Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4701/05.9TJCBR-K.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO MAGALHÃES
Descritores: INSOLVÊNCIA
INCIDENTE DA QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
REGIME DOS RECURSOS APLICÁVEL
APLICAÇÃO DO REGIME DO D.L. 303/2007
Data do Acordão: 07/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZOS CÍVEIS DE COIMBRA - 4º JUIZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO ART.º 688 CPC
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTºS 11º, Nº 1, E 12º, Nº 1, DO DEC. LEI Nº 303/2007, DE 24/08; E 188º DO CIRE.
Sumário: I – Nos termos dos artºs 11º, nº 1, e 12º, nº 1, do Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08, o novo regime dos recursos apenas se aplica aos processos instaurados a partir de 1/01/2008.

II – A qualificação da insolvência consubstancia um incidente do processo de insolvência, sendo a pendência deste, aquando da entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08, que determina a inaplicabilidade – também ao seu incidente de qualificação da insolvência – do regime de recursos introduzido por esse diploma (artºs 11º, nº 1, e 12º, nº 1).

III – Tem pleno cabimento o não recebimento de um recurso, por extemporaneidade da respectiva interposição, no incidente da qualificação da insolvência, quando o processo de insolvência foi instaurado em Dezembro de 2005 e o recorrente interpõe esse recurso no prazo de 30 dias a contar da data de notificação da sentença proferida nesse incidente, não atendendo ao prazo de 10 dias do artº 685, nº 1, do CPC, na sua redacção anterior à entrada em vigor do DL 303/2007, mesmo que o referido incidente se tenha iniciado já em 2008.

Decisão Texto Integral: (Reclamação nos termos do artigo 688º do Código de Processo Civil)

3ª Secção Cível

Relator: Falcão de Magalhães

I – Refere-se a presente reclamação ao despacho certificado a fls. 245 e 246, que não admitiu o recurso de apelação pretendido interpor, através do requerimento certificado a fls. 227, pelos ora Reclamantes, A... e B.... Tal despacho, considerando inaplicável à situação o regime instituído pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, indeferiu liminarmente esse recurso, por se entender que o mesmo, devendo ser interposto no prazo de dez dias a contar da notificação da decisão recorrida, foi interposto muito para além desse prazo, sendo, por isso, extemporâneo.

O Mmo. Juiz reclamado manteve a decisão de não admitir o recurso em causa, tendo a Sr.ª Administradora da Insolvência defendido o decidido, invocando, além do mais, o disposto no art.º 36, alíne i), do CIRE.

II – Decidindo:

Em acção com processo especial, instaurada em 7 de Dezembro 2005, ao abrigo do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE), foi declarada, por sentença de 16/12/2005, a insolvência da A..., sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada.

Nessa mesma sentença foi declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência, com carácter pleno.

A Sr.ª Administradora da Insolvência deu entrada em juízo do Parecer quanto à qualificação da insolvência em Janeiro de 2008.

Por sentença de 14/05/2008, de que os reclamantes foram notificados por carta registada de 15 de Maio, considerando-se por isso notificados no dia 19 de Maio, decidiu-se:

«a) Qualificar como culposa a insolvência de A...;

b) Julgar afectado pela qualificação o gerente B...;

c) Declarar o gerente B... inibido para o exercício do comércio por um período de 2 (dois) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;

d) Condenar o requerido B... no pagamento das custas do incidente.».

Desta decisão interpuseram recurso os ora reclamantes, através de requerimento entrado em juízo em 13/06/2008, em que ofereceram as suas doutas alegações.

Foi este recurso que o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” não recebeu, dando azo à presente reclamação, sendo a seguinte, a argumentação expendida para o efeito:

«… A insolvente A... e B... vieram interpor recurso da sentença de qualificação de insolvência mediante requerimento, acompanhado das respectivas alegações, apresentado no dia 13 de Junho de 2008.

Atendendo a que os recorrentes foram notificados da sentença de qualificação da insolvência por carta registada de 15 de Maio, considerando-se por isso notificados no dia 19 de Maio, conclui-se que o recurso foi apresentado no 25º dia posterior àquela notificação.

Ora, salvo o devido respeito por distinta opinião, julgo que o novo regime dos recursos em processo civil aprovado pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, não é aplicável no âmbito do presente incidente de qualificação de insolvência.

Com efeito, nos termos do art. 11º, nº1, e 12º, nº1, do Dec. Lei nº 303/2007, o novo regime dos recursos apenas se aplica aos processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2008.

Ora, não obstante o parecer de administrador de insolvência com que se inicia o presente apenso apenas ter entrado em juízo em Janeiro de 2008, verifica-se que a acção especial de insolvência foi proposta em 7 de Dezembro 2005, considerando-se a instância iniciada nessa data, conforme art. 267º do Código de Processo Civil, sendo certo ainda que o incidente de insolvência foi declarado aberto na sentença que declarou a insolvência, ou seja, em 6 de Dezembro de 2005.

Assim, o prazo para interposição de recurso da sentença de qualificação da insolvência era, nos termos do art. 685º, nº1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à aprovada pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 10 dias, prazo este que há muito estava esgotado quando os recorrentes interpuseram o recurso em análise.».

Adiantamos já que concordamos com o entendimento seguido pelo Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”.

Efectivamente a qualificação da insolvência consubstancia um incidente do processo de insolvência, sendo a pendência deste, aquando da entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, que determina a inaplicabilidade – também ao seu incidente de qualificação da insolvência – do regime de recursos introduzido por esse diploma (art.ºs 11º, n.º 1, e 12º, n.º 1)[1].

Aliás, ainda que assim se não entendesse, sempre se teria de concluir que o referido incidente se iniciou anteriormente a Janeiro de 2008, já que é na própria sentença de 16/12/2005, que o mesmo é declarado aberto.

Não releva, pois, para efeitos de considerar iniciado o incidente em causa, a data do Parecer da Administradora da Insolvência.

Este entendimento é reforçado, aliás, com o que dispõe o art.º 188º do CIRE.

Efectivamente, preceitua o n.º 1 do referido art.º 188º que, “Até 15 dias depois da realização da assembleia de apreciação do relatório, qualquer interessado pode alegar, por escrito, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa.”.

Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que “Dentro dos 15 dias subsequentes, o administrador da insolvência apresenta parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for o caso, as pessoas que devem ser afectadas pela qualificação da insolvência como culposa.”.

Do exposto resulta, pois, que se terá de considerar, o processo em causa, como instaurado anteriormente a 1 de Janeiro de 2008 e, consequentemente, excluído do âmbito de aplicação das alterações ao regime dos recursos introduzidas pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.

Deste modo, tem pleno cabimento o não recebimento do recurso em causa, por extemporaneidade da respectiva interposição, já que, como se refere na decisão reclamada, “o prazo para interposição de recurso da sentença de qualificação da insolvência era, nos termos do art. 685º, nº1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à aprovada pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 10 dias, prazo este que há muito estava esgotado quando os recorrentes interpuseram o recurso em análise”.

III – Em face de tudo o exposto, indefere-se, pois, a reclamação apresentada, confirmando-se o despacho reclamado.

Custas pelos reclamantes.

Notifique

Coimbra [2], 28/07/2008


O Relator: --------------------------------------------------------------------

(Falcão de Magalhães)



[1] Valerão aqui, “mutatis mutadis”, as seguintes considerações tecidas na decisão da reclamação relativa à apelação n.º 280/07.0TBLSA-F.C1, proferida neste Tribunal, pelo Exmo. Senhor Desembargador Teles Pereira: «… a questão colocada se refere ao sentido teleológico da expressão “processos pendentes” à data da entrada em vigor do DL 303/2007, na situação em que o processo do qual emerge o recurso foi proposto por apenso (porque necessariamente teria de o ser) a um processo (principal) instaurado anteriormente a 01/01/2008.
Ora, nestes casos, formando o apenso uma unidade orgânica com uma acção principal anteriormente proposta, em termos que nos permitem a caracterização desta (da acção principal) como processo preponderante e matricial daquele (do apenso), cremos que o objectivo de alcançar uma unidade coerente da tramitação de um processo por referência à globalidade do ordenamento processual em vigor aquando do começo desse mesmo processo, é plenamente alcançada com a consideração do processo principal – rectius, da data de instauração deste – como factor decisivo na determinação do regime de recursos globalmente aplicável.
                Cumpre-se assim, através desta interpretação do mencionado trecho do artigo 11º nº 1 do DL 303/2007, o objectivo presente na opção legislativa aqui em causa, em matéria de aplicação da lei no tempo, de alcançar uma tramitação unitária e indubitável dos processos, desde o seu começo até ao seu fim, abrangendo a fase dos recursos ordinários, independentemente das respectivas vicissitudes processuais. E vale aqui a consideração de que esse mesmo objectivo de certeza quanto ao regime adjectivo, assenta em motivos de segurança jurídica e de tutela de legítimas expectativas determinantes de relevantes investimentos de confiança. Enfim, tudo situações que não são indiferentes de um ponto de vista constitucional, como justamente sublinha Armindo Ribeiro Mendes a propósito das soluções de Direito Transitório, no caso do confronto entre o Direito Processual novo e o antigo em matéria de recursos. Aliás, a mesma teleologia subjaz ao critério estabelecido no nº 3 do artigo 24º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, no que respeita à modificação das alçadas.».

[2] Decisão processada e revista pelo Relator.