o segundo entendimento. Nem faria sentido que o requerente da indemnização tivesse que provar a prestação efectiva de alimentos, ou a existência dos pressupostos actuais dessa obrigação quando tal requisito é definido pela própria lei apenas para a prestação de alimentos com base em obrigação natural. Assim, o critério a seguir será o da verosimilhança, relativo aos danos futuros em geral, definido no artigo 564º, n.º2 do C. Civil: “os danos futuros são ressarcíveis desde que previsíveis”. Como decidiu o STJ, Acórdão de 16.04.1974, BMJ 236º, p. 138, “É indemnizável a perda, mesmo que só provável, do direito a alimentos”. Ou, no dizer do Ac. STJ de 13.02.91, AJ, 15º/16º, p. 6 “quando o cumprimento do dever de alimentos seja imposto pela recta composição de interesses (ditames de justiça)”. Ao requerente “basta apenas demonstrar que estava em condições de, legalmente, poder vir a exigir alimentos e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do art. 564º, n.º3 do C.C.” – STJ de 08.07.2003, CJ/STJ, II/2003, p. 141; idem Ac. STJ de 29.02.1996, CJ/STJ tomo 1/96, p. 104. No caso os autores são mulher e filho, respectivamente, da vítima. Trabalhando ele como técnico de ar condicionado e sendo um marido e pai extremoso a vítima contribuía com o produto do trabalho para as despesas do lar. Sendo assim previsível que o falecido contribuísse para as despesas comuns do casal até à sua idade da reforma (65 anos). E, em relação ao filho era perfeitamente previsível que a contribuição se mantivesse até à idade da emancipação económica dos filhos que, nos padrões da vida actual com autonomia económica dos filhos cada vez mais tardia é razoável estimar que se manteria até aos 25 anos (o Ac. STJ de 10.02.1998, CJ/STJ, tomo I/98, p. 65 reportou-se a 26 anos). Sabe-se que a vítima trabalhava por conta de outrem como técnico de ar condicionado (facto 31). Mas não se apurou o seu vencimento em concreto (facto não provado n.º 8). Assim, em juízo de equidade, tem-se como referência de cálculo ao SMN à data dos factos (€ 348,01 mensais – cfr. DL 325/2001 de 17.12, rectificado por declaração publicada no DR IS-A de 17.12.2001). A que corresponde ao rendimento anual (348,01x14) = € 4.872,14. Tem-se entendido que se presume que o titular do rendimento despende consigo 1/3 do rendimento, revertendo o remanescente para o agregado familiar. No entanto tal presunção não é de aplicar às pequenas economias domésticas, onde as despesas fixas assumem maior peso relativo (cfr. Ac.Rc de 15.01.1980, CJ/1980, p. 110). Pelo que, atendendo ainda a que a vítima, como técnico de ar condicionado, tinha condições para auferir salário superior ao mínimo legal, reportando a quantificação à notificação para contestar, afigura-se razoável, no caso, a repartição equitativa do rendimento disponível pelos 3 elementos da família. Ou seja, a quantia anual de (4.872,14:3=) € 1.624,05 para cada um. Deve a indemnização em dinheiro corresponder a um capital produtor do rendimento deixado de perceber que se mostre esgotado ou extinto no termo da vida activa do beneficiário ou do período durante o qual o rendimento seria mantido. Neste cálculo, tem-se lançado mão das tabelas financeiras, mas sempre como método auxiliar de cálculo e tendo por referência sempre o critério da equidade – v. por todos o Ac STJ de 15.12.98, na CJ–STJ, 98, III, 155-159, que teve como base de cálculo a taxa de juro de 5%. Outro critério orientador para encontrar o capital capaz de gerar o rendimento deixado de perceber por forma a que se mostres esgotado no final do período de vida activa do lesado é o utilizado pela jurisprudência francesa, propugnado pelo Conselheiro Sousa Dinis em estudo publicado na CJ/STJ, 1997, tomo II, pag. 11 e segs., actualizado na CJ/STJ, 2001, Tomo I, p 1 a 12: com base numa regar de três simples encontra-se o capital necessário para gerar o rendimento perdido, a uma taxa de juro razoável no momento; depois corrige-se esse montante, deduzindo-lhe 1/3 ou ¼, consoante a idade do beneficiário, para compensar o enriquecimento resultante da antecipação do capital e conseguir a extinção do capital no fim do período para que foi calculado. Tendo a vítima 26 anos à data dos factos tal equivale a que contribuiria com o seu rendimento para a mulher por mais 39 anos. Usando, como critério de aproximação à equidade, as tabelas matemáticas, para criar um capital susceptível de gerar aquele rendimento anual, à taxa de 5%, por forma a encontrar-se extinto no final daquele período, encontramos o índice de capitalização de 17,01. Aplicado ao dito rendimento dá a quantia de € 27.625,09. Pelo método da regra de 3, deduzindo ¼ por força da antecipação, encontraríamos uma quantia ligeiramente inferior àquela. Em juízo de equidade, tendo por referência os aludidos padrões, que a base de cálculo é o salário mínimo legal, que se tratava de uma pequena economia familiar em que as despesas fixas se mantém e os poucos meios são repartidos de forma mais intensa, que após a emancipação do filho a contribuição para o cônjuge ficava mais desafogada, entende-se ajustado arbitrar a quantia de € 28.000,00. Relativamente ao autor, recorrendo às tabelas matemáticas, para proporcionar aquele rendimento anual por 24 anos, tendo por referência a taxa de juro de 5%, encontramos o índice de 13,80. Que aplicado ao dito rendimento daria a quantia de € 22.411,89. E pelo critério da regra de 3 com dedução de 1/3 pela antecipação (rendimento por menos tempo que a autora) encontraríamos uma quantia ligeiramente inferior. Em juízo de equidade, tendo presentes os já aludidos padrões, que a base de cálculo é o SMN e que se tratava de uma pequena economia familiar entende-se ajustada a quantia de € 22.500,00 para o autor. * Temos assim, como valores finais relativos à autora: 25.000+20.000+28.000+1.343= € 74.343,00. Dividindo por dois (proporção do risco) = € 37.171,50. E para o autor: 25.000+10.000+22.500 = 57.500,00. Dividindo por 2 = € 28.750,00. * Como acima se referiu a quantificação da indemnização relativa a danos não patrimoniais foi reportada à notificação para contestar, tendo em vista o acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º4/2002 de 09.05.2002. Entendendo-se que na conjugação ente o art. 805º, n.º3, 2ª parte do C. Civil e o artigo 663º, n.º1 do CPC deve prevalecer a norma de direito substantivo. Assim haverá condenação em juros desde a notificação da demandada para contestar o pedido, conforme previsto no citado art. 805º n.º3. *** III. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se: 1- julgar improcedente o recurso quanto à acção penal; ------- 2- julgar parcialmente procedente o recurso no que toca à responsabilidade civil, ainda que com argumentos diferentes dos invocados, condenando-se a demandada E... Companhia de Seguros S.A., a pagar aos recorrentes, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da morte de F...: a) - a quantia de € 37.171,50 (trinta e sete mil e cento e setenta e um euros e cinquenta cêntimos) a favor da autora Elisabete Sofia; e ------------------ b) - a quantia de € 28.750,00 (vinte e oito mil e setecentos e cinquenta euros) a favor do demandante C...; ---------------- c) - juros legais sobre as referidas quantias vencidos e vincendos desde a notificação para contestar os pedidos até integral pagamento. ------------ * Custas do recurso penal, sem prejuízo do apoio judiciário, pela assistente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC. Custas da acção civil pelos autores e pela ré, na proporção do respectivo decaimento (por referência ao valor total do pedido - € 234.813,00), tanto as devidas em primeira instância como na fase de recurso. |