Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
504/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. OLIVEIRA MENDES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA COIMA
Data do Acordão: 03/24/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ARTIGO 18°, N.º 1, DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES E COIMAS
Sumário:

I - Na determinação da medida da coima a lei manda atender, entre outros factores, à gravidade da contra-ordenação, sendo que esta depende do bem ou interesse que a contra-ordenação tutela e do beneficio retirado e resultado ou prejuízo causado pelo agente.
II - Como sanção que é a coima só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabi-lidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção dos bens jurídicos e de con-servação e reforço da norma violada, pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral, sendo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida.
Decisão Texto Integral:
Recurso n.º 504/04

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.
No processo contra-ordenacional n.º 1323/03, do 2º Juízo Criminal de Coimbra, após a realização de contraditório foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente o recurso de impugnação interposto pela arguida AA, com sede na Estrada Nacional 1, Cernache, Coimbra, substituiu pela sanção de admoestação a coima de € 2.500,00 cominada pela prática da contra-ordenação prevista e punível pelos arts.7º, n.º1 e 20º, n.º1, do DL 239/97, e confirmou a coima de € 4.000,00 aplicada pelo cometimento da contra-ordenação prevista e punível pelos arts.10º, n.º 2, 15º e 34º, n.º1, do DL 352/90.
A arguida interpôs recurso da sentença, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação:
Considerando que a arguida recorrente já regularizou a situação relativa à aquisição do material monitorizado e preconizado pela Inspecção;
E que o mesmo se encontra em eficiente funcionamento;
Com grande sacrifício de ordem económica e financeira, porquanto teve de recorrer ao crédito para aquisição de tal material no valor de € 389.840,00;
Que mantém 271 postos de trabalho;
Que mantém elevados custos para laborar (cf. € 150.000,00 só em gás natural, ao mês);
Que, em 2003 foi a arguida certificada pela APCER pela norma APEN IS0 9001/2000;
Que a coima no valor de € 4.000,00 representa para a arguida, mais um forte rombo nas suas já muito dificultadas operações de tesouraria;
Que é a primeira vez que é aplicada à arguida tal coima;
Conclui-se que a coima aplicada seja substituída por admoestação ou, quando assim se não entenda, substituído o valor por montante não superior a € 500,00.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o Digno Magistrado do Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
Carece de fundamento legal a pretendida substituição da coima pela simples admoestação ou a redução do valor da coima para um montante não superior a € 500,00;
A douta sentença recorrida está bem fundamentada e não violou qualquer preceito legal.
Deverá ser considerado totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida.
Igual posição assumiu o Exm.º Procurador-Geral Adjunto.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
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Delimitando o objecto do recurso o qual nos é dado pelas conclusões formuladas pela recorrente na motivação apresentada, verifica-se serem duas as questões submetidas à nossa apreciação e julgamento, estando a segunda depende da decisão a proferir relativamente à primeira:
a) Substituição da coima aplicada pela sanção de admoestação;
b) Redução da coima cominada para montante não superior a € 500,00.
Estabelece o art.51º, n.º1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCC), que quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
Daqui resulta serem requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação a reduzida gravidade da contra-ordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente.
Certo é que a gravidade da contra-ordenação depende, por um lado, do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, por outro lado, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado ( - A gravidade da contra-ordenação pode ainda depender ou aferir-se a partir directamente da lei. É o caso das contra-ordenações estradais em que o legislador as qualifica em função da sua gravidade como simples, graves e muito graves.).
Quanto à gravidade da culpa do agente ela depende, fundamentalmente, da forma como o mesmo agiu, isto é, com dolo ou negligência, bem como do grau de dolo – directo, necessário e eventual – e da negligência – simples ou grosseira.
No caso vertente estamos perante contra-ordenação que tutela o ambiente e a defesa da sua qualidade, designadamente a qualidade do ar, bem indispensável à vida, consubstanciada no facto de a recorrente não haver enviado à entidade competente – Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente – os resultados obtidos através do auto controlo obrigatório de emissões de poluentes atmosféricos (arts.10º, n.º 2 e 15º, n.º1, do DL 352/90, de 9 de Novembro).
Certo é que a recorrente, estando obrigada a enviar aqueles resultados, não só os não enviou no prazo legalmente previsto, como os não enviou após haver sido notificada para tal pela entidade competente, sendo que, como consta da decisão proferida sobre a matéria de facto – alínea q) –, aquela tinha conhecimento das obrigações cujo cumprimento omitiu e sabia que a sua actuação era contrária à lei.
Destarte, tendo em vista a gravidade da contra-ordenação, que é elevada, o que decorre da importância do bem tutelado, bem como a gravidade da culpa, que é acentuada, o que resulta do facto de a recorrente haver actuado dolosamente, é manifesta a inaplicabilidade da sanção de admoestação.
Passando ao conhecimento da segunda questão, qual seja a da medida da coima, começar-se-á por assinalar que as condutas ou comportamentos contra-ordenacionais, em si mesmos, isto é, independentemente da sua proibição legal, são axiologicamente neutros e, daí que, a coima represente um mal que de nenhum modo se liga à personalidade do agente, antes servindo como mera «admonição», como especial advertência ou reprimenda conducente à observância de certas proibições ou imposições legais, pelo que não é conatural a uma tal sanção uma dimensão de retribuição ou expiação de uma culpa ética, como a não será a da ressocialização do agente ( - Cf. Figueiredo Dias, «O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social», estudo publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, I (1983), 317/336 e republicado em Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários (Coimbra Editora – 1998), 19/33. ).
Em todo o caso, como sanção que é, ela só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção dos bens jurídicos e de conservação e reforço da norma jurídica violada ( - Cf. o recente trabalho do relator e do Exm.º Desembargador Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (2003), 58.), pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral ( - Como refere Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 5º Tema – Do Direito Penal Administrativo ao Direito de Mera Ordenação Social (2001), 150/151, relativamente à culpa, tal como na pena criminal, também na coima o pensamento da retribuição não joga qualquer papel, pelo que as finalidades da coima são (apenas) preventivas, às quais são em larga medida estranhas sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização.), sendo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida.
Tal como decorre do texto legal – art.18º, n.º1, do RGCC –, na determinação da medida da coima, haverá também que considerar a gravidade da contra-ordenação.
Como consignámos no nosso trabalho já mencionado, quanto ao critério gravidade da contra-ordenação, certo é que o mesmo, como expressivamente refere Carneluti a propósito da aplicação e da adequação da pena ( - El Problema de La Pena (1947), 76.), mais não significa que o seguinte: «que um delito se considere mais ou menos grave não quer dizer outra coisa a não ser que deve ser mais ou menos gravemente punido, e vice-versa», o que se justifica a partir da constatação de que, em regra, existe uma relação directa entre a gravidade do facto e a quantificação da anti-socialidade, para além de que toda e qualquer sanção só cumpre eficazmente as suas finalidades de orientação de condutas e de eliminação das infracções, quando há proporcionalidade entre a gravidade do facto e a sanção.
Por outro lado e como atrás se deixou consignado, a gravidade da contra-ordenação tout court depende do bem ou interesse que tutela e do benefício retirado e do resultado ou prejuízo causado pelo agente.
No caso sub judicio estamos perante contra-ordenação que visa proteger o ambiente e tutela a segurança da sua qualidade, mais concretamente a qualidade do ar, sancionável de acordo com os limites mínimo e máximo fixados na lei geral, isto é, no RGCC – art.34º, n.º1, do DL 352/90.
Tais limites são de € 3,75 e € 44.891,81 – art.17º, n.ºs 1 e 2, do RGCC.
A recorrente comportou-se dolosamente.
Como é sabido, em matéria de ambiente, designadamente da qualidade do ar, são prementes as necessidades de prevenção, dada a frequência e gravidade das violações à lei e das lesões produzidas, com destaque para as provocadas pelas indústrias poluentes.
Deste modo e muito embora se desconheça em que medida a recorrente lesou a qualidade do ar, tudo ponderado, temos por certo que a coima cominada – € 4.000,00 – a merecer censura seria por pecar por defeito e nunca por excesso.
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Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente – 10 UCs. de taxa de justiça.
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