Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1775/04.3.TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
SEGURO OBRIGATÓRIO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO
Data do Acordão: 11/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 1.º DO DL 522/85 E DO ARTIGO 2.º DO CÓDIGO DA ESTRADA; ARTIGOS 483.º, N.º 1, 487.º, N.º 2, 493.º, N.º 1 E 496. DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Não constitui acidente de viação a morte de um animal provocada pela manobra de um veículo automóvel em logradouro privado, mas tal não isenta a respectiva seguradora de responder civilmente pelo dano, se houver culpa do segurado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A....e B....instauraram a presente acção com processo comum, sob a forma sumária contra Companhia de Seguros C....pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 10.000, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Fundamentam tal pedido num acidente ocorrido entre o veículo automóvel ligeiro de matrícula 38-76-AE, propriedade de D....e conduzido por E...., cuja proprietária havia transferido para a R. a sua responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros pelo referido veículo, e uma ave, propriedade deles AA., acidente esse ocorrido por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na R. e que causou aos demandantes danos no montante peticionado.
Citada, a R. veio apresentar contestação pugna pela improcedência da acção, invocando a título excepcional que, tendo o suposto atropelamento da ave ocorrido no interior dos logradouros da casa de habitação dos AA. não cabe no âmbito de aplicação do Código da Estrada em Vigor, ex vi do seu artigo 2º, pelo que não se pode falar de acidente de viação.
Contudo, sem prescindir, que o local próprio para uma ave é, quando fora do seu habitat natural, no interior de uma gaiola, pelo que, na sua morte têm os AA. culpa in vigilando, a qual, aliás, se presume, sendo que, não se tendo o condutor da viatura apercebido da presença da ave quando pôs em marcha o seu veículo, não lhe pode ser assacada qualquer culpa no respectivo atropelamento a ter existido.
Por outro lado, o valor da ave não ascende aos valores mencionados pelos AA. sendo que os valores peticionados a título de danos morais dos próprios demandantes sempre teriam que se considerar exagerados.
Notificados da contestação, os AA. apresentaram resposta, na qual, reafirmam o alegado na petição inicial, concluindo pela improcedência das excepções deduzidas.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e elaborada a base instrutória e factos assentes, de que não houve reclamação.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova testemunhal nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto seleccionada, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 143 a 148, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.
No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 150 a 161, na qual se decidiu o seguinte:
Termos em que se julga a acção parcialmente procedente por provada, na forma demonstrada e, em consequência, se condena o R. a pagar a quantia de 1.500 a cada um dos AA. acrescida de juros moratórios legais a contar da data da presente sentença, bem como a ambos os AA. a quantia que se vier a liquidar ulteriormente como correspondente ao valor da ave morta, quantia essa nunca inferior a 2.500 e superior a 5.000, sendo que, sobre esse valor incidirão juros moratórios legais e supletivos contados da data da citação.
Do demais peticionado se absolve a R.
Custas na parte liquidada por Autores e Ré na proporção do decaimento.
Custas na parte a liquidar por Autores e Ré, na proporção de 50% para aqueles e
50% para esta.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 166), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
A) O sinistro/acidente em litígio, tendo ocorrido no interior dos logradouros da casa de habitação dos AA, nos termos conjugados do art.º 1.º do DL 522/85 e do art.º 2.º do Código da Estrada, não está coberto pela apólice de seguro contratualizada.
B) Caso assim se não entenda, a verdade é que o atropelamento mortal da catatua não se deveu a culpa efectiva ou presumida do condutor do veículo AE.
C) Deveu-se, sim, atentas as circunstâncias atrás descritas, a culpa exclusiva dos AA, a quem competia a guarda e vigilância daquela ave (culpa in vigilando).
D) Os montantes fixados, a título de danos não patrimoniais, além de indevidos, são manifestamente exagerados.
E) O julgado, por erro de julgamento e aplicação do direito, violou flagrantemente os artigos 483.º, n.º 1, 487.º, n.º 2, 493.º, n.º 1 e 496.º do Código Civil.
Termina, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que absolva a ré do pedido

Contra-alegando, os autores, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, por o facto de o acidente se ter dado no logradouro da sua casa não afastar a aplicação do seguro contratualizado com a ré; ser a culpa na produção dos danos de imputar ao condutor do veículo e a indemnização atribuída ser ajustada aos danos que sofreram.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:
A. Se o sinistro/acidente em litígio não está coberto pela apólice de seguro contratualizada, por ter ocorrido nos logradouros da casa de habitação dos AA;
B) Se o atropelamento da catatua não se ficou a dever a culpa efectiva ou presumida do condutor do AE, mas sim por culpa exclusiva dos AA, a quem competia a guarda e vigilância daquela ave e;
C) Se os montantes atribuídos a título de danos não patrimoniais, além de indevidos, são manifestamente exagerados.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:
1. No dia 17 de Outubro de 2001, cerca das 14h30m, no interior dos logradouros da casa dos autores, sito no lugar de Carvalhais-Pombal, ocorreu um sinistro entre um veículo ligeiro de passageiros, marca Nissan, de matrícula 38-76-AE e uma ave pertencente à espécie cientificamente designada de Cacatua Galerita, comummente conhecida por catatua (Sulphur Crested Cockatoo).
2. A dita ave era oriunda da Austrália, local de onde foi importada pelos AA. e está catalogada como sendo uma espécie internacionalmente protegida.
3. Para trazer a ave da Austrália para Portugal, tiveram os autores que preencher os seguintes requisitos: a) residir na Austrália há mais de quatro anos e pretender regressar definitivamente a Portugal, b) pedir autorização às autoridades australianas – Wildlife Protection Environment Australia e ao Department of Agriculture, Fisheries and Forestry – com competência para autorizar a saída da ave do país, c) cumprir regras sanitárias com intervenção de veterinário, para ser emitido certificado de saúde da ave referida.
4. Além disso, foi exigida licença para exportação da ave, licença da companhia aérea para efectuar o transporte da mesma e o certificado de importação de espécies selvagens da fauna e flora ameaçados de extinção.
5. Os autores tiveram de obter uma declaração dizendo que a ave não se destinava à comercialização.
6. Em Portugal, a ave foi sujeita a nova intervenção veterinária e do Instituto de Conservação da Natureza.
7. Os autores pagaram todas as despesas administrativas (licenças, certificados e autorizações) e as de transporte aéreo.
8. A ave foi adquirida em Abril de 1994, apenas com alguns meses de vida.
9. A longevidade típica daquele tipo de aves é de 100 anos.
10. Os autores viveram na Austrália entre 1984 e 2000.
11. Os autores consideravam a ave referida como um elemento da sua família.
12. A mesma imitava a fala humana e os outros animais, reproduzia de forma clara as conversas das pessoas, pregava partidas aos autores e familiares e executava pequenos truques.
13. Quem passasse junto ao quintal dos autores era avisado da presença, e chamado à atenção pela beleza, elegância e exotismo da ave, encetando ela “conversação” com o transeunte.
14. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., o veículo aí referido em era conduzido por E.... e propriedade de Maria Otília Lopes Rodrigues Mendes, seguindo ordens e instruções emanadas da proprietária do mesmo, com a sua autorização e cumprindo o trajecto do conhecimento desta.
15. O condutor do referido veículo, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., decidiu abandonar aquele local tendo, para tanto, accionado o funcionamento do motor e colocado o veículo em movimento.
16. Ao efectuar a manobra referida, o veículo AE colheu a ave referida supra, passando-lhe com uma das rodas por cima, do que resultou a sua morte.
17. O condutor do veículo AE sabia da existência da referida ave e que a mesma se encontrava solta pelo quintal dos autores.
18. Aliás, momentos antes de ter abandonado o local, a A. mulher pediu-lhe para prestar atenção à possibilidade de a ave se encontrar junto ao veículo, contudo, apesar de avisado, não cuidou o dito condutor de averiguar se a ave estaria junto à viatura.
19. Uma ave da espécie da referida atinge no mercado português quantia exacta que não foi possível apurar, mas nunca inferior a 2.500.
20. Para além do preço que pagaram pela ave, os AA. tiveram ainda que pagar um bilhete de avião específico para o transporte da referida ave.
21. A mesma foi criada à mão e domesticada pelos autores, o que aumenta o seu valor de mercado.
22. Os autores e as filhas choraram pela perda da referida ave, que lhes causou muito desgosto.
23. Ainda hoje, sempre que o assunto é tratado, não conseguem conter as lágrimas.
24. A área que envolve a casa dos autores não está vedada, havendo aí um canídeo.
25. O alojamento da referida ave era no interior de uma gaiola, cuja porta, no dia dos factos que se vêm de referir, não se encontrava fechada.
26. No dia mencionado em A), a porta da gaiola, onde a ave referida em B) normalmente se encontrava, não ficou bem fechada, o que levou a que a ave saísse para o exterior e área envolvente da casa dos autores.
27. Na altura de abandonar o local supra mencionado, o condutor do AE não viu a ave à solta.
28. E não se apercebeu de a ter atropelado quando efectuou a manobra de marcha - atrás.
29. Após o atropelamento a ave ainda se mexeu durante algum tempo.
30. À referida ave não foi atribuído valor aduaneiro

A. Se o sinistro/acidente em litígio não está coberto pela apólice de seguro contratualizada, por ter ocorrido nos logradouros da casa de habitação dos AA.
Defende a recorrente que assim tem de ser por o Código da Estrada apenas ter aplicação quando os acidentes ocorrem nas vias de domínio público e nas vias do domínio privado quando abertas ao trânsito público e uma vez que o contrato de seguro que legitimou fosse demandada como ré nos presentes autos se enquadra no seguro obrigatório de responsabilidade civil, tendo o sinistro ocorrido no logradouro da casa de habitação dos AA, não cobre a situação sub judice.

Carece a recorrente de razão, em tal alegação, por duas razões.
A primeira, de carácter formal, porque esta questão só agora foi suscitada e, como é por demais consabido, os recursos não se destinam a apreciar questões novas, mas apenas constituem remédios jurídicos para concretas questões, de facto ou de direito, já arguidas em fase anterior, e que se crê, mal decididas.
Ora, a ré, nos artigos 1.º e 2.º da sua contestação, apenas havia alegado que em virtude de o atropelamento da catatua, ter ocorrido no logradouro da casa de habitação dos autores, não têm aplicação as regras do Código da Estrada, por força do que se acha disposto no seu artigo 2.º, pelo que o sinistro dos autos não se poderia considerar como “acidente de viação”, mas, nem em tal articulado, nem posteriormente, veio arguir a questão da validade e/ou eficácia do contrato de seguro.
Pelo que, pelas razões já referidas, agora, também o não pode fazer, sendo de considerar definitivamente decidida a questão da validade e/ou eficácia do contrato de seguro, por via do qual responde nos autos, no sentido afirmativo.
Em segundo lugar, porque, não obstante no artigo 2.º do Código da Estrada se referir que o ali disposto é apenas aplicável ao trânsito nas vias de domínio público do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais e nas de domínio privado, quando abertas ao trânsito público, dali apenas se pode concluir que as normas do referido Código apenas têm campo de aplicação quando regulam situações ocorridas em tais vias mas, de forma alguma, afasta a aplicação das regras do Código Civil, designadamente as que regem a responsabilidade civil extracontratual, dado que, não obstante o sinistro ter ocorrido naquele logradouro, nem por isso deixa de ser provocado pelo veículo seguro – neste sentido, os Acórdãos do STJ, de 20/11/2002, Processo 03A1305, disponível in http://www.dgsi.pt/jst e de 13/03/2008, in CJ, STJ, ano XVI, tomo 1, pág. 175 e seg.s.
No mesmo sentido, A.Varela, in das Obrigações em Geral, vol. I, 9.ª edição, pág. 191 e P. de Lima e A. Varela, in Código Civil, Anotado, vol. I, 3.ª edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 487, que ali referem
“A responsabilidade objectiva cobre os danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.
Dentro desta fórmula legal cabem não só os danos provenientes dos acidentes provocados pelo veículo em circulação (…), como pelo veículo estacionado (…), sendo irrelevante, por outro lado, que o acidente ocorra nas vias públicas ou fora delas”.
Ou seja, o critério de aplicação das normas do Código Civil que regulam a responsabilidade civil extracontratual (designadamente os seus artigos 483.º a 503.º) é o facto de o acidente ter sido provocado com a intervenção do veículo.
Assim, não obstante não terem aplicação as regras do Código da Estrada, nem por isso, deixa a situação em apreço de ser regulada pelas normas atinentes do Código Civil, desde que verificados os respectivos pressupostos (do que trataremos a seguir), do que resulta ser a ré responsável, em tese geral, pelos pagamentos peticionados, por via do contrato de seguro titulado pela apólice de fl.s 69 e seg.s.
Consequentemente, com base nesta questão, tem o presente recurso de improceder.

B. Se o atropelamento da catatua não se ficou a dever a culpa efectiva ou presumida do condutor do AE, mas sim por culpa exclusiva dos AA, a quem competia a guarda e vigilância daquela ave.
Quanto a tal, alega a recorrente que o condutor do veículo se limitou a efectuar a manobra de marcha-atrás, sem que se tivesse apercebido de que a ave estivesse à solta, vindo a colhê-la, sem que se lhe possa imputar qualquer parcela de culpa no sucedido, por não se lhe poder exigir que previsse que a ave estava nas proximidades.
Ao invés, aos autores é que incumbia tomar todas as medidas para evitar que a ave fosse colhida, já que estava à solta.
Na sentença recorrida considerou-se que a culpa na produção do sinistro era de imputar, na totalidade, ao condutor do veículo, por este não ter tomado as cautelas exigíveis para não colher a ave, tanto mais que, momentos antes, tinha sido avisado pela dona da ave acerca da possibilidade de a ave ali se encontrar, em face do que, concluiu, elidiram os autores a culpa in vigilando, uma vez que avisaram o referido condutor nos termos plasmados nos itens 17 e 18 dos factos provados.

Nos termos do disposto no artigo 493.º, n.º 1, CC, quem estiver encarregado da guarda de um animal, responde pelos danos que tal animal causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Contrariamente ao estabelecido no artigo 502.º CC, a responsabilidade civil causada por animais prevista no artigo 493.º CC, radica na culpa – enquanto inobservância dos deveres de guarda do animal, nele se estabelecendo uma presunção de culpa de quem sendo proprietário ou não, estava encarregue da vigilância do animal – culpa esta a aferir em conformidade com o critério estabelecido no n.º 2 do artigo 487.º CC, ou seja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Daqui decorre que, desde que o lesado alegue e prove que os danos foram causados pela não observância do dever de guarda dos animais, a lei presume, a partir desse facto (base da presunção), que o sinistro foi devido a culpa do agente – cf. A. Varela, in RLJ, 122 – 217.
Trata-se daqueles casos em que a omissão é relevante para efeitos da obrigação de indemnizar dado que, por força da lei, existe o dever de praticar o acto omitido (a boa guarda dos animais), a qual, a existir, em circunstâncias normais, teria eliminado ou minorado o dano – vide Vaz Serra, BMJ 84 a pág. 108.
Posto isto, não nos parece que do simples facto de a autora, momentos antes de o condutor do veículo ter abandonado o local, o ter avisado para prestar atenção à possibilidade de a ave se encontrar junto ao veículo, o que este não fez, não obstante saber da existência da ave e que a mesma por ali andava à solta, se possa concluir que os autores tenham elidido a presunção de culpa que sobre eles recai, por força do mencionado artigo 493.º CC.
Efectivamente, dada a natureza do animal em causa, como todos os outros, movido por impulsos irracionais (pelo menos, pelos humanos, assim são considerados), não seria possível prever qual a posição em que tal ave se encontraria e por quanto tempo aí permaneceria, pelo que tal aviso era insuficiente para prevenir a hipótese de a mesma vir, como veio, a ser colhida pelo veículo.
Se ao condutor deste se impunha, também, que se rodeasse de todas as cautelas a fim de evitar, no decurso da aludida manobra de marcha-atrás, o aparecimento de quaisquer danos, de igual forma, aos donos do animal, se impunha que se certificassem, antes de o veículo começar a sua marcha, do exacto local onde se encontrava a dita ave e no caso de a mesma se encontrar junto do veículo, se lhes impunha que dali a retirassem para local seguro, pois bem sabiam que a mesma estava à solta, nas proximidades e existia o risco de vir a ser colhida pelo veículo em questão.
E nem se diga, como o fazem os autores, que tal dever de vigilância apenas ocorre se a ave se encontrasse na via pública, dado que tal dever constitui uma obrigação de quem tem o animal à sua guarda, seja qual for o local onde o mesmo se encontre.
A razão para o estabelecimento de tal especial dever radica na imprevisibilidade de comportamento dos animais, desiderato que se verifica, independentemente do local onde o mesmo se encontra.
Assim, nos termos expostos, verificada a base da presunção prevista no artigo 493.º CC – incorrecta observância do dever de guarda da ave – tem de se considerar que o atropelamento da catatua ocorreu devido a culpa dos autores.

Mas não só destes, pois que também o condutor do veículo em questão contribuiu para a ocorrência do sinistro, dado que, não obstante saber que a ave por ali andava à solta e não a ter visto quando abandonou o local e se dirigiu para o veículo, o facto é que iniciou a manobra de marcha-atrás sem se certificar do exacto local onde a mesma se encontrava, vindo a passar-lhe com uma das rodas por cima.
Violou, assim, culposamente, a título de negligência, o direito de propriedade dos autores sobre a referida ave, com o que lhe causou danos, verificando-se, assim, todos os pressupostos para que possa ser responsabilizado por factos ilícitos – cf. artigos 483 e seg.s do CC.

Estamos, pois, perante a ocorrência de um facto que é consequência da omissão do dever de guarda da ave por parte dos autores e, ao mesmo tempo, da conduta culposa do condutor do veículo, podendo dizer-se que o evento danoso – o atropelamento da ave – decorre e é atribuível à actuação quer daqueles quer deste.
Concretizando o grau de responsabilidade de cada um deles na produção de tal evento danoso, cremos que o mesmo se deve fixar em partes iguais.
Cada um deles não curou de averiguar o exacto local onde se encontrava a referida ave, antes de o veículo iniciar a sua marcha, daí resultando o atropelamento da mesma, que, necessariamente, se encontrava na trajectória tomada pelo veículo.
Assim, fixa-se o grau de culpa de autores e condutor do veículo seguro na ré, na proporção de metade para cada um deles.

Consequentemente, com base nesta questão, merece o presente recurso parcial provimento.

C. Se os montantes atribuídos a título de danos não patrimoniais, além de indevidos, são manifestamente exagerados.
Os autores peticionaram, a este título, a quantia global de 5.000,00 €, 2.500,00 €, para cada um.
Como decorre da sentença recorrida, fixou-se a estes a quantia de 1.500,00 €, para cada um.
Considera a ré, ora recorrente, que tais quantias não são devidas, com o fundamento em que os danos sofridos pelos autores com a morte da catatua não merecem a tutela do direito, reportando-se o artigo 496.º CC, apenas aos humanos, para além de que são exageradas.

Nos termos do disposto no artigo 496, n.º 1, do Código Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Como se colhe do Acórdão do STJ, de 26/6/91, in BMJ 408 – 538, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, sem ater a personalidades de sensibilidade exacerbada e a apreciar em função da tutela do direito.
Cumpre referir que os danos morais reclamados pelos autores são, os que eles próprios, sofreram com a perda da catatua, pelo que são enquadráveis no n.º 1 do artigo 496.º CC.
Cotejando os factos apurados, verifica-se que os autores ficaram desgostosos pela perda da referida ave, desgosto que ainda hoje se mantém, tal como consta dos itens 22 e 23 dos factos provados, consideravam-na como elemento da família (item 11) e a referida ave tinha características especiais (itens 12 e 13) e tinha sido criada à mão e domesticada pelos autores (item 21).
Tendo em linha de conta os critérios legais aplicáveis e atento a que é normal que as pessoas se “afeiçoem” aos animais de companhia, bem como que não se trata de critérios rígidos nem de quantias pré-determinadas nem fixas, somos de opinião que as atribuídas a este título não se mostram desajustadas, pelo que se mantêm.
No entanto, dado que se considerou que os autores contribuíram, na proporção de metade, para a produção do evento danoso, nos termos do artigo 570.º, n.º 1, CC, é tal indemnização reduzida em igual proporção, pelo que passa a ser devida apenas a quantia de 750,00 €, para cada um deles.
Pelo que, não obstante tal redução, que decorre da questão anterior, mantém-se a obrigação da ré em indemnizar os autores a título de danos não patrimoniais, improcedendo esta questão do recurso.

Nestes termos se decide:
Julgar parcialmente procedente a apelação deduzida, alterando-se a sentença recorrida, na parte em que fixou a indemnização devida aos autores, relativa aos danos não patrimoniais, que se reduz para o montante de 750,00 € (setecentos e cinquenta euros), para cada um deles e mantendo-se a mesma quanto ao mais aí decidido.
Custas, na parte liquidada, pela apelante e pelos apelados, na proporção dos respectivos decaimentos, em ambas as instâncias.
Mantendo-se a condenação proferida no que concerne à parte a liquidar.
Coimbra, 18 de Novembro de 2008.