Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/01.3IDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: PROVA
PRESUNÇÃO JUDICIAL
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL
Data do Acordão: 10/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 349º CC,125º E Nº 3 ,424º DO CPP
Sumário: 1. Não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados.
2. Desde que as máximas da experiência (a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida), não sejam postas em causa, desde que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, nada obsta ao funcionamento da presunção judicial como meio de prova, observadas que sejam as necessárias cautelas.
3. Desde logo, é necessário que haja uma relação directa e segura, claramente perceptível, sem necessidade de elaboradas conjecturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge (sendo inadmissíveis “saltos” lógicos ou premissas indemonstradas para o estabelecimento dessa relação).
4. Por outro lado, há-de exigir-se que a presunção conduza a um facto real, que se desconhece, mas que assim se firma (por exemplo, a autoria – desconhecida – de um facto conhecido, sendo conhecidas também circunstâncias que permitem fazer funcionar a presunção, sem que concomitantemente se verifiquem circunstâncias de facto ou sejam de admitir hipóteses consistentes que permitam pôr em causa o resultado assim atingido).
5. A presunção não poderá colidir com o princípio in dubio pro reo
6. O aditamento de um facto não carece do prévio cumprimento da notificação a que se reporta o nº 3 do art. 424º do CPP desde que a consideração deste facto como provado traduz o próprio fundamento do recurso interposto, sendo assim do conhecimento do arguido, não se justificando, pois, um dever adicional de comunicação, visto não estar em causa uma alteração “não conhecida do arguido”.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 3º Juízo Criminal de Coimbra, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferida sentença absolvendo os arguidos “C..., Lda, Ldª” e I... do crime continuado de fraude fiscal que lhes vinha imputado.
Inconformado com essa decisão dela recorre o Ministério Público, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:
1 - Nos presentes autos, foram os arguidos I... e “C..., Lda, Lda” pronunciados,
- o primeiro arguido pela prática de um crime de fraude fiscal, na forma continuada, p. e p. no art. 23°, 1 e 2, als. a) e b), 3, als. a) e) e 4, do RJIFNA aprovado pelo DL 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do DL nº 394/93, de 24 de Novembro, na actualidade da previsão do art. 103°, 1, als. a) e b) do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho e arts. 30°, 2 e 79°, do C. Penal;
- a arguida pela prática de um crime de fraude fiscal, na forma continuada, p, e p. nos arts. 7°, 11°, 23°, 1 e 2, ais. a) e b), 3, als. a) e) e 4, do RJIFNA aprovado pelo DL 20-Al90, de 15 de Janeiro, na redacção do DL nº 394/93, de 24 de Novembro, na actualidade da previsão dos arts. 7°, 15°, 103°, 1, als. a) e b) do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho e arts. 30°, 2 e 79º, do C. Penal,
2 - Efectuado o julgamento, foi proferida sentença pela Mmª Juiz a qual absolveu os arguidos do crime de que vinham acusados.
Entendeu a Mmª Juiz que “pese embora a conduta dos arguidos seja subsumível à materialidade objectiva da norma em análise, concluiu-se, de imediato, não ter resultado demonstrado o limiar absoluto da tipicidade penalmente relevante, que é a obtenção de vantagens patrimoniais ilegítimas superiores a € 15.000.”
3 - No entanto, analisada a prova testemunhal produzida em julgamento conjugada com a prova documental existente nos autos, deveria a Mmª Juiz, sem sombra de dúvidas, ter condenado os arguidos pelos crimes de que vinham pronunciados.
4 - Os valores a considerar para efeitos de determinação da relevância criminal da conduta dos sujeitos passíveis de ser responsabilizados pelo crime de fraude fiscal são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária, in casu de cada declaração periódica de rendimentos, respeitantes aos anos de 1996 a 1999 - a vantagem patrimonial ilegítima consubstancia a "poupança fiscal" ilegitimamente pretendida, ou seja, o imposto pago a menos, ou não pago, em virtude da fraude, e não o valor da matéria tributável do imposto.
5 - Aceitamos que não se provou qual a concreta vantagem patrimonial i1egítima conseguida pelos arguidos - já que apesar das constatações referidas nos pontos 16) e 19) dos factos provados relativas aos exercícios de 1996, 1997, 1998 e 1999, a Inspecção Tributária não logrou determinar o preço exacto das vendas que, inequivocamente, tinham sido facturadas por valores inferiores aos reais - ponto 17 dos factos provados.
6 - Entendemos, contudo, que face a tais constatações, ou seja, face à matéria dada como provada no ponto 16) e 19) dos factos provados e às declarações das testemunhas J... e F... conjugadas com as regras da experiência comum, deveria a Mmª Juiz dar ainda como provado que a vantagem patrimonial indevida obtida pela empresa, relativa a cada um desses anos fiscais, se cifrou em quantia não apurada mas seguramente superior a € 15.000.
7 - Não o tendo feito, incorreu, a nosso ver, erro notório na apreciação da prova e em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, vícios previstos no art. 410°, 2, al. c) e b), do C.P.P. que conduzem à anulação do julgamento e ao reenvio para novo julgamento nos termos do art. 426º do C.P.P. ou que permitirá a aplicação do disposto no art. 431°, do mesmo diploma.
8 - As testemunhas J..., e F..., inspectores tributários, prestaram depoimento segundo a acta de audiência de julgamento de 17/02/2009, com depoimento gravado através do Sistema Habilus Media Studio.
9 - A testemunha J... confirmou o auto de notícia e o relatório constante dos autos referindo, ainda:
“Apurámos da real contabilidade da empresa que alguns apartamentos estavam a ser vendidos abaixo do preço de custo. Por quanto é que efectivamente foram vendidos, não foi apurado por métodos directos mas apenas por métodos indirectos. Apurámos na Urbanização A N... no Lote 2, Lote 4, Lote 5 e Lote 7. Não haja dúvida de que a empresa vendeu abaixo do preço de custo e não tinha necessidade disso porque era uma empresa com uma capacidade financeira forte ...”
10 - Assim, conjugando estas declarações com os factos dados como provados na sentença em particular nos pontos 16) e 19), mesmo não recorrendo aos métodos indirectos, temos de concluir que a vantagem patrimonial indevida obtida pela empresa, relativa aos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999, se cifrou em quantia não apurada mas seguramente superior a € 15.000,
11- Não o tendo feito, violou as mais elementares regras da experiência ou seja, violou o disposto no art. 127°, do CPP.
12 - Com efeito, dizem-nos as regras da experiência comum que qualquer sociedade que se dedica à compra, construção e venda de imóveis, não pratica (nem pode praticar para sobreviver) um preço de venda de prédios construídos inferior ao preço de custo da construção.
13 - E para chegarmos ao tal valor de € 15.000 relativamente a cada um dos referidos anos fiscais, bastaria considerar, relativamente aos lotes referidos no ponto 19) dos factos provados, a diferença entre o preço de venda declarado e o preço de custo (não havendo necessidade sequer, de recorrer ao preço de venda corrigido).
14 - Violou, assim, a sentença recorrida o disposto nos artigos 7º, 11º, 23°, 1 e 2, als. a) e b), 3, als. a), e) e 4, do RJIFNA aprovado pelo DL 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do DL nº 394/93, de 24 de Novembro, e actualmente os arts. 7º, 15° e 103°, 1. als. a) e b) do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho e artigos 127° e 410°, 2, c) e b), ambos do C.P.P.
Nestes termos e naqueles mais que Vªs Exªs se dignarão suprir, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida por outra que determine a condenação dos arguidos pelos crimes de que vinham pronunciados.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, sustentando que o recurso deverá merecer provimento, ainda que por razões distintas das invocadas, pronunciando-se pelo reenvio para novo julgamento, por verificação do vício previsto no art. 410º, nº 2, al. c), do CPP – contradição insanável de fundamentação.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que apreciar as seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

*
*

II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
1) A lª arguida, a firma C..., Lda, Lda., com sede na Avenida …, Coimbra, adiante designada por C..., Lda., tinha como objecto social a compra e venda de propriedades, construção civil, comércio de materiais de construção civil e terraplanagem.
2) Na actualidade, está colectada nas finanças pela actividade de promoção imobiliária, enquadrável no CAE 41.100 (Rev. 3).
3) Todavia, antes disso, designadamente entre 1996 e 1999, por ser, na ocasião, a sua actividade principal, estava colectada pelo CAE 70.120 (Rev. 2), correspondente à construção de edifícios para venda e à revenda de imóveis.
4) Para efeitos de IRC, estava enquadrada no regime geral.
5) O 2° arguido, I..., sempre foi sócio-gerente da arguida, sendo o responsável por todas as decisões que na empresa eram tomadas, nomeadamente na área económico-financeira.
6) No âmbito dessa actividade ligada à construção civil, em vários lotes de terreno que a firma tinha adquirido, em 1995, na Urbanização A N..., sita na avenida de Ceuta, Quarteira, a C..., Lda. construiu diversos edifícios, em regime de propriedade horizontal, destinados a habitação e comércio.
7) Adquiriu ainda a firma, em 1999, 26 lotes de terreno para construção, sitos em S. Clemente, Quarteira, ao Banco Nacional Ultramarino, pelo preço de 480.000.000$00, aquisição que com os inerentes custos adicionais ascendeu ao montante global de 569.691.869$00.
8) Ficou a adquirente com a obrigação de criar as infra-estruturas no local.
9) Nestes termos, em 1996, no que respeita à Urbanização A N..., a arguida C..., Lda. construiu e vendeu a terceiros 28 fracções para habitação, nos lotes 4 e 5.
10) Mais vendeu 4 fracções para comércio nos mesmos lotes.
11) Vendeu ainda o lote nº 8, por construir, sito na mesma Urbanização, a outra firma de construção civil.
12) Em 1997, a arguida C..., Lda. procedeu à venda de 14 fracções para habitação nos lotes 2, 5, e 7, sitos na referida Urbanização.
13) Em 1998, vendeu 5 fracções para habitação nos lotes 2, 4, 5 e 7, dessa Urbanização, bem como 2 fracções para comércio, no lote 2.
14) Em 1999, vendeu 2 fracções para habitação nos lotes 2 e 4, 5 e 7, dessa Urbanização.
15) Também em 1999, revendeu 16 dos 26 lotes de terreno para construção, acima referidos, sitos em S. Clemente.
16) Efectuada Inspecção Tributária à contabilidade da firma, Inspecção que decorreu entre 12 de Fevereiro e 26 de Março de 2001, em função da Ordem de Serviço n.º 32.703, de 16.1.2001, por referência a essas vendas, verificou-se a existência dos seguintes registos contabilísticos:
- Exercício de 1996:
Havia apartamentos idênticos vendidos, constando que o mais barato teria sido alienado por 63 % do valor do mais caro e outros, de igual tipologia, em que o mais barato era 61 % do valor do mais caro.
Noutra tipologia, o mais barato teria sido vendido por valor de apenas 41 % do mais caro.
Havia apartamentos TI que teriam sido vendidos por apenas 5.500.000$00, quando se situavam em zona turística do Algarve, em prédios rodeados de áreas verdes de lazer, áreas estas construídas pela empresa decorrente do plano de urbanização aprovado.
- Exercício de 1997:
Havia registo de vendas de apartamentos iguais, em que o mais barato era 81% do valor do mais caro e outros, de igual tipologia, em que o mais barato ascendia a 76 % do valor do mais caro.
Noutra tipologia, o mais barato constava como tendo sido vendido pelo valor de apenas 41 % do mais caro.
- Exercício de 1998:
Havia registo de venda de 2 lojas e de 2 apartamentos de férias, tipologia T2 e T3, respectivamente, por valores que eram inferiores ao custo de produção.
Mais havia registo da venda de um prédio misto, sito em R..., Torres Novas, cujo preço era inferior ao do custo de aquisição.
Com efeito, em 17.3.1998, a firma tinha adquirido esse prédio misto pelo preço de 4.900.000$00, tendo pago de sisa a quantia de 458.023$00, o que perfazia o montante global de 5.358.023$00.
E em 26.11.1998, vendeu-o à Sociedade Columbófila de R..., pelo preço de apenas 5.000.000$00, ou seja, por menos 358.023$00 do que havia despendido na sua aquisição.
- Exercício de 1999:
Havia registo da revenda de 16 dos 26 lotes de terreno para construção que tinha adquirido ao BNU, nesse ano.
Em 5 desses lotes, o preço que a C..., Lda. tinha feito constar dos registos contabilísticos como sendo o da venda era inferior ao respectivo custo de aquisição.
No que respeita ao lote 2, composto por 2 lojas e 10 apartamentos, aí construídos pela empresa, cujo custo ascendeu a 121.285.301$00, teria sido vendido, na globalidade, por apenas 121. 850.000$00.
O lote 4, composto por 3 lojas e 16 apartamentos, cujo custo ascendeu a 135.226.284$00, teria sido vendido por apenas 116.750.000$00.
O prédio designado por lote 7, cuja construção ascendeu ao montante global de 123.281.292$00, teria sido vendido pelo valor global de 111.800.000$00, o que acarretaria para a firma, neste negócio, um prejuízo de 11.481.292$00.
17) Apesar destas constatações, não logrou a Inspecção Tributária determinar o preço exacto das vendas que, inequivocamente, tinham sido facturadas por valores inferiores aos reais, dado não ter sido possível localizar os elementos comprovativos das quantias realmente entregues pelos adquirentes.
18) Face a tais circunstâncias, nos termos dos arts. 52, do CIRC e 88, da Lei Geral Tributária (LGT), perante as anomalias detectadas na contabilidade, no tocante ao valor das vendas de algumas das fracções dos lotes da Urbanização A N..., de alguns dos lotes de terreno sitos em S. Clemente e do prédio de R..., atenta a impossibilidade da comprovação do valor efectivo pelo qual foram transaccionados, não teve a Inspecção Tributária alternativa, para apuramento da matéria colectável da firma C..., Lda., por referência a esses exercícios, de 1996 a 1999, do que recorrer a métodos indirectos, quantificando-se os valores que não foi possível apurar de forma directa por aplicação dos critérios previstos no art. 90, da LGT.
19) Através de métodos indiciários foram assim determinadas as seguintes omissões de proveitos por parte de C..., Lda:
1° - Fracções dos Lotes da Urbanização A N...
Lote 2
Fracçãotipo%preço de custopreço de venda
declarado
preço de venda corrigidodiferença a tributarano
ALoja6,4867.866.565$7.000.000$8.000.000$1.000.000$1998
BLoja6,0817.375.359$7.000.000$8.000.000$1.000.000$1998
ET39,21411.175.227$8.100.000$13.750.000$5.650.000$1998
GT27,3368.897.460$8.500.000$9.000.000$500.000$1997
HT39,35611.347.453$9.000.000$13.750.000$4.750.000$1997
IT15,4216.574.826$7.500.000$7.500.000$7.500.000$1997
LT38,77810.646.424$10.500.000$13.750.000$3.250.000$1997
OT38,77810.646.424$13.750.000$13.750.000$0$1999
Soma16.150.000$
Lote 4:
Fracçãotipo%preço de custopreço de venda
declarado
preço de venda corrigidodiferença a tributarano
BLoja1,131.528.075$1.000.000$2.000.000$1.000.000$1996
DT15,747.761.988$5.500.000$8.000.000$2.500.000$1996
ET15,357.234.606$5.500.000$8.000.000$2.500.000$1996
FT15,357.234.606$5.500.000$8.000.000$2.500.000$1996
GT15,747.761.988$5.500.000$8.000.000$2.500.000$1996
IT15,357.234.606$5.500.000$8.000.000$2.500.000$1996
JT15,357.234.606$5.700.000$8.000.000$2.300.000$1996
LT15,377.275.174$7.500.000$8.000.000$500.000$1996
MT15,377.275.174$5.500.000$8.000.000$2.500.000$1996
OT15,357.234.606$5.500.000$8.000.000$2.500.000$1996
PT15,377.275.174$5.500.000$8.000.000$2.500.000$1996
QT15,377.275.174$7.500.000$8.000.000$500.000$1996
RT15,357.234.606$5.800.000$8.000.000$2.200.000$1996
ST15,357.234.606$5.500.000$8.000.000$2.500.000$1996
Soma29.000.000$

Lote 5:
Fracçãotipo%preço de custopreço de venda
declarado
preço de venda corrigidodiferença a tributarano
DT15,777.802.556$8.000.000$10.000.000$2.000.000$1997
GT15,777.802.556$8.100.000$10.000.000$1.900.000$1998
HT15,447.329.264$5.500.000$10.000.000$4.500.000$1996
IT15,427.329.264$8.000.000$10.000.000$2.000.000$1996
JT15,427.329.264$6.950.000$10.000.000$3.050.000$1996
MT15,447.329.264$6.100.000$10.000.000$3.900.000$1996
NT15,427.329.264$6.100.000$10.000.000$3.900.000$1996
OT15,427.329.264$6.950.000$10.000.000$3.050.000$1996
PT15,447.329.264$9.300.000$10.000.000$700.000$1996
QT15,447.329.264$8.000.000$10.000.000$2.000.000$1996
RT15,427.329.264$8.500.000$10.000.000$1.500.000$1996
ST15,427.329.264$8.000.000$10.000.000$2.000.000$1996
TT15,447.329.264$8.000.000$10.000.000$2.000.000$1996
Soma32.500.000$
Lote 7:
Fracçãotipo%preço de custopreço de venda
declarado
preço de venda corrigidodiferença a tributarano
AT29,8312.118.551$9.500.000$12.118.551$2.618.551$1998
CT28,9711.058.332$11.000.000$12.500.000$1.500.000$1997
DT28,9711.058.332$11.200.000$12.500.000$1.300.000$1998
ET29,2411.391.190$8.000.000$12.500.000$4.500.000$1997
FT28,9711.058.332$10.000.000$12.500.000$2.500.000$1997
GT28,9711.058.332$11.200.000$12.500.000$1.300.000$1998
HT29,2411.391.190$10.900.000$12.500.000$1.600.000$1996
IT28,9711.058.332$8.500.000$12.500.000$4.000.000$1996
JT28,9711.058.332$8.500.000$12.500.000$4.000.000$1996
LT29,2411.391.190$10.500.000$12.500.000$4.000.000$1996
Soma25.318.551$
2º - Lotes de terreno, sitos em S. Clemente:
Lote Área
Construção
(m2)
………………
Preço Mínimo
(m2)

………………
Valor Mínimo


………………
Preço de Venda


………………..
Diferença


…………
11.435 18.854$27.055.490$20.500.000$6.555.490$
21.10518.854$20.833.670$16.000.000$4.833.670$
31.36518.854$25.735.710$25.000.000$735.710$
41.69018.854$31.863.260$26.000.000$5.863.260$
81.74018.854$32.805.960$25.000.000$7.805.960$
91.95318.854$36.821.862$36.000.000$821.862$
111.36518.854$25.735.710$19.500.000$6.235.710$
121.10518.854$20.833.670$20.000.000$833.670$
161.32618.854$25.000.404$25.000.000$404$
181.32618.854$25.000.404$19.000.000$6.000.404$
191.75818.854$33.145.332$25.000.000$8.145.332$
211.50218.854$28.318.708$24.000.000$4.318.708$
221.40418.854$26.471.016$26.000.000$471.016$
241.32618.854$25.000.404$24.000.000$1.000.404$
Soma53.621.600$

20) Por conseguinte, não obstante a arguida C..., Lda , tenha recebido quantias superiores, a titulo de preço, pela venda a terceiros dos imóveis atrás referidos, sempre no intuito de alcançar para a C..., Lda. vantagens patrimoniais em sede de IRC, de molde a evitar a tributação desses diferenciais, o que conseguiu, por ordem do arguido I..., seu sócio­-gerente, a empresa registou tais vendas na contabilidade por preços inferiores e não revelou à administração tributária os seus valores reais, mas sim os fictícios, como se tivessem sido esses os montantes efectivamente auferidos, o que não correspondia à realidade.
21) Nestes termos, face ao determinado pelo arguido I..., após contabilização das vendas em causa por preços inferiores aos reais, a C..., Lda. apresentou à administração tributária, em 31 de Maio do exercício seguinte àqueles a que diziam respeito, as correspondentes declarações de IRC, modelo 22, no que respeita aos exercícios de 1996 a 1999.
22) Nelas somente foram declarados os proveitos económicos contabilizados nesses anos e não os realmente auferidos pela venda dos supracitados imóveis.
23) Assim, por referência a cada um desses anos fiscais, a C..., Lda. declarou ao fisco, a título de matéria tributável, valores inferiores aos reais, em montante concretamente não apurado.
24) Em consequência, ao declarar rendimentos diminuídos destes valores, por referência a cada um desses exercícios, entregou a C..., Lda. à Fazenda Nacional menos IRC do que, na realidade, devia ter pago.
25) De acordo com o apuramento feito pelas Finanças com base em métodos indirectos, com as correcções resultantes da impugnação judicial das liquidações respeitantes a estes anos, apresentada pela empresa, a C..., Lda, obteve as seguintes vantagens patrimoniais em sede de IRC:
Soma69.258.670$25.471.679$20.100.000$68.264.956$183.095.296$
matéria colectável68.059.016$22.601.599$20.100.000$68.264.956$ xxx
IRC em falta (36%, 34%, 34%, 34%)24.501.246$7.684.544$6.834.000$23.210.085$62.229.874$
IRC em falta (métodos indirectos)20.736.000$8.500.000$7.236.000$19.303.776$56.275.776$
Em euros:
Após a impugnação
Rubricas / Anos1996199719981999Total
Métodos Indirectos287.307,59€124.699,47€100.258,38€267.463,41€779.728,85€
Correcções Técnicas
(TAF)
58.153,20E2.352,68€0,00€73.040,75€133.546,63€
Soma:345.460,79€127.052,15€100.258,38€340.504,16€913.275,49€
Matéria Colectável
(TAF)
339.476,94€112.736,30€100.258,38€340.504,16€ xxx
IRC em Falta (36%,
34%, 34%, 34%)
122.211,70€38.330,34€34.087,85€115.771,42€310.401,31€
IRC em Falta
(métodos indirectos)
103.430,73€42.397,82€36.093.02€96.286,83€280.702,39€


Após a
impugnação
Rubricas / Anos1996199719981999total
Métodos
Indirectos
57.600.000$25.000.000$20.100.000$53.621.600$156.321.600$
Correcções Técnicas
(TAF)
11.658.670$471.670$0$14.643.356$26.773.696$

25) O arguido I..., relativamente aos exercícios de 1996 a 1999, reiterou na ocultação de proveitos económicos por parte da C..., Lda., atenta a sensação de impunidade que vinha sentindo, uma vez a administração tributária não detectar as ilegalidades.
26) Tanto assim, que só com a Inspecção Tributária realizada de 12 de Fevereiro a 26 de Março de 2001, em cumprimento da Ordem de Serviço nº 32.703, é que aquelas foram descobertas.
27) Em função disso, por essa Inspecção, no respectivo relatório da Inspecção tributária, de 20.4.2001, foram propostas correcções ao lucro tributável, referentes aos exercícios de 1996 a 1999, que mereceram concordância do respectivo Coordenador, através de despacho de 23.4.2001 (cfr. fls. 8 a 44).
28) Foi exercido o direito de audição prévia por parte da C..., Lda.
29) Em 16.5.2001, o Exmo. Senhor Director da Direcção de Finanças de Coimbra lavrou projecto de decisão, no sentido de proceder à avaliação indirecta da matéria tributável e fixar o lucro tributável nos valores propostos.
30) Notificada desse despacho, pediu a firma revisão da matéria tributável.
31) Através do Despacho nº 19/2001, de 29.10.2001, proferido pelo Exmo. Director da D. F. Coimbra, tendo em conta o relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, a reclamação do contribuinte e os laudos apresentados por ambos os peritos, validou o recurso a métodos indirectos para determinação da matéria tributável e manteve os lucros tributáveis inicialmente fixados de 68.813.731$00 para 1996, 23.837.056$00 para 1997, 24.873.915$00 para 1998 e 78.220.814$00 para 1999 (valores que resultavam das correcções ao resultado liquido, do resultado contabilístico, das correcções fiscais e finais).
32) Em 31.10.2001 (1996 e 1997), 9.11.2001 (1998) e 6.3.2002 (1999), tendo em conta a matéria tributável apurada por recurso a métodos indirectos e às correcções efectuadas, foram efectuadas as respectivas liquidações adicionais de IRC, incluindo juros, por referência a cada um dos exercícios, nos seguintes valores:
- 1996 - € 190.522,31, equivalente a 38.196.293$00;
- 1997 - € 56.627,08, equivalente a 11.352.710$00;
-1998 - € 51.604,91, equivalente a 10.345.855$00;
- 1999 - € 137.430,22, equivalente a 27.552.285$00.
33) Impugnou a C..., Lda. as primeiras três liquidações no ex-Tribunal Tributário de lª Instância de Coimbra, em 3.4.2002, tendo a impugnação da quarta liquidação dado entrada nesse Tribunal, em 18.9.2002.
34) Todas essas impugnações foram conhecidas no Processo de Impugnação Judicial nº 107/2002, do actual Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, mediante sentença de 8.7.2006 (cfr. fls. 228 a 248).
35) Tal sentença julgou parcialmente procedente as liquidações adicionais respeitantes aos exercícios de 1996, 1997 e 1998, e, em consequência:
- anulou as liquidações impugnadas dos exercícios de 1996 e 1997, na parte resultante da não-aceitação dos custos com deslocações e estadas, bem como os juros compensatórios correspondentes;
- anulou a liquidação impugnada relativa ao exercício de 1998, na parte referente aos proveitos devidos pela fracção A, do lote 7 e aos juros compensatórios respectivos.
36) Foi julgada, no mais, improcedente a impugnação das liquidações adicionais de IRC de 1996, 1997 e 1998 e considerada totalmente improcedente a impugnação da liquidação adicional de IRC do exercício de 1999.
37) Em súmula, resultou dessa sentença apenas a correcção das liquidações em aspectos meramente técnicos, sem implicação na matéria relativa à ocultação de proveitos.
38) Com efeito, somente foram anuladas correcções técnicas efectuadas a deslocações e estadas, nos exercícios de 1996 e 1997, nos montantes de 754.715$00 e de 1.235.457$00, respectivamente e de afectação a uso próprio da fracção A, do lote 7 em 1998, no montante de 2.618.551$00.
39) Dessa sentença interpôs a impugnante recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, Secção de Contencioso Tributário, a que correspondeu o Recurso Jurisdicional n.o 107/02.
40) Por acórdão de 13.9.2007, foi negado provimento ao mesmo e confirmada a decisão recorrida.
41) Em 1.10.2007, interpôs a recorrente recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade material da norma contida no art. 36º, n.o 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (cfr. fls. 263).
42) Na sequência, conforme despacho de 30.11.2007, proferido pelo Exmo. Senhor Juiz-Desembargador Relator do Recurso do TCAN, por não ter havido recurso para o STA, a decisão do TCAN deve ter-­se como definitiva, não sendo já objecto de recurso ordinário.
43) As quantias liquidadas e corrigidas por força da impugnação judicial ainda se encontram em dívida, estando suspensos os processos de execução fiscal instaurados contra a firma, dado esta ter prestado garantia bancária (cfr. arts. 169 e 199, do Código do Procedimento e Processo Tributário).
44) O arguido I... agiu voluntária, livre e conscientemente, na qualidade de sócio-gerente da firma C..., Lda. e no interesse desta, com o propósito de obter proveitos económicos indevidos para a firma, de molde a que esta pagasse ao Estado menos impostos do que, na realidade, devia, em sede de IRC.
45) Estava ciente que os valores contabilizados e declarados à administração tributária, como proveitos, eram inferiores aos realmente auferidos pela empresa com a venda dos descritos imóveis.
46) Tinha conhecimento de serem as suas condutas proibidas por lei.
47) O arguido é casado e vive com a mulher em casa que é propriedade da firma arguida.
É sócio gerente de duas firmas e aufere por mês cerca de € 1500,00 de vencimento de cada uma dessas firmas.
É dono de um Mercedes E 300 com cerca de 19 anos.
Não tem antecedentes criminais

Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte:
Com eventual relevo para a decisão da causa nenhum outro facto se demonstrou.
Em especial não se provou que:
A – que a ocultação de proveitos ascendeu aos seguintes montantes:
Exercício de 1996 – menos 57.600.000$00;
Exercício de 1997 – menos 25.000.000$00;
Exercício de 1998 – menos 20.100.000$00;
Exercício de 1999 – menos 53.621.600$00.
B - que a vantagem patrimonial indevida obtida pela empresa, relativa a cada um desses anos fiscais, se cifrou nas seguintes quantias:
- Em 1996: A quantia 20.736.000$00 (vinte milhões, setecentos e trinta e seis mil escudos), calculada através da aplicação da taxa então em vigor de 36 % (art. 69º, nº 1, do CIRC, na redacção da Lei nº 65/90, de 28/12 (OE de 1991).
- Em 1997: A quantia de 8.500.000$00 (oito milhões e quinhentos mil escudos), calculada à taxa de 34%.
- Em 1998: A quantia de 7.236.000$00 (sete milhões, duzentos e trinta e seis mil escudos), calculada através da aplicação das taxas então em vigor de 34 % (artigo 69º nº 1, do CIRC, na redacção do D. L. nº 44/98, de 3/03).
- Em 1999: A quantia de 19.303.776$00 (dezanove milhões, trezentos e três mil e setecentos e setenta e seis escudos), calculada através da aplicação das taxas então em vigor de 34 % (artigo 69º nº 1, do CIRC, na redacção do D. L. nº 44/98,de 3/03).

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
O Tribunal deu como provados os factos nessa qualidade supra descritos com base em diversos elementos probatórios, devidamente correlacionados, designadamente, e desde logo, o teor dos documentos juntos aos autos e as declarações prestadas pelas testemunhas J... e F..., inspectores tributários, que prestaram depoimentos isentos e credíveis, dizendo que efectuaram uma inspecção à firma arguida, tendo analisado a respectiva contabilidade e tendo constatado a existência de algumas situações anómalas, designadamente uma variação grande do preço da venda de apartamentos da mesma tipologia e com a mesma área e do mesmo prédio e ainda que alguns apartamentos foram vendidos por um preço inferior ao preço de custo. Tal situação causou estranheza, desde logo porque a situação financeira da empresa era estável e sólida e não obrigava a vendas abaixo ou muito perto do preço de custo. Assim, relataram, concluíram que os arguidos simularam os preços de venda dos apartamentos a fim de pagarem menos IRC. Recorreram então a métodos indiciários para calcularem o valor do imposto que não foi pago e concluíram que os arguidos, com a ocultação de proveitos que fizeram, deixaram de pagar, a título de IRC, as quantias descritas na acusação.
Pese embora o teor destas declarações, deu o Tribunal corno não provado que a empresa arguida tenha sofrido efectivamente o prejuízo patrimonial constante da acusação pública porquanto a prova produzida em audiência de julgamento não nos permite retirar tal conclusão, pelas razões que infra serão expostas.
Não se desconhece a legitimidade do recurso à aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria tributária, sendo de resto diversas as situações em que tal se mostra inevitável, perante a fundamentada insuficiência e incorrecção do sistema de informação das empresas (cfr. art. 87°da LGT).
Estabelece o nº 2 do art. 83° da LGT que a “... avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha” (o sublinhado é nosso), sendo certo que, nos termos do art. 72º da mesma Lei Geral “O órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito”.
Esta modalidade de avaliação, nos termos do disposto no art. 83º nº 2 da LGT, é sempre de carácter subsidiário em relação à avaliação directa, que pretende a determinação real dos rendimentos e bens sujeitos a tributação. Estabelece de facto o nº 1 do art. 81º da Lei Geral Tributária (LGT) , que a matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder à avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei.
Os métodos indirectos consistem nos meios de avaliação indirecta de lucros tributáveis ou rendimentos líquidos através do recurso a índices que permitam extrair presunções quantitativas. Não constituem, portanto, um modo de avaliação de um montante efectivamente existente, antes possibilitam a sua quantificação presuntiva pela análise de indicadores que, supostamente, o podem identificar.
Assim, a avaliação indirecta tem carácter excepcional e subsidiário em relação à avaliação directa (conforme artigos 81º, nº 1 e 85º da LGT), apenas ocorrendo quando o contribuinte não cumpra os deveres a que está obrigado.
Depois o legislador nos termos do nº 3 do art. 74º da mesma LGT, estabeleceu que:
“Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.
Assim, incumbe à administração tributária provar a existência dos pressupostos legais da aplicação do método de avaliação indirecta e o contribuinte terá à sua conta o encargo de provar que a quantificação do valor tributável encontrado é excessivo.
Verificando-se os respectivos pressupostos, deve ser tida por boa a determinação quantitativa que resulte da avaliação indirecta.
Contudo, julga-se, já em sede penal não se podem admitir os resultados através dos métodos indirectos, que mais não são do que presunções legais, tributárias, pois permitir a condenação de alguém com base numa presunção é atentar contra o principio da presunção da inocência, constitucionalmente consagrado (art. 32º, nº 2, da CRP).
E, se é certo que da prova produzida em julgamento, supra já referida, resulta que se pode afirmar a existência de uma divida fiscal por parte dos arguidos, já ficou por demonstrar o valor dessa divida, concretamente que a vantagem patrimonial pretendida não é inferior a € 15.000,00, elemento este que é constitutivo essencial do tipo de crime (neste sentido, Nuno Pombo, A Fraude Fiscal, Almedina, p. 78 e 79).
No que respeita ás condições pessoais e económicas do arguido consideraram-se as declarações por este prestados e, relativamente aos antecedentes criminais, o CRC do arguido.

*
*

Do confronto da motivação do recurso com as conclusões dela extraídas, resulta patente que o recorrente confunde o âmbito dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam todas as demais disposições legais citadas sem indicação de origem) com o recurso versando a matéria de facto. Só assim se compreende que se alicerce nos depoimentos das testemunhas J... e F... para invocar os vícios previstos nas als. c) e b) do nº 2 do art. 410º – erro notório na apreciação da prova e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Trata-se, na verdade, de opções processuais distintas, reclamando tratamento diferenciado. A divergência entre o que na sentença se teve como provado e aquilo que deveria ter sido dado como provado traduz erro de julgamento da matéria de facto, sindicável pelo tribunal superior apenas se tiver havido documentação da prova produzida em audiência e se o recorrente interessado na respectiva impugnação observar, em sede de recurso, o que pertinentemente dispõe o art. 412º. A arguição deste vício nos termos legalmente previstos desencadeia a reapreciação da matéria de facto à luz da prova produzida em audiência e pode conduzir à alteração do provado. Já a arguição dos vícios previstos no art. 410º pressupõe que estes resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, portanto, sem recurso à reapreciação da prova produzida em audiência, não permitindo sindicar a matéria de facto nos termos amplos em que o consente a invocação de erro de julgamento mediante impugnação do provado, e conduzirá, normalmente, ao reenvio do processo para novo julgamento, total ou parcial.

De todo o modo, e pese embora a notória confusão em que o recorrente laborou no que concerne aos dois modos de impugnação do provado nos termos acabados de referir – disso deu nota, pertinentemente, o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer – certo é que põe em causa a matéria de facto que a primeira instância teve como assente, considerando que para além dos factos descritos como tal e ainda que se aceite que não se provou qual a concreta vantagem patrimonial ilegítima conseguida pelos arguidos, face aos depoimentos das já referidas testemunhas J... e F... e ao que se teve como provado nos pontos 16 e 19, conjugado com as regras da experiência comum, deveria ter sido ainda considerado como provado que “a vantagem patrimonial indevida obtida pela empresa, relativamente a cada um desses anos fiscais, se cifrou em quantia não apurada mas seguramente superior a € 15.000”.

É claro que querendo impugnar a matéria de facto, o recorrente tem que organizar o recurso com observância do formalismo previsto nos nºs 3 e 4 do art. 412º; nomeadamente, tem que indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e tem que indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Tratando-se de facto omisso, vale exactamente o mesmo princípio. O recorrente indicará o facto em falta tal como ele deveria constar da enumeração do provado. Não se pretende uma indicação genérica, uma indicação explicativa ou a indicação do sentido do facto, mas a indicação precisa. Só assim se atinge a concretização exigida pela lei, que não resulta de mero capricho do legislador, antes serve uma finalidade prática: o tribunal de recurso, confrontado com a impugnação da matéria de facto, tem que conhecer exactamente o sentido e o alcance da impugnação; tem que saber exactamente – nem mais, nem menos – o que é que o recorrente entende que está mal julgado!
Ora, apesar da confusão de conceitos antes referida, o recorrente deu cumprimento mínimo às imposições legais relativas à impugnação da matéria de facto, já que indicou concretamente qual a matéria que deveria ter sido dada como provada, narrando o facto em falta tal como deveria constar do provado. E como, bem vistas as coisas, o que o recorrente pretende é que através de um juízo assente numa presunção judicial se tenha como provado uma parcela daquilo que a prova directa não alcançou, apenas se lhe impunha indicar os fundamentos do funcionamento da presunção (já que esta apenas mediatamente radica nos meios de prova produzidos em audiência), o que fez, tanto na motivação com nas respectivas conclusões. Estão reunidas, pois, as condições necessárias para que o tribunal de recurso conheça da matéria de facto.

Como é sabido, o provado, enquanto resultado da prova, entendida esta como modo de demonstração de factos jurídico-penalmente relevantes, jamais poderá ser fruto do mero arbítrio, antes devendo assentar na legítima valoração, à luz das regras da experiência e da livre convicção do julgador, da prova produzida em audiência, em pleno respeito pelo princípio da legalidade da prova consagrado no art. 125º.
No caso vertente, essencial para a demonstração do crime imputado aos arguidos, face ao disposto no art. 103º, nº 2, do RGIT, era a determinação da vantagem patrimonial ilegitimamente obtida. Claro que nos casos de ocultação ou alteração de factos ou valores e na impossibilidade de determinar com precisão os valores ocultados ou omitidos, é lícito o recurso a métodos indiciários para os determinar. De resto, a utilização de métodos indiciários a título sancionatório, na determinação dos lucros comerciais, industriais e agrícolas, tem expressa previsão nos casos em que a declaração seja tida por inverídica ou incontrolável, em casos de falsa declaração, de inexistência de contabilidade, recusa de exibição de escrita ou sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação, o mesmo sucedendo em matéria de IVA. Trata-se de uma reacção legal a situações anómalas imputáveis ao próprio contribuinte, pelo que a respectiva aplicação não viola os princípios da generalidade da tributação e da capacidade contributiva, pois que nessas situações o Estado só não tributa o rendimento real por factos imputáveis ao próprio contribuinte - Cfr. Nuno de Sá Gomes, ob. cit., págs. 54/55.. Daí não se segue, no entanto, que seja lícito, com base nos valores assim determinados, perseguir criminalmente o contribuinte relapso. Os valores determinados por recurso a método indiciário não têm outra relevância que não seja a determinação, com carácter sancionatório fiscal, do montante devido pelo contribuinte à fazenda nacional, podendo este ser executado por esse montante se o não pagar voluntariamente. Inadmissível, porém, sob pena de inconstitucionalidade, é a perseguição criminal do contribuinte com base na presunção em que se vem a traduzir a utilização do método indiciário - Cfr. Nuno de Sá Gomes, idem, pág. 262 e nota de rodapé., antes subsistindo integralmente o dever da acusação de demonstrar todos os elementos constitutivos do crime.
Esta afirmação não colide, no entanto, com a validade da prova obtida através de presunção judicial. Não oferece dúvida que são admissíveis em processo penal as provas que não sejam proibidas por lei (art. 125º), aí incluídas as presunções judiciais, que são as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para firmar outros factos, desconhecidos (art. 349º do Código Civil), sem que daí resulte prejuízo para o princípio da livre apreciação da prova. Não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados. De resto, este é um mecanismo recorrente na formação da convicção. Basta pensar na prova da intenção criminosa. A intenção, enquanto elemento volitivo do dolo (enquanto decisão pela conduta, suposto serem conhecidos pelo agente os elementos do tipo legal de crime), na medida em que traduz um acontecimento da vida psicológica, da vivência interna, não é facto directamente percepcionável pelos sentidos do espectador, havendo que inferi-la a partir da exteriorização da conduta. Só por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por “livre convicção”, é possível determiná-la, através de outros factos susceptíveis de percepção directa e das máximas da experiência, extraindo-se como conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como provado. Desde que as máximas da experiência (a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida), não sejam postas em causa, desde que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, nada obsta ao funcionamento da presunção judicial como meio de prova, observadas que sejam as necessárias cautelas:
- Desde logo, é necessário que haja uma relação directa e segura, claramente perceptível, sem necessidade de elaboradas conjecturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge (sendo inadmissíveis “saltos” lógicos ou premissas indemonstradas para o estabelecimento dessa relação);
- Por outro lado, há-de exigir-se que a presunção conduza a um facto real, que se desconhece, mas que assim se firma (por exemplo, a autoria – desconhecida – de um facto conhecido, sendo conhecidas também circunstâncias que permitem fazer funcionar a presunção, sem que concomitantemente se verifiquem circunstâncias de facto ou sejam de admitir hipóteses consistentes que permitam pôr em causa o resultado assim atingido);
- Por fim, a presunção não poderá colidir com o princípio in dubio pro reo (é esse, aliás, o sentido da restrição referida na parte final do exemplo que antecede).

Posto isto, impõe-se a formulação da pergunta que dá o mote ao recurso em análise:
Os factos provados nos autos permitem retirar a ilação pretendida pelo recorrente, isto é, permitem concluir que “a vantagem patrimonial indevida obtida pela empresa, relativamente a cada um desses anos fiscais, se cifrou em quantia não apurada mas seguramente superior a € 15.000,00” ?
A resposta não carece de rebuscada fundamentação. Em face do tipo de negócios em causa, da vitalidade económica evidenciada pela empresa e do número de vendas efectuadas, tanto quanto resulta do que directamente se teve como provado, a constatação do bem fundado da conclusão presumida nos termos apontados, pelo menos, no que concerne aos anos de 1996 e de 1999 (relativamente aos demais períodos analisados e face aos valores apurados, a margem de erro não admite o funcionamento da presunção), oferece-se de tal forma evidente que mesmo sem ser possível quantificar com exactidão a vantagem económica ilegítima obtida pela arguida é possível garantir, com a certeza exigível para uma condenação penal, que essa vantagem excede o limiar do montante que traça a fronteira da relevância criminal. E se por um lado não colhe o argumento da inadmissibilidade da prova por presunção – já explicámos como e em que termos essa prova é admissível e o que está aqui em causa é a presunção judicial firmada em factos provados, não a presunção indiciária de que se serviu a fazenda nacional para determinar os montantes cuja declaração foi omitida – por outro, não colhe o argumento da violação do princípio in dubio pro reo, que in casu é desmentido pela força da evidência, obstando também ao tratamento de favor que decorreria do in dubio…. Como se refere no Ac. do STJ de 08/11/2007 - Disponível em http://www.dgsi.jstj, doc. nº SJ200711080031645, “…«a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (“a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal». Daí que, nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade (repete-se: «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, «uma firme certeza do julgador», sem que concomitantemente «subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto»), não haja - seguramente - lugar à intervenção dessa «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que, fundada na presunção de inocência, é o "in dubio pro reo" (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência [aqui ausente] de uma firme certeza do julgador»). Palavras que pela sua pertinência e adequação ao caso se reproduzem sem outros comentários que não sejam os que permitem evidenciar a justeza do facto presumido.
Vejamos:
Em 1995, a arguida adquiriu vários lotes de terreno na Urbanização A N..., sita na avenida de Ceuta, Quarteira, onde veio a construir diversos edifícios em regime de propriedade horizontal, destinados a habitação e comércio.
Em 1996, construiu e vendeu a terceiros 28 fracções para habitação e 4 fracções para comércio nos lotes 4 e 5.
Revendeu ainda o lote nº 8, por construir, a outra firma de construção civil.
No âmbito da sua actividade, vendeu apartamentos idênticos em que o mais barato teria sido alienado por 63 % do valor do mais caro e outros, de igual tipologia, em que o mais barato era 61 % do valor do mais caro. Noutra tipologia, o mais barato teria sido vendido por valor de apenas 41 % do mais caro. Foram ainda alienados apartamentos T1 que teriam sido vendidos por apenas 5.500.000$00, quando se situavam em zona turística do Algarve, em prédios rodeados de áreas verdes de lazer, construídas pela empresa por imposição do plano de urbanização aprovado. Atente-se na matéria de facto que se teve como provada e verificar-se-á que se os valores de venda das fracções B, D, E, F, G, I, J, M, O, P, R e S do lote 4, apresentados pela arguida, todos eles negociados em 1996, correspondessem à verdade, todas essas fracções teriam sido vendidas a preço inferior ao custo de produção, implicando prejuízos que variariam entre 528.075$00 (fracção B) e 1.761.988$00 (fracções D e G), de modo algum compensadas pelas mais valias decorrentes da venda das fracções cujo preço evidencia margem de lucro relativamente ao respectivo custo de produção.

Em 1997, a arguida procedeu à venda de 14 fracções para habitação nos lotes 2, 5, e 7, verificando-se que havia registo de vendas de apartamentos iguais, em que o mais barato era 81% do valor do mais caro e outros, de igual tipologia, em que o mais barato ascendia a 76 % do valor do mais caro. Noutra tipologia, o mais barato constava como tendo sido vendido pelo valor de apenas 41 % do mais caro. A ser verdade, as fracções G, H e L do lote 2 teriam sido vendidas a preço inferior ao custo de produção, o mesmo sucedendo com as fracções C, F, J e L do lote 7, isto, mais uma vez, sem que as mais valias resultantes da venda dos lotes negociados por valor superior ao preço de custo permita compensar esse “prejuízo”.

Em 1998 a arguida vendeu fracções para habitação nos lotes 2, 4, 5 e 7, bem como 2 fracções para comércio, no lote 2. Contudo, a corresponderem à verdade os registos da arguida, as lojas correspondentes às fracções A e B do lote 2, bem como a fracção E do mesmo lote e a fracção A do lote 7 teriam também sido vendidas por valores inferiores ao custo de produção.

Feitas as contas separadamente para cada um dos lotes 2, 4 e 7, retiram-se elucidativas conclusões:
- O lote 2, composto por 2 lojas e 10 apartamentos, cujo custo ascendeu a 121.285.301$00, teria sido vendido, na globalidade, por apenas 121. 850.000$00, permitindo assim um ganho correspondente a menos de 0,5% relativamente ao custo da construção;
- O lote 4, composto por 3 lojas e 16 apartamentos, cujo custo ascendeu a 135.226.284$00, teria sido vendido por apenas 116.750.000$00, ou seja, causando um prejuízo superior a 10% do custo de produção;
- O prédio designado por lote 7, cuja construção ascendeu ao montante global de 123.281.292$00, teria sido vendido pelo valor global de 111.800.000$00, o que acarretaria para a firma, neste negócio, um prejuízo de 11.481.292$00, correspondente também a mais de 10% de prejuízo.

Ainda em 1998 e apesar dos anteriores negócios ruinosos (ou não será ruinosa uma sucessão de negócios orientados para darem prejuízo?) com a venda de fracções autónomas por si construídas, a arguida ainda teve forças para adquirir um prédio misto, em R..., Torres Novas, pelo preço de 4.900.000$00, tendo pago de sisa a quantia de 458.023$00, perfazendo o montante global de 5.358.023$00 e revendeu esse prédio no mesmo ano pelo preço de 5.000.000$00, inferior em 358.023$00 ao valor despendido na sua aquisição.
Já em 1999, a arguida adquiriu 26 lotes de terreno para construção, sitos em S. Clemente, Quarteira, ao Banco Nacional Ultramarino, pelo preço de 480.000.000$00, aquisição que com os inerentes custos adicionais ascendeu ao montante global de 569.691.869$00, ficando com a obrigação de criar as infra-estruturas no local. Não terá sido, certamente, com o lucro obtido com a venda das fracções autónomas comercializadas nos anos de 1996, 1997 e 1998 que satisfez o valor correspondente ao preço do imóvel e aos custos de aquisição, pelas razões já apontadas. De todo o modo, ainda no ano de 1999, a arguida revendeu 16 desses lotes, mencionando nos seus registos contabilísticos, relativamente a 5 deles, um preço de venda inferior ao respectivo custo de aquisição.

Que dizer de tudo isto?
Em face de todos os factos acima referidos, se é certo que se não demonstrou o quantitativo concreto e exacto dos valores omitidos à administração fiscal em cada declaração de IRC, é manifesto, no entanto, em função dos valores envolvidos nos negócios efectuados pela arguida, tal como resultam do provado, que pelo menos nos exercícios de 1996 e 1999 os quantitativos omitidos excederam, em cada um desses exercícios, o montante de € 15.000,00. Negá-lo, equivale a negar a própria força da evidência, rejeitando as regras da experiência comum. E assim sendo, por força da presunção judicial que necessariamente se impõe retirar da demais matéria de facto provada, há que concluir e ter como provado que “a vantagem patrimonial indevida obtida pela empresa, relativamente aos exercícios fiscais de 1996 e de 1999, cifrou-se em quantia não concretamente apurada mas superior, em cada um desses anos, a € 15.000,00”, facto este que se adita à matéria de facto provada.

Nada obsta, de resto, à possibilidade de alteração da matéria de facto em sede de recurso. A Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, ao aditar ao art. 424º do CPP o actual nº 3, teve precisamente em vista permitir a alteração da qualificação jurídica, bem como a alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida, no tribunal de recurso. Sendo desconhecida do arguido, essa alteração terá que lhe ser comunicada, para que o arguido sobre ela se possa pronunciar. Não é esse, no entanto, o caso vertente. O aditamento do facto referido não carece do prévio cumprimento da notificação a que se reporta o nº 3 do art. 424º, já que a consideração deste facto como provado traduz o próprio fundamento do recurso interposto, sendo assim do conhecimento do arguido, não se justificando, pois, um dever adicional de comunicação, visto não estar em causa uma alteração “não conhecida do arguido” - Sobre o tema, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Ed., pag. 1157, nota 7..

Não assiste razão ao recorrente quando invoca a verificação dos vícios da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova, previstos, respectivamente, nas alíneas c) e b) do nº 2 do art. 410º do CPP. Conforme expressamente resulta do texto do nº 2 do citado art. 410º, os vícios referidos nas respectivas alíneas a) a c) apenas se poderão ter por verificados se resultarem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O primeiro dos vícios invocados pelo recorrente – contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – revela-se através de uma incoerência, evidenciada por uma relação de incompatibilidade ou conflitualidade entre dois ou mais factos ou premissas inconciliáveis, em termos tais que a afirmação de um ou uns implique necessariamente a negação do outro ou outros, e reciprocamente. É o que sucede, por exemplo, quando o mesmo facto é dado como provado e como não provado, quando se consideram assentes factos contraditórios ou quando se verifica uma contradição entre a motivação e a decisão que se afirma como inultrapassável em função dos elementos disponíveis.
Já o erro notório na apreciação da prova é o vício que “existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores, uma conclusão sobre o significado da prova, contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito dos factos relevantes para a decisão de direito” - Entre outros, conferir, no sentido apontado, o Ac. do STJ de 22 de Abril de 2004, in “Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, ano XII, tomo 2, págs. 166/167..
Revertendo para a decisão recorrida e apreciada esta à luz das considerações que antecedem, não se detecta a verificação de qualquer daqueles vícios. Na verdade, os factos dados como provados constituem suporte bastante para a decisão adoptada, não se vislumbra incompatibilidade entre o provado e o não provado ou entre a fundamentação e a decisão e não é perceptível qualquer erro grosseiro e ostensivo na apreciação da prova. O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto provada e não provada enumerando os elementos probatórios em que se baseou para formar a sua convicção, com indicação dos elementos a que atribuiu relevância, explicitando um critério lógico, coerente e objectivo, não denotando a sentença em crise, seja pelo seu teor literal, seja por recurso às regras da experiência comum, qualquer erro que se possa rotular de notório. Verifica-se, efectivamente, um erro na valoração da prova, como se deu conta supra. Trata-se, não obstante, de um erro apenas detectável através de detalhada análise do demais provado e que, como tal, não se afirma como notório - Mas ainda que devesse considerar-se erro notório, nem por isso o tribunal de recurso estaria impedido de alterar a matéria de facto, já que houve impugnação da matéria de facto e dos autos constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão., mas que pôde ser suprido em sede de recurso de facto. Se, por um lado, não há que confundir o resultado da prova produzida no processo penal com os valores obtidos por métodos indiciários para efeitos exclusivamente fiscais – assim se justificando o bem fundado da matéria tida como não provada – não se confundem, por outro lado, o juízo de incerteza relativo aos proveitos efectivamente ocultados à administração fiscal com a certeza judiciária resultante da prova por presunção; donde se segue, de resto, que também não há incompatibilidade entre a matéria que em audiência resultou como não provada e que como tal se mantém e o facto que em recurso se teve por assente como decorrência da restante matéria de facto.

Como consequência do aditamento do facto acima mencionado ao elenco do provado, estão verificados todos os elementos do tipo legal de crime imputado aos arguidos, a saber, o crime de fraude fiscal p. p. pelo art. 23º, nº 1 e 2, als. a) e c) e nº 3, als. a) e e) e nº 4 do RJIFNA, aprovado pelo DL nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, actualmente p. p. pelos arts. 103º e 104º, nº 2, com referência ao respectivo nº 1, als. a), d) e e), da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho (RGIT). Na verdade, face à redacção dos aludidos preceitos, constituem crime de fraude fiscal as condutas que se vêm a traduzir na ocultação, alteração de factos ou valores, ou celebração de negócio jurídico simulado, visando a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.

A sucessão temporal de leis não alterou a estrutura típica do crime de fraude fiscal. As novas vestes decorrentes da alteração da redacção do tipo previsto no art. 23º do RJIFNA não se traduziram em modificação susceptível de fazer perigar a punibilidade de actuações anteriores. Como notou Costa Andrade, “… o legislador do RGIT desenhou a estrutura típica da Fraude Fiscal (art. 103º, nº 1) em sobreposição total com a figura homóloga e homónima do RJIFNA (art. 23º, nº1). Mais: respeitando fielmente o respectivo teor verbal. Vale por dizer que o legislador de 2001 optou a este propósito por uma solução de total e assumida continuidade e comunicabilidade, tanto verbal como normativa, com o dispositivo vigente desde 1993” - “A Fraude Fiscal – Dez anos depois, ainda um “crime de resultado cortado”?, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 135º, pag. 329..
Nenhuma dúvida se suscita, pelas razões que houve ensejo de apontar na análise da matéria de facto provada, de que os arguidos omitiram rendimentos decorrentes da sua actividade de construção e comercialização de imóveis, declarando rendimentos inferiores aos recebidos, sustentados na inscrição nos seus registos contabilísticos de preços inferiores aos que efectivamente receberam pela venda dos imóveis e fracções autónomas que comercializaram. O provado integra objectiva e subjectivamente, sem margem para dúvidas, o núcleo indispensável do tipo legal de crime em apreço, independentemente do regime legal considerado, sendo patentes tanto o dolo como a consciência da ilicitude que presidiram à sucessão de actuações desencadeadas pelo arguido.

Essa sucessão de actuações coloca-nos no domínio da pluriocasionalidade, que no caso reveste contornos de crime continuado, como se verá mais adiante.
Razões de política legislativa conduziram à restrição da natureza criminosa dos factos descritos no tipo, que “…não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15.000,00” - Redacção do art. 60º da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro.. Abaixo deste valor, que no dizer de Isabel Marques da Silva constitui “o patamar mínimo de relevância penal do facto” - “Regime Geral das Infracções Tributárias”, Cadernos IDEFF, nº 5, pag. 149., os factos que preencham a previsão legal constituem mera contra-ordenação. A verificação daquele valor vem, assim, a traduzir-se numa condição objectiva de punibilidade, característica que lhe vem sendo apontada pela jurisprudência, ao invés de verdadeiro requisito do tipo.
Segundo o disposto no nº 3 do art. 103º do RGIT “…os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”, que no caso será uma declaração anual.
O caso vertente dá-nos conta de uma multiplicidade de factos, correspondentes a outros tantos períodos declarativos.
A multiplicidade de factos criminalmente relevantes permite equacionar três hipóteses:
- Crime único, decorrente de uma só resolução criminosa;
- Realização plúrima (concurso real de crimes);
- Crime continuado.
A problemática suscitada reconduz-se, afinal, à determinação da unidade ou pluralidade de crimes por recurso à valoração das condutas naturalísticas desenvolvidas pelo agente. É questão do foro subjectivo, que se traduz em averiguar, à luz do critério legal e por via da análise dos factos provados passíveis de juízos de censura se estes podem e devem ser considerados como fruto de uma só intenção estruturada ou se, pelo contrário, traduzem uma renovação da intenção e vontade de agir.
A primeira das vertentes assinaladas – um só crime decorrente de um só desígnio criminoso – nem sempre se afirma com a simplicidade que parece sugerir, como particularmente se evidenciará se se considerarem os delitos de execução continuada, perspectiva que no entanto não importa desenvolver aqui, por se situar à margem da questão que agora nos ocupa. Do que se trata aqui é de determinar a unidade ou pluralidade de crimes, assente na “unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes” - Figueiredo Dias, “Direito Penal - Parte Geral”, tomo I, 2ª Ed., pag. 989..
No concurso de crimes, tal como no crime único, o critério da sua determinação é o do art. 30º, nº 1, do Código Penal: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente.
Por fim, o crime continuado determina-se pelo critério consagrado no nº 2 do art. 30º, estatuindo que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
É este último, indubitavelmente, o caso dos autos. É verdade que a sucessão de factos considerados para efeitos de responsabilização penal revela considerável afastamento temporal, já que em causa estão apenas as declarações respeitantes aos anos de 1996 e 1999. Não obstante, a conduta que constitui o núcleo essencial caracterizador dos ilícitos foi renovada nos anos intermédios. A mesma conduta; a violação do mesmo bem jurídico; a mesma forma de actuação; as mesmas circunstâncias exógenas. A censura penal das condutas assumidas nos anos intermédios apenas não encontrou eco na verificação da condição de punibilidade; e não o encontrou essencialmente por força do exigente funcionamento do princípio in dubio…, decorrente dos imperativos legais ajustados ao caso. Donde se segue que o comportamento em análise, que há-de aferir-se pela sucessão de factos praticados, tal como foi revelado na análise que se fez supra da matéria de facto, evidencia a continuidade exigível para a verificação do crime continuado, tanto quanto é certo revelar uma postura interior do arguido claramente virada para a infracção das regras que deveria ter observado, enquadrada numa generalizada complacência social para com o incumprimento das obrigações fiscais, vulgarmente designada por fuga ao fisco, e num sentimento generalizado de impunidade, decorrente da vulgarização da ideia de que o aparelho fiscal do Estado não dispunha de meios para proceder a uma eficaz fiscalização dos contribuintes relapsos, circunstâncias que perduraram por mais tempo do que o que seria admissível e que acabaram por conduzir a uma verdadeira subversão do conceito de dever de cidadania subjacente ao pagamento dos impostos devidos. Nesta perspectiva, podemos afirmar sem receio de errar que o provado não evidencia qualquer hiato no comportamento apontado que se traduza num quebra ou retrocesso da intenção que vinha sendo posta em prática, susceptível de operar uma cisão na homogeneidade da actuação pressuposta pela continuação criminosa (homogeneidade que não tem o seu núcleo essencial na proximidade temporal, ainda que não prescinda dela), antes evidenciando uma solução de continuidade que a confirma. E acaba por ser precisamente aquele ambiente propício à fuga aos deveres fiscais, nos termos acabados de referir, que vem a traduzir-se na situação exterior que propicia a actuação tão ostensiva do arguido, a coberto do sentimento generalizado de impunidade, de tal modo que nem sequer se preocupa em dissimular a fraude. Assim o evidenciam os valores registados na contabilidade da arguida, como tivemos ocasião de referir.
A reiteração da conduta e a facilidade da sua execução repetida são de molde a diminuir a resistência à necessidade de actuar de acordo com os ditames legais, tendo a virtualidade de diminuir consideravelmente a culpa do agente.
A actuação dos arguidos deverá, pois, ser punida no âmbito da continuação criminosa.

Questão que de seguida se poderia suscitar é a de saber se havendo que proferir decisão condenatória, como é o caso, depois de ter havido absolvição em primeira instância, deverão os autos regressar à 1ª instância para aí se determinar a medida da pena, salvaguardando-se a possibilidade de recurso quanto a ela. Falsa questão, diríamos, já que todos os factos necessários à decisão condenatória estão apurados (apenas se assim não fosse haveria que determinar a baixa dos autos para o efeito) e o tribunal que se pronuncia sobre a medida da pena é aquele que, em caso de recurso, seria chamado a decidir.

Posto isto, há que entrar no domínio da escolha e medida da pena.
O crime de fraude fiscal previsto no art.º 103º, n.º 1, do RGIT, é punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
No domínio da lei vigente à data da prática dos factos (RJIFNA), o crime de fraude fiscal estava previsto no art. 23º, nº 4, sendo punível com pena de “…prisão até 3 anos ou de multa não inferior ao valor da vantagem patrimonial pretendida, nem superior ao dobro, sem que esta possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido, salvo se, tratando-se de pessoas singulares, na ocultação ou alteração dos factos ou valores ou na simulação se verificar a acumulação de mais de um das circunstancias referidas nas alíneas c) a f) do número anterior, caso em que é exclusivamente aplicável a pena de prisão de um até cinco anos”.
Versando num primeiro momento a concretização da pena a impor ao arguido e constatando-se a previsão legal da alternativa entre pena de multa e pena de prisão em ambos os regimes em confronto, há que escolher a pena aplicável tendo presente a necessidade de dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pois assim o impõe o art. 70º do Código Penal. Também em ambos os regimes é idêntico o critério de escolha da pena, sendo em qualquer dos casos “… finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação” - Figueiredo Dias, “Direito Penal Português”, pág. 331., escolha que dependerá essencialmente de considerações atinentes às necessidades de prevenção especial de ressocialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».
Independentemente do regime considerado, a persistente actuação do arguido, prolongada por considerável período temporal, reveladora de seguras exigências de prevenção especial de ressocialização, e a generalizada postura de indiferença relativamente ao desvalor jurídico de actuações similares, a impor a sensibilização da comunidade jurídica para a gravidade destes comportamentos, ao nível da prevenção geral, desaconselham em absoluto a opção pela pena de multa, revelando o seu desajustamento à prossecução das finalidades prosseguidas pela punição. Impõe-se, pois, a opção pela pena de prisão.

Também no que concerne à concretização da pena, vista a opção pela pena de prisão, não existem diferenças assinaláveis que obstem à determinação da pena segundo o regime vigente no momento da prática do facto, conforme o estatuído pelo art. 2º, nº 1, do Código Penal. Na verdade, a moldura penal é idêntica em ambos os regimes – prisão de 1 mês a 3 anos – e são idênticos os critérios de concretização da pena, havendo a considerar o prejuízo para a Fazenda Nacional (art. 10º do RJIFNA e art. 13º do RGIT), as finalidades subjacentes à aplicação das penas (art. 40º, nº 1, do Código Penal) e o critério de determinação da medida da pena previsto no art. 71º, nºs 1 e 2, também do Código Penal.

Na concretização da pena há-de atender-se, desde logo, aos dois vectores fundamentais previstos no nº 1 do art. 71º do Código Penal – a culpa do agente e as exigências de prevenção – com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a seu favor ou contra ele.
À culpa é cometida a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena.
A prevenção geral (dita de integração) fornece uma moldura de prevenção cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e no mínimo, fornecida pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Por seu turno, à prevenção especial cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida função, isto é, dentro da moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização - Cfr. o Ac. do STJ de 10 de Abril de 1996, C.J.- Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 168 e ss..
Revertendo ao caso concreto e ponderado o provado, importa considerar:
- O montante do prejuízo causado à Fazenda Nacional, não concretamente apurado, mas não inferior a € 30.000,00 (trinta mil euros), indiciando-se assim uma ilicitude de grau superior à mediania;
- A elevada intensidade do dolo, que se revelou na modalidade de dolo directo;
- O modo de actuação do agente, revelador de total indiferença perante os valores juridicamente tutelados pela norma violada;
- As condições pessoais do agente, nos termos que se tiveram por provados;
- A ausência de antecedentes criminais.
Tendo-se ainda presente que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos (protecção que opera através da prevenção geral, cujas exigências são elevadíssimas no domínio dos crimes fiscais) e a reintegração do agente na sociedade (fazendo-lhe sentir a censurabilidade do seu comportamento) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40º, nºs 1 e 2 do Código Penal), revela-se ajustada a aplicação concreta de uma pena de 1 ano e 2 meses de prisão.

Esta pena deverá ser suspensa na sua execução sob condição de pagamento das quantias indevidamente obtidas através da actuação criminosa. A imposição desta condição de suspensão encontra-se subtraída ao critério do julgador, antes traduzindo uma opção de política legislativa que terá ponderado objectivos de interesse público imanentes ao pagamento dos impostos. Assim é, uma vez mais, independentemente do regime considerado. Com efeito, dispunha o art. 11º, nº 7, do RJIFNA que “A suspensão é sempre condicionada ao pagamento ao Estado, em prazo a fixar pelo juiz nos termos do nº 8, do imposto e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa, sendo aplicável, em caso de falta de cumprimento do prazo, apenas o disposto nas alíneas b), c) e d) do art. 50º do Código Penal”. Por seu turno, dispõe o art. 14º, nº 1, do RGIT, que “a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa”.
Já agora, vem a propósito citar o Ac. do Tribunal Constitucional nº 256/03 (proc. nº 647/02, 1ª secção), de 21 de Maio de 2003 - Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos., em que se refere expressamente que “(…) podendo a realização dos fins do Estado – dependente do cumprimento do dever de pagar impostos – justificar a adopção do critério da vantagem patrimonial no estabelecimento dos limites da pena de multa, não há qualquer motivo para censurar, como desproporcionada, a obrigação de pagamento da quantia em dívida como condição da suspensão da execução da pena. As razões que, relativamente à generalidade dos crimes, subjazem ao regime constante do artigo 51º, n.º 2, do Código Penal (supra, 10.6.), não têm necessariamente de assumir preponderância nos crimes tributários: no caso destes crimes, a eficácia do sistema fiscal pode perfeitamente justificar regime diverso, que exclua a relevância das condições pessoais do condenado no momento da imposição da obrigação de pagamento e atenda unicamente ao montante da quantia em dívida. Dito de outro modo, o objectivo de interesse público que preside ao dever de pagamento dos impostos justifica um tratamento diferenciado face a outros deveres de carácter patrimonial e, como tal, uma concepção da suspensão da execução da pena como medida sancionatória que cuida mais da vítima do que do delinquente (…)”.
A necessidade de suspensão da pena decorre do critério legal previsto no art. 50º do Código Penal, quer porque a ausência de antecedentes criminais permite supor uma personalidade receptiva à interiorização do juízo de censura transmitido pela pena imposta, quer porque as circunstâncias que rodearam o cometimento do crime em questão, valoradas a par da personalidade do arguido, tal como resulta do provado, permitem a formulação do juízo de adequação da simples censura do facto e da ameaça da prisão para realização adequada e suficiente das finalidades assinaladas à punição, permitindo afirmar que a suspensão da pena sob condição de pagamento da indemnização arbitrada [art. 51º, nº 1, al. a), do Código Penal e 11º, nº 7, do RJIFNA, equivalente ao art. 14º, nº 1, do RGIT] realiza, no caso, as exigências de prevenção especial (a ameaça da pena funcionará positivamente, desmotivando a prática de novos crimes) e de reintegração social (o cumprimento da condição exigirá um esforço de ressocialização).
Uma última nota, a este propósito, porventura desnecessária, mas que se consigna para que dúvidas não restem: a quantia a cujo pagamento haverá que condicionar a suspensão da pena, fruto do condicionalismo da prova relativamente aos valores da vantagem patrimonial ilegitimamente obtida, é a de € 30.000,00 (trinta mil euros).

O período de suspensão terá duração igual à da pena de prisão determinada, por força do disposto no art. 50º, nº 5, do Código Penal.

Também a arguida sociedade “C..., Lda, Ldª”, responde penalmente pelos crimes cometidos pelo seu representante, em seu nome e no interesse colectivo, sem prejuízo da responsabilidade individual do seu sócio-gerente, o arguido I.... Era essa a regra já no domínio do art. 7º, nº 1, do RJIFNA, que dispunha que “as pessoas colectivas e equiparadas são responsáveis pelos crimes previstos no presente regime jurídico quando cometidos pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo” e é assim ainda no RGIT, cujo art. 7º, nº 1, dispõe que “as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo”.
Por força da sua própria natureza, as pessoas colectivas são puníveis exclusivamente com pena de multa.
O RGIFNA previa, para o crime de fraude fiscal, independentemente de se tratar de pessoas colectivas ou de pessoas singulares, a pena de “… multa não inferior ao valor da vantagem patrimonial pretendida, nem superior ao dobro, sem que esta possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido”. Essa multa, segundo o regime previsto no respectivo art. 11º, nºs 2 e 3, era “fixada em dias, (…) e de 20 até 1000 dias para as pessoas colectivas”, correspondendo cada dia de multa “…a uma quantia entre (…) 5.000$00 e 500.000$00, tratando-se de pessoas colectivas ou entidades fiscalmente equiparadas, que o tribunal fixará em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
Por seu turno, o art. 103º, nº 1, do RGIT, prevê a pena de multa até 360 dias, estipulando, no entanto, o respectivo art. 12º, no seu nº 2, que “aos crimes tributários cometidos por pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas é aplicável a pena de multa de 20 até 1920 dias”, estatuindo o nº 3 que “sem prejuízo dos limites estabelecidos no número anterior e salvo disposição em contrário, os limites mínimo e máximo das penas de multa previstas nos diferentes tipos legais de crimes são elevadas para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada”, dispondo o art. 15º que “cada dia de multa corresponde a uma quantia (…) entre € 5 e € 5000, tratando-se de pessoas colectivas ou entidades equiparadas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos”.
A fixação desta pena pecuniária faz-se através de duas operações sucessivas, uma primeira, em que se determina o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas e uma segunda operação em que se fixa o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica do agente - Cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, 13ª Ed., pág. 198..
Por expressa remissão do nº 1 do art. 47º do Código Penal - Remissão introduzida pela revisão do Código Penal operada pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, se bem que já antes se entendesse ser este o critério a aplicar, por interpretação da norma na harmonia do sistema., o critério de fixação da pena de multa é ainda o previsto no nº 1 do art. 71º, donde resulta a necessidade de recurso aos dois vectores fundamentais aí apontados - a culpa do agente e as exigências de prevenção - com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a seu favor ou contra ele.
Há que verificar qual dos regimes em presença se revela concretamente mais favorável.
No domínio do RJIFNA, a sociedade não poderia ser condenada em multa inferior ao valor da vantagem patrimonial pretendida, que se cifra em € 30.000,00 (correspondente a pouco mais de 6.000.000$00), a fixar dentro da moldura de 20 a 1000 dias e a taxa diária compreendida entre 5.000$00 e 500.000$00.
Por seu turno, no regime actual haveria que considerar uma moldura penal de multa de 20 a 720 dias, a uma taxa diária compreendida entre € 5,00 e € 5.000,00.
Visto o critério legal, a pena ajustada, segundo o RJIFNA, seria a de 380 dias de multa, à taxa diária de € 100, num total de € 38.000,00. Já o regime actual conduziria a uma pena de 280 dias de multa à taxa diária de € 120,00 correspondente a um total de € 33.600,00.
Manifestamente, o regime actualmente vigente – o RGIT – é o que concretamente mais favorece a arguida, pelo que será esse o regime aplicável.

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III – DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam nesta secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra nos seguintes termos:
A – Revogam a sentença recorrida;
B - Alteram a matéria de facto provada, aditando-lhe o seguinte facto provado:
“A vantagem patrimonial indevida obtida pela empresa, relativamente aos exercícios fiscais de 1996 e de 1999, cifrou-se em quantia não concretamente apurada mas superior, em cada um desses anos, a € 15.000,00”.
C - Consequentemente, pela autoria material de um crime continuado de fraude fiscal p. p. pelo art. 23º, nº 1 e 2, als. a) e c) e nº 3, als. a) e e) e nº 4 do RJIFNA, aprovado pelo DL nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, actualmente p. p. pelos arts. 103º e 104º, nº 2, com referência ao respectivo nº 1, als. a), d) e e), da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), condenam:
a) O arguido I..., na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo, sob a condição de, no prazo de 1 (um) ano, proceder ao pagamento ao Estado da quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros).
b) A arguida “C..., Lda, Ldª”, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 120,00 (cento e vinte euros) correspondente a um total de € 33.600,00 (trinta e três mil e seiscentos euros).

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Coimbra,09-10-28____________
(texto processado pelo relator e
revisto por todos os signatários)




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(Jorge Miranda Jacob)




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(Maria Pilar de Oliveira)