Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
220/05.1TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
INCUMPRIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA – VARAS MISTAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: : ARTIGOS 342.º, 2; 344.º, 1; 350.º, 1 , 2; 406.º, 1; 566.º, 1; 762.º, 1; 763.º, 1; 798.º; 799.º, 11155.º; 1156.º; 1157.º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 2.º; 19.º, 1; 21.º, 1, A), B) DO DEC.LEI N.º 265/95, DE 17/10
Sumário: Recaindo sobre o réu, enquanto devedor, no quadro da responsabilidade civil contratual, o ónus da prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, e não sobre o autor, na qualidade de credor, o ónus da prova da culpa daquele, não tendo o réu logrado realizá-la, deve considerar-se, presumivelmente, culpado pela produção do dano, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 344º, nº 1 e 350º, nºs 1 e 2, do Código Civil.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A..., com sede em Cortada da Arrocha, Sebal Grande, Condeixa-a-Nova, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B..., casado, técnico oficial de contas, residente na R. Nova nº 1, Covões, S.Fipo, Condeixa-a-Nova, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a pagar-lhe, a título de indemnização, pelos prejuízos decorrentes do não cumprimento do contrato de prestação de serviços a que se obrigara perante a autora, a quantia de 20.586,82€, e juros vencidos e vincendos, até integral pagamento.
Invoca, para tanto, que é uma sociedade por quotas, constituída por escritura pública, de 14 de Dezembro de 1992, data a partir da qual o réu se obrigou a prestar-lhe serviços, no âmbito das suas funções profissionais de técnico oficial de contas, sendo certo, porém, que não preparou os documentos, não elaborou as declarações fiscais de IRC, nem outras, nem preparou actas, livros ou outra da contabilidade que fazia parte das suas funções e se comprometera a prestar para a autora, com excepção das declarações de IVA e das referentes à segurança social.
Que a autora, tão-só, em Setembro de 2002, veio a ter conhecimento desta situação, através de notificação efectuada pelos serviços fiscais, sobre a liquidação oficiosa de IRC de 1998, por falta da entrega da declaração de rendimentos.
Em consequência, o réu causou-lhe diversos prejuízos, porquanto teve de pagar a outro técnico oficial de contas para elaborar e organizar toda a contabilidade, que o réu dificultou, pois se recusou a entregar os documentos e pastas que tinha na sua posse, o que só foi possível, após recurso a uma providência cautelar.
Na contestação, o réu alega que a falta de entrega dos documentos e declarações ao Fisco se deveu ao facto de a autora não lhe ter facultado os documentos de suporte contabilísticos, o que lhe não permitiu organizar a contabilidade e apresentar as respectivas declarações, acrescentando que o seu trabalho para a autora sempre consistiu, apenas, no processamento das declarações do IVA, dos salários e no preenchimento das declarações para a segurança social, e que as liquidações oficiosas do imposto relativo aos anos de 1997 e 1998 foram uma opção da autora, não podendo ser atribuídas à conduta do réu.
A sentença julgou a acção, procedente por provada e, em consequência, condenou o réu a pagar à autora a quantia de 20.586,82€ e juros legais, desde 10 de Março de 2004 e até integral pagamento.
Desta sentença, o réu interpôs recurso de apelação, onde sustenta a sua revogação, com a consequente absolvição do pedido, terminando as alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Segundo o princípio da livre apreciação da prova o tribunal é livre de formar a sua convicção.
2ª - Porém, este principio não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como ao facto das provas não estarem subtraídas a esse juízo.
3ª - Em nome daquele princípio, e tendo em conta o depoimento das testemunhas, cujo depoimento foi transcrito no presente recurso (e sobretudo, tendo em conta as declarações do representante legal da autora) deveriam ter sido dados como provados, e não foram, os seguintes factos:
a) O réu apenas se obrigou a processar e entregar as declarações de IVA e segurança social,
b) ou, no caso de assim não se entender, a autora não conseguiu provar o facto constitutivo do seu direito – o conteúdo do contrato celebrado entre as partes.
c) Não existe por parte do réu, ora recorrente, qualquer obrigação de indemnizar a autora, ora recorrida;
d) não houve culpa, nem a prática de qualquer acto ilícito por parte do réu.
e) a autora tinha conhecimento desde 1996 que o réu não processava nem entregava as declarações de IRC e conformou-se, aceitando a liquidação oficiosa de IRC;
f) a autora não entregou todos os documentos necessários e imprescindíveis para que o réu ficasse em condições reais de processar, atempadamente, e entregar as declarações de IRC da autora.
g) foi em Setembro de 2002 que a autora foi notificada oficiosamente para liquidar o IRC de 1998.
h) A autora foi tributada por presunção e não pela análise da sua verdadeira situação contributiva fiscal, devido a uma conduta, no mínimo, negligente da própria autora/recorrida;
i) a tributação feita pela Administração Fiscal com base em presunções, naturalmente retiradas das declarações do IVA e da Segurança Social deve-se única e exclusivamente à autora que não optou por outro regime - caindo assim, e mais uma vez, no regime simplificado.
j ) A autora não fez tudo o que estava ao seu alcance para tentar não ser penalizada pela Administração Fiscal mas sem qualquer resultados.
4ª - Os factos n°s 1, 5, 9, 16 e 17 da sentença não devem ser dados como provados, por não se ter feito prova suficiente e consistente dos mesmos.
5ª - Não existe nexo de causalidade entre a conduta ou entre a omissão por parte do recorrente e as despesas peticionadas pela autora/recorrida (elencadas no ponto 17 da douta sentença);
6ª – Existe uma declaração tácita emitida pela autora/recorrida em como o réu/recorrente não tem qualquer obrigação de processar e entregar as declarações de IRC da autora - desde 1996.
7ª – O douto Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação do disposto no art. 21°, n°s 1 e 2 do DL 265/95 de 17 de Outubro, não tendo remetido, como podia e devia, para a responsabilidade civil contratual prevista na Lei civil.
8ª – De facto, o Tribunal a quo confundiu o âmbito e objecto do contrato, que é fixado livremente pelas partes, como um mero referencial de responsabilização técnica, que serve essencialmente para regulação da profissão e finalidades de exercício do poder disciplinar da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.
9ª – O disposto na norma em causa não impede, que as partes ''restrinjam" o contrato que efectivamente celebraram – isto é, não impede que as partes fixem livremente o conteúdo do contrato celebrado ou a celebrar.
10ª – Pois trata-se de um mero normativo de conduta e não uma norma imperativa!
11ª – O recurso a tal normativo legal não justifica, não fundamenta, nem demonstra qualquer violação por parte do ora recorrente de qualquer dever que assumiu com a celebração do contrato,
12ª – Muito menos justifica, fundamenta ou demonstra qualquer incumprimento contratual por parte do ora recorrente.
Nas suas contra-alegações, a autora entende que deve ser mantida a sentença recorrida, julgando-se improcedente o recurso.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da obrigação de indemnização.

I. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O réu sustenta que devem conhecer resposta negativa os pontos nºs 1, 5, 9, 16 e 17 da base instrutória, relativamente aos quais o Tribunal «a quo» proferiu resposta positiva.
Resulta da audição da prova objecto de gravação, no que contende com os pontos da matéria de facto em que o réu suscitou a respectiva alteração, e bem assim como com os demais que com aqueles se encontram, intimamente, conexionados, que o legal representante da autora, Jorge Carapinheira, declarou que “entregava todos os documentos ao réu, a pedido deste, e os extractos bancários não os entregava porque o réu deixou de os pedir, mas que nunca lhe recusou qualquer documento que o réu pedisse, e que o Girão [o novo técnico de contas que lhe sucedeu] pediu ao réu todos os documentos que este guardava com os quais já fez o IRC de 2002”.
Por sua vez a testemunha José Girão, actual técnico de contas da autora, disse que “o réu enviava o IVA mas não a declaração de rendimentos, para efeitos de IRC, não indicando as despesas que poderiam ser abatidas, nunca tendo apresentado qualquer declaração de rendimentos, em sede de IRC”. Acrescentou que “para recompor a contabilidade atrasada pediu ao réu a entrega dos documentos, com muitas dificuldades, pois que dizia que os tinha, prometia entregá-los, mas falhava”. Referiu ainda que “já fez a declaração de IRC, com respeito ao ano de 1999, mas em regime simplificado, regime inexistente em 1992, sendo, então, possível proceder à liquidação oficiosa do IRS, embora penalizando o contribuinte, por se basear em presunção”. Esclareceu que “se a autora tivesse feito a opção pelo regime simplificado ou pelo regime organizado seria beneficiada, mas que essa opção teria de ser feita, até 31 de Março do ano seguinte, enquanto que o regime simplificado não permite a dedução de prejuízos do exercício anterior” e que “o réu podia fazer o IRC com os documentos que apresentou para o IVA e para a segurança social, embora, incompletamente, porque nem toda a documentação é passível de ser descontada, mas toda ela é passível de ser considerada um custo, e que a falta dos documentos de extractos bancários não era relevante para documentar os pagamentos aos fornecedores, ou aos trabalhadores, pois que, na sua falta, havia o caixa, além de que, até 2001/2002, não eram sequer exigidos os extractos bancários, sendo bastante a conta-caixa, pois que era da contabilidade que se extraem todos os elementos para IVA, IRC e segurança social, embora não existisse contabilidade nem balanço”.
A testemunha Alberto Braz, técnico oficial de contas e colega do réu, especulou e com erudição sobre cenários possíveis, no âmbito do contrato de prestação de serviço, e sobre as regras de elaboração da contabilidade e os mecanismos de impugnação tributária, importando registar que disse que “só com os elementos do IVA e da segurança social não é possível fazer o IRC”, que “a autora não terá utilizado todos os meios ao seu alcance para se opor à instauração da execução” e que “o modelo presumido é mais favorável ao contribuinte”, afirmando ainda que “o réu não tinha documentos bancários”.
Esclarece-se que não releva o depoimento da testemunha Maria Alice Arede, esposa do réu, desprovido de qualquer credibilidade, cheio de contradições e hesitações, em especial, na segunda parte do mesmo, a instâncias da Mª Juiz e do Exº mandatário da autora, acabando por denotar, num mero registo audiográfico, alguma perturbação e desconforto e um desejo manifesto de chegar ao fim.
Importa, igualmente, salientar, ao contrário do discurso recorrente do réu, ao longo de todas as alegações da apelação, que não se extrai dos depoimentos e declarações de todas as pessoas ouvidas, em gravação audiomagnética, ou dos documentos constantes dos autos, que a autora ou o seu representante legal tivessem conhecimento que o réu não processava, nem entregava as declarações respeitantes a IRC, conformando-se com a situação e aceitando a liquidação oficiosa, desde 1996.
Assim sendo, face à prova produzida, em relação ao ponto nº 1, onde se pergunta se “no âmbito das funções, o réu deveria preparar os documentos de receitas e despesas, elaborando e assinando as declarações fiscais, as demonstrações financeiras e seus anexos, e tudo o mais que se relacionava com o cumprimento das obrigações fiscais da Autora”, e ao ponto nº 2, da base instrutória, onde se pergunta se “o trabalho do R. para com a A. sempre consistiu, em processar as Declarações do IVA, bem como processar salários e preencher a Declaração de remunerações para a Segurança social”, que com o primeiro se acha, estreitamente, conexionado, em vez da resposta de “provados” ou “não provados”, declarar, apenas, no que concerne à respectiva matéria factual, que se considera demonstrado, tão-só, o que consta da alínea B), da “especificação”.
Quanto ao ponto nº 9 da base instrutória, onde se pergunta se “o réu se encontrava na posse de todos os documentos relativos à contabilidade da Autora”, passará a constar do mesmo, como esclarecimento, que “o réu se encontrava na posse de todos os documentos relativos à contabilidade da autora, que esta entregava ou aquele solicitava”.
Em relação aos pontos nºs 5º, 16º e 17º da base instrutória, não resulta da análise dos extractos dos depoimentos das testemunhas referidos, sem esquecer o teor dos documentos constantes de folhas 34 a 72, inclusive, justificação bastante para proceder à respectiva alteração.
Com efeito, as importâncias de 5079,27€ e 3543,96€, a título de IRC, relativas aos anos de 1997 e de 1998, respectivamente, foram calculadas por presunção, sem direito a qualquer reclamação, por parte do autor, que, por isso, as reclama como quantias de IRC indevido.
Ao invés, a autora não reclamou o valor pago, a título de IRC, referente aos anos de 1999, 2000 e 2001, por de tratar de “IRC devido”, e não como o dos anos anteriores, que se reportava a “IRC indevido”.
Por seu turno, no que concerne ao ano de 2002, a autora pagou 6.515,53€, a título de IRC, e 521,24€ de derrama, enquanto que lhe competia satisfazer, apenas, 3.638,19€ de IRC e 291,05€ de derrama, correspondentemente, razão pela qual acumulou um prejuízo de 3.107,53€ [(6515,53 - 3638,19 = 2877,34)->(521,24 - 291,05 = 230,19)…(2877,34 + 230,19 = 3.107,53].
Quanto às importâncias reclamadas, a título de honorários, trata-se de valores resultantes do exercício da actividade profissional do técnico oficial de contas escolhido pela autora, que as suportou, a favor daquele, o que não aconteceria se, aquando da substituição dos dois técnicos, o réu não tivesse deixado uma significativa herança de serviços inexecutados, que o seu sucessor realizou.
Nestes termos, este Tribunal da Relação, sem esquecer o teor dos documentos constantes de folhas 34 a 72, inclusive, entende que se devem considerar como demonstrados os seguintes factos:
A autora é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, constituída por escritura pública, de 14 de Dezembro de 1992, matriculada, na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra, com o nº 5174 – A).
A partir do mês de Dezembro de 1992, o réu obrigou-se a prestar serviços à autora, no âmbito das suas funções profissionais de técnico oficial de contas – B), 1º e 2º.
O réu cumpriu as suas obrigações profissionais, no que respeita às declarações periódicas de IVA e às da segurança social – C).
Por requerimento de 28 de Fevereiro de 2003, a autora instaurou contra o réu uma providência cautelar não especificada, na qual, depois de expor os mesmos factos que se alegam, na petição inicial desta acção, requereu a apreensão judicial de todos os documentos relativos à contabilidade da autora, que se presumia estarem na residência do réu, e a sua imediata entrega à autora – D).
Por decisão de 17 de Março de 2003, proferida no procedimento cautelar que, com o nº 479/03.9TBCBR, correu termos pela 1ª Vara Mista de Coimbra, foi julgado procedente o pedido, e determinada a apreensão de todos os referidos documentos – E).
No dia 3 de Abril de 2003, não foi possível efectuar a diligência ordenada, pelo facto de o réu não se encontrar na sua residência – F).
Mas, no dia 7 de Abril de 2003, já foi possível cumprir a diligência em apreço, pelo menos, parcialmente, tendo sido feita a entrega, pelo réu, à autora, dos suportes de contabilidade relativos aos anos de 1998 e 1995, uma pasta de cada ano, duas pastas do ano de 1993, uma pasta do ano de 1994 e uma pasta de 2001, e uma pasta de arquivo com documentos de impostos e um livro de Diário, Razão, Balancete, em branco, faltando ainda os documentos relativos à contabilidade referente aos anos de 1996, 1997, 2000 e parte de 2002, que o requerido referiu que se encontravam, no seu escritório, em Coimbra, e de que se comprometeu a fazer entrega, até ao dia 11 de Abril, tal como veio a acontecer – G).
O autor participou ainda, criminalmente, contra o réu, pelos mesmos referidos factos, imputando-lhe a prática de um crime de infidelidade, mas o inquérito que, com o nº138/03.2TACBR, correu termos, pela 1ª Secção do DIAP de Coimbra, viria a ser arquivado, designadamente, por falta de indícios de especial intenção de causar prejuízo patrimonial, por despacho de 30 de Setembro de 2003 – H).
O réu, nos anos de 1993 até 2003, não preparou os documentos de receitas e despesas, não elaborou nem assinou as declarações fiscais de IRC, nem quaisquer demonstrações financeiras, nem quaisquer anexos, nem actas, nem livros selados – 3º.
Mesmo depois de solicitado para o efeito, pela autora, o requerido não fez entrega do balanço necessário para se proceder à redenominação do capital em euros, exigência legal imposta pelo DL nº 339-A/2001, de 28/12, a qual, por tal motivo, só, por escritura pública de 28 de Novembro de 2003, foi possível satisfazer – 4º.
A autora, só, em Setembro de 2002, veio a ter conhecimento de tal situação, por força da notificação feita à empresa, relativa à liquidação oficiosa de IRC do exercício de 1998, por falta de entrega da declaração de rendimentos – 5º.
Uma das consequências da actuação do réu foi o facto de que a empresa autora tem sido colectada por presunção, e não pela análise da sua verdadeira situação contributiva fiscal – 6º.
O réu encontrava-se na posse de todos os documentos relativos à contabilidade da autora, que esta entregava ou aquele solicitava – 9º.
A autora encarregou, entretanto, outro técnico oficial de contas de proceder à elaboração da sua contabilidade, mas este não a podia fazer, sem estar, previamente, na posse de toda a documentação que se encontrava na posse do réu – 10º.
Desde Setembro de 2002 que o réu foi prometendo entregar todas as pastas de documentos à autora, ou ao seu novo técnico de contas, mas acabava sempre por não cumprir – 11º.
No dia 21 de Fevereiro de 2003, a autora, na pessoa do seu sócio-gerente, Jorge Carapinheira, deu um último prazo ao réu – 12º.
O réu prometeu que, no Domingo seguinte, ia reunir todos os documentos em apreço e que, na segunda-feira seguinte, dia 24, tudo entregaria ao Sr. Girão, o actual técnico de contas da autora – 13º.
O que voltou a não cumprir – 14º.
No dia 27 de Fevereiro, voltou a prometer que entregaria todos os documentos, no fim-de-semana seguinte – 15º.
A autora fez tudo o que estava ao seu alcance para tentar não ser penalizada pela Administração Fiscal, mas sem quaisquer resultados – 16º.
A autora fez as seguintes despesas que não teria feito se não fosse a conduta do réu:
a) No dia 06/10/2003, pagou, com referência ao ano de 1997, juros compensatórios de 660,31€, juros de mora de 67,34€ e IRC de 5.079,27€.
b) No dia 06/10/2003, pagou, com referência ao ano de 1998, juros compensatórios de 460,71€, juros de mora de 7,70€ e IRC de 3.543,96€.
c) Com referência ao ano de 1999, pagou, no dia 10/09/2003, juros compensatórios de 199,64€ e juros de mora de 9,60€, e, no dia 13/06/2003, coimas e custas de 55,36€.
d) Com referência ao ano de 2000, pagou, no dia 17/12/2003, juros compensatórios de 1.083,89€ e juros de mora de 294,60€.
e) Com referência ao ano de 2001, pagou, em 10/03/2004, juros compensatórios de 1.278,66€ e juros de mora de 582,82€, em 15/07/2003, coimas e custas de 128,93€, em 03/02/2004, coimas e custas de 844,50€, e, em 30/06/2003, honorários do novo técnico oficial de contas, sem IVA, de 1.879,20€.
f) Com referência ao ano de 2002, pagou, em 29/05/2003, de IRC 6.515,53€, e de derrama 521,24 €, quando poderia e deveria ter pago, apenas, de IRC 3.638,19€, e de derrama 291,05€, de onde resulta um prejuízo de 3.107,53€, e, em 30/05/2003, honorários ao seu novo técnico oficial de contas, sem IVA, de 1.302,80€ – 17º.

II. DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO

Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, importa reter que, a partir de Dezembro de 1992, o réu obrigou-se a prestar serviços à autora, no âmbito das suas funções profissionais de técnico oficial de contas.
Porém, o réu não preparou os documentos de receitas e despesas, não elaborou nem assinou as declarações fiscais de IRC, nem quaisquer demonstrações financeiras, anexos, actas ou livros selados, desde 1993 até 2003, facto este de que a autora veio a ter conhecimento, tão-só, em Setembro de 2002.
Tendo a autora encarregado outro técnico oficial de contas de proceder à elaboração da sua contabilidade, e funcionando a entrega da respectiva documentação, que se encontrava na posse do réu, como condição «sine qua non» da sua efectivação, este indisponibilizou-se, sucessivamente, a fazê-lo, apesar de insistentes solicitações da autora, para o efeito, desde logo, em Setembro de 2002, continuando em duas datas de Fevereiro de 2003, vindo a efectivar-se a sua apreensão judicial parcial, no dia 7 de Abril de 2003, na sequência de uma providência cautelar não especificada, para só ficar concluída a restituição, a 11 de Maio seguinte, aquando da entrega dos restantes documentos existentes na posse do réu.
A autora accionou, sem êxito, os meios ao seu alcance no sentido de obviar a qualquer penalização, por parte da Administração Fiscal, sobrevindo para a mesma, devido à conduta do réu, que, de outro modo, não teriam acontecido, despesas que realizou, em IRC, em juros compensatórios, em juros de mora, em derramas, em coimas, em custas e honorários do novo técnico oficial de contas, sem IVA, no montante de 20586.82€.
O contrato de prestação de serviço, segundo a definição constante do artigo 1154º, do Código Civil (CC), “é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
Para além do mandato, do depósito e da empreitada, modalidades tipificadas do contrato de prestação de serviço, que a lei regula, especialmente, outras existem, de carácter inominado, como seja a dos serviços prestados no exercício de artes e profissões liberais, que a lei já não contempla, especialmente, mas cujo regime é disciplinado, extensivamente, pelas disposições sobre o mandato, conforme resulta do preceituado pelos artigos 1155º e 1156º, do CC.
A este propósito, dispõe o artigo 2º, nº 1, do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas (DL nº 265/95, de 17 de Outubro), que encerra o Código Deontológico destes profissionais, que “são funções dos técnicos oficiais de contas assumir a responsabilidade pela regularidade fiscal das entidades sujeitas a imposto sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade organizada, devendo assinar, conjuntamente com aquelas entidades, as respectivas declarações fiscais”, acrescentando os respectivos artigos 19º, nº 1 e 21º, nºs 1, a) e b), que “os técnicos oficiais de contas têm o dever de…desempenhar consciente e diligentemente as suas funções…”, devendo “abster-se de qualquer procedimento que ponha em causa as entidades a quem prestem serviço”.
Sendo a culpa um dos elementos, essencialmente, constitutivos do direito à indemnização, cabe ao réu, no quadro da responsabilidade civil contratual em que, manifestamente, se inserem as relações negociais que estabeleceu com a autora, enquanto devedor, onerado com a presunção de culpa que sobre si recai, a prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, nos termos gerais da repartição do ónus probatório, em conformidade com o estipulado pelos artigos 342º, nº 2, e 799º, nº1, do CC, por ser quem, na generalidade das situações, se encontra em melhores condições para demonstrar as razões do seu comportamento perante o credor .
Porém, o réu, encontrando-se na posse de todos os documentos relativos à contabilidade da autora, não preparou as declarações de receitas e despesas, não elaborou nem assinou as declarações fiscais de IRC, nem quaisquer demonstrações financeiras, anexos, actas ou livros selados, desde 1993 até 2003, e, tão-só, no dia 11 de Maio de 2003, na sequência de uma providência cautelar não especificada, proposta pela autora, em 17 de Março antecedente, que decretou a apreensão judicial de todos os documentos relativos à sua contabilidade, viria a proceder à entrega da totalidade dos mesmos.
Assim sendo, o réu não demonstrou os factos alegados na contestação, ou seja, que a razão da impossibilidade de organizar a contabilidade e de apresentar as declarações e os documentos da autora se ficou a dever ao facto desta não lhe ter facultado os elementos de suporte contabilísticos necessários, e bem assim que o seu trabalho sempre consistiu, apenas, no processamento das declarações do IVA, dos salários e no preenchimento das declarações para a segurança social, ou ainda que as liquidações oficiosas do imposto, relativo aos anos de 1997 e 1998, foram uma opção da autora, não imputável à conduta do réu.
Ora, recaindo sobre o réu o ónus da prova da falta de culpa da sua actuação na verificação do efeito danoso, e não sobre a autora o ónus da prova da culpa daquele, não tendo o réu logrado realizá-la, deve considerar-se, presumivelmente, culpado pela sua produção, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 344º, nº 1 e 350º, nºs 1 e 2, do CC.
Para além do facto voluntário, ilícito e culposo, praticado pelo réu, os danos sobrevindos são resultantes do mesmo e, por ele causados, actuando como sua causa real e operante.
Estão, assim, verificados os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, condicionantes da obrigação de indemnizar imposta ao lesante, pelo não cumprimento da obrigação a seu cargo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 406º, nº 1, 762º, nº 1, 763º, nº 1 e 798º, todos do CC.
Por isso, sempre que alguém estiver obrigado a reparar um dano, “deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, deste modo erigindo o artigo 562º, do CC, como princípio geral quanto à indemnização, o dever de ser reconstituída a situação anterior à lesão, isto é, o da reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano.
A indemnização, por forma diversa da que resulta do princípio da reconstituição natural, consagrado pelo normativo acabado de citar, como seja em dinheiro, assume carácter subsidiário, apenas tendo lugar, conforme resulta do estipulado pelo artigo 566º, nº 1, também, do CC, “…sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
E a obrigação de indemnização compreende, nomeadamente, por força do disposto no artigo 564º, nº 1, do CC, o prejuízo causado, ou seja, o dano emergente.
No caso presente, a autora pede uma indemnização pelos prejuízos decorrentes do não cumprimento do contrato de prestação de serviço que celebrou com o réu, na quantia de 20.586,82€, a quanto ascendeu, devido à conduta deste, que, de outro modo, não teriam acontecido, o montante despesas que realizou, em IRC, em juros compensatórios, em juros de mora, em derramas, em coimas, em custas e honorários do novo técnico oficial de contas, sem IVA.
Improcedem, assim, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações do réu.

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CONCLUSÕES:

Recaindo sobre o réu, enquanto devedor, no quadro da responsabilidade civil contratual, o ónus da prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, e não sobre o autor, na qualidade de credor, o ónus da prova da culpa daquele, não tendo o réu logrado realizá-la, deve considerar-se, presumivelmente, culpado pela produção do dano, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 344º, nº 1 e 350º, nºs 1 e 2, do CC.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta sentença recorrida.

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Custas, a cargo do réu-apelante.