Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
728/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. ISAÍAS PÁDUA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 11/25/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA EM PARTE
Legislação Nacional: ART.º 63 DO CPEREF
Sumário:
I- Tendo a assembleia de credores deliberado, por maioria, perdoar à empresa recuperanda todos os juros em dívida, ficando os seus débitos apenas reduzidos aos montantes do capital inicial, e tendo tal deliberação sido homologada judicialmente, através de despacho transitado em julgado, tal deliberação vigorará mesmo para além do prazo fixado para a duração da medida de gestão controlada a que foi sujeita.
II- Tendo a empresa recuperanda pago, na sequência de tal deliberação, e dentro daquele período de tempo, os capitais iniciais em dívida, não pode, depois, logo que findo o prazo de gestão controlada, qualquer um dos seus primitivos credores vir-lhe exigir, em processo de execução, o pagamento do montante dos juros que entretanto lhe haviam sido perdoados naquele processo, devendo, nesse caso, a execução ser declarada extinta, contra si, por pagamento.
III- Situação essa que já não se verifica ou ocorre em relação aos demais co-obrigados, por força do estatuído no artº 63 do CPEREF.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª sec. Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório

1- Vieram os executados Covi..., Lda. e José Ma... e sua mulher Sara de O..., instaurar os presentes embargos de executado contra a exequente Cenel – Electricidade do Centro, S.A. ( vidé despacho proferido, a fls. 31, nos embargos de executado instaurados em 25.02.1999 – apenso número 6/99-A - no qual se decidiu pelo saneamento conjunto dos dois apensos de embargos de executado, sendo que nestes autos apenas a 1ª figura como parte embargante e nos autos apensos nº 6/99-A todos aqueles três figuram como embargantes).
Pede a executada Covilan (neste apenso 6/99-B) que o Tribunal condene a embargada a reconhecer que a embargante nada lhe deve pelos factos referidos na execução, devendo, ainda, a exequente ser condenada como litigante de má fé no pagamento de uma multa e indemnização de valor não inferior a esc. 10.000$00.
Para o efeito alega, em síntese, que:
- em 17.12.1998 a ora embargante intentou neste Tribunal acção especial de recuperação na qual e na assembleia de credores foi consignado que o crédito da ora embargada era de esc. 125.468.124$00, sendo que desse montante esc. 31.682.647$00 era de capital e o restante, no montante de esc. 93.785.657$00, era de juros.
- na assembleia definitiva de credores, os credores da embargante aprovaram por maioria, só com o voto contra da embargada, medida de recuperação financeira que consistiu no perdão integral dos juros vencidos.
- tal decisão foi homologada por sentença que foi objecto de recurso por parte da embargada tendo, contudo, o Tribunal da Relação de Coimbra, confirmado a decisão, com transito em julgado.
Ora tendo a ora embargante pago a quantia de esc. 31.682.567$00 referente ao capital, nada deve à embargada.
No apenso dos embargos de executado número 6/99-A os embargantes pedem que o pedido de execução seja reduzido aos montantes aí aludidos pelas razões também aí expostas e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido

2- Notificada a exequente/embargada veio a mesma contestar impugnando os factos alegados pela embargante, pugnando pela versão dos factos por si alegados no requerimento executivo, pelo que terminou pedindo a improcedência dos aludidos embargos.

3- Mais tarde, pela Mma juíz do processo foi proferido o despacho saneador, onde, após se ter afirmado a validade e a regularidade da instância, e entendendo-se, disporem já os autos dos elementos necessários para o efeito, se conheceu do mérito da causa, acabando a decisão final, por um lado, por julgar, totalmente, procedentes os embargos, declarando-se, consequentemente, extinta, por pagamento, a execução, e, por outro lado, condenou-se ainda a exequente-embargada, como litigante de má fé, numa multa de 20 Ucs e ainda numa indemnização a favor da executada/embargante Covilan, tendo-se, todavia, com vista à fixação do seu montante, ordenado-se a notificação das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 457, nº 2, do CPC.

4- Por não se ter conformado com tal decisão, a embargada-exequente dela veio, a fls. 118, interpôr recurso, o qual foi admitido, pelo despacho de fls. 119, como apelação e com efeito suspensivo (com confirmação pelo exmº colega que nos antecedeu, e a quem os autos estavam inicialmente distribuídos para relatar).
4-1 Por sua vez, a embargante Covilan veio, a fls. 122, interpôr recurso subordinado, o qual, depois de ter sido admitido, veio, contudo, a ser julgado deserto, na sequência do despacho proferido a fls. 165.

5- A apelante Cenel apresentou, entretanto, e a fls.138/148, as suas alegações de recurso, tendo no final “concluído” nos seguintes termos:
1- A decisão recorrida não pode deixar de ser revogada.
2- Em 07/01/99, a exequente moveu execução para pagamento de quantia certa, cujo título executivo, junto com a pi como doc. 1, é um contrato outorgado entre exequente e executados.
3- Na execução reclama-se o pagamento da quantia capital de esc. 86.603.376$60, os juros que sobre esta quantia se venceram desde 01/04/97 até 06/01/99, no valor de esc. 29.888.841$80, e ainda os juros vincendos até pagamento.
4- O capital reclamado englobava o capital inicial de esc. 31.082.467$60, emergentes do fornecimento de energia eléctrica e ainda os juros que se haviam transformado em capital, por força da cláusula 9ª do contrato.
5- Os executados, ora recorridos, foram citados e não deduziram oposição.
6- Por carta registada de 12/03/99, foi devolvido à exequente o direito de nomear bens à penhora, ao abrigo do disposto no artº 836 do CPC.
7- Em Março de 99, ficou definitivamente fixado o montante devido pelos executados à exequente, no valor de esc. 86.603.376$60 de capital e de esc. 29.888.841$80 de juros.
8- Em Junho de 99, a executada Covilan, ora recorrida, requereu processo especial de recuperação de empresa.
9- Em 20/09/99, foi proposta e aprovada, por maioria, uma medida de reestruturação financeira da Covilan, que previa o pagamento do valor capital de créditos com perdão integral de juros vencidos, capitalizáveis ou não, no prazo de 180 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que homologue a reestruturação financeira.
10- A Cenel votou contra a medida aprovada.
11- A Cenel interpôs recurso da sentença que homologou a medida aprovada.
12- A decisão do Tribunal da Relação negou provimento ao agravo, mantendo a sentença homologatória e a medida aprovada.
13- Entende a recorrente que a decisão da Relação apenas confirmou a decisão da 1ª instância.
14- O que transitou em julgado foi a decisão da 1ª instância nos seus precisos termos e não a interpretação que dela fez a Relação.
15- Assim, neste contexto, as considerações efectuadas pela Relação sobre a decisão da 1ª instância não a modificam, sendo esta nos seus precisos termos que condiciona o crédito da recorrente.
16- O crédito da Cenel, à data da aprovação da medida, englobava o valor de esc. 41.779.604$00 de juros vencidos e não pagos, respeitantes ao período de Abril de 97 a 20/09/99.
17- Tais juros eram susceptíveis de serem capitalizáveis, ao abrigo do artº 560 do CC, e ainda da cláusula 9ª do acordo de pagamento.
18- Tais juros, enquanto juros capitalizáveis, foram perdoados, em consequência da medida homologada.
19- À data da aprovação da medida, a quantia capital em dívida, pela Covilan à Cenel, ascendia a esc. 86.603.376$60.
20- Tal quantia era inquestionável, dado que se encontrava objecto de uma acção executiva sem oposição dos executados.
21- Assim, tal quantia capital exequenda correspondia à quantia capital devida pela Covilan à Cenel.
22- A medida aprovada previa o pagamento do capital dos créditos no prazo de 180 dias a contar da data do trânsito em julgado da decisão de homologação de reestruturação financeira.
23- A decisão transitou em julgado em 13/04/00.
24- A quantia em dívida venceu-se em 13/10/00.
25- A Covilan apenas pagou a quantia de esc. 31.082.467$60.
26- Ficou em dívida pela Covilan à Cenel a quantia de esc. 56.948.709$00, acrescida dos juros entretanto vencidos.
27- Face à recusa da Covilan de proceder ao pagamento de tal quantia, não restava à exequente qualquer outra alternativa, para além de requerer o prosseguimento da execução oportunamente intentada.
28- O prosseguimento da execução constitui um legítimo direito da exequente, razão porque não faz sentido o exercício de tal direito ser interpretado como litigância de má fé.
29- Tanto mais que a litigância de má fé exige dolo e não se vê como se pode vislumbrar numa discussão jurídica tal dolo.
30- Assim, não pode ser considerada extinta a execução, devendo a mesma prosseguir contra a Covilan, pelo valor de esc. 56.948.709$00 de capital, acrescido de juros entretanto vencidos.
31- Mas nunca, em caso algum, poderia ser considerada extinta a execução contra os co-obrigados e garantes José Manuel Saraiva e mulher.
32- A medida aprovada mereceu o voto contra da Cenel.
33- Assim, nos termos do disposto no artº 63 do CPEREF, a providência de recuperação não afecta o direito da Cenel sobre tais recorridos.
34- Nestas circunstâncias, a dívida da Cenel sobre José Manuel Saraiva e mulher mantem-se inalterada, apesar da medida aprovada em processo especial de recuperação da Covilan.
35- Face ao exposto, deve a execução prosseguir contra estes pelo seu valor global.”
Pelo que terminou pedido o provimento do Recurso e a revogação da decisão recorrida.

6- Por sua vez, a apelada Covilan apresentou, a fls. 153/155, as sua contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, nos seus precisos termos, e, consequentemente, pela improcedência do recurso.

7- Mais tarde, através do seu requerimento de fls. 162, e na sequência do alegado naquelas contra-alegações, a apelante veio dizer a que tinha cometido um lapso, quando nas suas alegações de recurso afirmou não ter havido oposição à execução ali referida (reconhecendo, agora, que tal oposição aconteceu na verdade) – mantendo tudo o demais alegado -, e aproveitando ainda para informar que, na sequência da decisão ora recorrida, desistiu, nos autos de execução, das penhoras dos bens da apelada Covilan, conforme documento que fez juntar aos autos.

8- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir
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II- Fundamentação de Facto
Na 1ª instância (com base confissão e nos diversos documentos, nomeadamente certidões, juntos aos autos) foram dados como assentes os seguintes factos:
1. A ora embargada intentou contra a ora embargante acção judicial que correu termos no Tribunal de Círculo da Covilhã, 2.ª secção, com o número 38/92 cuja decisão proferida foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra e cujo acórdão foi também objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça tendo este Venerando Tribunal condenado a ora embargante (Covilan) a pagar o pedido à ora embargada (cfr. fls. 17 a 71 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
2. Por apenso aos autos supra referidos a embargada promoveu execução da sentença tendo aquela e a embargante feito um acordo de pagamento em 30.01.1996 a fim de pôr termo ao litígio judicial, o qual se encontra junto a fls. 6 a 9 dos autos de execução aos quais estes se encontram apensos e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, sendo este acordo o título executivo destes autos de execução.
3.Em 17.12.1998, a Covilan – Laneira da Covilhã, S.A. intentou no Tribunal Judicial da Covilhã acção de recuperação, processo que foi distribuído à 1.ª secção do 1.º Juízo deste Tribunal e a que foi atribuído o número 374/98.
4. Neste processo de recuperação a ora embargada reclamou o crédito de esc. 125.468.124$00, sendo a quantia de esc. 31.082.467$60 proveniente de fornecimento de energia às instalações da Covilan (e não Cenel – ora exequente - como por manifesto lapso se escreveu), esc. 56.958.709$00 relativos a juros de mora vencidos até 31.12.1995 e o restante montante referente a juros de mora vencidos depois desta data e incidentes sobre aquela quantia de esc. 31.082.467$60 (tendo apresentado, para o efeito, o requerimento executivo dos autos de execução aos quais estes estão apensos).
5. Neste mesmo processo a ora embargada foi nomeada membro da Comissão de Credores.
6. Na assembleia provisória de credores realizada a 21.06.1999 e onde se encontrava representada a ora embargada foi apresentada a relação de créditos provisória, relação que não sofreu qualquer reclamação, tendo sido apenas esclarecido que quanto ao credor Cenel, o capital da dívida é de esc. 31.682.467$00, sendo o restante da dívida juros.
7. A assembleia definitiva de credores realizada no âmbito do referido processo de recuperação aprovou a medida de “reestruturação financeira” por maioria e na mesma prevê-se, para além do mais, o perdão integral dos juros vencidos, capitalizáveis ou não, tendo a Cenel votado contra a medida com declaração de voto e arguiu a nulidade da proposta apresentada.
8. Neste processo, ainda, o Tribunal decidiu que não se verificava a arguida nulidade, tendo homologado a deliberação da assembleia de credores. Decisões essas que , todavia, foram objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual decidiu, por douto acórdão datado de 23 de Março de 2000, negar provimento aos agravos, mantendo as decisões recorridas (cfr. fls. 77 a 109 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
9. A ora embargada/exequente intentou os autos de execução aos quais estes estão apensos em 7 de Janeiro de 1999, oferecendo como título executivo o acordo junto a fls. 6 a 9 e aludido em 2. onde pede a quantia de esc. 31.082.467$60, referente a fornecimentos de energia à instalação sita na Quinta das Almas; esc. 56.948.709$00, relativa a juros de mora vencidos até 31.12.1995, e a quantia relativa aos juros de mora que se vencerem, à taxa de 19,5%, sobre o primeiro montante referido, com início no pretérito dia 1.1.1996 e até integral pagamento.
10. Nestes autos e por despacho proferido a fls. 66 o Tribunal ordenou a suspensão da instância executiva nos termos do art.º 29.º do C.P.E.R.E.F. em consequência do despacho de prosseguimento da acção proferido nos autos de recuperação aludido em 3. e por requerimento junto a fls. 77 (24.04.2001) a Cenel, ora embargada, informou os autos de que a executada, ora embargante, lhe tinha pago, no dia 24.11.00, a quantia de esc. 31.682.467$00, requerendo o prosseguimento dos autos para pagamento da restante quantia exequenda já que tinha sido aprovado no âmbito do processo de recuperação supra aludido a medida de reestruturação financeira.
11. A embargada/exequente foi notificada do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra e a que se alude em 8. por cota datada de 31 de Março de 2000.
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III- Fundamentação de Direito
1- Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se que se define o objecto e delimita o âmbito dos recursos, isto é, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC, bem ainda, a esse propósito, entre muitos outros, Acs da RC de 5/11/2002; do STJ de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80, e da RP de 25/11/93, respectivamente, in “CJ, Ano XXVII, T5, pág 15; CJ, Acs. do STJ, Ano II, T3 – 77; Act. Jur. Ano III, nº 17, pag. 3; BMJ nº 359-522 e CJ, Ano XVIII, T5 –232).
Compulsando as extensas conclusões (feitas ao longo de 35 artigos - onde está a sintetização de que fala a lei - artº 690 do CPC?) das alegações de recurso da ora apelante Cenel verifica-se, por um lado, que as mesmas são, numa grande parte, um recalcamento do que foi dito, antes, ao longo das referidas alegações e, por outro, consubstanciam em si, também numa boa parte, uma descrição cronológica (por vezes algo distorcida) da ocorrência dos factos aqui em apreciação.
Todavia, e não obstante tais deficiências, cremos que serão três as questões fundamentais objecto de tal recurso que nos foi submetido a apreciação e que urge aqui decidir.
A primeira delas consiste em saber se a exequente – ora apelante, foi não já paga do crédito exequendo, nada mais lhe sendo devido. Questão esta que, por sua vez, passa por saber se houve ou não perdão integral dos juros que fazem parte integrante daquele crédito?
A segunda questão, passa por saber, no caso de a resposta à 1ª questão ser positiva, se extinção da execução (por pagamento) deve ocorrer em relação a todos os executados-embargantes (a que se reportam os dois autos de embargos, 6/99-B e 6/99-A) – e tal como se decidiu na decisão recorrida - ou tão somente em relação à co-executada-embargante, Covilan?
A terceira, e última, questão, consiste em saber se o comportamento da embargada-exequente integra o conceito de litigante de má fé, ou seja, se a mesma deve (como se concluiu na decisão recorrida) ou não ser condenada como litigante de má fé?
Passemos então à análise de tais questões pela ordem supra indicada.
1-1 Quanto à 1ª questão.
Tendo em conta a matéria factual apurada, por provada, a esse propósito, importa, por ora, considerar a seguinte:
Nos autos de processo especial de recuperação de empresa autuados com o nº 374/98 (e referente à ora embargante-executada Covilan) a ora embargada foi aí reclamar o crédito de esc. 125.468.124$00, sendo a quantia de esc. 31.082.467$60 proveniente de fornecimento de energia às instalações daquela, esc. 56.958.709$00 relativos a juros de mora vencidos até 31.12.1995 e o restante montante referente a juros de mora vencidos depois desta data e incidentes sobre aquela quantia de esc. 31.082.467$60, tendo para prova do seu crédito junto cópia do requerimento executivo apresentado nos autos de execução a que estes estão apensos.
E nesses autos a assembleia definitiva de credores. realizada no âmbito do referido processo de recuperação, aprovou a medida de “reestruturação financeira” por maioria e prevendo-se na mesma, para além do mais, o perdão integral dos juros vencidos, tendo a embargada Cenel (único credor a fazê-lo) votado contra a medida com declaração de voto, arguindo a nulidade da proposta apresentada.
Ainda nesse mesmo processo, o Tribunal decidiu que não se verificava a arguida nulidade, tendo homologado, depois, a deliberação da assembleia de credores. Decisões essas que foram objecto de recurso, por parte da ora apelante, para este Tribunal de Relação, o qual decidiu por douto acórdão datado de 23 de Março de 2000, negar provimento aos agravos, mantendo as decisões recorridas (cfr. fls. 77 a 109 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
Por outro lado, compulsando o teor desse acordão verifica-se ainda o seguinte:
Que a ora apelante, como fundamento daqueles seus recursos (e que faz parte das respectivas conclusões,) insurgiu-se, além do mais, contra o facto, da deliberação em causa da assembleia de credores, prever o perdão dos juros, incluindo os que foram anteriormente consolidados a esse processo especial (e depois transformados, segundo a sua tese, em capital), o que no seu entender, até pelo seu elevado montante, era susceptível de violar o princípio da igualdade entre os credores que se encontra consignado no artº 62 do CPEREF (cfr. folha 1-verso desse acordão, e que corresponde a fls. 100-verso destes autos).
Que esse acordão, na sua fundamentação, descreveu como matéria de facto, indiciada, por assente, além do mais, “que neste processo de recuperação a ora embargada reclamou o crédito de esc. 125.468.124$00, sendo a quantia de esc. 31.082.467$60 proveniente de fornecimento de energia às instalações da empresa Covilan, esc. 56.958.709$00 relativos a juros de mora vencidos até 31.12.1995 e o restante montante referente a juros de mora vencidos depois desta data e incidentes sobre aquela quantia de esc. 31.082.467$60...” e que “na Assembleia Provisória de Credores realizada a 21-6-99 e onde se encontrava representada a “Cenel” foi apresentada a relação de créditos provisória, relação que não sofreu qualquer reclamação, tendo sido apenas esclarecido que quanto ao credor “Cenel”, o capital da dívida é de 31.682.467$00, sendo o restante da dívida juros...” (cfr. folha 2 desse acordão, e que corresponde a fls. 101 destes autos).
Depois, mais à frente desse acordão (fls. 2-verso e 3), já na fundamentação de direito do mesmo, escreveu-se “... a agravante insurge-se, segundo cremos, pelo facto de na medida de recuperação aprovada se ter aprovado o perdão integral dos juros vencidos, incluindo os já capitalizados. É que a maioria do crédito que se reclama diz respeito precisamente a juros capitalizados vencidos até 31-12-95.....A nosso ver, uma medida no sentido do perdão dos juros, capitalizáveis ou não, não viola este princípio da igualdade. Isto porque não se vê que qualquer dos credores tenha um tratamento de favor em relação aos outros nem que qualquer deles tenha um tratamento de desfavor em relação aos restantes. É certo que a agravante reclama um crédito de alto valor relativo a juros que já capitalizou (crédito de 56.948.709$00). Simplesmente esta quantia não deixa, pelo facto de ter sido pelo reclamante capitalizada, de ser proveniente de juros (moratórios). E assim sendo, tem que ter o tratamento igual a todos os outros juros. Ao sustentar-se e a aceitar-se que esta importância tivesse outro tratamento, ou seja, um tratamento diverso das outras quantias provenientes de juros, é que se estaria a violar o princípio da igualdade insíto na posição evidenciada...” (sublinhado nosso).
Acordão esse que, como resulta do já acima exarado, acabou por julgar improcedentes os dois agravos e confirmar as decisões recorridas, tendo transitado em julgado, em 13/4/2000 (cfr. fls. 77).
Ora tudo isto para dizer e concluir que todo o crédito reclamado pela ora apelante no sobredito processo especial de recuperação (e que correspondia, na sua essência, àquele cujo pagamento começou por exigir na execução a que estes autos se encontram apensos) em relação à ora apelada Covilan, e referente aos juros vencidos, foi perdoado integralmente a esta última, no aludido processo, apenas se mantendo, e como tal foi ali reconhecido, o crédito do capital inicial (relacionado com o preço de fornecimento de energia à mesma), no montante de esc. 31. 682.467$00. Perdão esse ocorrido por força da deliberação da Assembleia de Credores no aludido processo, tomada nas circunstância de tempo e modo acima referidas e na sequência de uma medida de restruturação financeira da empresa Covilan apresentada pelo então gestor judicial, e que foi depois homologada judicialmente.
Perdão esse que ao contrário do que defende a ora apelante abrangeu obviamente todos os juros vencidos até então, capitalizados ou não.
Se bem interpretamos o pensamento da ora apelante no sentido de defender que os juros alegadamente consolidados ou capitalizados não estariam abrangidos por tal perdão, tal resulta do facto de na proposta então apresentada à dita Assembleia, que esta depois se limitou a aprovar e que depois foi homologada judicialmente nos mesmos termos, apenas se mencionar “perdão integral dos juros vencidos”.
Porém, tal conclusão, e salvo o devido respeito, não se pode extrair dali, e nem sequer a própria letra de tal expressão o permite fazer. Aliás, se compulsarmos todos elementos dos autos, e nomeadamente os próprios considerandos em que assentou tal proposta, facilmente, a nosso ver, se conclui que tal proposta de perdão (integral) era mesmo para abranger tudo, em termos de crédito, o que resultasse de juros vencidos até então. Se dúvidas houvesse, tal resulta do recurso ao princípio geral da interpretação e integração das declarações negociais consagrado no artº 236 do C. Civil, onde no seu nº 1 se estatui que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante..”. Ora tendo em conta a própria letra da expressão utilizada, e bem assim o contexto e os fundamentos da proposta em que tal declaração (de perdão) foi proferida e assentou, qualquer declaratário normal lhe atribuiria o sentido de que tal perdão abrangeria tudo (em termos de crédito) o que fosse ou resultasse de juros vencidos, fossem ou não capitalizáveis, estivessem ou não consolidados. Aliás, foi esse o próprio sentido que lhe foi logo dado, como resulta das passagens que supra se deixaram exaradas sobre respectivas as razões e alegações aduzidas para o efeito, pela ora apelante quando interpôs, naquele processo especial, os dois recursos acima aludidos para este tribunal, reagindo contra a mencionada deliberação e depois contra a decisão judicial que a homologou, o mesmo sucedendo ainda pelo “colectivo” de juizes que no Tribunal desta Relação apreciou, nos termos em que atrás se deixou expresso, tais recursos (de agravo).
Ora aqui chegados, não podemos esquecer que tal medida de reestruturação financeira de perdão integral dos juros vencidos, capitalizáveis ou não, tomada pela Assembleia Definitiva de Credores no sobredito processo especial é uma das providências legalmente previstas que envolve a modificação, redução ou extinção dos créditos (cfr. artºs 62, nº 1, e 88, nº 1 al. a), do CPEREF).
Por outro lado, e como é sabido, a deliberação da Assembleia de Credores que aprove uma ou mais providências de reestruturação financeira, depois de homologada, vale não só nas relações internas entre os credores e a empresa mas também relativamente a terceiros (cfr. artº 94 do CPEREF).
Posto isto, e tendo a aludida Assembleia de Credores, constituída referido processo especial, aprovado, validamente (tal como foi reconhecido judicialmente), a providência de reestruturação financeira de perdão integral de juros vencidos, capitalizáveis ou não, e tendo essa deliberação sido homologada judicialmente, evidente se torna que embargada viu o seu crédito reduzido ao capital de esc. 31.682.467$00.
E tendo ficado provado que a embargante-executada Covilan pagou já, em 24.11.00, à exequente-embargada tal quantia, dúvidas parecem não restar de que se extinguiu o crédito que a última tinha sobre a primeira, nada mais sendo de lhe exigir, a esse propósito, pelo que, e nessa medida, bem andou a Mma juíza do tribunal a quo quando julgou procedentes os embargos deduzidos pela referida Covilan à aludida execução que a ora apelante instaurou contra si, julgando extinta, contra si, a referida execução.

1-2 Importa, agora saber, e com isto, entramos na apreciação e decisão da segunda questão, acima enunciada, se a procedência dos embargos e a extinção da execução (por pagamento) deve ocorrer em relação só em relação à embargante, co-executada Covilan, ou também, e desde logo, em relação a todos os outros executados-embargantes, José Ma... e sua mulher, Sara de Oliveira, tal como se decidiu na decisão recorrida ?
Vejamos.
Dispõe o artigo 63 do CPEREF que “As providências de recuperação a que se refere o artigo anterior não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os co-obrigados ou os terceiros garantes da obrigação, salvo se os titulares dos créditos tiverem aceitado ou aprovado as providências tomadas e, neste caso, na medida da extinção ou modificação dos respectivos créditos" (sublinhado nosso).
Como escreve Herlander Martins Leitão (“in CPEREF, anotado e comentado”), em comentário ao citado normativo, “maugrado o disposto no artº 62, a verdade é que permanecerá incólume o montante dos direitos dos credores contra os co-obrigados ou terceiros da obrigação. Quer, pois, dizer que o carácter de excepcionalidade não se repercute, mantendo-se, portanto, aos credores os direitos que lhes assistem nessas outras relações. O “sacrifício” pedido é-o apenas em nome da recuperação da empresa, não podendo beneficiar os terceiros, o que seria, a acontecer, uma manifesta anomalia, diríamos mesmo “imoralidade”. Salvo é evidente, se houver acordo em sentido contrário. E, nesta possibilidade transaccional, mais uma vez se descortina a preocupação de, no máximo, se tornar viável a recuperação da empresa” (sublinhado nosso).
Ora considerando, por um lado, o disposto em tal normativo legal (1ª parte), e, por outro, que não se verifica, in casu, a excepção prevista na 2ª parte desse normativo (já que, como resulta do acima já exarado, a ora apelante-exequente nunca deu o seu acordo ou se conformou sequer com a sobredita providência deliberada pela Assembleia de Credores no sentido de serem perdoados integralmente os juros vencidos, e nomeadamente os referentes ao seu crédito), e, por fim, ainda o que consta do documento que serviu de título à referida execução (junto a fls. 6 a 9 dos respectivos autos, e muito particularmente o teor das cláusulas 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 9ª, de onde resulta, além do mais, a assunção pelos referidos José Ma... e sua mulher, Sara de Oliveira, do débito aí referido - envolvendo os juros ali descritos -, responsabilizando-se pelo seu pagamento, de forma solidária com a mencionada Covilan, mas através de constituição de obrigações autónomas), facilmente, a nosso ver, se terá de concluir que o sobredito perdão integral dos juros vencidos deliberado pela referida Assembleia de Credores não abrange o crédito (envolvendo a parte respeitante aos juros,) que a ora apelante também reclama, na dita execução, sobre os aí co-executados José Ma... e sua mulher, Sara de Oliveira, e que alegadamente, segundo aí indica, estarão ainda em dívida, muito embora seja sempre de ter em conta o pagamento da quantia, acima referida, de esc. 31. 682.467$00 que a Covilan efectuou, em 24/11/2000, à mesma.
Logo, teremos igualmente de concluir que, nessa parte, a Mma juíza do tribunal a quo, já, em nossa opinião, não terá andado bem quando concluiu, na sentença recorrida, que, com base no fundamento acima referido, aqueles dois co-executados nada mais devem à exequente-embargada, tendo, em consequência, declarado procedentes os embargos pelos mesmos também deduzidos (autuados com o nº 6/99-A) e extinta a respectiva execução instaurada também contra os mesmos, e depois de ter considerado que, assim, desnecessário se tornava apreciar as questões colocadas pelos mesmos nesse seu “requerimento” (quereria certamente dizer petição) de embargos.
Execução essa que, assim, terá, para já, de prosseguir em relação aos co-executados, José Ma... e sua mulher, Sara de Oliveira, e o mesmo se dizendo em relação aos embargos pelos mesmos deduzidos à àquela (autuados com o nº 6/99-A), para a apreciação e decisão final das diversas questões ali suscitadas, e tendo em conta o aí alegado sob os artºs 4º, 5ºe sgts, e bem assim a impugnação factual que foi feita pela embargada logo no artº 1 da sua contestação de embargos.
Pelo que, nessa parte, se revoga a sentença recorrida, ou seja, julgando-se, assim, quanto a tal questão e nessa medida, procedente a apelação.

1-3 Apreciando, agora, a terceira e última questão acima enunciada.
Questão essa que, como acima referimos, consiste em saber se os autos nos fornecem os elementos necessários e seguros para que se possa condenar (com se fez na decisão recorrida) ou não a ora apelante como litigante de má fé?
Como é sabido, a litigância de má fé pressupõe, uma actuação dolosa ou com negligência grave - em termos da intervenção na lide -, consubstanciada, objectivamente, na ocorrência de alguma situações descritas nas diversas alíneas do nº 2 do artº 456 do CPC.
Ora considerando que, como resulta do acima exposto, a grande questão controvertida, que motivou entendimentos discordantes das partes, era saber, por um lado, se os juros perdoados pela sobredita Assembleia de Credores abrangiam ou não os juros capitalizados ou capitalizáveis, e, por outro, e em caso afirmativo, se tal perdão, resultante da providência tomada, abrangia ou não o crédito (envolvendo tais juros) que a ora apelante reclama ter sobre os dois últimos embargantes acima identificados. A esse propósito, parece-nos oportuno lembrar aqui o acordão do STJ de 16/1/2002 (in “Rec. Agr. nº 3520/01- 4ª sec., Sumários, pág. 57”) ao defender que “a sustentação de teses controvertidas, bem como a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, pode consubstanciar uma lide temerária ou ousada, mas não integra a litigância de má fé, pois que tal não basta para que se presuma uma actuação dolosa ou com culpa grave”. Vidé, ainda a propósito, artº 456, nº 2, do CPC, e , entre outros, Ac. do STJ de 10/01/2002, in “Rec. Rev. nº 3805/01, 7ª sec. , Sumários, 1/2002” e “Ac. RP de 1/10/92, in “CJ Ano XVII, T4-242” ).
E considerando, por outro lado, que a decisão acima tomada foi, quanto à última questão, ao encontro, pelo menos para já, da tese defendida pela ora apelante.
E considerando, por último, que, por um lado, a apelante veio, a fls. 168, penitenciar-se de algumas afirmações factuais que antes fizera e que constatou, entretanto, não corresponderem à verdade, e, por outro ainda, que veio informar que, na sequência da prolação da decisão recorrida, tinha ido aos autos de execução desistir da penhora requerida quanto aos bens da executada Covilan (juntando para o efeito, a fls. 170, o requerimento de tal desistência que fez chegar aos aludidos autos).
Afigura-se-nos, assim, e por todo o exposto, poder, em termos processuais, haver alguma temeridade caso decidíssemos optar por tal condenação, ou seja, considerar, tal como o fez a 1ª instância, o comportamento processual da ora apelante como integrando o conceito de litigante de má fé.
E nessa medida, e também quanto a essa parte, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando-se, quanto a ela, a sentença recorrida.
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IV- Decisão
Assim, face ao exposto e ao que foi decidido nos nºs 1-1, 1-2 e 1-3 do ponto III deste aresto, acorda-se em conceder, apenas, parcial provimento ao recurso de apelação, revogando-se a sentença da 1ª instância no que concerne às questões referidas e tratadas naqueles dois últimos números do ponto III.
Custas (do recurso) pela apelante e pelos apelados, na proporção de ½ para cada um deles, e da acção na proporção do decaímento a fixar a final.