Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
995/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
MULTA
ACESSO AOS TRIBUNAIS
IMPOSTO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/03/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 314.º, N.º 3 E 467.º, N.º 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGOS 13.º, N.º 1 E 2 ; 22.º E 28.º DO CCJ E ARTIGOS 50.º E 52.º DO REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001
Sumário: 1. Tendo a omissão do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou do documento que ateste a concessão de apoio judiciário passado em claro, no exame preliminar da secretaria e, igualmente, do distribuidor, acabando a petição inicial por ser recebida, deveria o autor ter sido convidado, pelo Tribunal, logo que a falta foi notada e sob a cominação de a instância se extinguir, a juntar o respectivo documento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 467º, nº 3, 314º, nº 3, ambos do CPC, e 28º, do CCJ, sem que, então, fosse sancionado com a aplicação de qualquer multa.
2. A taxa de justiça, sucessora da figura dos preparos comuns, tem o sentido da compensação gradual pela actividade jurisdicional efectuada, de um adiantamento ou garantia, por conta das custas da acção, a calcular, a final, que será restituída, por inteiro, à parte que a pagou, a título de custas de parte, em caso de vencimento total na causa, não assumindo a natureza de uma verdadeira taxa ou imposto, nem violando a sua exigência, em processos de emissão de declaração de executoriedade, as imposições constantes dos dispositivos combinados dos artigos 50º e 52º, do Regulamento (CE) nº 44/2001, muito embora o seu montante seja proporcional ao valor do litígio a que respeita.

3. Não é de assinalar uma desproporção intolerável, susceptível de violar o princípio do acesso à justiça, fora dos quadros do instituto do apoio judiciário, às normas constantes dos artigos 13º, nºs 1 e 2 e 22º, do CCJ, que prevêem o valor da taxa de justiça inicial aplicável de 534€, sendo a autora uma sociedade comercial, sediada em França, considerando o valor processual, coincidente com o valor tributário da acção, de 685482,80€, não violando ainda os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da não discriminação, nem do acesso ao direito e aos Tribunais.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

“A...”, sociedade em liquidação judicial, com sede na Avª Monseigneur de Langle, Castelnaudary, em França, interpôs recurso de agravo da decisão que, na acção com processo ordinário, que instaurou contra “B...”, com sede na Estrada da Ponte, Casa Meada, Armazém nº 3, Antanhol, Coimbra, indeferiu o requerimento em que solicitava a não sujeição do processo ao pagamento de taxa de justiça, terminando as suas alegações, onde sustenta a revogação da decisão em recurso, com as seguintes conclusões:
1ª - Não pode a ora recorrente conformar-se com os doutos despachos recorridos, uma vez que os mesmos violam o disposto no artº 52, do Regulamento (CE) n° 44/2001, bem como o disposto nos arts. 13°, 18°, n°2, 20°, n°1 e alínea i), do art. 165°, todos da CRP e ainda o disposto no n°3, do art. 486°-A e no n°6, do artº 161°, ambos do CPC.
2ª - O pedido de exequatur de sentença estrangeira formulado pela ora recorrente nos presentes autos, foi feito ao abrigo do Regulamento (CE) n°44/2001, o qual regula a matéria relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial no espaço comunitário.
3ª - Nos termos do art. 52° do Regulamento (CE) n° 44/2001, "nenhum imposto, direito ou taxa proporcional ao valor do litígio será cobrado no Estado-Membro requerido no processo de emissão de uma declaração de executoriedade".
4ª - Ora, nos termos do n°1, do artigo 23° do Código das Custas Judiciais (CCJ), na redacção do Decreto-Lei n° 324/2003, de 27 de Dezembro, "para promoção de acções e recursos, bem como nas situações previstas no artigo 14º, " é devido o pagamento da taxa de justiça inicial auto-liquidada nos termos da tabela do anexo I”.
5ª - Da análise da referida tabela do anexo I do CCJ, resulta, de forma expressa, que o montante da taxa de justiça a liquidar é calculado de uma forma proporcional ao valor do litígio.
6ª - A taxa de justiça tem a natureza de uma verdadeira taxa, ou imposto, encontrando-se claramente abrangida pela previsão do art. 52° do Regulamento.
7ª - Pelo que a decisão do Meritíssimo Juiz a quo de condenar a ora recorrente no pagamento da taxa de justiça inicial, acrescida de multa, viola o disposto no art. 52° do Regulamento (CE) n°44/2001, aplicável in casu.
- O artigo 52° do citado Regulamento não proíbe a aplicação de qualquer imposto, direito ou taxa pela emissão de uma declaração de executoriedade, proíbe sim, a aplicação de um imposto, direito ou taxa proporcional ao valor do litígio.
9ª - Pelo que a referência feita no art. 50° do Regulamento (CE) n° 44/2001 à possibilidade de isenção de preparos e custas, não colide com o estatuído no art. 52° do referido normativo legal.
10ª - Acresce que o critério de fixação da taxa de justiça previsto no art. 13° do CCJ, e na tabela do anexo I, violam vários preceitos constitucionalmente consagrados.
11ª - De facto, não só a taxa de justiça cobrada nos termos do CCJ não tem qualquer proporcionalidade com o serviço efectivamente prestado, como por essa via, um utente do sistema poderá ter de pagar um valor muito superior do que outro utente pelo mesmo serviço ou, inclusive, por um serviço "menor" e menos dispendioso e trabalhoso para os tribunais, violando assim os princípios da igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos arts. 13° e 18°, n°2 da Constituição da República Portuguesa.
12ª - Para mais, o referido critério de fixação da taxa de justiça, viola o disposto no n°1, do art. 20° da CRP, na medida em que, por motivos relacionados com a insuficiência de meios económicos, limita o acesso de alguns cidadãos aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
13ª - A taxa de justiça reveste o carácter de uma verdadeira taxa, como tal, o montante cobrado a esse título deveria apresentar uma verdadeira conexão com o serviço público individualizado prestado em troca.
14ª - No entanto, a taxa de justiça é calculada única e exclusivamente tendo por base o valor da acção, sem qualquer conexão com o tempo despendido, os meios aplicados, podendo inclusive ser cobrada pelo mesmo serviço, ou até por um serviço inferior, uma taxa mais elevada.
15ª - Assim a desproporção entre o tributo e o serviço é tal que se pode concluir que aquele se desligou completamente deste último, tornando-se, em boa verdade, uma receita abstracta, ou seja um imposto.
16ª - Assim sendo, e na medida em que este imposto foi criado pelo Governo sem estar habilitado por competente autorização legislativa, estamos perante uma violação do n°2 do art. 103° e da alínea i), do n°1 do art° 165°, ambos da CRP.
17ª - Mas mesmo que assim não se entendesse, o que apenas se admite como mera hipótese de raciocínio, sempre se diga que os doutos despachos recorridos violaram o disposto no n°6, do art. 161° do CPC, e fizeram uma incorrecta aplicação do disposto no n°3, do art. 486-A, do CPC.
18ª - Efectivamente, se era entendimento do Tribunal a quo que havia lugar ao pagamento de taxa de justiça num processo de exequatur de sentença estrangeira, então a secretaria deveria ter recusado, de forma fundamentada, o recebimento do requerimento em causa, nos termos da alínea f), do art. 474° do CPC.
19ª - A recorrente poderia, assim nos termos do art. 476° do CPC, apresentar novo requerimento ou juntar o documento comprovativo da taxa de justiça inicial, no prazo de 10 dias subsequentes à recusa de recebimento sem ser penalizada com a aplicação de uma multa.
20ª – Pelo exposto, entendendo-se que haveria lugar ao pagamento de taxa de justiça num processo de exequatur de sentença estrangeira, estaríamos perante um erro/omissão da secretaria.
21ª - Em tal situação, ao tomar conhecimento do erro/omissão da secretaria, deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter notificado a recorrente para, no prazo de 10 dias, apresentar nova petição ou juntar documento comprovativo da taxa de justiça inicial, nos termos do art. 476° do CPC.
22ª - De facto, a cominação prevista no n°3, do art. 486, do CPC, é aplicável, apenas, aos casos em que não foi junto com a contestação o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial.
23ª - Existindo cominação específica para a não junção com a petição inicial do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, nunca poderia o Meritíssimo Juiz a quo aplicar a cominação prevista para a falta de junção de tal documento com a petição inicial.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exº Juiz sustentou a decisão questionada, por entender que não foi causado qualquer agravo à recorrente.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir no presente agravo, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da não exigibilidade da taxa de justiça inicial.
II – A questão da constitucionalidade da taxa de justiça.

I

DA EXIGIBILIDADE DA TAXA DE JUSTIÇA

Entende a autora que o pedido de exequatur de sentença estrangeira, por si formulado, não implica o pagamento de qualquer taxa de justiça.
Com a presente acção visa a autora a declaração de executoriedade da sentença proferida pelo Tribunal de Comércio de Carcassonne, que condenou a requerida no pagamento aquela da quantia de 683500,96€, acrescida de juros de mora.
O Exº Juiz, intervindo nos autos, ao tomar conhecimento da ausência do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, por parte da autora, determinou o cumprimento do disposto pelo artigo 486º-A, nº 3, do CPC, no sentido da observância do requisito da petição inicial que se mostrava omitido.
Dispõe, a este propósito, o artigo 467º, nos seus nºs 1 e 3, do CPC, que “na petição, com que se propõe a acção, deve o autor…juntar…o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total ou parcial do mesmo”.
E, na hipótese de o autor não ter junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou o documento que ateste a concessão do benefício de apoio judiciário, deve a secretaria recusar o recebimento da petição inicial, indicando, por escrito, o fundamento da rejeição, em conformidade com o estipulado pelo artigo 474º, corpo, e f), do CPC.
Ora, o que é facto é que a secretaria, por razões que não sobressaem neste agravo, mas, talvez, por inadvertência, não observou o dispositivo acabado de citar.
Aliás, não tendo a secretaria aplicado a sanção da recusa do recebimento da petição inicial, correspondente ao ónus da prova que incidia sobre a autora do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, deveria ainda o distribuidor recusar-se a admitir a petição à distribuição, por falta de observância deste requisito, ou, se dúvidas tivesse sobre a exigibilidade do pagamento, apresentá-la, com informação escrita, ao Juiz que preside à distribuição que, na mesma proferiria despacho, a admitir ou a recusar a distribuição, nos termos do preceituado pelo artigo 213º, nºs 1 e 2, do CPC.
Assim, foi antes o Exº Juiz quem, ao detectar a omissão, fez accionar o comando do artigo 486º-A, nº 1, do CPC, que torna extensiva à contestação, com as necessárias adaptações, mas que não era a hipótese em apreço, o disposto no nº 3, do artigo 467º, já mencionado, do CPC.
Porém, tendo a omissão verificada passado em claro, no exame preliminar da secretaria e, igualmente, do distribuidor, acabando a petição inicial por ser recebida, deveria o autor ter sido convidado pelo Tribunal «a quo», logo que a falta foi notada e sob a cominação de a instância se extinguir, a juntar o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou o documento que ateste a concessão de apoio judiciário, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 467º, nº 3, 314º, nº 3, ambos do CPC, e 28º, do Código das Custas Judiciais (CCJ)( Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 2001, 26.).
Efectivamente, perante a advertência cominatória formulada pelo Tribunal, o autor poderia juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474º, dentro dos dez dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, nos termos do estipulado pelo artigo 476º, do CPC, sem que, nesta hipótese, fosse sancionado com a aplicação de qualquer multa, sob pena de, em caso contrário, afrontando o preceituado pelo artigo 161º, nº 6, do CPC, os erros e omissões da secretaria acabarem por vir a prejudicar as partes.
E, se a autora não observasse o requisito omitido, dentro do prazo cominatório, acedendo ao convite formulado, o Tribunal julgaria extinta a instância, em conformidade, atendendo ao indevido recebimento, não suprido, da petição inicial, que não continha um dos seus requisitos essenciais, que consubstanciava uma verdadeira excepção dilatória atípica, aparentada com a “nulidade de todo o processo”, consagrada pelo artigo 494º, nº 1, b), do CPC, e que implicava, não a nulidade do processo, mas que o mesmo ficasse sem efeito, em consequência da falta cometida pelo autor( Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3º, 1946, 687 e 688.).
Não havia, pois, lugar, por ausência de verificação dos respectivos pressupostos legais, ao cumprimento do disposto pelo artigo 486º-A, nº 3, do CPC, como foi ordenado.
Mas, independentemente do procedimento verificado, estará a autora dispensada do pagamento da taxa de justiça inicial, como sustenta?
A este propósito, dispõe o artigo 50º, do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões, em matéria civil e comercial, que “o requerente que, no Estado-Membro de origem, tiver beneficiado no todo ou em parte de assistência judiciária ou de isenção de preparos e custas, beneficiará, no processo previsto na presente acção, da assistência mais favorável ou da isenção mais ampla prevista no direito do Estado-Membro requerido”, acrescentando o respectivo artigo 52º que “nenhum imposto, direito ou taxa proporcional ao valor do litígio será cobrado no Estado-Membro requerido no processo de emissão de uma declaração de executoriedade”.
Estipula ainda o artigo 23º, nº 1, do CCJ, que “para promoção de acções e recursos, bem como nas situações previstas no artigo 14º, é devido o pagamento da taxa de justiça inicial autoliquidada nos termos da tabela do anexo I”.
A taxa de justiça corresponde ao somatório das taxas de justiça inicial e subsequente, sendo calculada sobre o valor das acções e paga, gradualmente, em conformidade com o estipulado pelos artigos 13º, nºs 1 e 2 e 22º, do CCJ.
Com efeito, a taxa de justiça, sucessora da figura dos preparos comuns, tem o sentido da compensação gradual pela actividade jurisdicional efectuada( Preâmbulo do DL nº 224-A/96, de 26 de Novembro, que aprovou o Código das Custas Judiciais.), de um adiantamento ou garantia, de um pagamento antecipado do custo provável dos actos judiciais a praticar, por conta das custas da acção, se a elas houver lugar, a calcular, a final, que será restituída, por inteiro, à parte que a pagou, a título de custas de parte, em caso de vencimento total na causa, por, então, não ser devedor de quaisquer custas, nos termos do disposto pelo artigo 33º, nº 1, b), do CCJ.
Muito embora o montante da taxa de justiça dependa do valor processual da acção a que respeita, como decorre do teor do artigo 13º, nº 1, do CCJ, não assume a natureza de uma verdadeira taxa ou imposto.
É que o imposto consiste numa prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos, enquanto que a taxa é, também, uma prestação pecuniária, coactiva, mas não unilateral, uma vez que, ao contrário do imposto, o seu pagamento corresponde à contraprestação de um serviço por parte do Estado( Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5ª edição refundida e actualizada, 258. ).
Assim sendo, não consubstanciando a taxa de justiça inicial um imposto, direito ou taxa, mas antes um preparo ou provisão, ainda que proporcional ao valor do litígio, a sua exigência em processos de emissão de declaração de executoriedade não fere as imposições constantes dos dispositivos combinados dos artigos 50º e 52º, do Regulamento (CE) nº 44/2001.
II

A QUESTÃO DA CONSTITUCIONALIDADE

Mas, admitindo-se, por comodidade de raciocínio, que a denominada taxa de justiça inicial, a que alude o artigo 13º, nºs 1 e 2, do CCJ, tivesse a natureza de uma verdadeira taxa, e não de um preparo, como se demonstrou, a sua exigência, com base nos normativos em apreço, violará os princípios da proporcionalidade e da igualdade?
Diz a autora que a taxa de justiça não tem qualquer proporcionalidade ou conexão com o serviço, efectivamente, prestado em troca e que limita o acesso de alguns cidadãos aos Tribunais, para defesa dos seus direitos e interesses, legalmente, protegidos.
Dispõe o artigo 13º, nº 1, do CCJ, que “sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, a taxa de justiça é, para cada parte, a constante da tabela do anexo I, sendo calculada sobre o valor das acções, incidentes com a estrutura de acções, procedimentos cautelares ou recursos”, sendo paga, continua o respectivo artigo 22º, “…gradualmente pelo autor…”.
Por outro lado, as custas são calculadas pelo valor do pedido inicial, que deve ser atendido quando não for inferior ao que resulta dos critérios legais, considerando-se, nos casos não expressamente previstos, o valor resultante da aplicação das leis de processo, por força do estatuído no artigo 5º, nºs 3, 2 e 1, do CCJ.
Quer isto dizer que o valor atendível, para efeitos de custas, desde que não inferior aos critérios legais tributários, é o valor declarado pelas partes, com excepção dos casos não expressamente previstos, em que releva o valor processual.
O princípio fundamental de acesso aos Tribunais, consagrada no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República, é uma concretização do princípio do Estado de direito, apresentando uma dimensão garantística, ou seja, de defesa dos direitos, através dos Tribunais, e uma dimensão prestacional, o que significa o dever de o Estado assegurar instrumentos, designadamente, o apoio judiciário, tendentes a evitar a denegação da justiça, por insuficiência de meios económicos.
Porém, o ordenamento jurídico nacional concebe o sistema de apoio judiciário como algo que apenas visa garantir o acesso aos Tribunais aos, economicamente, carenciados, como forma de lhes assegurar o apoio que viabilize a tutela jurisdicional dos seus direitos, e não como um instrumento ao serviço das pessoas de médios rendimentos, salvo quando estas hajam de intervir em acções de muito elevado valor, devendo o legislador tomar sempre em linha de conta, em matéria de custas judiciais, vinculado que está aos princípios da universalidade e da igualdade, o nível geral dos rendimentos das pessoas, de modo a não tornar incomportável para o comum dos cidadãos o preço de uma demanda judicial, sob pena de transformar o acesso aos Tribunais em algo incomportável ou, especialmente, gravoso, violando-se, então, o direito de acesso aos Tribunais( TC, de 4-2-98, BMJ nº 474, 19; TC, de 18-12-91, BMJ nº 412, 111.).
No caso «sub judice», sendo a autora uma sociedade comercial, sediada em França, considerando o valor processual, coincidente com o valor tributário da acção, de 685482,80€, e o valor da taxa de justiça inicial aplicável de 1068€, não pode considerar-se esta como, desproporcionalmente, elevada, para mais reduzida a metade, nos termos do estipulado pelo artigo 14º, nº 1, a), do CCJ, ou seja, de 534€, não violando ainda o princípio da igualdade, nem a garantia do acesso ao direito e aos Tribunais.
Não é, pois, de assinalar uma desproporção intolerável, susceptível de violar o princípio do acesso à justiça, fora dos quadros do instituto do apoio judiciário, às normas constantes dos artigos 13º, nºs 1 e 2 e 22º, do CCJ, apresentando as mesmas um equilíbrio interno ao sistema, necessário à observância dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da não discriminação, em tudo conformes com a Constituição da República, designadamente, com os artigos 13º e 20º, e com os princípios que lhe estão subjacentes, isto é, do Estado de direito, da universalidade, da proporcionalidade e da igualdade.
Aliás, o inconveniente da eventual desproporcionalidade entre o serviço judicial realizado e o seu custo, resultante da aplicação de uma taxa proporcional ao valor da acção, sendo certo que nem sempre a complexidade do processo, designadamente a dificuldade das questões que ele comporta é, directamente, proporcional ao valor fixado, é susceptível de ser atenuado, através da implementação de normas de redução da taxa de justiça ou de intervenção correctiva do Juiz, tais como as que constam dos artigos 14º, 15º e 27º, do CCJ.

CONCLUSÕES:

I - Tendo a omissão do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou do documento que ateste a concessão de apoio judiciário passado em claro, no exame preliminar da secretaria e, igualmente, do distribuidor, acabando a petição inicial por ser recebida, deveria o autor ter sido convidado, pelo Tribunal, logo que a falta foi notada e sob a cominação de a instância se extinguir, a juntar o respectivo documento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 467º, nº 3, 314º, nº 3, ambos do CPC, e 28º, do CCJ, sem que, então, fosse sancionado com a aplicação de qualquer multa.
II - A taxa de justiça, sucessora da figura dos preparos comuns, tem o sentido da compensação gradual pela actividade jurisdicional efectuada, de um adiantamento ou garantia, por conta das custas da acção, a calcular, a final, que será restituída, por inteiro, à parte que a pagou, a título de custas de parte, em caso de vencimento total na causa, não assumindo a natureza de uma verdadeira taxa ou imposto, nem violando a sua exigência, em processos de emissão de declaração de executoriedade, as imposições constantes dos dispositivos combinados dos artigos 50º e 52º, do Regulamento (CE) nº 44/2001, muito embora o seu montante seja proporcional ao valor do litígio a que respeita.
III – Não é de assinalar uma desproporção intolerável, susceptível de violar o princípio do acesso à justiça, fora dos quadros do instituto do apoio judiciário, às normas constantes dos artigos 13º, nºs 1 e 2 e 22º, do CCJ, que prevêem o valor da taxa de justiça inicial aplicável de 534€, sendo a autora uma sociedade comercial, sediada em França, considerando o valor processual, coincidente com o valor tributário da acção, de 685482,80€, não violando ainda os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da não discriminação, nem do acesso ao direito e aos Tribunais.

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar, parcialmente, provido o agravo e, em consequência, determinam que o Exº Juiz, dando sem efeito o seu anterior despacho, na parte em que mandou cumprir o disposto pelo artigo 486º-A, nº 3, do CPC, convide a autora a juntar aos autos o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, sob a cominação de a instância se extinguir, revogando, correspondentemente, a mesma decisão, que confirmam em tudo o demais, ou seja, quanto à legalidade e constitucionalidade do pagamento da taxa de justiça inicial.

Custas, a cargo da autora, na proporção de metade, e não, igualmente, a cargo da ré, atento o estipulado pelo artigo 2º, nº 1, g), do CCJ.

Notifique.