Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
81/09.1TTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
TRANSPORTE DE MERCADORIAS E PASSAGEIROS
REGRAS EM MATÉRIA DE TEMPOS DE CONDUÇÃO
PAUSAS E PERÍODOS DE REPOUSO PARA OS CONDUTORES
Data do Acordão: 07/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – AVEIRO – JUÍZO DO TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 237/2007, DE 19/06; ARTº 7º DO REG. (CE) Nº 561/2006, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 15/03.
Sumário: I – O Dec. Lei nº 237/2007, de 19/06, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva (CE) nº 2002/15/CE, de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exerçam actividades móveis de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 3820/85, do Conselho, de 20/12, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Dec. Lei nº 324/73, de 30/06.

II – A Directiva 2002/15/CE apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em actividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) nº 3820/85, ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR.

III – O Reg. (CEE) nº 3821/85, de 20/12 (alterado pelo Regulamento (CE) 561/06) veio introduzir a obrigatoriedade de utilização do aparelho de controlo (tacógrafo) relativamente aos veículos referidos no seu artº 3º.

IV – A Directiva 2002/15/CE ao referir-se apenas às actividades abrangidas pelo REG. 3820/85, exclui do seu âmbito a actividade de transporte rodoviário sujeita ao regime do REG. 3821/85, pelo que o Dec. Lei nº 237/07 (que transpôs aquela Directiva) apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 3821/85.

V – Para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o REG. (CE) nº 561/2006, que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.

VI – Um motorista ao conduzir entre as 7H15 e as 12H35 do dia …, sem que a condução tivesse sido interrompida ao fim de quatro horas e meia, levou a que fosse violado o disposto no artº 7º do Regulamento (CE) nº 561/2006, o que constitui uma contra-ordenação.

Decisão Texto Integral: Recorrente: A...

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida/recorrente condenada pela AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO na coima de € 1.000 pela prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas do art.º 7º do Regulamento (CEE) n.º 561/2006 do Conselho, de 15 de Março de 2006, artº 7.º, nº1 do Decreto-Lei nº 272/89 de 19 de Agosto na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 114/99 de 3 de Agosto e artº 620º nº 3 alínea c) do Cód. do Trabalho.


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II - Inconformada com tal condenação, dela a arguida interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho de Aveiro, recurso que veio a ser julgado improcedente.

É desta decisão que a arguida agora interpõe recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:

l) Decidiu o tribunal a quo manter a decisão do Centro Local do Baixo Vouga da Autoridade para as Condições do Trabalho condenando a recorrente no pagamento da coima de € 1000,00, por ter considerado provado que:

a) No dia 2/09/2008, pelas 16H45, a arguida mantinha a circular na rotunda do Covão, saída A17, comarca de Vagos, a viatura pesada de mercadorias com matrícula 77-62-S0, conduzida pelo motorista B...:

b) Resultou provado que da folha de registo relativa a viatura em questão, referido motorista e relativa ao dia 22/08/2008, se pode comprovar que o condutor não beneficiou das pausas de condução a que estava legalmente obrigado. A condução registada entre as 7h15 e as 12h35, desse dia, não foi interrompida por uma pausa de, pelo menos 45 minutos ou, em alternativa, uma pausa de 15 minutos seguida de outra de 30 minutos.

c) O motorista participou em formação fornecida pela recorrente, nomeadamente quanto ao funcionamento dos tacógrafos e às regras de descanso a observar, designadamente as previstas no regulamento 561/2006.

d) No dia 22/08/08 o motorista em causa foi descarregar o camião ao cais de Setúbal, após o que se dirigiu à Bobadela para carregar um contentor com destino à Portucel, em Setúbal:

e) O motorista tentou parar na área de serviço da Ponte Vasco da Gama, o que não conseguiu por a mesma estar cheia e não existir lugar para estacionar o camião, razão pela qual prosseguiu a marcha para Setúbal. Que, após a área de serviço da Ponte Vasco da Gama, há uma saída para o Montijo, onde o motorista podia ter saído para fazer seu descanso.

f) Que a recorrente fiscaliza os discos dos seus motoristas mensalmente.

2. Na aplicação do direito, o tribunal a quo considera preenchido o tipo legal, tendo considerado que foram violados os artigos 6°,7º e 10º do Regulamento 561/2006, uma vez que o legislador nacional decidiu manter a responsabilidade objectiva da empresa nas infracções cometidas ao Regulamento n° 561/2006.

3. Mais considera que, o Decreto-Lei 237/2007 de 19 de Junho veio regular aspectos relativos à organização do tempo de trabalho dos trabalhadores abrangidos pelo Regulamento 561/2006, mas não consagra qualquer limite à responsabilidade plena das empresas pelas infracções cometidas pelos seus motoristas.

4. Pelo que, pese embora a recorrente tenha fornecido formação e organizado o tempo de trabalho do motorista de forma a permitir-lhe cumprir as regras relativas a tempos de condução, tal revela-se irrelevante para efeitos de preenchimento do tipo legal.

4. Ora o Decreto-Lei 237/2007 de 19 de Junho veio, na verdade, definir novos períodos de intervalo de descanso e determinar novo período de trabalho consecutivo.

5. No seu artigo 8° nº 1 veio determinar que "o período de trabalho diário dos trabalhadores móveis é interrompido por um período de intervalo de descanso de duração não inferior a trinta minutos, se o número de horas estiver compreendido entre as seis e as nove, ou de quarenta e cinco minutos, se o número de horas for superior a nove".

E, determina no seu n° 2 que os "trabalhadores móveis não podem prestar mais de seis horas de trabalho consecutivo."

6.Este diploma veio alargar os tempos máximos de condução e, nos termos do artº3° nº 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações, determina-se que seja aplicada ao arguido a lei mais favorável, em consonância com o art. 29ºnº 4 da Constituição da República Portuguesa.

7. Assim sendo, o motorista prestou 5 horas e 20 minutos de trabalho consecutivo, estando, por isso, dentro dos limites impostos pelo Decreto-Lei 237/2007, 19 de Junho;

8. Não podendo, por isso, a sua conduta ser punida e a recorrente condenada a pagar qualquer coima pelo facto.

9. Deve ser dado provimento ao presente recurso.


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Respondeu o Ministério Público, alegando em resumo útil:

1) Na verdade, o regime a que alude o Dec.-Lei nº237/2007, de 19 de Junho não é aplicável aos trabalhadores (motoristas de veículos pesados de mercadorias/passageiros) sujeitos ao aparelho de controlo - vulgo tacógrafo - previsto no Regulamento (CE) nº561 /2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, conforme expressamente consta do nº 1 do art°4° daquele diploma.

2) Aliás, trabalhador móvel não se confunde com motorista de transporte rodoviário de mercadorias/passageiros, antes designado categoria profissional diversa (cfr.art°2°,al.d) do citado D.L.nº237/2007).

3) Destarte, não se estará, in casu, perante um regime mais favorável à arguida/recorrente, razão pela qual a douta sentença ora posta em crise não violou qualquer preceito legal.


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O Exmo PGA junto desta Relação pronunciou-se sobre a manutenção do julgado nos seguintes termos:

O Decreto-Lei nº o 237/2007 regula determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 56l/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março e transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Directiva 2002115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. de 11 de Março de 2002.

A Directiva nº 2002/15/CE é relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, não respeitando especificamente aos condutores.

Para estes vigora, especificamente, o Regulamento (CE) n° 561/2006 que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.

Condutor para efeitos deste Regulamento é qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da actividade que exerce. esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir.

É hoje pacífico que o Regulamento, acto comunitário constituído por normas de alcance genérico, se apresenta na ordem jurídica dos Estados membros como obrigatório e directamente aplicável no território de cada um dos Estados, como decorre do artigo 189° do Tratado de Roma.

Esta obrigatoriedade e prevalência do direito comunitário constante dos respectivos Regulamentos está salvaguardada, no caso vertente. no n° 4 do artigo 8° do Decreto-Lei nº 237/2007, onde se estabelece que o disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação aos condutores do regime de interrupções de condução previsto no artigo 7.° do regulamento ou do AETR (Vide. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República. n° 23/94)


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Corridos os vistos cumpre decidir.

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III- E, como é sabido, em matéria contra-ordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito (artigo 75° n° 1 do DL n° 433/82, de 27/11).

Assim, a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância e é a seguinte:

1. No dia 2 de Setembro de 2008, pelas 16.45 horas, a arguida mantinha em circulação na rotunda de Calvão, saída A17, comarca de Vagos, a viatura pesada de mercadorias (tractor), com a matrícula 77-62-SO, serviço particular, conduzida pelo motorista B....

2. A folha de registo relativa àquela viatura, àquele motorista e ao dia 22 de Agosto de 2008 comprova que o referido condutor não beneficiou das pausas na condução a que estava legalmente obrigado. A condução registada entre as 7.15 horas e as 12.35 horas do dia 22 de Agosto não foi interrompida ao fim de 4.30 horas por uma pausa de, pelo menos, 45 minutos ou, em alternativa, por uma pausa de, pelo menos, 15 minutos, seguida de uma pausa de 30 minutos.

3. A arguida apresentou um volume de negócios de € 3.398.434,15 no mapa do quadro de pessoal de 2007.

4. O motorista participou em formação fornecida pela arguida e relativa ao funcionamento dos tacógrafos e às regras de descanso a observar, designadamente as previstas no Regulamento n.º 561.

5. No dia 22 de Agosto o motorista da arguida foi descarregar o camião ao cais de Setúbal, após o que se dirigiu à Bobadela para carregar contentor com destino à Portucel em Setúbal.

6. O motorista tentou parar na área de serviço da Ponte Vasco da Gama, o que não conseguiu por a mesma estar cheia e não existir lugar para estacionar o camião. Por esse motivo o arguido prosseguiu a marcha até Setúbal. Após a área de serviço da Ponte Vasco da Gama existe uma saída da auto-estrada para o Montijo onde o motorista podia ter saído para fazer o descanso.

7. A arguida, com uma periodicidade mensal, fiscaliza os discos dos seus motoristas.


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IV- É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.

A questão a decidir reside em saber se, no caso, é aplicável o regime previsto no artº 7º do do Reg. (CE) nº 561/2006 ou, conforme pugna a recorrente o artº 8º do Dec. Lei nº 237/2007 de 19/06.

Este último diploma procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva nº 2002/15/CE de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exerçam actividades móveis de transporte rodoviário de trabalhadores móveis que participem em actividade de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 3820/85, do Conselho de 20 de Dezembro, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR) aprovado, para ratificação, pelo Dec. Lei nº 324/73 de 30/06 (v: preâmbulo do Dec. Lei 237/07).

A Directiva 2002/15/CE apenas abrange os trabalhadores móveis que trabalham para uma empresa de transportes estabelecida num Estado-Membro e que participam em actividades móveis de transporte rodoviário abrangidas pelo Regulamento (CEE) nº 3820/85[1] ou, quando aplicável, pelo Acordo AETR (V. considerando nº 6 desta Directiva).

O REG. (CEE) nº 3821/85 de 20/12 (alterado pelo REG 561/06) veio introduzir a obrigatoriedade de utilização do aparelho de controlo (tacógrafo) relativamente aos veículos referidos no seu artº 3º.

A Directiva 2002/15/CE ao referir-se apenas às actividades abrangidas pelo REG 3820/85, exclui do seu âmbito a actividade de transporte rodoviário sujeita ao regime do REG 3821/85, pelo que o Dec. Lei 237/07 (que transpôs aquela Directiva) apenas se aplica à regulação dos tempos de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ou afectos à exploração de veículos automóveis, dispensados da utilização do aparelho de registo previsto no REG (CE) nº 3821/85, o que não acontece com o veículo da ora recorrente.

Isso mesmo resulta do disposto no artº 4 do citado Dec. Lei ao prever o registo dos tempos de trabalho apenas para os trabalhadores não sujeitos ao aparelho de controlo (tacógrafo), registo aquele que, para estes trabalhadores, veio a ser regulamentado pela Portaria 983/07 de 27/08 (V. artº 1º deste Portaria).

Para condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o Regulamento (CE) n° 561/2006 que estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.

Mas se ainda algumas dúvidas subsistissem, tais dúvidas dissipam-se completamente visto o nº 4 do artº 8º do Dec. Lei  237/07 que dispõe: “o disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação aos condutores do regime de interrupções de condução previsto no artº 7º do regulamento[2] ou do AETR.”

Por tudo isto, com o devido respeito e salvaguardando sempre melhor opinião, não podemos concordar com a recorrente quando pretende que ao caso seja aplicado o disposto no artº 8º do Dec. Lei nº 327/07, nem com o decidido no Ac do Tribunal da Relação do Porto citado pela recorrente.[3]

No caso em apreciação o motorista da recorrente ao conduzir entre as 7.15 horas e as 12,35 horas do dia 22 de Agosto sem que a condução tivesse sido interrompida ao fim de quatro horas e meia, levou a que fosse violado o disposto no artigo 7° do Regulamento (CE) nº 561/2006, o que constitui a contra-ordenação pela qual a recorrente veio a ser condenada.


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V- Termos em que se delibera negar provimento ao recurso.

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Custas a cargo da recorrente, com taxa de justiça que se fixa em cinco UCs.

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Coimbra, 15 de Julho de 2009

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Joaquim Horácio Serra Leitão)


[1] Entretanto revogado pelo artº 28º do REG. nº 561/2006.
[2] Nº 561/06 de 15/03 (V. nº 1 do artº 1 do Dec. Lei 237/07.
[3] De 18.02.08, procº 0744812, nº convencional JTRP00041075, consultável em www.dgsi.pt/jtrp