Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4768/14.9T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: AÇÃO PARA DECLARAÇÃO DE SUSPENSÃO DO DIREITO A PENSÕES
PROCESSO ESPECIAL
APELAÇÃO AUTÓNOMA
PROCESSO URGENTE
EXTEMPORANEIDADE DO RECURSO
Data do Acordão: 01/26/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO – ARTIGO 643.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTIGOS 26.º, N.º 1, AL.ª E), 80.º, N.º 2, E 151.º DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO
Sumário:
I – Apesar de o art.º 151.º do CPTrab. referir que as ações aí previstas são processadas segundo os termos do processo comum, apenas pretende significar que devem seguir a forma processual mais simples que se acha prevista – por isso, é “comum” –, de modo a afastar a multiplicidade de articulados e outros formalismos, garantindo celeridade e certeza, no sentido de maior simplificação.

II – Tal não retira ao processo para declaração de extinção de direitos resultantes de acidente de trabalho a qualidade de processo especial, âmbito em que o prazo para interposição de recurso do despacho saneador/sentença é de 15 dias.

Decisão Texto Integral:

Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra

Juízo do Trabalho de Coimbra - Juiz 2

4768/14.9T8CBR-B.C1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

Com a data de 16-10-2023 foi proferido o seguinte despacho:

“- do recurso:

A requerente interpôs recurso do despacho saneador sentença que julgou totalmente improcedente a sua pretensão.

Esta decisão foi proferida em 18 de julho de 2023 e notificada ao mandatário da requerente em 19 de julho de 2023, presumindo-se a sua notificação em 24 de julho de 2023 nos termos do disposto no art.º 248.º, n.º 1 do NCPC.

O recurso em apreço consubstancia uma apelação autónoma (art.º 79.º-A, n.º 1, al. a) do CPT) e não tem por objeto a reapreciação da prova gravada, pelo que o prazo de recurso é de 15 dias, por se tratar de um processo de natureza urgente (art.ºs 26.º, n. 1, al. e) e 80.º, n.º 2 do CPT).

Este prazo terminou em 11 de agosto de 2023, contabilizando já os três dias úteis a que alude o art.º 139.º, n.º 5 do NCPC.

O recurso deu entrada em juízo no dia 12 de setembro de 2023.

Donde resulta que o recurso é extemporâneo.

E, assim sendo, por manifesta extemporaneidade, rejeito o recurso interposto pela requerente do despacho saneador sentença proferido nos autos.

Custas do incidente a cargo da requerente que fixo em 1 UC.

Notifique.”

G..., S.A veio reclamar do despacho que rejeitou o recurso por si interposto do saneador sentença proferido nos autos, com os seguintes fundamentos:

“A requerente interpôs recurso do despacho saneador sentença que julgou totalmente improcedente a sua pretensão.

Esta decisão foi proferida em 18 de julho de 2023 e notificada ao mandatário da requerente em 19 de julho de 2023, presumindo-se a sua notificação em 24 de julho de 2023 nos termos do disposto no art.º 248.º, n.º 1 do NCPC.

O recurso em apreço consubstancia uma apelação autónoma (art.º 79.º-A, n.º 1, al. a) do CPT) e não tem por objeto a reapreciação da prova gravada, pelo que o prazo de recurso é de 15 dias, por se tratar de um processo de natureza urgente (art.ºs 26.º, n. 1, al. e) e 80.º, n.º 2 do CPT).

Este prazo terminou em 11 de agosto de 2023, contabilizando já os três dias úteis a que alude o art.º 139.º, n.º 5 do NCPC.

O recurso deu entrada em juízo no dia 12 de setembro de 2023.

Donde resulta que o recurso é extemporâneo.

E, assim sendo, por manifesta extemporaneidade, rejeito o recurso interposto pela requerente do despacho saneador sentença proferido nos autos.”

A Requerente intentou acção para declaração de suspensão de direito a pensões, ao abrigo do disposto nos artigos 151º a 153º do Código do Processo do Trabalho.

Nos termos de quanto dispõe o nº 1 do art.º 151º do Cód. de Processo de Trabalho, “As ações para declaração de prescrição ou de suspensão de direito a pensões e para declaração de perda de direito a indemnizações seguem, com as necessárias adaptações, os termos do processo comum, com exceção dos artigos 61.º e 62.º, mas o juiz pode oficiosamente ordenar exames ou outras diligências que considere necessárias.” (negrito e sublinhado nosso).

A sistematização do Código de Processo de Trabalho, remete para a Secção II do Capitulo II, nos artºs 151º a 153º, as disposições tendentes à extinção de direitos resultantes de acidentes de trabalho.

Apesar de inserir tais acções no Capítulo II do Título VI – Processos Especiais, logo o artigo 151º faz a destrinça ao mandar aplicar, com as necessárias adaptações, as regras do processo comum.

E, porque relevante, dir-se-ia, absolutamente relevante, a epígrafe do próprio artigo 151º refere Processo Aplicável.

Ora, se o legislador não pretendesse fazer a destrinça sobre o modo e forma como deverão ser tramitados estes processos, seguramente não faria esta menção, como a não faria no próprio texto do nº 1 do mesmo artigo 151º do Cód. de Processo de Trabalho, ““As ações para declaração de prescrição ou de suspensão de direito a pensões e para declaração de perda de direito a indemnizações seguem, com as necessárias adaptações, os termos do processo comum…”

As excepções mencionadas no corpo deste nº 1 do art.º 151º do Cód. de Processo de Trabalho, no caso os artºs 61º e 62º, em nada alteram esta factualidade.

Ao remeter para a tramitação do processo comum, necessariamente o legislador entendeu que as razões que justificam o tratamento e o carácter urgente aos acidentes de trabalho strictu sensu no caso não se verificam e por isso não lhe são aplicáveis.

O que se compreende, já que se visa obter, num processo emergente de um acidente de trabalho, uma justiça rápida e eficaz, em prol do trabalhador e/ou seus beneficiários, decorrente da privação que o próprio acidente de trabalho acarreta ou pode acarretar na capacidade produtiva do trabalhador sinistrado.

No caso das acções destinadas a obter a declaração de suspensão de direito a pensões, é precisamente o inverso, já que o trabalhador não está numa posição em que a tutela do direito que lhe é conferida enquanto Autor numa acção emergente de acidente de trabalho, careça de urgência.

Tanto mais quando a aqui Ré, continua a receber pontualmente a sua pensão, o que acontecerá até ao trânsito da decisão que vier a ser proferida no processo.

Chegaríamos mesmo ao paradoxo de a urgência, poder ser prejudicial ao trabalhador.

Por outro lado, uma vez iniciado um processo de acidente de trabalho, este como que ganha vida própria, não carecendo de qualquer impulso por parte do trabalhador.

Situação obviamente inversa acontece nas acções destinadas a obter a declaração de suspensão de direito a pensões, que carecem de impulso processual das partes, sob pena de a instância ficar deserta.

Exemplo desta realidade é o próprio Despacho Refª Citius 91063268 datado de 18 de abril de 2023, no qual o Tribunal convidou a Autora, aqui Reclamante a chamar a juízo a entidade empregadora da Ré, sob pena de absolvição desta do pedido.

Caso a aqui Reclamante não tivesse dado cumprimento ao douto Despacho em questão, o processo acabaria com a absolvição da Ré, sem que o Tribunal assumisse as rédeas processuais como o faria num caso de acidente de trabalho.

Ora, atendendo ao supra enunciado, entende a Reclamante que as regras processuais aplicáveis a esta acção são as regras do processo comum, entre as quais as regras referentes aos prazos processuais.

E estas abrangem a suspensão dos prazos, no decurso das férias judiciais.

Tendo o Saneador Sentença alvo de Recurso, sido notificado à Autora ora Reclamante, em 24 de julho de 2023 e tendo as Alegações de Recurso dado entrada em Tribunal no dia 12 de setembro de 2023, julga-se que as mesmas deram entrada em Juízo em prazo, jamais por isso podendo ser considerado extemporâneo o Recurso interposto.

Como tal, deverá o mesmo ser aceite, por tempestivo, seguindo os Autos os seus termos posteriores.

Termos em que, deverá ser a presente Reclamação procedente, ordenando-se o prosseguimento dos Autos com a apreciação do Recurso interposto, porque tempestivo.”

A requerida AA respondeu, sustentando a manutenção do julgado.

Foi proferida decisão pelo relator que indeferiu a presente reclamação deduzida por G..., S.A., confirmando o despacho reclamado de não recebimento do recurso de apelação por ela interposto.

Não se conformando com essa decisão singular, veio agora a recorrente apresentar a presente reclamação para a conferência requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria da decisão, tendo formulado as seguintes conclusões:

1) O entendimento seguido pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator, a manter-se, esvazia de conteúdo o disposto no art.º 151º do Cód. de Processo de Trabalho.

2) Não tem acolhimento na letra da Lei, pelo menos no que toca ao tipo de acções de que tratam os presentes Autos, o entendimento que a relevância para saber qual o prazo para interposição de Recurso e a forma da sua contagem, se limita apenas a saber se o processo é comum ou especial.

3) A relevância deverá estar, como está, na excepcionalidade dos termos a seguir, no caso, os do processo comum.

4) Muito menos, configura qualquer transmutação do processo especial para o processo comum, o facto de àquele se aplicar, as regras deste.

5) O processo continua a ser especial, mas seguindo as regras do processo comum.

6) A assim não ser, não existe qualquer razão para a expressão contida no artº 151º do Código de Processo Trabalho “…seguem, com as necessárias adaptações, os termos do processo comum…”

7) E, nos termos do disposto no nº 3 do artº 9º do Cód. Civil, o interprete pode e deve presumir “…que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”

8) Se a expressão contida no art.º 151º do Cód. de Proc. Trabalho é inócua, conforme parece ser o entendimento das instâncias, então assumiremos, ao contrário do que se prevê no nº 3 do art.º 9º do Cód. Civil, que o legislador não se exprimiu de forma adequada.

9) A epígrafe do próprio artigo 151º refere Processo Aplicável e se o legislador não pretendesse fazer a destrinça sobre o modo e forma como deverão ser tramitados estes processos, seguramente não faria esta menção, como a não faria no próprio texto do nº 1 do mesmo artigo 151º do Cód. de Processo de Trabalho, “As ações para declaração de prescrição ou de suspensão de direito a pensões e para declaração de perda de direito a indemnizações seguem, com as necessárias adaptações, os termos do processo comum…”

10) Ao remeter para a tramitação do processo comum, necessariamente o legislador entendeu que as razões que justificam o tratamento e o carácter urgente aos acidentes de trabalho strictu sensu no caso não se verificam e por isso não lhe são aplicáveis.

11) Tendo o Saneador Sentença alvo de Recurso, sido notificado à Autora ora Reclamante, em 24 de julho de 2023 e tendo as Alegações de Recurso dado entrada em Tribunal no dia 12 de setembro de 2023, julga-se que as mesmas deram entrada em Juízo em prazo, jamais por isso podendo ser considerado extemporâneo o Recurso interposto.

12) É pois esta a matéria que se requer seja submetida à Conferência, visando proferir Acórdão, nos termos do disposto no nº 3 do art.º 652º do Cód. Proc. Civil., decidindo-se pela tempestividade da interposição do Recurso.

Não foi deduzida resposta.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

QUESTÃO A DECIDIR

Da decisão sobre a extemporaneidade do recurso interposto pela requerente seguradora.

FUNDAMENTOS DE FACTO

Com base na consulta do processo eletrónico, consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a questão a decidir:
1. Em 3-01-2023, G..., S.A intentou AA a presente ação para declaração de suspensão de direito a pensões, ao abrigo do disposto nos artigos 151º a 153º do Código do Processo do Trabalho, com processo especial, pedindo que seja declarada a suspensão do direito a pensões por parte da requerida, até que seja atingido o montante de € 35.000,00.
2. Em 18-07-2023 foi proferido despacho saneador/sentença que julgou totalmente a sua pretensão.
3. Esta decisão foi notificada ao mandatário da requerente em 19-07-2023, presumindo-se a sua notificação em 24-07-2023.
4. O recurso do despacho saneador/sentença deu entrada em juízo no dia 12-09-2023.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

A recorrente insurge-se contra a decisão singular que não admitiu a apelação que interpôs, advogando, fundamentalmente, que a interpretação sufragada na mesma, esvazia de conteúdo útil o disposto no artigo 151º do CPT.

Não se nos afigura, contudo, que a decisão sumária do relator mereça a censura que lhe vem apontada, posto que as questões que nela foram decididas obtiveram solução jurídica que reputamos acertada.

Como assim, renovamos e fazemos nossos os argumentos em que se ancorou a aludida decisão singular e que se passam a transcrever: “No caso presente, estamos perante uma ação para declaração de suspensão do direito a pensões, ao abrigo do disposto nos artigos 151º a 153º do CPT.

Preceitua o art.º 151º do CPT que “As ações para declaração de prescrição ou de suspensão de direito a pensões e para declaração de perda de direito a indemnizações seguem, com as necessárias adaptações, os termos do processo comum, com exceção dos artigos 61.º e 62.º, mas o juiz pode oficiosamente ordenar exames ou outras diligências que considere necessárias”.

De harmonia com o disposto no art.º 26º, nº 1, al. e), do CPT “Têm natureza urgente as ações emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional”.

Segundo o nº 2 do art.º 80º do CPT “Nos processos com natureza urgente, bem como nos casos previstos nos nºs 2 e 5 do artigo 79.º-A do presente Código e nos casos previstos nos nºs 2 e 4 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias”.

Conforme refere Viriato Reis “O processo por acidente de trabalho não é apenas um, dado que a lei prevê três tipos. Trata-se de processos declarativos especiais, conforme consta no art.º 48.º do Código de Processo do Trabalho (com a redação da Lei 107/2019, de 9 de setembro, doravante CPT), que integram a espécie 3.ª na distribuição, de acordo com o art.º 21.º do CPT, e que são os seguintes:

1 – O processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos arts.º 99.º a 150.º do CPT, que constituem a Secção I , do Capítulo II, do Título VI, do Livro I, do Código, sendo nesse Título VI que se integram todos os processos especiais;

2 – O processo para declaração de extinção de direitos resultantes de acidente de trabalho, com previsão nos arts.º 151.º a 153.º (Secção II daquele Capítulo II);

3 – O processo para efetivação de direitos de terceiros conexos com acidente de trabalho –art.º 154.º do CPT (Secção III daquele Capítulo II);

A estes, relativos a acidentes de trabalho, acresce o processo para a efetivação de direitos resultantes de doença profissional, nos termos do art.º 155.º.”

Refere a reclamante que as regras processuais aplicáveis a esta ação são as regras do comum, entre as quais as regras referentes aos prazos processuais.

O que é relevante para o prazo de interposição do recurso é o de saber se é um processo comum ou um processo especial. Com efeito, não obstante a lei mandar seguir os termos do processo comum não retira ao processo para declaração de extinção de direitos resultantes de acidente de trabalho, com previsão nos arts.º 151.º a 153 a qualidade de processo especial, não implicando uma transmutação do processo especial para processo comum.

O prazo para a interposição do recurso do despacho saneador/sentença era pois de 15 dias.

O despacho saneador/sentença foi notificado ao mandatário da ora reclamante em 19-07-2023, presumindo-se a sua notificação em 24-07-2023, tendo sido interposto recurso em 12-09-2023.

Ora, não tendo sido interposto recurso dentro do prazo de 15 dias, tem de se considerar o mesmo extemporâneo, conforme bem se decidiu no despacho reclamado.”

Acresce dizer que Carlos Alegre[1] em anotação ao artigo 151º, nº 1, do CPT escreveu o seguinte: “I.       Apesar do artigo 151º do CPT dizer que estas ações são processadas segundo os termos do processo comum- (….) apenas pretende significar que devem seguir a forma processual mais simples que se acha prevista- por isso, é “comum” - de modo a afastar a multiplicidade de articulados e outros formalismos, garantindo celeridade e certeza, ao ponto de simplificar, ainda mais, evitando toda a fase de saneamento do processo e audiência preliminar, especialmente prevista nos artigos 61º e 62º do CPT”.

Em conclusão: entende-se que não é de atender a reclamação, com a consequente manutenção a decisão singular na qual se determinou a não admissão do recurso por extemporaneidade.

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não atender a reclamação, mantendo, pois, a decisão singular na qual se determinou a não admissão do recurso por extemporaneidade.

Custas pela reclamante.

                                                                                      Coimbra, 26 de janeiro de 2024

Mário Rodrigues da Silva- relator

Felizardo Paiva

Paula Maria Roberto

Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):

(…).

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original





([1]) Código de Processo do Trabalho Anotado e Actualizado- DL 38/2003, 6ª edição, 2004, P. 372.