Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
225/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
LEGALIDADE
Data do Acordão: 04/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 437º, 438º E 439º DO C. CIV. .
Sumário: I – A lei faculta a resolução, fora o caso típico do inadimplemento pela outra parte, quando se verifique uma alteração superveniente anormal das circunstâncias, nos termos previstos nos art.ºs 437º a 439º do C. Civ..
II – A parte que se considerar lesada com uma alteração superveniente anormal das circunstâncias e não havendo acordo para se prevenir o litígio, pode provocar essa resolução mediante declaração (extrajudicial) dirigida à outra parte; o contrato deve considerar-se desfeito logo que a declaração chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida.

III – Neste caso o recurso à via judicial pode tornar-se indispensável sempre que o destinatário a não aceite, por este considerar infundada a resolução do contrato.

Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Coimbra:

I - A..., industrial e residente em Alcobaça moveu em 19 /12/2002 e no tribunal supra epigrafado acção declarativa ordinária contra B... e marido C..., residentes em Miraflores, Algés, D..., viúvo e também residente em Miraflores, E..., viúva e residente em Mem Martins, F..., divorciado e também residente em Mem Martins e G... e marido H..., residentes em Faro, pedindo a condenação dos RR a que “seja declarado justificadamente resolvido o contrato promessa celebrado entre as partes em 10 de Janeiro de 2002, tendo por objecto o prédio rústico sito no Facho, freguesia de Allfeizeirão, Alcobaça, descrito na Conservatória sob o nº 951 e inscrito na matriz sob os artºs 843º e 844º e os RR condenados a restituírem-lhe a importância de € 498.797,90 por ele A paga a título de sinal e princípio de pagamento, acrescida de juros de mora à taxa legal de 12% desde 21 /06 até efectiva e completa restituição”.
Alega, para o efeito que celebrou com os RR um contrato promessa de compra e venda, tendo por objecto aquele dito pr´dio que os promitentes vendedores garantiram ter 30.000m2.
O preço ajustado foi-o no pressuposto de que a Câmara Municipal de Alcobaça ia viabilizar a construção no local de 50 fogos de uma determinada tipologia.
Sucede que a construção no local se encontra interdita por força de diploma legal que aprovou o Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Alcobaça-Mafra ( doravante designada por POOC) até à aprovação dos respectivos planos de pormenor e ou projectos de intervenção e porque a Câmara não prevê como, quando ou se poderá vir a efectuar o dito plano de pormenor, tal constitui motivo para a resolução do contrato que o A em Junho declarou, comunicando-o aos RR.e pedindo-lhes a devolução do sinal.
Mais disse que a escritura deveria ter sido realizada no prazo de 300 dias e competia aos RR marcá-la, o que estes não fizeram, havendo motivo também desta forma para a resolução do contrato.
Contestaram os RR, concluindo pela sua absolvição, sustentando a ausência de motivo para a resolução e afirmando a inexistência de incumprimento das obrigações para eles emergentes do contrato promessa que por isso se deveria manter, antes referindo que o A subverte o sentido e alcance da cláusula 5ª ao tentar apoiar-se nela para validar a resolução, tendo agido de má fé e ele, sim, manifestando a vontade de não realizar o contrato prometido, dele desistindo.
O processo seguiu termos e no final, após julgamento com gravação da prova e na esteira da decisão da matéria de facto, proferiu o Mmo Juiz a douta sentença de fls 293 e ss, na qual julgou parcialmente procedente a provada a acção, condenando os RR a ver resolvido o contrato promessa e a restituírem ao A a quantia € 498,797,90 e juros de mora vencidos desde 21/06/2002 e vincendos até integral pagamento às taxas de 7e 4%, absolvendo-os do mais.
Inconformados recorreram os RR de apelação, fazendo-o, porém, os RR B... e marido e D... em separado dos demais, constituindo outro ilustre advogado, tendo uns e outros nas correspondentes alegações, concluído as mesmas do modo seguinte.
(…)
Não houve contra-alegação.

II – Nesta instância foram corridos os vistos legais.
Cumpre, pois, decidir.
.
III – Não obstante ter sido pontualmente objecto de impugnação a decisão da matéria de facto, começaremos por enunciar, para melhor nos situarmos no contexto da lide e assim mais facilmente podermos penetrar na intrincada teia de questões levantadas pelos recorrentes, os factos dados por assentes e provados na 1ª instância:
I – O A exerce a sua actividade no sector da construção civil incluindo a compra e venda de prédios urbanos ou por urbanizar, bem como a eventual promoção imobiliária dos mesmos (aln a)dos factos assentes);
II– Em 10 de Janeiro de 2002, o A e os RR outorgaram e assinaram o acordo que se mostra junto a fls 8 a 12 que aqui se dá por reproduzido(aln b));
III – Nele os RR prometeram vender ao A e este comprar o prédio rústico sitoi no “Facho ou Quinta “, freguesia de S.Martinho do Porto, concelho de Alcobaça, com a área de 30.000n m2 descrito na Conservatória sob o nº 951 e inscrito na matriz sob os artºs 843 e 844 (aln c))
IV – Na cláusula 3ª do mesmo acordo, pode ler-se que o preço da venda é de € 997.595, 80, equivalente a 200 milhões de escudos (aln d));
V- Na cláusula 4º consta o seguinte : “ o preço referido na cláusula anterior do presente contrato será liquidada da seguinte forma :
a) A título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 496.797,90 (...) o que é equivalente a esc. 100.0000000$00 (...) que nesta data foi recebido pelos 1ºs outorgantes e que aqui dão a respectivsa quitação”
b) Os restantes (...) e que é o equivalente a esc. 100.000.000$00, a liquidar através de 2 cheques visados de igual montante na data da respectiva escritura de compra e venda (aln e));
VI – Na cláusula 6ª do mesmo Acordo consta o seguinte “ a escritura de compra e venda será realizada no prazo de 300 dias a contar da o presente dada , ficando os 1ºs outorgantes com a responsabilidade da sua marcação, avisando o 2º outorgante com pelo menos 10 dias de antecedência quanto ao dia, hora e local da sua realização através de carta registada com aviso de recepção, a enviar para o domicilio profissional do 2º outorgante (aln f));
VII - Consta da cláusula 2ª do mencionado acordo “que os 1ºs outorgantes declaram que a área mencionada na certidão da Conservatória de 16.000m2 não é exacta , estimando-se o valor correcto em 30.000m2. Os 1ºs outorgantes comprometem-se a mandar efectuar o levantamento topográfico do terreno e a proceder à actualização da área em data anterior à escritura de compra e venda “(aln g));
VIII – Na cláusula 5ª do mesmo acordo consta o seguinte ::” o preço constante da cláusula anterior foi fixado no pressuposto de que a Câmara Municipal vir a viabilizar a construção de 50 fogos de tipologia T2 e T 3 no referido prédio, para o que o 2º outorgante se compromete a desenvolver a seu cargo, os estudos necessários e a organização do processo de informação prévia a submeter à aprovação da autarquia, com autorização e apoio dos 1ºs outorgantes em todas as providências a tomar “ (aln H ));
IX – Consta ainda da mesma cláusula que “no caso de o número de fogos aprovados vir a ser inferior, os 1ºs outorgantes aceitam deduzir ao preço a quantia de € 19.951, 92 (...) o equivalente a esc. 4.000.000$00 de fogo a menos até um limite de máximo de dedução não superior a a 15% do preço “ (aln I));
X – Consta da cláusula 7ª do acordo que “ a presente venda é feita livre de quaisquer ónus e encargos, com excepção dos depósitos de água dos SMAS e uma casa de habitação existente no terreno e que não são propriedade dos 1ºs outorgantes “ (alnJ ));
XI – Na cláusula 10ª pode ler-se : “ no caso de surgir algum imprevisto estranho à vontade dos promitentes vendedores ou caso algum dos confinantes venha a exercer o direito de preferência dentro do prazo legal, o presente contrato fica dado sem efeito, ficando os 1ºs outorgantes apenas com a obrigação de devolver em singelo as quantias recebidas a título de sinal e princípio de pagamento” (aln K));
XII – Na cláusula 13ª refere-se que : “ o 2º outorgante toma posse do terreno objecto do presente contrato na data da outorga da respectiva escritura de compra e venda “ (aln l));
XIII – O A mandou elaborar o processo de informação prévia que se mostra junto aos autos de fls 17 a 24 aqui dado por reproduzido e que foi submetido à APRECIAÇÃO da Câmara Municipal de Alcobaça em 18/01/2002(aln M));
XIV – Por ofício datado de 27/02/2002, a Câmara Municipal de Alcobaça emitiu a informação de fls 25 e ss, onde designadamente se refere que não obstante o PDM contemple para o dito terreno duas áreas classificadas de área urbana , estas estão abrangidas pela UOPG / do POOC( Plano de Ordenamento da Orla Costeira), para o qual se aplicam as disposições constantes do artº 80º e o regime transitório constante do artº 73º do regulamento respectivo (aln N));
XV – O A enviou aos RR as cartas registadas com AR datadas de 20/06/2002 –fls 29 a 32 – em que lhes solicitou a restituição da quantia paga a título de sinal e princípio de pagamento (aln O));
XVI – Os RR não restituíram ao A tal quantia (alnP));
XVII – No pedido de informação prévia de fls 17 a 24 pode ler-se que a mesma se destinava a obter informação sobre os instrumentos de planeamento em vigor, bem como as demais condições gerais a que deve obedecer a construção de edifício a levar a efeito no terreno (...)(aln q));
XVIII – No ponto 2 da memória justificativa refere-se “ considerou-se o enquadramento nos instrumentos de gestão territorial em vigor aplicáveis ao presente caso, nomeadamente o PDM, respectivo regulamento e o Plano de Ordenamento da Orla Costeira e respectivo regulamento( aln R ));
XIX – No ponto 5 do mesmo documento, sob a epígrafe de Parâmetros Urbanísticos, refere-se que :
- Área total do terreno -16.000m2
- Área total dos fogos 9.600 m2
- Número de fogos 106 –(alnS));
XX – A Câmara Municipal de Alcobaça enviou ao A o ofício nº 6590 emitido em 9/05/2002, de fls 105 e que se dá por reproduzido ( aln T));

XXI – E em 4/10/2002 enviou-lhe o ofícionº13008 de fls 106 (aln U));

XXII – Em 28/10/2002, os RR enviaram ao A a carta de fls 113 (aln V));
XXIII – Para cumprimento do disposto na cláusula 5ª do acordo supra, o A fez o que se refere em M) e o processo de informação prévia foi submetido à apreciação da Câmara em 18/01/2002 (resp. ao q.1º)
XXIV – Na sequência da informação mencionada em N), A e RR contactaram os serviços técnicos da Câmara Municipal de Alcobaça e ficaram a saber que esta autarquia não prevê como , quando ou se poderá vir a efectuar o dito plano de pormenor (resp.ao q.2º)
XXV -Estes condicionalismos eram desconhecidos do A e RR (resp. aos q.s 3º e 4º ) ;
XXVI –O que motivou, atento o disposto na cláusula 10ª do acordo, o envio pelo A aos RR das cartas mencionadas supra em O) (resp. ao q. 6º);
XXVII – Os RR nunca comunicaram ao A qualquer data, hora e lugar para a celebração da escritura de compra e venda( resp.ao q. 9º);
XXVIII – Os RR informaram o A de que estavam dispostos a promover uma reunião junto do executivo camarário tendo em vista obter uma solução que permitisse que a operação urbanística em causa pudesse ser levada a efeito em curto prazo (resp. ao q. 12º)
XXIX – O que aquele aceitou (resp. ao q. 13º)
XXX – Em data não concretamente determinada , mas situada no mês de Maio de 2002 por iniciativa dos RR C...e F... celebrou-se uma reunião com o Vice Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça e vereador do pelouro de Planeamento e Gestão Urbanística, Carlos Bonifácio, à qual compareceram o A , o seu genro Paulo Cruz e o arquitecto Pedro Roldão (resp. ao q. 14º).
XXXI – O representante do executivo camarário não afastou a possibilidade de os proprietários de terrenos englobados no POOC contribuírem para elaboração dos Planos de Pormenor, com o esclarecimento de que nenhum acordo ou proposta nesse sentido foi apresentada nessa reunião, nem posteriormente à Câmara Municipal de Alcobaça (resp. ao q. 16º);
XXXII – A 31/05/2002, o R H... enviou ao A e a seu genro por fax , o doc. de fls 100 a 104 dos autos (resp. ao q. 17º);
XXXIII – Posteriormente, em data não concretamente apurada , os RR entregaram a A o original do doc de fls 100 a 104 , assinada por aqueles (resp. ao q. 18º);
XXXIV – O A nunca formulou quaisquer sugestões de redacção alternativa ao doc de fls 100 a 104( resp. ao q.19º);
XXXV – Em 28/06/2002, o R C... enviou ao A o doc junto a fls 202 a 2003 (resp. ao q. 20º)
XXXVI – Ao que o A respondeu com a carta junta a fls 109 (resp.ao q. 21º);
XXXVII – No dia 29 de Julho de 2002, o R C... reuniu-se com o A nos escritórios deste em Alcobaça (resp. ao q. 22º);
XXXVIIII – Nessa reunião o A e o dito R abordaram algumas modalidades de alteração aos termos e condições do contrato promessa celebrado, tendo o A dito ao R que apresentasse por escrito tais propostas de alteração (resp. ao q. 23º );
XXXIX – Nesses termos, o mencionado R enviou ao A e em 2/08/2002 uma nova carta , respondendo a esta solicitação (resp. ao q. 24º);
XL – A qual nunca mereceu qualquer resposta ( resp. ao q. 25º);
XLI – Os RR promoveram o levantamento topográfico do terreno e requereram ao Conservador do Registo Predial a correcção da área inscrita por erro de medição para 30.894 m2 (resp. ao q. 26º);
XLII – Concomitantemente foi requerida pelos RR junto da Repartição de Finanças de Alcobaça a alteração da área da respectiva matriz (resp. ao q. 27º);
XLIII – Os RR procederam à notificação judicial avulsa dos proprietários confinantes para suprir a assinatura dos mesmos (resp. ao q. 28º);
XLIV - o pedido de rectificação da área do prédio mencionado em C) veio a ser defirido e como tal rectificada a área do mesmo ( resp. ao q. 29º).

(…)
. 3ª Questão – Ilegalidade da resolução do contrato
Questionam também os apelantes, ambos, num alongado encadeado de conclusões, a validade da resolução ou rescisão extra judicial levada a efeito pelo A através das cartas remetidas aos RR, constantes da aln O) com fundamento na cláusula 10 ª do contrato- promessa.
E referem, para o efeito, que bem interpretada, semelhante cláusula apenas concedia aos promitentes vendedores, que não ao promitente comprador o direito a dar sem efeito o contrato, em caso de surgir algum imprevisto para a normal execução.do mesmo.
Com efeito, o texto da cláusula é o seguinte :
“ No caso de surgir algum imprevisto estranho à vontade dos promitentes vendedores ou caso algum dos confinantes venha a exercer o direito de preferência dentro do prazo legal, o presente contrato fica sem efeito, ficando os 1ºs outorgantes apenas com a obrigação de devolver, em singelo, as quantias a título de sinal e princípio de pagamento.”
Trata.-se de um texto que não é nada claro no que respeita ao tipo de imprevisto, mas presume-se que se trate de imprevisto que de algum modo viesse a inviabilizar o cumprimento das obrigações do contrato, como é o caso do eventual exercício do direito de preferência por proprietários confinantes, o que até nos parece um pouco estranho, por tal direito de preferência não poder exercer-se em atenção à finalidade do contrato prometido e que era a de implantação no prédio dos recorrentes de um loteamento urbano, isto por o preço acordado ter sido feito no pressuposto da Câmara vir a autorizar tal implantação, por forma a facultar ao recorrido os proveitos que a aquisição do prédio lhe permitiria obter.
Mas a divergência dos recorrentes não é tanto essa, mas a de na sua perspectiva, essa faculdade apenas ter por destinatários eles próprios, como promitentes vendedores e nunca o A como promitente comprador.
E parece-nos que com alguma razão.
Com efeito, a cláusula apenas faz referência não a imprevistos estranhos à vontade das partes, mas a imprevistos estranhos à vontade de uma delas, ou seja os promitentes vendedores, o que parece inculcar ter ela a finalidade de protecção aos interesses destes, permitindo-lhes prevalecerem-se de tais imprevistos para se desvincularem do contrato, mediante a devida comunicação e a restituição consequente da quantia recebida, em singelo, como efeito próprio retroactivo da resolução.
Tal interpretação é que melhor se ajusta ao que um declaratário normal e medianamente sagaz e diligente poderia extrair da declaração, à luz da teoria da impressão do destinatário, nos termos constantes do artº 236º, nº1 do CCivil, ou seja, aos promitentes compradores era facultado por sua iniciativa fazer extinguir o contrato promessa, se náo o pudessem cumprir por motivo imprevisto de força maior ou caso fortuito, com o qual razoavelmente não devessem contar.

Dito isto, não significa que a resolução comunicada aos RR não possa encontrar apoio na lei, ou seja, à margem do convencionado pelas partes.
Com efeito, faculta a lei a resolução, fora o caso típico do inadimplemento pela outra parte, quando se verifique uma alteração superveniente anormal das circunstâncias, nos termos previstos no artº 437ºa 439º do CCivil.
Os recorrentes alegam, contudo, que supondo estarem preenchidos os pressupostos dessa alteração, a resolução do contrato não poderia ser feita extrajudicialmente, mas antes requerida ao tribunal pela parte lesada.
Não têm, a nosso ver, razão, pois não decorre explicitamente da letra do art 437º que tal direito à resolução seja necessariamente exercida por via judicial, assumindo a sentença natureza constitutiva, em contraposição com a expressa referência à intervenção do tribunal nos casos de resolução em contratos, como os de locação e de arrendamento urbano e rural.
Além do mais, remete o dito artº 439º sobre o regime desta causa (objectiva) de resolução para o artº436º, em que expressamente se permite no seu nº1 que a resolução se faça mediante declaração à outra parte.
Como melhor explica Galvão Telles (Manual dos Contratos em Geral , refundido e actualizado, 345) a parte que se considerar lesada com a apontada alteração anormal e não havendo acordo para se prevenir o litígio, pode provocar essa resolução mediante declaração ( extrajudicial ) dirigida à outra parte ; o contrato deve considerar-se desfeito, logo que a declaração chegue ao poder do destinatário ou dele seja conhecida.
Neste caso, o recurso à via judicial pode tornar-se indispensável, sempre que o destinatário o não aceite, como é o caso, por a considerar infundada.( no mesmo sentido, v. também Calvão da Silva, Estudos de Direito e Processo Civil, 175 e ss e mais recentemente, em proficiente abordagem do tema, contrariando Almeida Costa, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2ªed.Vol II, 132.
No caso vertente, foi isso que aconteceu.
Resta, agora, saber se os factos dados por provados enquadram os pressupostos do direito à resolução concedida naqueles preceitos
Reza, com efeito o artº 437º no seu nº1 que « Se as circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juizos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.»
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Como se ajuizou no Ac. do Supremo de 3/11/1987, in BMJ, 371º, 408, o direito à resolução supõe fundamentalmente :
a) que se tenha produzido uma alteração anormal das circunstâncias que foram basilares para a decisão dos contraentes, de tal modo que a base do negócio tenha desaparecido ou tenha sido substancialmente modificada ;
b) que a exigência das obrigações assumidas pela parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé
c) que tal exigência não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato
d) que a parte lesada não esteja em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.
No fundo o que está na base do artº 437º é ideia de corrigir a situação de injustiça para que, inevitavelmente, se veria arrastada uma das partes se a despeito da alteração das circunstâncias, o contrato tivesse de ser cumprido nos precisos termos em que foi celebrado.
Ora volvendo ao caso dos autos, verificamos que a base negocial do contrato promessa foi a do aproveitamento urbanístico que era previsto proporcionar o prédio de natureza rústica prometido vender e comprar em função do que as partes podiam razoavelmente conhecer e determinante a dita potencialidade de condtrução do preço fixado para o contrato definitivo em razão directa da dimensão do empreendimento perspectivado e começado a preparar, através do pedido de informação prévia entregue na Câmara Municipal.pelo promitente comprador.
E tanto assim é que ficou expressamente clausulado não só que o preço da compra foi fixado no pressuposto da Câmara vir a viabilizar a construção de 50 fogos de tipologia determinada, como também que os RR aceitavam reduzir o mesmo num dado montante por cada fogo a menos, ainda que com um limite máximo de redução de 15% ( v. pontos VIII e IX dos fundamentos de facto, supra transcritos)
Resta indagar se essa base ficou de todo sub vertida pela Resolução que aprovou o POOC, revestindo ela carácter anormal.
Não se discute que uma alteração legislativa possa revestir carácter anormal, qundo de todo inesperada.
Ora sem quebra do devido respeito, o dita aproivação do POOC em cuja área se situva o prédio em causa, não se pode dizer que revestisse cara ácter anormal, tanto que no pedido de im nr formação prévia se faz referência a esse instrumento de gestão territorial, existindo mesmo diploma a estabelecer medidas preventivas de interdição de construção na faixa territorial costeira por ele abrangida.
Logo o desconhecimento pelos RR da situação criada com a aprovação do POOC em nda invalida que se conclua que este não veio postivamente alterar as circunstâncias existentes à data da assinatura do contrato, quando este foi assinado estava já interdita preventivamente a construção, havendo quando muito erro na suposição de que a Câmara poderia vir autorizar a previsr ta urbanização
Mas h`mais
Base essa de todo subvertida, não apenas pela publicação da Resolução do Conselho de Ministros que aprovou o Regulamento do POOC na data anterior à do início do processo visando dar corpo à operação urbanística e que veio interditar a construção mesmo nas áreas urbanizáveis do prédio no respectivo PDM até à elaboração e aprovação de um Plano de Pormenor, para a respectiva zona, mas ainda pela circunstância da Câmara Municipal de Alcobaça competente para o efeito, informar as partes não poder saber ou garantir como, quando e mesmo se o poderá vir a efectuar.
.E nem se diga que no fundo esta interdição do direito de construção, por tempo indefinido no prédio, não causaria elevado prejuízo ao recorrido, ao ter de assumir as obrigações de outorgar o contrato nas condições contratadas ( pois as partes nunca chegaram a acordo apesar das suas reuniões quanto aos moldes da sua modificação) e liquidação da restante parte do preço, vedando-lhe a situação criada com aquela medida, por completo, a possibilidade de recuperar em tempo útil, o investimento.com a sua aquisição.
Outrossim, nem se poderá num caso destes aventar que essa interdição transitória mas por período imprevisível não conhecida pelas partes quando decidiram contratar, constituia um risco ou álea próprio do contrato, o mesmo foi pensado e negociado para uma determinada e concreta finalidade, ou seja o de viabilizar uma operação urbanística que ficou, com a publicação do POOC e a incapacidade da Câmara em se dotar dos adequados instrumentos de gestão territorial, seriamente comprometida.
Não se ignora, de modo algum, que o contrato de compra e venda é por sua natureza um um contrato neutro quanto ao fim a que a coisa é destinada, mas pode concretamente tornar-se um contrato vinculado a um fim, por força do entendimento das partes.
No caso vertente, a promessa da celebração do contrato de compra e venda do terreno tinha subjacente a viabilidade do projecto de urbanização a que ele se destinava, o que ficou expresso na cláusula 5ª , sendo pois irrelevante a argumentação dos recorrentes que o mesmo tinha por objecto a compra e venda de um mero prédio rústico, correndo o risco da sua conversão em terreno apto para construção por conta do promitente comprador.
E os recorrentes entram com isto em contradição com a conduta adoptada, depois de saberem da nova situação criada com a aprovação do POOC, ao tentarem, através de sucessivas propostas de alteração do contrato. sensibilizar o recorrido a colaborar com a Câmara para obterem uma mais rápida implementação do Plano de Pormenor e que o mesmo sempre se opôs, por receio de assumir encargos porventura incomportáveis para a economia do projecto de empreendimento determinante da sua decisão de contratar.
Os próprios A Varela e P de Lima, no seu Anotado, Vol I, 4ª ed, apontam como exemplo de uma alteração anormal das circunstâncias que o citado artº 437º abrange, a desvalorização de prédio mercê de alteração de um plano de urbanização.
Donde, nenhuma censura a sentença merecer enquanto considerou justificada e legítima à luz mesmo do artº 437º e por as partes m não se entenderem quanto à modificações a introduzir no contrato perante os constrangimentos à construção mesmo nas áreas urbanizáveis, decorrentes da aprovação do POOC e da incapacidade da Câmara em definir o limite à interdição, a declaração extra judicial de resolução ( ou rescisão) do contrato.feita através das cartas enviadas pelo A aos RR, constantes da aln O) – ponto XVI da respectiva fundamentação de facto
Uma derradeira nota.
Decorre do próprio artº 74º nº2 do DL 380/99 de 22/09 que veio estabelecer o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial que são as próprias Câmaras a definir da oportunidade e dos termos de referência dos planos de urbanização e dos planos de pormenor, pelo que não se compreende a alguma perplexidade dos recorrentes em entender a indisponibilidade da Câmara Municipal de Alcobaça, por falta de meios financeiros e técnicos, em definir como e quando e em que termos iria aprovar o dito plano de pormenor, envolvendo como envolvem estes uma grande complexidade na preparação de estudos, relatórios, cartas e desenhos, bem espelhados nos artºs 91º e 92º que definem os respectivo conteúdo material e documental.

(…)
V – Esgotadas, pois, as questões que nos competia dilucidar, com desatendimento das razões substanciais de discordância nelas expressas e veiculadas, temos, forçosamente que julgar, como julgamos improcedentes as apelações, confirmando-se ainda que com diferente fundamentação em parte, o sentenciado pelo tribunal a quo.
Custas a cargo dos apelantes.