Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
609-A/1998.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PRAZO
Data do Acordão: 03/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 4º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 772º, Nº 2, DO CPC
Sumário: I – O prazo de 5 anos indicado no trecho inicial do nº 2 do artº 772º CPC inicia-se com o trânsito em julgado da sentença cuja revisão se pretende, independentemente da natureza do fundamento do recurso de revisão, por referência às seis alíneas do artº 771º do CPC.

II – O entendimento do Tribunal Constitucional expresso no Acórdão nº 209//2004, segundo o qual “o entendimento de que o prazo absolutamente peremptório de caducidade do recurso de revisão se traduz numa violação do princípio do contraditório, em que se integra a proibição de indefesa, ínsito nos artºs 2º e 20º da Constituição”, carece de recondução ao contexto situacional no qual foi concretamente formulado, isto é, apenas o da aplicação do prazo de caducidade de 5 anos previsto no artº 772º, nº 2, do CPC a um recurso de revisão emergente de uma acção oficiosa de investigação de paternidade que correra à revelia da pessoa que fora declarada pai do investigando, ou seja, do réu investigado, pretendendo este último, alegando a falta ou nulidade da respectiva citação para aquela acção, pedir a revisão da sentença (transitada) que o reconhecera como pai.

III – Conforme o Tribunal Constitucional reconheceu posteriormente, no Acórdão nº 310/2005 (D.R. – Iª série, de 8/08/2005), o pronunciamento decisório constante do anterior Acórdão nº 209/2004, não tem sentido no quadro de uma acção que se refere exclusivamente a interesses de natureza patrimonial, casos estes em que a aplicação do prazo de 5 anos, enquanto limite absolutamente peremptório da possibilidade de interposição de recurso de revisão, não traduz ofensa a qualquer norma ou princípio dotado de estalão constitucional.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra


I – A Causa

1. Refere-se o presente agravo a um recurso de revisão interposto no dia 29 de Março de 2006, no 4º Juízo Cível da Comarca de Leiria, por A... (Agravante) contra B... e C... (Agravados), no qual, por apenso à acção sumária nº 609/98 daquele Juízo e Tribunal, acção cuja Sentença final, proferida em 13 de Abril de 2000, transitou entretanto em julgado[1], formulou a ora Agravante o seguinte pedido:

“[…]
Que seja revista a sentença […] proferida no processo à margem referenciado[ 2], anulando-se todo o processado, procedendo-se à citação da aqui Autora, e Ré nesse processo, para que esta querendo conteste, seguindo os termos previstos na lei até final;
[…]”
[transcrição de fls. 29 vº]


Para tanto alegou a aí Recorrente, que não foi citada nessa acção sumária, não tendo sido ela quem assinou o aviso de recepção certificado a fls. 72, constituindo a assinatura neste aviso o elemento consubstanciador da referida citação, sendo que quem assinou esse aviso, com a indicação “a rogo” dela, o fez sem que para isso tivesse sido autorizada por ela, enquanto R. nessa acção.

Na mencionada acção sumária, formulavam os aqui Agravados, aí AA.[3], contra a ora Agravante e outras quatro pessoas (D... e mulher, E...; F... e marido, G...), o pedido de que fosse declarada nula a doação à ora Agravante de um determinado prédio urbano, reconhecendo-se que este, em vez de pertencente a esta, integrava a herança aberta por óbito de I..., de quem eram herdeiros, além do doador, o seu viúvo, H..., e os seus quatro filhos[4].

Tal acção sumária não foi contestada por nenhum dos RR. contra os quais foi proposta, designadamente pela ora Agravante, sendo decidida, na ausência de contestação – o que importou a confissão dos factos –, pela já mencionada Sentença certificada a fls. 53/56, que a considerou procedente[5].

1.1. Em sede de apreciação inicial do pedido de revisão foi proferida a Decisão de fls. 109/112 (que constitui a Decisão aqui agravada) indeferindo-o liminarmente, por o entender interposto para além do prazo de cinco anos – “[…] sobre o trânsito em julgado da decisão […]” – previsto no nº 2 do artigo 772º do Código de Processo Civil (CPC)[ 6 ].

Inconformada com esta apreciação liminar do seu pedido de revisão, interpôs a ora Agravante o recurso de fls. 119, que foi recebido a fls. 121 como agravo, alegando-o a fls. 157/169 e formulando, a culminar tais alegações e as respectivas conclusões, os seguintes pedidos:

“[…]
1) A declaração de inconstitucionalidade do disposto no nº 2 do artigo772º do CPC, na parte em que prevê o prazo absolutamente peremptório de cinco anos, por ofensa do princípio do contraditório, previsto e regulado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa;
2) Em qualquer caso a revogação da Sentença recorrida, com as consequências daí resultantes.
[…]”
[transcrição de fls. 168 vº/169]


1.2. Nas alegações e nas conclusões que as rematam, defende a Agravante ter ocorrido uma incorrecta aplicação do artigo 772º, nº 2 do CPC, sendo que o prazo de cinco anos aí em causa só se iniciaria, para ela, enquanto requerente da revisão, com a tomada de conhecimento do invocado facto-fundamento dessa mesma revisão[ 7]. Acresce que – e estamos a reproduzir a argumentação da Agravante – o prazo “absolutamente peremptório” de cinco anos referido no mencionado artigo 772º, nº 2, seria inconstitucional[8]. Invocou, ainda, enquanto nulidades da própria Decisão agravada, a sua falta de fundamentação e a existência na mesma de omissão de pronúncia[ 9].

Este último aspecto – invocação da nulidade da Decisão recorrida[ 10] – foi apreciado no Tribunal a quo[11], antes de ser determinada a subida do presente agravo a esta Relação (fls. 243/245).
II – Fundamentação

2. As questões resumidas no item anterior apresentam, como decorre das transcrições feitas nas notas 7, 8 e 9, correspondência nas conclusões do recurso. Assim, sendo certo que a delimitação temática do objecto do recurso se opera através das suas conclusões (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC)[12], é nessas três questões indicadas no item 1.2. que assentará a apreciação deste agravo, sendo elas – recordemo-lo aqui – as seguintes: (1) nulidade da Decisão agravada; (2) questão da contagem do prazo de cinco anos previsto no artigo 772º, nº 2 do CPC; (3) alegada inconstitucionalidade desse prazo.

2.1. Começando pela questão – logicamente precedente – da invocada nulidade da Decisão recorrida, sublinhar-se-á, na linha do já observado pelo Tribunal a quo, que a Decisão, assentando na constatação liminar de que o prazo de cinco anos indicado no nº 2 do artigo 772º do CPC estava notoriamente transcorrido aquando da interposição da revisão, fundamenta devidamente tal asserção. Com efeito, indicando e justificando a Decisão agravada a data do trânsito da Sentença revidenda – o que a Agravante, aliás, não contesta –, constata de seguida que a norma manda contar esse prazo a partir do trânsito em julgado da decisão a rever e consigna finalmente – e trata-se de um facto indesmentível – que o recurso de revisão foi apresentado para além de cinco anos contados desse trânsito em julgado. É tão simples quanto o que acabou de se referir a situação configurada, e não se vislumbra de que falta de fundamentação, relativamente à sua específica ratio decidendi, padece tal Decisão.

O mesmo se diga da invocada omissão de pronúncia. Este vício pressupõe, como decorre da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Ora, entre estas questões não se contam aquelas que, mesmo que invocadas por uma parte, estejam prejudicadas na sua decisão pela solução dada a outras questões previamente resolvidas (artigo 660º, nº 2 do CPC). E foi isto o que sucedeu com toda a panóplia de questões focadas pela Agravante no recurso de revisão, que pressupunham a apreciação desse mesmo recurso. Todas elas ficaram prejudicadas pela circunstância de o recurso ter sido liminarmente rejeitado.

2.2. Assente a inexistência de qualquer nulidade da própria Decisão agravada, cumpre apreciar – e assim entramos na apreciação do segundo fundamento do agravo – a questão da contagem do mencionado prazo de cinco anos que o Tribunal a quo considerou já esgotado aquando da interposição (em 29/03/2006) do presente recurso de revisão.

A Agravante não contesta que esteja correctamente efectuada a fixação do momento do trânsito em julgado da Sentença revidenda como ocorrido no dia 23 de Maio de 2000, limitando-se a objectar que a contagem dos cinco anos indicados no artigo 772º, nº 2 do CPC, se possa referir à data desse trânsito e não ao momento do conhecimento do vício gerador da revisão. Ora, este Tribunal, constatando, também, que tal fixação do trânsito da Sentença certificada a fls. 233/236 se mostra correcta, não pode deixar de constatar, igualmente, que o prazo de cinco anos indicado no trecho inicial desse artigo 772º, nº 2, se inicia com esse trânsito em julgado, conforme expressamente indica a norma em questão[13]. Aliás, e embora se trate de uma evidência assente numa mera “interpretação declarativa”[ 14] do trecho normativo em causa, não deixa essa circunstância de ser recorrentemente sublinhada pela doutrina, designadamente, em anotação a esse artigo 772º, por José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes:

“[…]
Há um prazo de 5 anos a partir do qual já não é possível interpor o recurso extraordinário de revisão. Esse prazo de caducidade conta-se do trânsito em julgado da sentença a rever. É imposto em nome do valor Segurança.
Há, além disso, o prazo de interposição de 60 dias, contados do momento em que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de fundamento à revisão ou, no caso do artigo 771º, a), do trânsito em julgado da sentença em que a revisão se funda. […]
Estes prazos não se interrompem nem suspendem (artigo 328º do Código Civil).
[…]”[ 15]


Não existe, assim, por referência à letra da lei, qualquer espaço interpretativo para alicerçar “[…] um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 9º, nº 2 do Código Civil[16]), a uma possível interpretação que “lesse”, e é isso o que defende a Agravante, “sobre a data do conhecimento do fundamento”, onde está escrito “sobre o trânsito em julgado da decisão”. E isto, independentemente da natureza do fundamento do recurso de revisão[ 17 ], por referência às seis alíneas do artigo 771º do CPC, por ser evidente a aplicação genérica do momento inicial (trânsito da decisão revidenda) da contagem do prazo de caducidade de cinco anos, contrariamente ao que sucede com o prazo de sessenta dias previsto no segundo trecho da norma, este sim modelado no seu termo inicial pelo fundamento da revisão.

Não colhe, pois, minimamente, a interpretação propugnada pela Agravante.

2.3. E não colhe igualmente – e assim entramos na apreciação do terceiro fundamento do presente agravo – enquanto argumento de constitucionalidade reportado a essa mesma interpretação.

Tal argumento refere-se a uma possível não conformidade constitucional do prazo de cinco anos previsto no artigo 772º, nº 2 do CPC, enquanto prazo absolutamente peremptório de caducidade do recurso de revisão, assentando no entendimento de que esse carácter (peremptório) – e usamos aqui, tal como o fez a Agravante, as palavras do Acórdão nº 209/2004 do Tribunal Constitucional[18] – traduz “[…] violação do princípio do contraditório, em que se integra a proibição de indefesa, ínsito no artigo 2º e 20º da Constituição […]”. Acontece, porém, que este entendimento do Tribunal Constitucional, expresso no Acórdão nº 209/2004, carece de recondução ao contexto situacional no qual foi concretamente formulado, a saber: o da aplicação do prazo de caducidade de cinco anos previsto no artigo 772º, nº 2 do CPC a um recurso de revisão emergente de uma acção oficiosa de investigação de paternidade, que correra à revelia da pessoa que fora declarada pai do investigando, ou seja, do réu investigado, pretendendo este último, alegando a falta ou nulidade da respectiva citação para aquela acção, pedir a revisão da Sentença (transitada) que o reconhecera como pai.

Ora, conforme o Tribunal Constitucional reconheceu posteriormente, no Acórdão nº 310/2005[19], o pronunciamento decisório constante do anterior Acórdão nº 209/2004 (é este o Acórdão citado pela Agravante nas suas alegações), não tinha sentido no quadro de uma acção que, como sucede no caso da presente revisão, se refere exclusivamente a interesses de natureza patrimonial. Isso mesmo foi expressamente afirmado pelo Tribunal Constitucional nesse Acórdão nº 310/2005:

“[…]
2.4.1. Como se referiu anteriormente, […] existem diferenças particularmente relevantes entre a acção em que se originou o presente recurso e aquela que conduziu ao pronunciamento constante do Acórdão nº 209/04. Tais diferenças intuem-se facilmente constatando o conteúdo exclusivamente patrimonial dos interesses subjacentes à hipótese sub judice (trata-se nesta da divisão de um património outrora integrado na comunhão matrimonial), comparativamente à situação particular de tutela de direitos de natureza estritamente pessoal ou de personalidade, expressos na relação de paternidade ou de filiação, que constituem emanação do direito à identidade pessoal previsto no artigo 26º., nº. 1, da CRP (o “direito à historicidade pessoal”, enquanto “direito ao conhecimento da identidade dos progenitores”, como o qualificam Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 179). A este respeito, sublinhando a especificidade destes, escreveu-se no Acórdão nº. 486/04: “[d]eve […] dar-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26º., nº. 1, de um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade” [esta decisão, posteriormente confirmada em sede de recurso para o Plenário nos termos do artigo 79º.-D, da LTC, pelo Acórdão nº. 11/05, julgou inconstitucional a extinção do direito de investigar a paternidade, dois anos após a maioridade do investigante, extinção esta decorrente da aplicação conjugada dos artigos 1817º., nº. 1 e 1873º., do Código Civil (CC); o Acórdão nº 486/04 está publicado no Diário da República – II Série, de 18-02-05, págs. 2456/2464].
[…]”


E acrescentou-se a tal respeito, mais adiante, no citado aresto:

“[…]
2.5. Em função disto, entende o Tribunal que, face aos valores em causa numa sentença homologatória de partilha num inventário para separação de meações, contrariamente ao que sucedia com a situação que originou o Acórdão nº 209/04 (uma acção de investigação de paternidade), face a esses valores, dizíamos, o prazo de cinco anos, como limite da possibilidade de revisão, não se prefigura como uma intolerável restrição dos direitos decorrentes do artigo 20º da CRP, designadamente do princípio do contraditório.
[…]”


Ora, seguindo este entendimento, que, não obstante ter sido “prudentemente” ignorado pela Agravante nas suas alegações, traduz, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, o “precedente persuasivo”[ 20] exactamente correspondente à hipótese aqui em causa, não nos oferece qualquer dúvida que a aplicação do prazo de cinco anos, após o trânsito da decisão a rever, enquanto limite “absolutamente peremptório” da possibilidade de interposição de recurso de revisão, não traduz ofensa a qualquer norma ou princípio dotado de estalão constitucional. Pelo contrário, nestas situações, o princípio constitucional relevante, é o da intangibilidade do caso julgado[21], para além do prazo previsto no trecho inicial do citado artigo 772º, nº 2. Daí em diante, por muito que isso custe à Agravante, como referia Manuel de Andrade, “[…] por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculante infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos […]”[22].

2.4. Aqui chegados, constatando não ser a Decisão agravada nula, não conter uma interpretação incorrecta do artigo 772º, nº 2 do CPC, e, enfim, ter aplicado esta norma num sentido que se mostra constitucionalmente conforme[ 23], resta-nos, e esta constitui a conclusão final deste recurso, confirmar essa mesma Decisão.
III – Decisão


3. Assim, tudo visto, negando-se provimento ao agravo, confirma-se integralmente a Decisão recorrida.

Custas pela Agravante.
_____________
[1] A tramitação sequencial desta acção resulta da certidão integral da mesma constante de fls. 178/242.
[2] A Sentença em causa é a que se mostra certificada a fls. 53/56 e a fls. 233/236.
[3] A petição inicial respectiva mostra-se certificada a fls. 43/45 vº e a fls. 179/181 vº.
[4] A nulidade dessa doação decorreria da circunstância de o doador interveniente na escritura não ser, contrariamente ao que nela declarou, “[…] dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem […]” do prédio nessa escritura doado à aqui Agravante.
[5] Concretamente culminou tal Sentença com o seguinte pronunciamento decisório:

“[…]
Pelo exposto, julgo a acção procedente e, em consequência:
Declaro nula e de nenhum efeito a doação do prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, para habitação com dependências, logradouro e quintal, tendo a casa a área de oitenta metros quadrados, as dependências a área de cinquenta e quatro metros quadrados e o logradouro e quintal a área de quinhentos metros quadrados, sito no lugar da Farraposa, a confrontar do norte com caminho público, do sul com herdeiros de José Antunes, do nascente com Manuel Antunes Novo e do poente com serventia pública, inscrito na matriz da Freguesia de Colmeias, sob o artigo 928, celebrada por escritura de justificação e de doação de 17 de Novembro de 1992, no Cartório Notarial de Ansião, e em que foram outorgantes, para além de outros, Joaquim Francisco Serra e a ré Conceição de Jesus.
Condeno os réus, Conceição de Jesus, Abílio Jorge Serra e Adelina de Jesus Jorge, Gracinda Jorge Serra e Manuel Jesus Santos, a reconhecer que o referido imóvel faz parte da herança aberta por óbito de Maria Jorge.
[…]”
[transcrição de fls. 56]
[6] É a seguinte, na parte que aqui apresenta interesse, a fundamentação da Decisão agravada:

“[I]mportará, antes de mais, ter presente que, como resulta da cota de fls. 57 dos autos principais, em 3 de Maio de 2000, foi enviada à ora recorrente carta registada notificando-a da sentença ali proferida (cuja revisão ora se pretende), notificação que, como facilmente se intui, foi efectuada em cumprimento do disposto no artigo 255º, nº 4 do CPC, uma vez que, para efeitos de interposição de recurso ordinário, a ré Conceição de Jesus tinha residência certa no processo.
Assim, tendo a ré sido notificada a 8 de Maio de 2000, ou seja, no primeiro dia útil que se seguiu ao terceiro dia após o registo da carta que continha a notificação da sentença (cfr. artigo 254º, nº 3 do CPC, aplicável por força do artigo 255º, nº 1 do mesmo Diploma), impõe-se concluir que aquela poderia ter interposto recurso ordinário de tal decisão até ao dia 18 de Maio de 2000, ou num dos três dias seguintes, conquanto procedesse ao pagamento da multa prevista no artigo 145º, nº 5 do CPC.
Nestes termos, é manifesto que a 23 de Maio de 2000 a sentença cuja revisão se requer deixou de ser susceptível de recurso ordinário, tendo nessa data, por força do artigo 677º [por lapso indicou-se artigo 667º] do CPC, transitado ou passado em julgado.
Donde, atendendo a que o presente recurso de revisão deu entrada neste tribunal a 29 de Março de 2006, é manifesto que o mesmo foi interposto quando já tinham decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da sentença revidenda.
Nessa medida, visto o disposto no artigo 772º, nº 2 do CPC, é o recurso de revisão em apreço legalmente inadmissível, devendo ser liminarmente indeferido.
[…]”
[transcrição de fls. 111/112]
[7] Refere a Agravante nas suas conclusões:
“[…]
28) [O] recurso de revisão interposto pela ora Alegante é legalmente admissível, uma vez que, contrariamente ao que se diz na sentença recorrida, quando a Alegante apresentou o recurso de revisão, ainda não tinha decorrido o prazo estipulado no artigo 772º, nº 2 do CPC;
29) Isto porque esta […] apenas tomou conhecimento de tal processo, no âmbito do referido procedimento cautelar;
30) A sentença recorrida interpretou a referida norma à «letra», isto é o prazo de recurso de revisão conta-se não da data em que a parte teve conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, mas sim do trânsito em julgado da decisão a rever;
31) No caso de ter decorrido o prazo de cinco anos desde o trânsito em julgado da sentença a rever, o direito a interpor recurso extraordinário de revisão não está perdido;
32) O prazo do direito da A. ora Alegante, apenas começa a correr desde que esta tomou conhecimento do facto, e não antes, pois ninguém lhe comunicou;
[…]”
[transcrição de fls. 167 vº]
[8] Refere a Agravante a este propósito:
“[…]
38) De facto o artigo 772º, nº 2, 1ª parte do CPC, é inconstitucional, perante o artigo 20º da CRP, uma vez que limita o acesso ao direito, em contrário do disposto na referida disposição constitucional;
39) Inconstitucionalidade esta, que aqui desde já se requer a sua apreciação;
[…]”
[transcrição de fls. 168]
[9] Dizendo:
“[…]
44) Neste caso em concreto o Mmº Juiz não fundamentou de facto e de direito a sua decisão;
[…]
46) O Mmº Juiz a quo na decisão sob recurso, viola o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 668º do CPC, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nula;
[…]”
[transcrição de fls. 168 vº]
[10] Note-se que o recurso, nos termos do artigo 668º, nº 3 do CPC, pode ter por fundamento a invocação da nulidade da sentença.
[11] Possibilidade que lhe era conferida pelo artigo 668º, nº 4 do CPC.
[12] V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V (reimp.), Coimbra, 1981, pp. 362/363; cfr., entre muitos outros possíveis, os Acórdãos do STJ de 6/05/1987 e de 14/04/1999, respectivamente na Tribuna da Justiça, nºs 32/33, Agosto/Setembro de 1987, p. 30, e no BMJ, 486,279.

[13] Artigo 772º
(Prazo para a interposição)
1. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
2. O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco sobre o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:
a) No caso da alínea a) do artigo 771º, desde o trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão;
b) Nos outros casos, desde que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.
3. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
4. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
[14] No sentido clássico referido por Ferrara: “[…] fala-se de interpretação declarativa, porque não se faz mais que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo” (Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª ed., Coimbra, 1963, p. 147, antecedido por, Manuel A. Domingues de Andrade, Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis).
[15] Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, Coimbra, 2003, p. 201. Isto mesmo já era expressamente referido à norma equivalente do Código de 1939 (o § único do artigo 772º, ex vi do artigo 779º), como sublinhava Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. VI (reimp.), Coimbra, 1981, pp. 379/380.
[16] “ A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do artigo 9º, nº 2; não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso»” (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, p. 189).
[17] A este propósito, sublinhar-se-á, de passagem, que a Agravante – quiçá por dificuldade de subsunção do “seu” fundamento – em nenhum local do requerimento de revisão indica em qual dos fundamentos taxativos (“[o] recurso extraordinário de revisão visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto”, José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, Código…, cit., p. 195) se enquadraria o seu pedido. Só mais tarde, apenas nas alegações deste recurso, parece pretender sugerir estar em causa o fundamento de revisão constante da alínea e) do artigo 771º do CPC. Não obstante, tendo em conta que o que parece estar em causa é a falsidade do acto consubstanciado na assinatura a rogo no documento certificado a fls. 32, é duvidoso se o fundamento não seria o constante da alínea b) da sobredita norma.
[18] Este, tal como o outro aresto do Tribunal Constitucional adiante indicado, está disponível no sítio do Tribunal em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, estando publicado (o acórdão nº 209/04) no Diário da República – II Série, de 12/05/2004, nº 111, pp. 7322 e ss..
[19] Está publicado no Diário da República – II Série, de 8/08/2005, nº 151, pp. 11245 e ss., e decidiu:
“[…]
A) Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 772º, nº 2 do CPC, na parte em que refere não poder ser interposto recurso de revisão se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, quando esteja em causa o caso julgado formado por uma sentença homologatória de partilha, num inventário para separação de meações, que tenha corrido à revelia do requerente da revisão e este alegue a falta ou nulidade da citação para esse inventário, nos termos do artigo 771º, nº1, alínea f), do CPC;
[…]”

[20] Trata-se este do conceito de precedente relevante, por referência às decisões com vocação de generalidade proferidas por tribunais superiores, fora do contexto dos “precedentes vinculativos” próprios dos sistemas da common law, assentes na doutrina da stare decisis [cfr. Richard Bronaugh, “Persuasive Precedent”, in Precedent in Law, Laurence Goldstein (ed.), Oxford, 1991, pp. 217/247; cfr. a entrada “Persuasive Precedent” na Wikipedia, disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Persuasiv_precedent].
[21] V., analisando a relevância do caso julgado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, anteriormente às duas decisões antes citadas, o estudo de Isabel Alexandre, publicado nos Estudos Em Homenagem Ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pp. 11/75.
[22] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pp. 306/307.
[23] Contrariamente ao que pretende a Agravante, na conclusão do seu recurso, este Tribunal não poderia “declarar” uma norma inconstitucional, tarefa reservada ao Tribunal Constitucional, poderia, isso sim, recusar a sua aplicação, nos termos previstos no artigo 204º da Constituição.