Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
303/04.5TBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 10/17/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DO FUNDÃO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVP
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 306º, Nº 1, 308º, Nº 3, E 315º, Nº 3, DO CPC
Sumário: I – O valor da acção de divisão de coisa comum deve ser o valor patrimonial dos bens cuja divisão se pede.

II – Nos processos em que a utilidade económica do pedido só se revela com o desenvolvimento da acção, o valor a atender será aquele que os elementos colhidos posteriormente indiquem, e nos processos em que não haja lugar a despacho saneador, o valor da causa só fica definitivamente fixado quando for proferida a sentença.

III – Numa acção de divisão de coisa comum a utilidade económica do pedido só se define integralmente no momento da aceitação das propostas de aquisição dos bens, sendo correspondente ao valor dessas propostas.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A..., residente no Cruzamento de Alcaria, Estrada de Peroviseu, Caixa 8, freguesia de Alcaria, Fundão, propõe a presente acção de divisão de coisa comum contra B... e outros, entre os quais salientaremos C... e mulher D..., residentes em 33 Rue du Comandant, Chandron, 54200 Toul, França, pedindo que fixadas as respectivas quotas, se proceda à adjudicação ou venda dos mesmos prédios, com repartição do respectivo valor, seguindo-se os demais termos previstos no art. 1052º e segs. do C.P.Civil.
Atribuiu o valor ao processo de 1.000 euros.
1-2- Citados os requeridos, os mesmos não contestaram.
1-3- Foi designado dia para uma conferência de interessados, sendo que, por não ser possível o acordo das partes para a adjudicação dos bens, foi ordenado o prosseguimento dos autos com a subsequente venda dos prédios.
1-4- Foi ordenada a avaliação dos bens, à qual se procedeu.
1-5- Foi designado dia para abertura de propostas de compra (16-1-2006), tendo, na diligência, sido decidido aceitar as propostas mais altas para cada um dos bens.
1-6- Por requerimento de 26-1-2006 ( nos autos a fls. 405 ), os requeridos C... e mulher D...vêm suscitar o incidente do valor da causa, requerendo a correcção desse valor para 10.893,74 euros.
1-7- Os mesmos requeridos, não se conformando com o despacho que aceitou as propostas em carta fechada apresentadas, dele interpõem recurso de agravo, o qual, segundo requerem, deverá ser admitido, logo que seja julgado o incidente do valor da causa deduzido, o qual deverá subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1-8- O requerente pronunciou-se pelo indeferimento do incidente da verificação do valor.
1-9- Por decisão judicial de 10-3-2006 ( nos autos de fls.438 a 440 ), foi o incidente indeferido e mantido o valor ao processo.
No mesmo despacho foi ordenado que, logo que transitasse o despacho que conheceu o incidente da verificação do valor da causa, fossem os autos conclusos para pronúncia sobre o requerimento de interposição do recurso em relação ao despacho que aceitou as propostas em carta fechada apresentadas.
1-10- Não se conformando com o despacho de verificação do valor da causa, dele recorreram os ditos requeridos ( C... e mulher D...), recurso que foi recebido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1-11- Os agravantes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Nas acções de divisão de coisa comum a falta de impugnação, no prazo para a contestação, do valor atribuído à causa na p.i. não pode ser entendida como concordância com o mesmo, já que o valor dos bens apenas é fixado na conferência de interessados, quando nesta tenha sido requerida, como é o caso vertente, a respectiva avaliação judicial.
2ª- A considerar-se ter havido acordo entre os interessados quanto ao valor da causa, o mesmo deveria ter por referência o valor resultante de tal avaliação, o qual não foi posto em causa por qualquer interessado, nem sequer pelo autor, e não pelo valor indicado por este na petição.
3ª- Tal resulta do disposto no art. 308º nº 3 do C.P.Civil.
4ª- Nas acções de divisão de coisa comum, o tribunal pode alterar o valor da causa até que todos os bens tenham sido adjudicados, sempre que tenha sido aberta fase executiva para venda judicial, de acordo com o art. 315º nº 3 do C.P.Civil.
5ª- O disposto do art. 315º nº 3 deve ser interpretado no sentido de o valor da causa se considerar definitivamente fixado apenas no momento em que se esgote o poder jurisdicional do juiz quanto à causa principal.
6ª- Nos presentes autos, o incidente de verificação do valor foi suscitado antes de tal poder se ter esgotado, já que não ocorrera ainda qualquer adjudicação.
7ª- O incidente de verificação do valor deu entrada em juízo em 26-1-2006 e 1º despacho de adjudicação está datado de 8-2-2006 e 2º proferido na mesma data em que foi rejeitado o incidente, 10-3-2006.
8ª- Não pode fundamentar-se a inadmissibilidade do incidente em facto posterior à sua formulação em juízo.
9ª- Existe flagrante discrepância entre o valor da causa indicado pelo A. na p.i. e a realidade.
10ª- Ao indeferir o incidente suscitado, o tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 305º nº 1, 311º nº 1, 315º nºs 1 e 3, todos do C.P.Civil.
11ª- A decisão recorrida viola o princípio constitucional do acesso ao direito consagrado no art. 20º da Constituição, na medida em que priva os recorrentes da possibilidade de recurso de decisão proferida numa acção cujo valor real e efectivo ultrapassa largamente a alçada do tribunal de 1ª instância.
1-12- O requerente A... e os requeridos E... e marido F... responderam às alegações dos recorrentes, sustentando o não provimento do recurso.
1-13- A Mª Juíza recorrida sustentou o seu despacho.--------------
II- Fundamentação:
2-1- A questão que se coloca no presente recurso, é a de saber se o valor do processo é o indicado na petição inicial pelo requerente (já que não foi impugnado), se será o sustentado pelos requeridos C... e mulher por ser esse o valor dos bens resultante da avaliação, ou se será o do valor real dos bens.
Com vista à decisão da questão, haverá a ponderar nas seguintes circunstâncias:
- O requerente atribuiu ao processo o valor de 1.000 euros.
- Nenhum dos requeridos, apesar de terem sido citados para contestar, impugnou o valor indicado pelo requerente na p.i..
- Na sequência de avaliação ordenada pela Mª Juíza, foi atribuído aos bens o valor de 10.893, 74 euros ( 7.422,11 + 3.471,63 - fls. 218 -).
- No dia designado dia para abertura de propostas de compra (16-1-2006), por despacho judicial, foi decidido aceitar as propostas de 46.000 euros para o prédio identificado em 1º lugar e de 7.000 euros para o outro prédio.
- O requerimento dos requeridos C... e mulher D..., em que suscitaram o incidente do valor da causa, deu entrada em juízo 26-1-2006 (fls. 405).
- O prédio identificado em 1º lugar foi adjudicado aos interessados, por decisão de 8-2-2006 (fls. 432).
- O outro prédio foi adjudicado ao interessado, por decisão de 10-3-2006 ( fls. 439). ------------------
Nos termos do art. 305º nº 1 do C.P.Civil ( diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem ) “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido ”.
Como critério geral para fixação do valor da causa, estabelece o art. 306º nº 1 que, “se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”.
Face a esta disposição é possível deduzir que o valor da acção será o da utilidade económica do pedido. Assim, o valor da presente acção de divisão de coisa comum será, a nosso ver, o valor patrimonial dos bens cuja divisão se pede.
A determinação do valor da causa é feita no momento em que a acção é proposta, como decorre do disposto no art. 308º nº 1. Sucede que esta regra tem excepções, como a determinada no nº 3 da disposição, segundo a qual “nos processos de liquidação ou noutros processos em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção, o valor inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários”. Quer dizer, nos processos em que a utilidade económica do pedido só se revela com o desenvolvimento da acção, o valor a atender será aquele que os elementos colhidos posteriormente indiquem.
É o que ocorre no caso vertente, pois a utilidade económica do pedido só se definiu, integralmente, no momento da aceitação das propostas de aquisição dos bens, sendo correspondente ao valor dessas propostas. Assim, a nosso ver, o valor do processo será de 53.000 euros, resultante da soma das propostas aceites pelo tribunal, de 46.000 e de 7.000 euros.
Por outro lado e quanto à vontade das partes na fixação do valor da causa, estabelece o art. 314º nº 1 que “no articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição…”. Acrescenta o nº 4 da disposição que “a falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor”. Isto é, o réu pode impugnar, no articulado em que deduza a sua defesa, o valor indicado pelo autor na p.i.. Porém se o não fizer, considera-se que reconhece o valor indicado pelo autor na p.i.
Se as partes tiverem acordado, expressa ou tacitamente, no valor da causa, será esse, em regra, o valor do processo ( art. 315º nº 1 ). Esta regra comporta excepções, podendo o juiz fixar outro valor se entender que o acordo das partes está em flagrante oposição com a realidade. Não usando desta prorrogativa, o valor considera-se definitivamente fixado, na quantia acordada, logo que seja proferido despacho saneador ( nº 2 do art. 315º ).
Porém, no caso a que se refere o art. 308º nº 3 (quando a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção) e nos processos em que não haja lugar a despacho saneador, o valor da causa só fica definitivamente fixado quando for proferida a sentença.
Já vimos que a presente acção deve ser incluída nas acções cuja utilidade económica do pedido só se revela com o desenvolvimento da acção, pelo que, de harmonia como o disposto no referido art. 315º nº 3, o respectivo valor só fica definitivamente assente quando for proferida a sentença. A mesma conclusão se deve retirar do facto de, a presente acção, não ter despacho saneador.
Nas acções de divisão de coisa comum, a sentença consistirá na adjudicação da coisa ao interessado conforme o acordo, ou na adjudicação do bem sorteado ou vendido ao respectivo interessado, como decorre do disposto no art. 1056º.
Nesta conformidade, as respectivas decisões foram proferidas em 8-2-2006 e em 10-3-2006. Isto é, foram emitidas já depois do incidente do valor ter sido deduzido pelos ora agravantes.
Assim sendo e tendo sido levantado a questão do valor da causa, a adjudicação do bem não deveria ter sido efectuada. Competia, em primeiro lugar, decidir o incidente e só após transitar em julgado a respectiva decisão, é que se deveria efectuar a adjudicação do bem. Isto porque, nos termos do art. 315º nº 3, com a prolação da sentença, o respectivo valor fica definitivamente assente. Não se podia, por conseguinte, fixar um valor que estava a ser objecto de controvérsia. O valor do processo era uma questão ainda em aberto. Ao proceder-se assim, cometeu-se uma nulidade (art. 201º nº 1).
De forma alguma se pode aceitar o argumento da decisão recorrida, de que não se poderá modificar o valor porque já tinha sido proferida sentença de adjudicação em relação a um dos bens, efectuando-se a adjudicação, em relação ao outro prédio, no próprio despacho de indeferimento do requerido. É que, como é bom de ver, não é possível fundamentar-se a imodificabilidade do valor da causa, com base em factos posteriores à formulação do respectivo incidente.
Assim, teremos que considerar as adjudicações efectuadas como nulas e de nenhum efeito.
Conhecendo-se do incidente do valor, nos termos das disposições indicadas, designadamente de harmonia com o disposto nos arts. 306º nº 1, 308º nº 3 e 315º nº 3, fixa-se o valor da acção em 53.000 euros.
No recurso os apelantes pretendem que se fixe à acção (apenas) o valor de 10.893,74 euros (valor dos bens resultante da avaliação). Porém, como o valor que ora se fixa é, a nosso ver, o legal (porque traduz, realmente, a utilidade económica do pedido), porque o juiz pode fixar, oficiosamente, o valor (art. 315º nº 1 e nº 3) e porque o tribunal não está sujeita à alegação das partes no que toca à interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º), o valor que permanecerá será o fixado nesta instância.
O agravo será, por conseguinte, provido.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, fixando-se à acção o valor de 53.000 euros.
Em consequência e pelos motivos aduzidos, declaram-se nulas e de nenhum efeito as adjudicações dos bens efectuadas pelo tribunal recorrido.
Após trânsito deste acórdão, a Mª Juíza recorrida deve pronunciar-se sobre o requerimento de interposição de recurso efectuado pelos ora agravantes e constante nos autos a fls. 410 ( vide acima 1-7 e 1-9, 2ª parte ).
Custas pelas partes vencidas a final.