Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
350/05.0GASPS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
LUCROS CESSANTES
CÁLCULO DE INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA COMARCA DE S. PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: : ARTIGOS 496.º, 566.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. – No cálculo de indemnização por lucros cessantes, considerando a necessidade de ter em conta a situação hipotética em que o lesado se encontraria se não houvesse sofrido a lesão, haverá que recorrer a critérios de equidade se, segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade e de acordo com o que, no caso concreto, poderia vir a acontecer, não se poder vir a apurar o exacto valor da indemnização a atribuir.
II. - Nesse julgamento de equidade não podem deixar de entrar circunstâncias, tais como a expectativa de duração de vida da vítima, a sua expectativa de progressão na carreira profissional (se for caso disso) e a flutuação do valor da moeda.
Decisão Texto Integral: O Digno Magistrado do Ministério Público acusou o arguido  
, solteiro, pedreiro, nascido a 9.1.79, filho de … e de …, natural da freguesia de C…, S. Pedro do Sul, onde reside no Lugar de A…,
imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso real, dos seguintes ilícitos:
- um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º, nºs 1 e 2, por referência ao artº 15º, al. b), ambos do CP;
- uma contra-ordenação p. e p. pelo artº 13º, nºs 1 e 3 do CE;
- uma contra-ordenação p. e p. pelos artºs 27º, nºs 1 e 2, al. a)-3º e 146º, al. i), ambos do CE;
- um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º, nº 2 do DL 2/98 de 3.1.

Os demandantes, …, …, … e …, respectivamente viúva, filhos e mãe do falecido …, deduziram pedido indemnizatório contra o arguido, contra …, alegada proprietária do veículo conduzido pelo arguido, e contra o Fundo de Garantia Automóvel (doravante FGA). Pedem a condenação destes no ressarcimento de danos patrimoniais, e bem assim a compensação de danos de carácter não patrimonial, ambos alegadamente sobrevindos ao ofendido/falecido, e aos próprios demandantes pessoalmente.

O demandado FGA deduziu contestação ao pedido indemnizatório – cfr. fls. 409 a 413 .   
Efectuado o julgamento foi proferida a sentença de fls.711 na qual se decidiu

 condenar  o arguido por ….

- um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º, nº 1 do CP, na pena de 20 meses de prisão;

- um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º, nº 2 do DL 2/98 de 3.1, na pena de 4 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico na pena conjunta de 22 meses de prisão.

Ao abrigo do disposto no artº 50º, nº 1 do CP, foi-lhe suspensa a execução da pena pelo período de 3 anos.

- uma contra-ordenação p. e p. pelo artº 13º, nºs 1 e 3 do CE, na coima de 180 euros;

- uma contra-ordenação p. e p. pelo artº 27º, nºs 1 e 2, al. a)-1º do CE, na coima de 150 euros.

absolver a demandada … da totalidade do pedido civil contra si deduzido.

condenar o demandado … e, em solidariedade com este, o Fundo de Garantia Automóvel (FGA), a pagarem a quantia global de 167.712 euros (sendo no caso do FGA, por força da franquia de 299,28 a cargo do arguido, somente no valor limite de 167.412,72 euros), repartidos do seguinte modo:

1 – aos demandantes …, …, … e …, a quantia de 30.000 euros, a título de compensação pelo dano da perda da vida do falecido marido/pai;

2 – à demandante … a quantia 17.500 euros a título de compensação dos danos não patrimoniais por si sofridos;

3 - à demandante … a quantia 10.000 euros a título de compensação dos danos não patrimoniais por si sofridos;

4 - ao demandante … a quantia 10.000 euros a título de compensação dos danos não patrimoniais por si sofridos;

5 - ao demandante … a quantia 12.500 euros a título de compensação dos danos não patrimoniais por si sofridos;

6 – à demandante … a quantia de 87.712 euros (86.400 euros + 1.312 euros), a título de indemnização por danos patrimoniais (prejuízos emergentes e lucros cessantes).

condenar o demandado … e, em solidariedade com este, o FGA, a pagarem juros sobre os montantes referidos em d), contados desde o trânsito em julgado da presente sentença, e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal então em vigor, e que presentemente é de 4%.

   absolver os demandados … e FGA do remanescente do pedido contra si formulado, isto é, da importância de 303.300,72 euros

Inconformado, recorreu o Fundo de Garantia Automóvel, concluindo a sua motivação do seguinte modo:

1. O acidente em discussão nos presentes autos ocorreu quando o arguido circulava com o seu veículo, em parte, pela metade esquerda da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário.

2. O arguido circularia, sensivelmente, pelo meio da estrada altura em que colheu o peão que, por sua vez, caminhava também ele por meio da estrada.

3. A conduta do peão, ao caminhar pelo meio da estrada foi, igualmente, motivadora da eclosão do acidente.

4. O peão contribuiu com culpa para a produção do acidente.

5. Tendo em conta a medida da contribuição de cada um dos intervenientes na produção do acidente, deverá a responsabilidade ser repartida entre ambos na proporção de 75% para o arguido e 25% para a vítima.

6. A douta sentença ao considerar a culpa única e exclusiva do arguido na produção do acidente violou, assim o disposto nos artigos 483º e 487º do Código Civil.

7. Dos factos provados resulta unicamente que a vítima tinha 54 anos à data do acidente, era saudável, trabalhador e tinha alegria em viver.

8. Apenas a viúva e o filho … integravam o agregado familiar do malogrado Sérgio.

9. Os autos não fornecem quaisquer outros elementos que permitam ao tribunal um juízo que vá além do de normalidade na fixação dos montantes indemnizatórios.

10. Os factos considerados pelo tribunal a quo não foram objecto de um adequado juízo de equidade e não são, na opinião do recorrente, suficientes para atribuir os valores que foram fixados.

11. Entende o recorrente que a indemnização fixada a título de dano patrimonial pela perda do direito à vida não deveria ir além dos 30.000 €.

12. Ademais não está devidamente provado qual o impacto que as lesões decorrentes do acidente em discussão provocaram na vida de cada um dos demandantes, daí que se refira que o tribunal a quo não poderia ir além dum juízo de normalidade.

13. Deverão assim os valores das indemnizações arbitradas ser reduzidos, não ultrapassando os 10.000€ para a demandante …(viúva), 7.500.00 € para o demandante … e 5.000,00 para cada um da demandante … e …, a título de danos patrimoniais.

14. Provado que está a idade da vítima (54 anos) à data do acidente, que auferia uma remuneração mensal, como trabalhador por conta própria, de 800.00 €, e que veio a falecer na sequência do acidente, deixando, por isso de contribuir para o agregado familiar é inquestionável o direito à indemnização a título de lucros cessantes.

15. Contudo os factos considerados pelo tribunal a quo não foram objecto de um adequado juízo de equidade.

16. Entende o recorrente que a indemnização fixada a título de dano patrimonial pela perda do rendimento pela contribuição da vítima para o agregado à demandante … não deveria ir além dos 45.000.00€.

17. Ficou demonstrado nos autos que a Companhia de Seguros Império Bonança SA efectuou o pagamento de um capital de remição de 22.485,83 € e um subsídio de funeral de 2.997,60 à demandante ….

18. Tal informação foi prestada na sequência  do pedido formulado pelo tribunal à referida seguradora, não tendo, depois, considerado o seu teor.

19. O capital de remição pago pela dita seguradora, no âmbito do seguro de acidentes de trabalho, tem o mesmo objectivo final que o montante indemnizatório atribuído pelo tribunal a quo a título de indemnização por lucros cessantes fixada no ponto 6. da alínea e) da parte decisória  da sentença.

20. O tal montante sempre haveria que deduzir o capital de remição já pago pela seguradora no âmbito dos pagamentos efectuados pela cobertura de acidentes de trabalho.

21. As despesas de funeral referidas no ponto 34 dos factos provados da sentença devem ser considerados integralmente cobertas pelo subsídio pago a esse título pela seguradora de acidentes de trabalho.

22. A não se considerar o pagamento efectuado pela dita seguradora, haverá uma inquestionável duplicado, estando ainda o demandado Fundo de garantia Automóvel obrigado, eventualmente, a proceder ao reembolso de tais montantes à seguradora.

23. Finalmente, concluindo-se que a vítima contribuiu com culpa na produção do acidente, os montantes indemnizatórios a fixar deverão ser reduzidos na medida da contribuição dessa mesma culpa.

24. A douta sentença violou, por isso, o disposto no artº 483º e artº 566º, nº 2 e 3 ambos do Código Civil.

O Mº Pº na comarca respondeu pugnando pela improcedência do recurso na parte em que contrarie os factos constantes da acusação pública.

Nesta Relação o Exmo. Procurador – Geral Adjunto posto que o recurso se restringe ás matéria de natureza civil não emitiu parecer.

Parecer que notificado não mereceu resposta.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir:

O recurso está limitado à matéria de direito nos termos dos artºs 364º e 428º do CPP.

O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação, bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As questões a resolver são as seguintes:

A. Culpa da vítima na produção do acidente.

B. Indemnização – Direito à vida

C. Indemnização – Danos não patrimoniais próprios dos requerentes

D. Indemnização – Lucros cessantes

Factos dados como provados:

1 – No dia 17.9.05, pelas 20.15 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula XX-XX-AL, pela estrada nacional (EN) nº 227, ao seu Km 62,8, estrada essa que liga S. Pedro do Sul a Santa Cruz da Trapa, neste sentido de S. Pedro do Sul para Santa Cruz da Trapa, a uma velocidade não concretamente determinada, mas superior a 50 Kms/hora.

2 – O arguido conduzia tal veículo sem possuir carta de condução ou qualquer outro documento legal que o habilitasse a conduzir veículos automóveis.

3 – Nessa mesma altura … circulava a pé, pela hemi-faixa de rodagem esquerda daquela estrada, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido, a uma distância não concretamente apurada da berma que ladeia aquela hemi-faixa de rodagem, pois dirigia-se para o veículo automóvel de sua pertença que se encontrava estacionado naquela berma, a alguns metros de distância.

4 – Entre os Kms 62,92 e 62,52 essa via forma uma recta, com duas vias de trânsito, sendo uma afecta ao trânsito de veículos no sentido Santa Cruz da Trapa – S. Pedro do Sul, e a outra afecta ao trânsito em sentido inverso, separadas por uma linha longitudinal descontínua, recta essa em patamar, com boa visibilidade em ambos os sentidos, com iluminação pública, tendo a faixa de rodagem uma largura de 5,45 mts, sendo de 50 Kms/hora a velocidade máxima permitida nesse local.

5 – Na altura o piso encontrava-se seco, limpo, em bom estado de conservação e fazia bom tempo.

6 – Ao Km 62,75 daquela estrada o arguido circulava em invasão da hemi-faixa de rodagem esquerda daquela via, atento o sentido de marcha do veículo por si conduzido, pois que parte daquele veículo ocupava a referida hemi-faixa esquerda.

7 – Devido ao facto de o veículo conduzido pelo arguido circular, pelo menos em parte, pela hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido S. Pedro do Sul – Santa Cruz da Trapa, e devido à velocidade com que tal veículo circulava, e que o impediu, por isso, de ver aquele … que naquela altura circulava a pé por aquela hemi-faixa de rodagem esquerda, o arguido veio a embater, nesta mesma hemi-faixa esquerda, atento o sentido S. Pedro do Sul – Santa Cruz da Trapa, ao Km 62,6 daquela EN 227, com as partes frontal e lateral esquerdas do veículo por si conduzido no corpo daquele Sérgio Bispo.

8 – Como consequência directa e necessária do descrito embate foi aquele … projectado para o pavimento daquela via, e posteriormente para a berma que ladeia a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido, tendo-se imobilizado nessa berma a uma distância de 17,80 metros do local do supra mencionado embate.

9 – Ainda como consequência directa, necessária e imediata dos ditos embates sofreu aquele … as lesões cranio-meningo-encefálicas, torácicas, abdominais e dos membros superior e inferior esquerdo, descritas todas elas no relatório pericial de fls. 214 a 219 dos autos, que aqui se dá, por economia, integralmente reproduzido, lesões essas que, por sua vez, foram causa directa, necessária e adequada da sua morte, que ocorreu naquele dia 17.9.05.

10 – O arguido sabia que o veículo por si conduzido não poderia circular pela hemi-faixa de rodagem esquerda, afecta ao trânsito de veículos no sentido Santa Cruz da Trapa – S. Pedro do Sul, assim como sabia que não poderia circular naquele local a uma velocidade superior a 50 Kms/hora.

11 - Sabia igualmente que no exercício da condução se deveria manter atento aos obstáculos existentes na via e aos peões que nela circulassem, não tendo porém representado a possibilidade de com a sua conduta vir a provocar as supra mencionadas lesões no corpo daquele ….

12 – Conhecia ainda a natureza e as características do veículo e do local onde conduzia, sabendo também que não estava legalmente habilitado a conduzir aquele veículo.

13 – Não obstante quis conduzi-lo nas referidas circunstâncias, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei.

14 – É titular, desde 17.7.06, de carta de condução que o habilita a conduzir veículos das categorias B e B1.

15 – Exerce a sua actividade de pedreiro para o empresário …, sito em Carvalhais, no que aufere o vencimento mensal de 500 euros.

16 – Reside com os pais em casa destes.

17 – Tem um filho com 7 anos de idade.

18 – Tem como habilitações a 4ª classe.

19 - Possui antecedentes criminais pois que:

- por sentença proferida em 14.3.05, e por factos praticados em 13.3.05, foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa;

- por sentença proferida em 12.6.06, e por factos praticados em 14.10.05, foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de 2 anos.

Mais se provaram, com interesse sobretudo para o deduzido pedido indemnizatório, os seguintes factos:

20 – O referido … faleceu no estado de casado com a demandante ….

21 – Aquele … faleceu sem deixar testamento ou outra disposição de última vontade.

22 – Teve aquele 4 filhos: …, …, … e ….

23 – O falecido … era filho de ….

24 – O decesso do … causou nos demandantes dor e desgosto.

25 – A demandante … ‘perdeu’ parte da alegria de viver.

26 – O falecido tinha um bom relacionamento com os filhos demandantes.

27 – Faleceu o … com 54 anos de idade.

28 – Era uma pessoa saudável, trabalhadora e com alegria pela vida.

29 – Exercia, por conta própria, a actividade de construção civil.

30 – Pelo exercício de tal actividade auferia um rendimento mensal médio de 800 euros.

31 – Cultivava ainda alguns terrenos, com o auxílio da esposa, dos quais colhia alguns dos produtos agrícolas para consumo do seu agregado familiar, produtos esses cujo valor comercial não foi possível apurar.

32 – Tal agregado era composto por si, pelos demandantes … e …, e pela sua sogra.

33 – A demandante … não auferia quaisquer rendimentos ou remunerações.

34 – A demandante … despendeu, no funeral do …, a quantia de 1.312 euros.

35 – À data do acidente o veículo conduzido pelo arguido não era beneficiário de qualquer seguro de responsabilidade civil emergente da circulação do mesmo.

Não se provaram outros factos para além ou em contradição com os anteriores, e nomeadamente:

- que durante toda a vida de casados tenha reinado a harmonia e respeito recíprocos entre o falecido … e a demandante ….

-Que o agregado do falecido … fosse ainda composto pelo demandante …, esposa deste e pela demandante ….

-Que o falecido se dedicasse à criação de gado bovino.

- Que fizesse criação de aves através da exploração de um aviário.

-Que para além do rendimento referenciado supra em 30, e do valor dos produtos cultivados e colhidos, conforme referido em 31 da factualidade apurada, o falecido auferisse um rendimento mensal médio de 625 euros.

-Que o falecido gastasse consigo, e com as suas necessidades, menos de um terço do rendimento auferido pelo exercício da actividade da construção civil.

-Que a mãe e sogra do …, e o demandante …, não auferissem quaisquer rendimentos ou remunerações.

-Que o agregado do …, após o respectivo falecimento, tenha passado por fortes dificuldades para acorrer às despesas domésticas correntes.

-Que o veículo automóvel conduzido pelo arguido/demandado fosse pertença da demandada ….

Fundou-se a convicção do tribunal, para efeitos da contextualização temporal e espacial do acidente, da caracterização da via de trânsito e do veículo conduzido pelo arguido, bem como quanto ao falecimento do peão, mormente as respectivas causas, nos vários elementos objectivos constantes dos autos, designadamente a participação e ‘croquis’ de fls. 4 e 5, o documento (livrete) de fl. 23, a informação documentada de fl. 153, os autos de conhecimento, exame ao local e exame ao veículo conduzido pelo arguido de fls. 128 a 134, o certificado de óbito de fl. 91, bem como o relatório da autópsia de fls. 213 a 220.

No que especificamente concerne à não titularidade, à data do acidente, pelo arguido, de título de condução que o habilitasse a conduzir o veículo automóvel interveniente naquele, fundou-se o tribunal na confissão do arguido, corroborada pelo teor da informação documentada de fl. 50. Outrossim nas suas declarações, confirmadas pelo teor do documento de fl. 378, quanto à presente situação de titular de carta de condução.

No que tange à dinâmica do acidente, desde logo relevaram as declarações do arguido, o qual confirmou que circulava a mais de 50 Kms/hora, em aceleração, mais referindo que a caixa de velocidades tinha engrenada a 3ª velocidade, uma “terceira alta”, conforme referiu. De resto, se bem que os dados recolhidos e produzidos em audiência não permitam apontar uma específica velocidade, ou de todo o modo um balizamento de velocidades minimamente objectivável, resulta extraível da violência do embate, em conjugação com as regras da normalidade, que a velocidade que o arguido imprimia ao veículo por si conduzido era substancialmente superior a 50 Kms/hora. De facto, ainda que se pudesse ver no falecido (e tal não ficou demonstrado), um homem robusto, no sentido de pesado, certamente não seria um embate a uma velocidade de cinquenta ou cinquenta e poucos quilómetros hora que conduziria ao decepar do membro inferior do falecido, ou ao grau de deformação da carroçaria daquele veículo, como se evidencia dos documentos fotográficos de fls. 190 a 194. E tal excesso resulta ainda da circunstância de o arguido, conforme ainda referiu, não se ter apercebido que embateu com uma pessoa, pese embora circular com as luzes na posição de médios, ou seja, com a possibilidade de visualizar quem - ou o que se lhe apresentasse – até cerca de 30 metros à sua frente.

No que tange à referida dinâmica do acidente, da perspectiva da prova testemunhal produzida, e pese embora o ‘anormal’ número de pessoas presentes no local, presenciais do acidente ou das circunstâncias contemporâneas do mesmo, os seus depoimentos, cada um de per si e no seu conjunto, suscitaram-nos fortes reservas, seja quanto à bondade dos mesmos, seja quanto à fiabilidade da descrição do sinistro. Desde logo considerando as reconhecíveis dificuldades de captação de pormenores relacionados com realidades que não se prolongam no tempo mas, as mais das vezes, e em particular em situações de acidente rodoviário, que se desenrolam e têm o seu ‘epílogo’ em fracções de segundo, para além de também ser um dado da experiência a conhecida ‘facilidade’ com que os mecanismos psicológicos tendem a ‘reconstruir’ essas mesmas realidades, mormente ‘preenchendo’ as lacunas da observação ou captação. Daí que, não raro, a testemunha mais do que narrar ‘o que foi’, narre o que ‘pensa ter sido’. Por isso que, na medida em que extravase a narração do contexto ou quadro geral do acidente, seja de colocar reservas, ou fortes reservas, quanto à capacidade de pormenorização que muitas das vezes se exige – e exigiu in casu - das testemunhas em audiência. A acrescer a tais reservas, que em abstracto sempre se colocariam, e que no concreto não logramos ultrapassar, posto não se ter vislumbrado que qualquer das testemunhas tivesse a capacidade ou discernimento de transportar um retrato fidedigno dos necessários pormenores, duas outras circunstâncias vieram colocar em crise – ou dúvida – a bondade dos depoimentos.

Assim, em primeiro lugar, a compreensível – mas indesejada – ‘colagem’ dos depoimentos às teses das respectivas ‘partes’. Veja-se, por exemplo, o depoimento da testemunha …, que referiu seguir no interior do veículo conduzido pelo arguido, aquando do acidente. De facto, abonou aquela testemunha que, “no máximo”, o veículo conduzido pelo arguido circulava por sobre a linha delimitadora das duas hemi-faixas de rodagem, ou seja, não reconhecendo a evidência que os rastos de travagem, descritos no ‘croquis’ de fl. 5, descrevem, isto é, que o veículo conduzido pelo arguido entrou bem adentro da hemi-faixa esquerda, atento o sentido por si prosseguido, e mais até do que evidenciam tais rastos, pois que, como a sua configuração permite concluir, e as medições corroboram, o veículo tendia a obliquar para o lado direito, ou seja, provinha de uma zona mais afastada da linha divisória de faixas de rodagem.

Por outro lado atente-se na falta de objectividade demonstrada pelas testemunhas presentes no local, ainda quando ‘em cima’ do acontecimento, e revelada aquela desde logo no teor do dito ‘croquis’. Efectivamente o local do acidente ou embate foi por aquelas apontado como ‘em cima’ da linha delimitadora da hemi-faixa de rodagem relativamente à berma, conforme consta de tal ‘croquis’, cuja elaboração foi confirmada pela testemunha …, agente da GNR, o qual mais reiterou que o local provável do embate foi nele aposto por indicação das testemunhas. E tal desde logo era insusceptível de assim ser: conforme referiu o declarante …, que se encontrava no primeiro veículo estacionado do lado esquerdo, atento o sentido seguido pelo veículo do arguido, daquele dito lado encontravam-se estacionados 5 veículos, isto é, 4 veículos ligeiros (incluindo o seu) e um tractor, sendo que somente o último (por todos referenciado como sendo o Opel visível na fotografia de fl. 200) é que se encontrava fora da faixa de rodagem, por aproveitar uma ‘reentrância’, já que os demais ocupavam parte da hemi-faixa, conforme, designadamente, a carrinha carregada de fardos de palha visível na fotografia de fl. 198. Neste contexto, e sob pena de um inevitável choque entre o veículo conduzido pelo arguido e aqueles outros que antecediam o dito Opel (em número de 4), nunca o embate com o peão poderia ter ocorrido junto da referida linha delimitadora com a berma.

Vejam-se ainda os casos dos depoimentos das testemunhas … e …. O primeiro, que referiu estar ao volante do tractor aquando do acidente, ao apontar que tal tractor estaria estacionado totalmente fora da faixa de rodagem; o segundo que referiu estar a entrar para o seu veículo aquando do sinistro, veículo esse ‘ordenado’ entre o dito tractor e a carrinha carregada de fardos de palha, o qual também localizou o tractor como estacionado, no limite, sobre a linha delimitadora da via de trânsito com a berma. Tais depoimentos, ‘simpáticos’ para com a versão da acusação, e cuja eventual veracidade potenciaria a imputada ‘culpabilidade’ do arguido no nexo causal conducente à morte do …, foram, na parte agora em análise, infirmados pelas declarações do referido …, sendo certo que se tal infirmação não ocorresse ainda assim não se veriam tais depoimentos como plausíveis, atendendo à exiguidade da berma onde tal tractor estaria situado, conforme evidenciam os documentos fotográficos de fls. 181 e 182, sendo que o único veículo devidamente estacionado daquele lado, e que aproveitava uma ‘reentrância’ como aquela retratada a fl. 182, era o dito Opel, conforme apontaram as várias testemunhas sobre tal inquiridas.

Mais se releve, como exemplo da apontada falta de objectividade, o depoimento do referenciado …, que referiu que os veículos do lado esquerdo, incluindo por isso o tractor, não foram movimentados após o acidente, sendo certo que tal facto foi infirmado pela própria testemunha ….

Por outro lado, a acrescer a tal circunstância, que de per si coloca em crise seja a credibilidade das testemunhas, seja a verosimilhança das respectivas narrações face à realidade efectivamente ocorrida, foi relevado – e bem - em sede de alegações, que ao longo da audiência foi emergindo um dado deveras perturbador. É que se os primeiros depoimentos foram produzidos sob o pressuposto de que os veículos estacionados não teriam sido movimentados entre o momento do acidente e aquele da chegada ao local das autoridades policiais que tomaram conta da ocorrência, afinal acabou por se revelar que alguns de tais veículos foram objecto de retirada e posterior recolocação, designadamente, e com particular relevo, o veículo Fiat visível na fotografia de fl. 199, e referido pela testemunha … como da sua propriedade e por si conduzido. Deste modo o dado objectivo que aparenta emergir do dito documento fotográfico de fl. 199 poderá não ser tão fiável, pois que entretanto tal veículo foi deslocado do local, já que o seu condutor, conforme por si referido, saiu em perseguição do veículo conduzido pelo arguido.

É certo que todas as testemunhas indicadas na acusação pública, excepção feita ao dito …, referem que o veículo Fiat encontrava-se estacionado, antes do acidente, totalmente fora da faixa de rodagem. Porém, tal como demonstraram incapacidade de objectivação e distanciamento emocional, nos termos já supra referidos, não se nos afigura fora de hipótese que também nesta questão, ou seja, na exacta colocação do veículo Fiat antes do acidente, tais depoimentos não padeçam de tais vícios. Acresce, por outro lado, ser a conduta estradal do arguido, isto é, a sua circulação, pelo menos em parte da hemi-faixa de rodagem esquerda, compaginável ou plausível com a existência de um obstáculo na hemi-faixa de rodagem direita, designadamente o estacionamento de um veículo a ocupar parte dessa mesma hemi-faixa. Tal possibilidade, porém, também não logrou criar-nos uma convicção isenta de dúvida, pois que a dita testemunha …, que descreveu semelhante situação, perdeu muito da credibilidade ao ‘colar-se’ ostensivamente à tese do arguido, nos termos supra expostos.

Tendo emergido uma ‘terceira versão’ dos factos, logo levantada pelo arguido, e no final secundada pelo depoimento da testemunha …, seu sobrinho, a mesma não nos mereceu credibilidade. De facto, referindo aqueles que a faixa da direita estaria ocupada, não por um mas por dois veículos, isto é, o já referido Fiat, mas também o próprio tractor, tal versão, ela própria, foi infirmada pelo depoimento da testemunha …, pese embora a ‘tendência’ por esta demonstrada em abono das teses do arguido.

Mais relevou o teor dos documentos fotográficos de fls. 30 a 32, 34 a 38, 179 a 183, 186 a 188, 195, 196, 198 a 200 e 202 a 204, bem como o ‘croquis’ e auto de medições de fls. 175 a 177, o teor do CRC de fls. 240 e s. e a certidão de fls. 549 a 553 (esta relacionada com um antecedente criminal do arguido não constante do dito CRC).

No que tange à matéria do pedido indemnizatório, designadamente em sede da situação familiar do falecido, e da relação deste para com os membros da sua família e demais comunidade, foi relevante o teor dos depoimentos das testemunhas …, …, …, … e …, os quais descreveram o falecido – abstraindo dos naturais ‘excessos’ perfeccionistas normalmente associados às descrições post mortem - como pessoa normalmente integrada na família e comunidade, exercendo com naturalidade os papéis que dentre de uma e outra lhe estavam ou eram reservados.

Foram outrossim relevantes o teor dos documentos de fls. 9, 70, 71 e 285, em conjugação com os já referidos depoimentos, dos quais emerge que não se lhe conhecem outros herdeiros, para além da viúva e filhos ali identificados.

Em sede patrimonial foram ainda relevantes os documentos de fls. 286 a 291.

Já não logrou convencer o tribunal a alegação segundo a qual o falecido teria uma outra regular e sustentada fonte de rendimentos, relacionada com a criação de gado bovino e aves, pois para além da insipidez dos depoimentos sobre tal matéria, à sua veracidade opõe-se frontalmente o teor dos documentos de fls. 286 a 291, já que se trata de declaração emitida pelo agregado (latu sensu) do falecido, e da qual somente emerge a realização ou obtenção de proventos relacionados com actividades comerciais e/ou profissionais, e não já agrícolas e/ou pecuárias.

A factualidade dada como não provada resulta da falta ou insuficiência de prova em ordem a convencer o tribunal da respectiva veracidade, e designadamente pelos fundamentos que ao longo da fundamentação positiva foram expostos.

Culpa da vítima na produção do acidente.

Defende o recorrente que tendo em conta a medida da contribuição de cada um dos intervenientes na produção do acidente, deverá a responsabilidade ser repartida entre ambos na proporção de 75% para o arguido e 25% para a vítima.

Decidindo:

Como é sabido a circulação rodoviária constitui uma actividade perigosa que, por isso, obedece a especiais regras e prescrições cujo cumprimento e acatamento são indispensáveis, sob pena de se poderem originar e provocar eventos, algumas vezes altamente danosos.

Do não acatamento de tais regras e prescrições pode pois depender juízo de imputação subjectiva, concretamente quando ocorre um nexo causal entre os factos incriminados e a violação daquelas por parte do agente.

O juízo de imputação subjectivarem casos como o dos autos, encontra-se frequentemente relacionado não só com a violação de deveres de cuidado genéricos, mas também com a postergação de deveres de cuidados específicos, cuidados esses traduzidos na imposição de regras próprias as quais têm em vista regular actividades perigosas casu, a condução de veículos, a qual se processa no âmbito da circulação rodoviária.

Que condutor/arguido se comportou de forma imprudente e imprevidente omitindo os mais elementares deveres de cuidado, não restam dúvidas.

Resta agora averiguar se a vítima também se comportou ou não de forma a contribuir para a produção do evento, isto é, com culpa concorrencial.

Cumpre desde já salientar que o tribunal a quo apenas apreciou a dinâmica o acidente na vertente do condutor/arguido, não se debruçando minimamente sobre o comportamento estradal da vítima/peão, ressaltando deste modo a ideia, que não corresponde á realidade, vertida na factualidade dada como provada, que a vítima seguia obedecendo a todas as regras estradais, não averiguando, se esta contribuiu ou não para a produção do acidente.

Importa registar de seguida que as normas previstas no Código da Estrada reguladoras do trânsito de peões (artº 99º e segs), não foram respeitadas pela vítima.

Circulava a pé pela hemi-faixa de rodagem esquerda quando tinha berma para o efeito. Os peões devem transitar pela direita dos locais que lhes são destinados para tal, isto é pela direita dos passeios, pistas, passagens ou bermas (artigos 99º e 100º do CE)

 E circulava abrangendo uma boa parte dessa hemi-faixa. Basta atentar á largura da via, 5, 45 metros, da viatura não mais de 2,5 metros e ao facto desta circular apenas em parte da hemi-feixa esquerda.

É assim evidente, que violou o preceituado no referido dispositivo.

Importa agora apreciar se este comportamento foi ou não concausal ao acidente.

E a resposta terá de ser afirmativa.

Não pode tal comportamento deixar de constituir motivo de culpabilização relativamente à produção do evento. Na verdade sendo a via no local uma recta de pelo menos 400 metros e tendo berma impunha – se – lhe também aperceber-se da circulação do veículo e retirar-se da faixa de rodagem ou aproximar-se da berma.

Face ao exposto entende-se por correcto fixar a contribuição do arguido e da vítima para a eclosão do acidente em, respectivamente 75% e 25%.

B – Indemnização – Direito á vida

Entende o recorrente que o montante a fixar a título de indemnização pela perda do direito á vida não deveria ir além dos 30.000 €.

A sentença recorrida considerou adequado o montante de 37.500 €.

Decidindo:

Tendo em atenção a idade da vítima (54 anos), que era pessoa saudável, trabalhadora e com alegria para a vida, com bom relacionamento com os 4 filhos não vemos razão para alterar o montante fixado pelo tribunal a quo.

C- Indemnização - Danos não patrimoniais próprios dos requerentes

Defende o recorrente que a este título os montantes indemnizatórios deveriam ser fixados em 10.000 € para a viúva, 7.500 € para o filho Paulo Bispo e 5.000 € para os filhos Isabel e Sérgio.

A sentença recorrida fixou-os em 17.500 € para a viúva, 10.000 € para a filha Isabel e Sérgio e 12.5000 para o filho Renato.

Decidindo:

O artº 496º,nº 2 do CC confere a certas pessoas um direito próprio a indemnização pela dor moral que elas normalmente podem sofrer em relação com os laços especiais de afectividade que as ligam á vítima.

“A indemnização pelos prejuízos não patrimoniais decorrentes da morte da vítima compreende não apenas o valor da perda do direito á vida, como ainda entre outros o preço da angustia, da tristeza e da falta de apoio, protecção, carinho, orientação, assistência, companhia sofridas pelo familiar a quem a mesma vítima faltou” ([i]).

Ora, no caso, os demandantes ficaram duma forma trágica sem um familiar, pelo que para compensar o quantum doloris que nos é transmitido pela factualidade consideramos equilibrado o montante fixado na 1ª instância que está igualmente de acordo com os valores actualizados da nossa jurisprudência.

D – Indemnização – Lucros cessantes

Pugna o recorrente pela redução do montante fixado para 45.000 €.

A sentença recorrida considerou ajustada a indemnização de 86.400 €.

Vejamos:

Os nossos tribunais vêm utilizando para a determinação da indemnização por estes danos diversos critérios e métodos. ([ii])

Um destes métodos consiste em fixar a indemnização através de capital cujo rendimento seja susceptível de garantir prestações periódicas correspondentes à perda de ganho concretamente ocorrida, tendo em atenção as taxas de juro praticadas pelas instituições bancárias.

Outro dos métodos utilizados é em tudo idêntico ao apontado apenas se distinguindo pelas taxas de juros com que joga. Em vez de se aplicar a taxa de juro praticada pelas instituições bancárias, opta-se por uma taxa de juros fixa e inalterável.

Finalmente, é usual também fixar a indemnização, calculando-se na base dos salários ou rendimentos que o lesado ou vítima auferia à data do evento (actualizados) jogando em seguida com o índice de longevidade e procedendo depois a uma redução, em termos de equidade, por forma a evitar a cumulação do montante apurado com os juros futuros da respectiva capitalização.

A nosso ver, é apesar de tudo este último método o que melhor acautela e defende os interesses dos lesados, sendo igualmente o menos injusto, uma vez que não joga com a taxa de juro, a qual conforme é sabido, é muito volátil.

Ora, a aplicação de uma taxa de juros fixa, qualquer que ela seja, ou a aplicação da taxa de juro paga pelas instituições bancárias, aquando da decisão a proferir, conduz necessariamente a grandes injustiças face á apontada volatilidade das mesmas.

Na nossa perspectiva qualquer critério que seja utilizado terá de ser sempre temperado com uma boa dose de equidade. Na verdade o cálculo destes danos é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. E por isso é que tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal e, se mesmo assim, não pode apurar-se o seu valor exacto, deverá o tribunal julgar segundo a equidade. (·)

Nesse julgamento de equidade não podem deixar de entrar circunstâncias, tais como a expectativa de duração de vida da vítima, a sua expectativa de progressão na carreira profissional (se for caso disso), e a flutuação do valor da moeda. ([iii])

Por esse motivo, e na impossibilidade de recorrermos à “indemnização em renda”, prevista pelo art.º 567º, do CC, face ao pedido concretamente formulado, entendemos ser de optar pelo critério que parte dos salários ou rendimentos auferidos pelo lesado ou pela vítima à data do evento danoso, jogando em seguida com o índice de longevidade e procedendo depois a uma redução, em termos de equidade, por forma a evitar a cumulação do montante apurado com os juros futuros da respectiva capitalização. ([iv])

Passemos, pois, ao cálculo do quantitativo indemnizatório tendo em atenção a opção feita, como ponto de partida e base de fixação, mas nunca descurando os princípios e critérios que presidem à equidade. ([v]) Sendo certo que o recurso à equidade não significa o puro arbítrio mas o apelo a “todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de critérios ponderação das realidades da vida.” (A. Varela Das Obrigações...I, 599), ou seja, a justiça do caso concreto, sem se esquecer ainda, até por uma questão de justiça relativa, os critérios geralmente adoptados na jurisprudência.

Como dado inquestionável temos, tão só, a percentagem da perda da capacidade de ganho, a qual é total face ao óbito de ….

Certo é, porém, que parte significativa dos rendimentos por si auferidos, se destinavam a si próprio, pelo que se conclui que o mesmo contribuía para o sustento do seu agregado familiar com uma percentagem de 60% daqueles rendimentos.

Cumpre agora determinar o tempo de vida activa que a vítima teria, caso não se houvesse verificado o evento letal.

Consabido que o … tinha 54 anos de idade aquando do seu falecimento, ter-se-á de considerar um período de 18 anos de vida activa, pois que não vemos razão para alterar a posição defendida na sentença recorrida, de que “os anos de expectativa de vida rondam actualmente os 72 (de salientar que há não muito tempo de considerava como sendo os 65 sendo certo que a tendência é para aumentar face aos desenvolvimentos científicos no domínio da saúde e bem estar social têm contribuído para o prolongamento da vida humana, pelo que se entende de situar tal expectativa no limite considerado. ([vi])

Face ao exposto não vemos razão para reduzir o quantum indemnizatório fixado pelo tribunal a quo, tanto mais que as divergências do recorrente se situavam apenas no tempo médio devida, 65 anos, e no montante que a vítima consumiria consigo própria, metade do produto do seu trabalho.

Uma última palavra para referir que não ficou demonstrado que a seguradora tivesse efectuado o pagamento de um capital de remição à viúva pelo que não poderemos satisfazer a pretensão do recorrente de deduzir esse valor, o memo acontecendo com as despesas do funeral já que, também, não ficou provado que a seguradora tivesse pago subsídio para o efeito.

Nestes termos se decide:

Julgar por parcialmente provido o recurso da sentença  

- fixando-se a contribuição do arguido e da vítima para a eclosão do acidente em ,respectivamente, 75% e 25%.

- mantendo-se os montantes indemnizatórios atribuídos pelo tribunal a quo corrigidos com a percentagem da contribuição da vítima.

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Coimbra, 2008-10-15                                                                                                                                                                       ______________________________________


[i] -Ac. Relação de Lisboa 17-3-92, Col. 1991,2,167
[ii] -Dano Corporal em Acidentes de Viação, Dr. Joaquim Dinis, Col. Jur. 1997-Ano V- Tomo II, pags. 11 e segs., Ac. do STJ de 11-11-97,Col. Jur. Acs. do STJ ,III-132
[iii] - Ac. do STJ 15-12-98, Col. Acs. STJ III-156,Ac. desta Relação  de 7-12-99,no processo n.º 2382/99,
[iv] - Ac. desta Relação proferido no Recurso  n.º 920/97
[v] - Acs. do STJ 11-11-97, Col Jur. Acs. do STJ, III-132, STJ 18-3-97,Col. Acs. do STJ  II- 24.
[vi] - Ac. desta Relação no Recurso nº 180/99 de 9-6-99, Secção Criminal