Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
39/06.2TBSCG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: CHEQUE
APRESENTAÇÃO A PAGAMENTO
EXTEMPORANEIDADE
TÍTULO EXECUTIVO
CÔNJUGE
EXECUTADO
Data do Acordão: 10/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 45º, 46º, Nº 1, AL. C), E 825º DO CPC
Sumário: I – Um cheque que tenha sido apresentado a pagamento para lá do prazo legal de oito dias contados desde a data da sua emissão – artº 29º da LULL – e que tenha sido devolvido com a indicação de falta de provisão, deixa de possuir um dos requisitos necessários à sua exequibilidade e, por conseguinte, deixa de poder valer como título de crédito cambiário revestido de força executiva.

II – Porém, entendemos que um cheque em tais condições, ou seja, apresentado como quirógrafo, que esteja assinado pelo executado, que se encontre no âmbito das relações devedor/originário e credor originário (isto é, que não tenha sido endossado) e não emergindo o mesmo de um negócio jurídico formal, deve ser considerado como estando dotado de força executiva, por consubstanciar um documento particular previsto no artº 46º, nº 1, al. c), do CPC.

III – É que um cheque acumula com as funções cartulares, que lhe são peculiares e para as quais está naturalmente vocacionado, as de um quirógrafo de um crédito, conservando estas mesmo depois de extintas aquelas, e daí sobreviver a relação causal mesmo depois de extinta ou cessada a relação cartular.

IV – Em tais situações torna-se imprescindível que o requerimento executivo, para que o título que lhe serve de base goze de tal força executiva, seja acompanhado da indicação ou alegação da respectiva causa da obrigação, ou seja, da relação jurídica fundamental que esteve subjacente à emissão desse título.

V – Não obstante num cheque apresentado como quirógrafo para efeitos executivos figurar tão somente o nome do executado-marido como devedor, tal não constitui obstáculo a que a acção executiva prossiga também contra o seu cônjuge, desde que o exequente alegue a comunicabilidade da dívida ao cônjuge do executado, pois que com a actual redacção do artº 825º do CPC (resultante da reforma executiva introduzida pelo D. L. 38/2003, de 8/3) passou a ser legítimo, no âmbito da própria acção executiva, a formação de um título executivo contra o outro cônjuge (a chamada “extensão do título executivo ao cônjuge do devedor), desde que se integre no âmbito de obrigações comunicáveis e desde que o título executivo não integre nenhuma sentença.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. A... , instaurou (no ano de 2006) contra B... e mulher C... , execução para pagamento de quantia certa, dando como título à execução um cheque.

2. Os executados deduziram oposição a tal execução.

E fizeram-no defendendo-se por excepção e por impugnação.

No que concerne àquela 1ª defesa, e para aquilo que ora nos interessa, invocaram, por um lado, a ilegitimidade da executada mulher para ser demandada (por não figurar no título como devedora) e, por outro, a inexequibilidade de título executivo, por alegadamente o titulo dado à execução não estar revestido dos necessários requisitos que o dotem de força executiva (vg. por o cheque ter sido apresentado a pagamento fora do prazo legal estatuído para o efeito).

No que concerne àquela 2ª defesa os executados defenderam-se alegando, em síntese, nada deverem à exequente, tendo o referido cheque dado à execução sido entregue à exequente, nas condições que ali descrevem, como simples garantia do cumprimento de um negócio celebrado entre aquela e uma sociedade de que o executado/marido é sócio gerente, e envolvendo um veiculo automóvel.

3. Proferido que foi despacho liminar a receber a oposição, na sequência da notificação que lhe efectuada para o efeito, a exequente veio contestá-la.

E nessa contestação que apresentou, a exequente defendeu a legitimidade da executada/mulher para ser demandada e bem assim a exequibilidade do título dado à execução (à luz das disposições conjugadas dos artºs 46, nº 1 al. c), do CPC e 458 do CC, e enquanto documento quirógrafo), contraditando ainda o essencial da versão factual vertida pelos executados no seu articulado de oposição.

4. Foi proferido despacho saneador.

E aí (na procedência da excepção dilatória aduzida pelos executados) julgou-se a executada/mulher parte ilegítima, absolvendo-a da instância.

Por sua vez, o srº juiz a quo concluiu ainda ali que o cheque dado à execução não podia valer como título executivo, pelo que, com base inexequibilidade do mesmo, julgou, procedente a oposição, declarando extinta a execução.

5. Não se conformando com tal decisão, a exequente dela recorreu.

6. E nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, a exequente concluiu as mesmas nos seguintes termos:

(…………………………………………………………………………..)

7. Os executados contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e pela, consequente, manutenção do julgado.

8. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


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II- Fundamentação


A) De facto.

Com relevância para a decisão do objecto do presente recurso, e para além daqueles acima descritos, devem ter-se como assentes ainda os seguintes factos (que resultaram das peças e documentos juntos aos autos):

1. Do cheque que serve de base à execução referida no nº 1 do ponto I, consta o nome e a assinatura do executado/marido no lugar de sacador e o nome da exequente no lugar de portador do mesmo, e bem assim ainda a data da sua emissão de 2003/01/24 e a quantia titulada de € 35.906,00.

2. Do verso do referido cheque resulta ainda que o mesmo foi apresentado, pela 1ª vez, a pagamento em Maio do ano de 2003 e que foi devolvido por falta de provisão em 2003/05/30 (o mesmo sucedendo em outras datas subsequentes nele apostas).

3. No requerimento executivo, no lugar destinado à exposição dos factos, consta o seguinte:

“Em 2 de Julho de 2002, a A. adquiriu um veículo automóvel marca Mrcedes Benz, modelo 220 CDI, com a matrícula alemã X... à sociedade “D..., comércio de automóveis, Ldª, de que o R. marido era sócio-gerente.

A A. efectuou o pagamento do respectivo veículo, à referida sociedade, tendo esta ficado com o montante liquidado mas não procedendo ao pagamento devido ao vendedor alemão.

Para que a A. tivesse os documentos necessário à circulação do veículo, teria que liquidar o preço ao vendedor alemão, o que fez (pelo que pagou o veículo duas vezes).

Emitiu então, o R. marido, um cheque da sua conta pessoal, a título devolutivo, do dinheiro que recebeu, porém tal cheque foi devolvido por falta de provisão.

Devidamente interpelados, os executados não procederam ao pagamento da quantia em dívida”.

4. No que concerne à mulher/executada, no lugar da exposição dos factos - e sob a rubrica – “comunicabilidade da dívida ao cônjuge” - consta o seguinte: “Dívida contraída no exercício da actividade comercial do cônjuge marido, pelo que a divida é da responsabilidade de ambos os cônjuges - artº 1691 alínea d) do CC.”


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B) O direito.
1. Do objecto do recurso.
É hoje pacífico o entendimento de que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o objecto dos mesmos.
Como decorre das conclusões das alegações do de presente recurso são duas as questões que aqui importa a apreciar e a saber:
a) Da falta ou inexequibilidade (ou não) do título executivo.
b) Da ilegitimidade (ou não) da ré/mulher para ser demandada na execução.
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2. Quanto à 1ª questão.
Questão essa que (tendo em conta o despacho recorrido) se traduz em saber se a exequente está ou não munido de título executivo válido naquele seu requerimento executivo?
Vejamos então.
Como é sabido, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os seus limites (artº 45, nº 1, do CPC).
É também sabido que o título executivo e a causa de pedir, numa acção executiva, são conceitos necessariamente não coincidentes, costumando ainda afirmar-se que, como pressuposto processual específico dessa acção, o título é, grosso modo, uma condição e suficiente da mesma.
É igualmente sabido que no campo dos títulos executivos vigora entre nós, e tal como decorre do artº 46 do CPC, o princípio da legalidade, segundo o qual só pode servir de base a um processo de execução documento a que seja legalmente atribuída força executiva.
É também sabido que, com a reforma processual de 1995, o elenco dos títulos executivos foi significativamente ampliado, passando a conferir-se força executiva aos documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável em face do título, ou a obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto determinado (cfr. al. c) do nº 1 do artº 46 do CPC).
Conforme decorre do relatório do preâmbulo do DL nº 329-A/95 de 12/12 (pioneiro da introdução de tal reforma), subjacente a tal ampliação do elenco dos títulos executivos esteve a ideia de “contribuir significativamente para a diminuição do número de acções declaratórias de condenação propostas, evitando-se a desnecessária propositura de acções tendentes a reconhecer um direito do credor sobre o qual não recai verdadeira controvérsia, visando apenas facultar ao autor o, até agora, indispensável título executivo judicial”.
Legislador que decidiu, assim, sacrificar o valor de uma maior segurança jurídica aos valores de maior eficácia e celeridade das relações jurídicas.
Como ressalta do requerimento executivo (e dos factos acima descritos como assentes sob os nºs 1 e 2 do ponto A) II) a exequente/recorente baseou a sua execução num cheque assinado pelo executado, B..., e que foi entregue a favor ou à ordem da primeira, titulando a quantia ali descriminada.
Cheque esse que, como resulta dos factos acima descritos como assentes, foi apresentado a pagamento depois de há muito ter decorrido o prazo legal (de oito dias, contados desde a data da sua emissão) fixado para o efeito (artº 29 da LUCH), tendo sido devolvido com a indicação de falta de provisão, o que foi devidamente comprovado pela Câmara de Compensação (cfr. artº 40 e 41 da LUCH). Situação essa (de falta de apresentação a pagamento no prazo legal) que traduz a falta de uma verdadeira condição de acção (cambiária), dado o cheque deixar de possuir um dos requisitos necessários à sua exequibilidade.
E, assim, é hoje pacífico o entendimento que, nessas condições (o mesmo sucedendo se os mesmos se encontrarem prescritos pelo decurso do prazo legal, estatuído no artº 52 da LUCH, para a instauração da acção cambiária), os cheques deixam de poder valer como título de crédito cambiário, deixando, assim, nessa qualidade (de título cartular) de estar revestidos de força executiva (artº 46, nº 1 al. d), do CPC).
Cheque esse que, possivelmente por isso mesmo, foi apresentado não na sua natural função cartular, ou seja, como título de crédito de natureza cambiária, mas tão somente na sua vertente de documento particular ou quirógrafo (situação essa que não merece controvérsia, como ressalta do despacho recorrido e das alegações do recurso).
E assim, a questão verdadeiramente controvertida aqui em discussão traduz-se em saber se o aludido “cheque”, enquanto documento particular ou quirógrafo, pode ou não valer como título executivo, à luz agora do citado artº 46, nº 1 al. c), do CPC?
Questão essa sim que, desde há muito, se vem revelando polémica.
Num esforço de síntese, podemos dizer que, numa primeira linha, duas grandes correntes de opinião se confrontam (muito embora entre cada uma delas ainda surjam subcorrentes).
Uma primeira – claramente minoritária -, que perfilha o entendimento de não constituir o cheque (como, aliás, qualquer outro título de crédito de natureza ou vocação cartular), enquanto quirógrafo, qualquer documento a que deva ser atribuída força executiva (e muito menos se dele não constar inserta a menção da obrigação subjacente ou causal da sua emissão). É que, em tais condições, defendem, o cheque, destituído das suas características de literalidade e abstracção, assume a natureza de simples documento particular (em que não existe incorporação da obrigação causal), não tendo, por isso, força bastante para, só por si – e até pela inexpressividade dos seus dizeres quanto a tal –, constituir ou reconhecer uma obrigação pecuniária. Nesse sentido, vidé, entre outros, Ac. do STJ de 16/11/2001, “CJ, Acs do STJ, Ano IX; T3 – 89/90”; Ac. da RP de 25/1/2002, “CJ, Ano XXVI, T1 – 192”; Ac. da RC de 9/3/99, “CJ, Ano XXIV, T3 – 37”; Ac. da RLx de 20/06/2002, “CJ, Ano XXVII, T3 – 103” e Ac. da RLx de 21/12/2002, “www.dgsi.pt/jtrl”. Posição essa que, no fundo, foi adoptada na decisão recorrida.
E uma segunda corrente de opinião, claramente dominante, e à qual nós aderimos, que defende que um cheque em tais condições, ou seja, apresentado como quirógrafo, que esteja assinado pelo executado, que se encontre no âmbito das relações devedor/originário e credor originário (isto é, que não tenha sido endossado) e não emergindo o mesmo de um negócio jurídico formal, deve ser considerado como estando dotado de força executiva, por consubstanciar um documento particular previsto no citado artº 46, nº 1 al. c), do CPC.
É que um cheque acumula com as funções cartulares, que lhe são peculiares e para os quais está naturalmente vocacionado, as de um quirógrafo de um crédito, conservando estas mesmo depois de extintas aquelas, e daí sobreviver a relação causal mesmo depois de extinta ou cessada a relação cartular.
Como é também é sabido, o cheque consubstancia em si uma ordem de pagamento incondicionada dada, pelo sacador, ao seu banqueiro, no estabelecimento do qual tem (ou deve ter) fundos disponíveis, em ordem a pagar à vista a importância nele inscrita. E nessa medida tal declaração contém em si, pelo menos implicitamente, o reconhecimento de uma dívida (obrigação pecuniária), que desse modo se visa saldar. É certo que, muitas vezes, os cheques, contrariando ou desvirtuando a sua função (de meio de pagamento) para que estão vocacionados, representam também uma promessa de pagamento, visando, nessas vezes, garantir no futuro o pagamento da importância neles titulada (cheques esses também denominados de “cheques de garantia”). De qualquer modo, tal configura sempre uma declaração unilateral (de reconhecimento de dívida ou de promessa de pagamento, ou, pelo menos, fazendo tal presumir a existência da causa que lhe deu origem) a que se refere o artº 458, nº 1, do Código Civil. Neste sentido, e perfilhando tal corrente, vidé, entre muitos outros e para maior desenvolvimento, o cons. Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução, 2005, 8ª. ed., Almedina, págs. 33/36” – onde expressivamente critica, apelidando de desacerto as suas decisões, os defensores da 1ª corrente -; o prof. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva, 4ª. ed., Coimbra Editora, págs. 58/59”; o prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Acção Executiva Singular, pags. 68/69”; o desemb. Abrantes Geraldes, in “Títulos Executivos”, Revista da Faculdade de Direito da UNL, A Reforma da Acção Executiva, Ano IV, nº 7, 2003, págs. 60/64”, e ainda abundante jurisprudência, destacando-se aqui, nomeadamente, o Ac. do STJ de 11/5/1999, “CJ, Acs. do STJ, Ano VII, T2 – 88”; o Ac. do STJ de 29/1/2002, “CJ, Acs. do STJ, Ano IX, T1 – 64”; o Ac. do STJ de 30/3/2006, “Rec. Revista, nº 413/06”; o Ac. do STJ de 29/1/2002, “CJ, Acs do STJ, Ano X, T1- 64”; o Ac. da RC de 27/6/2000, “CJ, ano XXV, T3 – 37”; o Ac. da RC de 16/4/2002, “CJ. Ano XXVII, T3 – 11”, o Ac. da RC de 19/2/2004, “Rec. Apelação nº 3263/03, 3ª sec.”; o Ac. da RC de 29/5/2007, processo nº 659/05.2 TBALB-C1 (relatado pelo des. Teles Pereira, aqui 1º adjunto) e o Ac. da RC de 26/06/2007, processo nº 2432/05.9TBPMS.C1 (relatado pelo mesmo Relator deste acórdão e com o mesmo 1º adjunto, e cujo teor aqui seguimos, por isso, de perto), publicados, os dois últimos, em www.dgsi.pt/jtrc”.
Importa ainda sublinhar que esta última corrente se subdivide, por sua vez, em duas outras correntes de opinião (sem reflexos no caso em apreço, como iremos ver, independentemente da opção por qualquer um delas):
Uma, a maioritária – e que podemos dizer, para efeitos de comodidade, que é representada pelo prof. Lebre de Freitas, e que representa hoje claramente a posição dominante no nosso mais alto tribunal, vidé: Acs do STJ de 4/12/2007; de 27/11/2007; de 5/07/2007; de 2/3/2006; de 19/1/2004; de 30/10/2003; de 22/5/2003 e de 27/9/2001, respectivamente, nos processos 07A3805; 07B3685; 07A1999; 06B163; 03A3881; 03P2600; 03B1281 e 01B2089, todos publicados em www.dgsi.pt/jstj. - que defende que em tais situações se torna ainda imprescindível que o requerimento executivo, para que o título que lhe serve de base goze de tal força executiva, seja acompanhado da indicação ou alegação da respectiva causa da obrigação, ou seja, da relação jurídica fundamental que esteve subjacente à emissão desse título.
Aduzem, no essencial, para o efeito, os defensores dessa corrente, que o facto de a declaração (reconhecimento da dívida ou promessa de cumprimento) inserta no título gozar da presunção inserta no citado artº 458, nº 1, do CC, ou seja, da presunção da existência da relação jurídica fundamental que lhe está subjacente, tal não dispensa o exequente do ónus da sua alegação, sendo que o título e a causa de pedir são realidades jurídicas distintas e no caso o título dado à execução é extrajudicial e não cartular (e portanto desprovido da característica da abstracção). Imposição essa que visa, assim, por um lado, permitir ao executado o recurso a todos os meios defesa (não tendo dúvidas sobre o alegado direito que contra si é invocado) e, por outro, evitar o risco que esse mesmo título possa vir, mais tarde, a ser utilizado para instruir ou servir de base a outra acção, estando-lhe, pois subjacentes razões certeza e de segurança jurídica.
A outra corrente, a minoritária – e que podemos dizer, para efeitos também de comodidade, que é representada por Abrantes Geraldes, e que é, por ex., seguida pelo Ac. do STJ de 11/5/99 atrás citado, ou ainda, nesta Relação, pelo Ac. de 12/6/2006, processo nº 22/06.8TBSVV-A.C1, relatado pelo des. Nunes Ribeiro, publicado em www.dgsi.pt/jtrc -, defende a desnecessidade de tal alegação ou invocação, já que, face à presunção do citado artº 458, nº 1, do CC, de que o exequente beneficia quanto à existência da relação fundamental ou causal, e dada a estrita conexão entre o ónus alegação e de prova, não faz sentido impor-lhe o ónus dessa alegação. Na verdade, só faz sentido impor o ónus de alegação àquele sobre quem recai simultaneamente o ónus de prova, ora do citado artº 458 resulta precisamente – muito embora não se consagre ali o princípio do negócio abstracto – a inversão do ónus de prova da existência da relação causal. Logo, considerando que a lei, face a uma promessa de cumprimento ou a uma declaração de reconhecimento da dívida, presume a existência da respectiva causa, o credor está, assim, exonerado do respectivo ónus de prova (artº 344, nº 1, do CC), e daí que não faça qualquer sentido impor-lhe, até por despiciendo, o ónus dessa alegação. Por outro lado, o risco que aquela primeira corrente visa acautelar fica afastado logo que o executado/devedor ilida a presunção da existência da dívida, na sequência do confronto entre os factos alegados pelo executado na oposição à acção executiva e a contestação do exequente, sendo certo ainda que, no âmbito da sua defesa, aquele poderá, como é sabido, alegar toda uma série de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do último (vg. aceite de favor, nulidade do mútuo, simulação, pagamento, etc, etc).
Posto isto, voltemos ao caso em apreço.
O “cheque” (como documento particular ou quirógrafo) em que a exequente/recorrente baseou a sua execução encontra-se assinado pelo executado, B..., e foi entregue a favor ou à ordem daquela, titulando a quantia ali descriminada.
Por outro lado, basta atentar nos factos acima descritos (para aqui dados como assentes) sob o nº 3 do ponto A) II, para se verificar, por um lado, que a exequente alegou ou indicou no requerimento executivo a relação causal ou subjacente à emissão do aludido “cheque”, ou seja, a relação jurídica fundamental de onde emergiu a causa debendi, e, por outro, que essa obrigação causal não constitui em si um negócio jurídico formal.
Desse modo, e face à posição da corrente que acima adoptámos (e independentemente do entendimento que se perfilhe em relação àquelas suas duas subcorrentes de opinião em que se divide e que atrás deixámos enunciadas), fácil é de concluir que os “cheque” dado à execução pela exequente configura o conceito de documento particular a que se alude no artº 46, nº 1 al. c), do CPC, e como tal está dotado de força executiva, constituindo, pois, e ao contrário do defendido na decisão recorrida, um título executivo válido.
E nessa medida se decide revogar tal decisão.
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3. Quanto à 2ª questão.
Da ilegitimidade (ou não) da ré/mulher para ser demandada na execução.
A esse propósito deve dizer-se que não obstante no referido título executivo figurar tão somente o nome do executado-marido como devedor, tal não constitui obstáculo a que a acção executiva prossiga também contra o seu cônjuge, face ao alegado também a esse propósito pela exequente, pois que com a actual redacção do artº 825 do CPC (resultante da reforma executiva introduzida pelo DL 38/03 de 8/3) passou a ser legítimo, no âmbito da própria acção executiva, a formação de um título executivo contra o outro cônjuge (a chamada “extensão do título ao cônjuge do devedor”), desde que se integre no âmbito de obrigações comunicáveis e desde que o título executivo não integre nenhuma sentença, sendo certo ainda que, como constitui entendimento dominante, a exequibilidade de um título deve ser aferida pela lei vigente ao tempo da propositura da respectiva acção (cfr., a propósito, ainda Abrantes Geraldes, in “Ob. cit., pág. 47”; Ac. do STJ de 15/2/2002, in “Rec. Agravo nº 3054/02, 1ª sec., Sumários, 12/2002” e Ac. da RC de 26/06/2007, processo nº 2432/05.9TBPMS.C, in “www.dgsi.pt/jtrc,” e que atrás já se deixou citado.
Pressupostos esses ocorrem no caso sub júdice, face aos factos acima descritos (para aqui dados como assentes) sob o nº 4 do ponto A) II e face a tudo o que demais supra se deixou exarado na abordagem da questão anterior.
E daí a conclusão de que, em tal situação, a executada/mulher goza também de legitimidade (processual) para ser igualmente demandada, assim se revogando, também nessa parte, a decisão recorrida.
Nesses termos, na procedência total do recurso, revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos de oposição (dada a controvérsia sobre a matéria alegada) prosseguir os ulteriores trâmites legais, o mesmo sucedendo em relação à própria execução.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão da instância, ordenando-se, em consequência, que autos de oposição prossigam os ulteriores trâmites legais, o mesmo sucedendo em relação à própria execução.
Custas (do recurso) pelos executados/opoentes (que contra-alegaram, em defesa do julgado e da posição que, nesse sentido, já haviam defendido no seu articulado de dedução de oposição à execução).