Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
59/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
RECURSO
QUESTÃO PREJUDICIAL
Data do Acordão: 03/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 320.º, 325.º, N.º 1 E ARTIGO 15.º, 1 E 2 DO DECRETO-LEI N.º 255/99, DE 07/07
Sumário: 1. Embora a decisão integrada pelo acórdão arbitral proferido em processo de expropriação tenha o valor e a força de uma sentença judicial, porque dimanada de um tribunal arbitral necessário, tal valor circunscreve-se à declaração da medida da indemnização devida aos expropriados pela privação do bem.
2. Havendo recurso dessa decisão, as questões prejudiciais e as qualificações jurídicas que precederam a determinação do peso de cada componente do quantum indemnizatório impugnado, são sempre sindicáveis pelo tribunal ad quem, mesmo que não incluídas expressamente na delimitação do objecto do recurso.

3. É de qualificação jurídica a operação que subsume as características da totalidade ou de parte de um certo terreno às categorias legais de «solo apto para construção» e «solo apto para outros fins».

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Icor – Instituto para a Construção Rodoviária, agora EP – Estradas de Portugal EPE, requereu no 2º Juízo da Comarca de Tomar que lhe fosse adjudicada a propriedade da parcela nº 284, pertencente a A... e B..., abrangida por declaração de utilidade pública decorrente de despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas de 22/09/1998, publicada no DR nº 42, II Série de 19/02/99, relativa à construção da obra «IC 3 – Variante de Tomar».

Após a realização da vistoria «ad perpetuam rei memoriam», veio a ser proferido o acórdão arbitral de fls. 22 e seguintes, no qual, por unanimidade, foi fixada em Esc. 6.203.094$00/€ 30.940,90 a indemnização a atribuir aos expropriados, sem actualização, tendo o expropriante procedido ao depósito dessa importância em 24/10/2000 (fls. 40).
Adjudicada a propriedade e notificada a decisão arbitral, recorreram desta expropriados e expropriante (esta subordinadamente), ambas pugnando pela alteração do valor da indemnização: aqueles para Esc. 12.536.653$50/€ 62.532,57, esta para Esc. 3.979.000$00/ € 19.847,17.

Na avaliação que se seguiu, os peritos, no respectivo relatório, concluíram pela atribuição à parcela expropriada do valor global de Esc. 5.930.000$00/€ 29.578,72.
Para tal discorreram que, apesar da parcela expropriada integrar áreas da RAN e da REN, o PDM de Tomar permite a construção em espaço da RAN mediante certo condicionalismo. Procederam, dessa forma, à autonomização de uma parte (com 202,40 m2) como solo apto para construção, ao lado da remanescente (com 4.857,60 m2), tida como para outros fins e, socorrendo-se dos critérios inerentes, vieram a conferir valores, separadamente, a cada uma delas.

A sentença, considerando que a parcela expropriada, por estar localizada integralmente nas áreas da Reserva Agrícola e Reserva Ecológica Nacional, não tinha, legal e regulamentarmente, qualquer concreta potencialidade edificativa, tendo de classificar-se na totalidade como solo apto para outros fins, julgou improcedente o recurso dos expropriados e procedente, em parte, o da expropriante, e fixou a indemnização a pagar aos expropriados, actualizada até 12 de Julho de 2005, em Esc. 3.723.493$08 / € 18.572,71.

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Inconformados, apelaram os expropriados, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) A sentença recorrida, depois de enunciar os princípios gerais orientadores da expropriação, bem como a natureza e finalidade da " justa indemnização ", concluiu que a parcela de terreno expropriada, por se situar totalmente em área abrangida pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e Reserva Agrícola Nacional (RAN), deve ser classificada como solo para outros fins ", nos termos do art. 26 do C.Exp./99.
B) Foi erradamente dado como provado (ponto 13 dos factos provados) que de acordo com o PDM do concelho de Tomar, os solos da parcela expropriada, com a área 5.060 m2, situam-se totalmente em área abrangida pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e em área abrangida pela Reserva Agrícola Nacional (RAN).
C) A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal à data da publicação da declaração de utilidade publica, tendo em consideração as circunstancias e condições de facto existentes naquela data.
D) E o n°1 do art. 26 do CExp./99, prescreve que " O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não estivesse sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor".
E) Podem ser classificados como aptos para construção, apesar de reunidos os requisitos do n° 2 b) do art.º 25 do CExp./99, os solos inseridos parcialmente na RAN/REN, isto porque, verificadas estas condições, os proprietários dos respectivos terrenos poderão ter expectativas legalmente fundadas quanto " à sua muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa".
F) A decisão arbitral e bem assim o laudo dos peritos, contrariamente à douta sentença recorrida, entenderam que a parcela expropriada deveria ser avaliada segundo dois prismas, consoante se tratasse de área de regadio e logo, solo apto para outros fins, e área apta para construção, tomando por base o PDM do Concelho de Tomar.
G) A decisão do tribunal a quo é errónea por haver desconsiderado totalmente a vocação edificatória de parte da parcela expropriada.
H) Os critérios lesais gerais da fixação da indemnização em expropriação por utilidade pública são aqueles que atrás se deixaram resumidos, em especial no que respeita aos solos aptos para construção que todos eles tem de ser atendidos e aqui se dão por reproduzidos.
I) O acórdão arbitral sugere possível erro na informação prestada pela Câmara Municipal quanto à identificação da parcela na Planta de Ordenamento do Território.
J) A parcela expropriada encontra-se entre habitações, sendo o outro lado da estrada considerado espaço urbano – Cr/. Critério de Avaliação do acórdão arbitral Indubitável se torna que a parcela expropriada se encontra entre habitações, sendo o outro lado da estrada considerado espaço urbano – Cr/. Critério de Avaliação do acórdão arbitral.
K) O laudo pericial, embora em correcção aos dados do acórdão arbitral aceita ser verdade que, embora não seja possível a construção urbana dentro da normalidade, há que observar o disposto no Art.° 26. do PDM do concelho de Tomar, porquanto a zona fica integrada em espaço urbano de Nível IV e em espaço classificado da RAN, pelo que, segundo o n. 4 do aludido normativo, apenas será permitida a edificação dentro da parcela com condicionantes.
L) Entendem os recorrentes que ser permitida a construção com condicionantes não é exactamente a mesma coisa que não ser possível qualquer construção, como parece resultar da sentença recorrida.
M) E tal resultado só pode provir de erro de julgamento: em parte alguma dos elementos probatórios, nomeadamente periciais, juntos aos autos, se afirma que a parcela está completamente abrangida por RAN e REN – veja-se a informação da Câmara Municipal de Tomar junta aos autos pela expropriante onde se indica: "REN (parte da parcela)". É certo e indesmentível que ocorrem todos os índices do art.º 25°-1-a) e 2 b) C Exp. pelo que não pode negar-se a parte da parcela a natureza de solo apto para construção.
N) A douta sentença viola os princípios do direito de e à propriedade, da justa indemnização, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, em violação dos aos art°s 13º, 62°-1 e 2 e 266°-l e2CRP.
O) A sentença recorrida conduz a que tenha havido uma diminuição significativa do valor proposto aquando da negociação amigável, e, além disso, uma diminuição dos valores apurados unanimemente pelos senhores peritos no seu laudo, na medida em que pela primeira vez se refere quanto classificação da totalidade da parcela expropriada como solo apto para outros fins.
P) Os expropriados contíguos aos recorrentes que não tenham interposto recurso, vejam os seus solos considerados, na parte em que o forem, como solos aptos para construção, e os recorrentes, precisamente por não haverem concordado com os valores propostos, vêm o seu solo ser desclassificado, e perder a possibilidade de construir. Nem sequer se pode afirmar que essa possibilidade não existia, e que também não veio a nascer com o plano; existir, existia cm função das limitações do PDM, e apenas por força da sentença recorrida a perde completamente.
Q) Decidindo diferentemente, a douta sentença violou, salvo o devido respeito, os art°s 25° e 26° do CExp. de 99 e ainda, designadamente face a interpretações inconstitucionais dos art°s 25°-3 e 26º- 12 do mesmo Código, os art.ºs 13°, 62°-1 e 2 e 266°-1 e 2 da CRP, nos termos atrás descritos.
R) Ao desatender os elementos probatórios juntos aos autos, mormente, e atendendo ao facto 13.° dado como provado : " Todo o prédio descrito em 1 e 2 e parcela n. ° 284 estão integrados em parte, em zona RAN, e noutra parte, em zona REN", deixou o tribunal a quo de se pronunciar sobre questões que lhe forma submetidas, desta forma violando o disposto no disposto no Art.° 668.° n. ° 1 alínea d) do C.P.C.
S) Na expropriação por utilidade pública, não obstante a força probatória das respostas dos peritos ser fixada livremente peio tribunal (cfr. art°s 391° do C.C. e 655° do C.P.C.), não deve o juiz afastar-se, na decisão, do laudo dos peritos que intervieram na avaliação, nomeadamente se este foi obtido por unanimidade, a não ser que tenha elementos ponderosos, devidamente fundamentados, para o fazer, como é o caso de ter havido infracção da lei, nomeadamente se tiver havido inobservância dos critérios legais no cálculo do valor da indemnização.
T) Quando os laudos dos três peritos nomeados pelo tribunal e ambos os nomeados por expropriante e expropriados for coincidente, o tribunal deve considerar como aceitável, para a obtenção do valor da justa indemnização, esse laudo, por em princípio se apresentar como absolutamente isento, imparcial e coerente.
U) O laudo dos peritos constitui o meio mais seguro de prova para fixação da justa indemnização devida pela expropriação por utilidade pública de terrenos, atenta a situação de independência e de imparcialidade desses peritos perante as partes e o tribunal a quo desatende-o quase completamente.
V) Tanto ao árbitros como os peritos convergem num ponto: é que não obstante o prédio estar inserido parcialmente por RAN e REN, é também abrangido pelo PDM, e logo, parte do solo é apto para construção, e como tal deve ser avaliado.
W) Conclui-se, portanto, que andou bem mal o tribunal "a quo" ao não aceitar os pressupostos unanimemente assumidos pelos Ex.mos Peritos como os adequados para a determinação da justa indemnização e, consequentemente, ao fixar o valor daquela de acordo com a avaliação realizada no processo.
X) Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que confira aos recorrentes o direito à justa indemnização, conforme valores decorrentes de todos o processado.

A expropriante respondeu, aceitando a fixação da indemnização nos termos do laudo pericial, mas subordinada às regras de actualização impostas pela jurisprudência obrigatória do Ac. do STJ nº 7/01 de 25/10/01.

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Colhidos os vistos cumpre decidir
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São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:

1. Na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 00531/130887, freguesia de S. Pedro de Tomar, encontra-se descrito o prédio rústico, em «Vacal», Marianaia, composto de terra de olival, solo subjacente de cultura arvense de regadio, figueiras, vinha, construção rural, cultura arvense, leito e curso de água, com a área de 11.960 m2, a confrontar do Norte, com Francisco Martins; do Sul, com Joaquim Maria; do Nascente; com caminho e do Poente, com o Rio Nabão, inscrito na matriz, sob o artigo 4, Secção P daquela freguesia;
2. Tal prédio encontra-se inscrito, na mesma conservatória de registo predial, em nome dos expropriados A... e B..., desde 5 de Janeiro de 1999;
3. Por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, de 22 de Dezembro de 1998, publicado no Diário da República nº 42, II Série, de 19 de Fevereiro de 1999, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação, entre outras, da parcela nº 284, com vista à execução da obra de construção do IC 3 – Variante de Tomar;
4. Parcela essa a destacar do prédio rústico inscrito na matriz, sob o artigo 4, Secção P da freguesia de S. Pedro de Tomar, descrito em 1.;
5. Com a área total de 5.060 m2, a confrontar do Norte, com o próprio; do Sul, com domínio público e com o próprio; do Nascente, com o domínio público e do Poente, com o próprio;
6. Composta de terreno de textura franco – arenosa de regadio com aptidão para culturas hortícolas;
7. Em 30 de Setembro de 1999 existiam na parcela nº 284 duas oliveiras grandes e duas oliveiras médias;
8. Tanto o prédio descrito em 1. como a parcela nº 284 dispõem de água e luz de distribuição pública e de via pavimentada;
9. Após o destaque da parcela nº 284 do prédio identificado em 1., resta a área de 6.900 m2;
10. Dividida em duas parcelas sobrantes;
11. Uma, junto à estrada municipal, de forma triangular, com a área de 136 m2, confinando com esta via, numa extensão de cerca de 8 metros;
12. Uma outra, do lado Norte da parcela nº 284, com 6.764 m2 e com uma frente de cerca de 14 metros;
13. Todo o prédio descrito em 1 e 2 e a parcela nº 284 estão integrados em parte, em zona RAN e, noutra parte, em zona REN;
14. A REN margina a estrada municipal, numa profundidade de cerca de 90 metros, a que se segue a zona RAN, até ao Rio Nabão, numa extensão de 160 metros;
15. O terreno da parcela nº 284 é apto a uma produção de 15.000Kg de milho, por ano e por hectare, com encargos de exploração de 60% e uma taxa de capitalização de 4%;
16. As oliveiras grandes referidas em 7. têm o valor de esc. 8.000$00 cada;
17. Sendo o das oliveiras médias, igualmente mencionadas em 7., o de esc. 6.000$00 cada uma.

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Observa-se que, não tendo os recorrentes proposto nas suas alegações um montante concreto para indemnização global da parcela, vai considerar-se, como medida da reformatio visada pelo recurso, de acordo com a conclusão W, a que se identifica com o laudo dos peritos – cfr. fls. 119 – para a zona por estes admitida com aptidão construtiva, isto é, Esc. 3.306.406$00/€ 16.492,28, adicionada dos valores tomados na sentença para a área remanescente - de 4.857,60 m2 - e para o arvoredo, com o limite da actualização legal.

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As questões levantadas pelos recorrentes enunciam-se, numa sequência lógica, da seguinte forma:

1ª – Se ocorre nulidade da sentença, nos termos da al.ª d) do nº 1 do art.º 668 do CPC - conclusão R.
2º - Se foi ou não desrespeitado um eventual caso julgado do Acórdão Arbitral sobre a classificação dos terrenos da parcela expropriada segundo dois prismas (solo apto para construção e solo apto para outros fins) – conclusões F, G, V.
3º - Se há lugar a modificação da factualidade dada como provada pela sentença – facto nº 13 - sobre a integração total da parcela expropriada em Zona de Reserva Agrícola Nacional (RAN) e de Reserva Ecológica Nacional (REN) – conclusões B, I e M.
4º- Se, em conformidade com o laudo lançado no processo pelos peritos, deveria parte da parcela ser valorizada como terreno para construção, segundo os pressupostos de avaliação tomados no referido laudo – conclusões C, D, E, H, J, K, L, O, P, Q, S, T, U, X e Z.

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O âmbito do presente recurso é que se encontra traçado pelas conclusões -art.º 684, nº 3 do CPC. Nestas conclusões, marcadamente nas contidas nas alíneas S, T, U e V, a oposição expressa pelos apelantes restringe-se à divergência sobre a medida da indemnização circunscrita à área da parcela considerada pelo laudo pericial avaliável como terreno com aptidão edificativa ou construtiva ainda que sob limitações regulamentares. Na verdade, os recorrentes só querem evidenciar que a decisão não atendeu ao único ponto de convergência entre árbitros e peritos: a aptidão de parte da parcela para construção.
Pelo que se deve entender que se terão conformado com os valores correspondentes aos restantes componentes indemnizatórios discriminados na sentença.
Portanto, não há que apreciar a bondade das bases de avaliação, utilizadas pelos senhores árbitros no seu acórdão de fls. 22 e ss., para a determinação da importância da parte de regadio (parte classificada de solo apto para outros fins), preferidas pela sentença em detrimento dos referenciais utilizados pelos peritos quanto ao preço do Kg de milho produzido e à taxa de capitalização, assim conduzindo ao valor de 600$00/m2 para essa área. Tratou-se, aliás, de opção pelas bases mais favoráveis aos expropriados-apelantes, conformes aos normativos aplicáveis, que se consolidou no âmbito do presente recurso em relação á área da parcela que se deva classificar de solo apto para outros fins.
Ficou igualmente consolidada pelo âmbito do recurso – art.º 684, nºs 1 e 3 do CPC - a medida da indemnização atribuída ao arvoredo pela sentença recorrida – Esc. 28.000$00. E também a posição nesta assumida sobre a inexistência de depreciação da parte sobrante, seja em relação à aptidão construtiva (nomeadamente quanto a faixa non aedificandi), seja com pertinência à aptidão rústica ou agrícola.


1ª Questão.

A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só se verifica quando ela deixe passar em claro a apreciação das questões que lhe são submetidas – al.ª d) do nº 1 do art.º 668 do CPC – o que não equivale ao desatendimento de eventuais elementos de facto que forem julgados como despiciendos ou não relevantes dentro das questões que interferem na declaração do direito solicitada.
O tribunal é chamado a pronunciar-se sobre questões, suscitadas pelas partes ou que deva considerar «ex officio», tendo por fim a decisão da pretensão.
Acontece que a classificação do solo – ou dos solos – da parcela expropriada, a que os recorrentes se reportam, foi analisada e configurada na sentença.
Se foi bem ou mal configurada, designadamente na ponderação de todo o material fáctico disponível, é problema que diz respeito a um possível erro de julgamento, que de modo algum faz incorrer aquela peça no apontado vício.
Improcede, pois, a conclusão R.


2ª Questão.

Nas conclusões F, G V e X invocam os expropriados que a sentença, indevidamente, fez tábua rasa da qualificação distintiva na área da parcela, feita pelo acórdão arbitral – e, de certo modo, também subscrita pelos peritos. Estes dividiram-na em dois sectores, sendo um classificado como terreno de aptidão edificativa e outro como solo para outros fins. Significam os apelantes que a sentença estaria submetida à referida opção pela separação de terrenos, não lhe sendo lícito reclassificar a parcela, subsumido-a integralmente ao conceito de solo apto para outros fins, para daí partir para a aplicação uniforme dos critérios de avaliação correspondentes.
Vejamos.
O que subjaz à questão levantada é a premissa de que o tribunal ora recorrido teria violado um certo caso julgado que se teria formado no acórdão arbitral relativamente à classificação diferenciada dos terrenos que integram a parcela nº 284.
Não é controversa a natureza do acórdão dos árbitros como uma decisão equiparada a uma sentença de um tribunal. É que a arbitragem funciona como um tribunal arbitral necessário, tendo a decisão arbitral a mesma força de uma sentença, contendo um julgamento e não tendo a actividade dos árbitros carácter de meio de prova (Ac do STJ de 9/05/90 in BMJ nº 397-p.423). Nada obsta, desse modo, a que se reconheça a tal decisão a força própria do caso julgado material ou interno (não já quanto ao formal ou externo).
Se assim é, também o caso julgado arbitral não deve ter maior alcance que o de uma sentença judicial, não abrangendo as questões prejudiciais, nem as qualificações jurídicas figuradas para a fundamentação (A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 698-699). Mas então, sendo a decisão arbitral atacada por via de recurso, qual é o efectivo campo de vinculação do tribunal do primeiro grau de recurso?
Não é defensável que este tribunal sofra qualquer restrição na apreciação da matéria de direito, diversamente do que sucede com alguns dos pressupostos de facto (cujo suporte seja imposto por prova documental suficiente, não ocorrendo o circunstancialismo definido no nº1 da al. b) artº 712 do CPC).
O julgamento arbitral é um acto jurisdicional que repousa numa especialização essencialmente pericial – sem ser um meio de prova. Pede-se-lhe que ache um valor pecuniário físicamente exacto, a medida naturalística de uma reparação. Não se lhe solicita – nem sequer ao tribunal de recurso - que defina um direito a uma certa categoria ou classe de bens, dentro das que o Código taxativamente elenca ou tipifica, com fundamento em condicionalismos pré-definidos para as várias classes de solos. A questão fulcral da indemnização prende-se, é certo, com a qualificação do bem, segundo critérios objectivamente parametrizados na lei. Mas a questão qualificativa é meramente prejudicial do juízo indemnizatório, não podendo ser cindida deste, como se fosse uma pretensão jurisdicional autónoma. A tarefa cometida aos árbitros é a da realização de um julgamento desde logo científico-perceptivo, sensorial, com um determinado objecto, sem que a subsunção deste objecto aos critérios jurídicos precisados na lei, levada a cabo pelos mesmos árbitros, envolva enquanto tal qualquer especial vocação ou particular idoneidade que confiram a uma tal operação a garantia de nela ter sido adoptada a adequada metodologia jurídica.
Sendo este o âmbito da pretensão submetida ao tribunal arbitral – o de um julgamento da medida da indemnização, a partir de um juízo essencialmente técnico-perceptivo, com vista à aplicação de critérios jurídicos objectivados - o princípio de preclusão, contido no nº 1 do art.º 684 do CPC, pelo qual a decisão do recurso não prejudica os efeitos do caso julgado na parte não recorrida, não impede, por isso, que o recurso seja, implicitamente, também extensível aos mencionados critérios jurídicos de qualificação, ainda que estes não tenham sido directamente atacados .

Rigorosamente, o caso julgado parcial ditado pela decisão dos árbitros compreende, tal como a sentença, não os pré-juízos que desencadeiam as operações de cálculo em que se desdobra o valor indemnizatório, mas apenas o «quantum» ou a medida do valor de indemnização que não haja sido impugnada, tendo em atenção as vários componentes de tal medida ou «quantum» (não se desconhecendo aqui a divergência da solução que prevaleceu no recentíssimo Acórdão nº 70/06 de 08/03/2006 desta mesma Secção).
Sendo o julgamento arbitral impugnado, o tribunal de recurso é inteiramente livre de indagar a adequação de todos os princípios jurídicos aplicáveis, nos termos do art.º 664 do CPC, incluindo os que orientaram a aplicação dos critérios de classificação dos solos, designadamente os previstos nos art.ºs 24 e seguintes do C. das Expropriações de 91, tendo por limite a proibição da reformatio in pejus daquela decisão arbitral.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões em apreço.


3ª Questão.

Pretendem os expropriados a alteração da matéria dada como provada na sentença quanto à inclusão total da parcela em área da RAN e da REN.
Os peritos, no relatório de avaliação de fls. 111 e ss., deram como assente que a parcela nº 284, com a área global de 5.060 m2, se integrava em solos distribuídos por aquelas Reservas Nacionais, partindo dessa base factual para toda a argumentação que produziram sequencialmente, em especial para o destaque de uma área de 202,40 m2 com potencialidade construtiva dentro de zona de RAN, ao abrigo do PDM aprovado para Tomar.
Por outro lado, os documentos juntos a fls. 75 a 88 confirmam a base de avaliação em que se apoiaram os peritos, uma vez que é referenciada a integração do imóvel objecto da expropriação apenas nas aludidas zonas.
Deste modo, situando-se no plano de instância de recurso e não tendo no processo elementos que impusessem, de forma inequívoca, diversa realidade (art.º 712, nº 1 al.ª b) do CPC), foi correcta a posição do tribunal recorrido em dar como provado, nos termos em que o fez, o facto em questão.
Não colhem, por conseguinte, as referidas conclusões.


4ª Questão.

Trata-se agora de apreciar se, sendo admissível, em tese, a alteração da qualificação da parcela em função dos factos apurados, quer em relação ao acórdão arbitral, quer em relação ao relatório de avaliação dos peritos, a sentença procedeu à classificação respectiva em conformidade com os critérios estabelecidos no C. das Expropriações aplicável (91).
Com efeito, a decisão ora impugnada, em discrepância com o laudo pericial, considerou que toda a área da parcela – 5.060 m2 – deveria ser tomada por área sem aptidão edificativa.
Raciocinando do seguinte modo: «Por seu turno o art.º 26º nº 3 deste PDM, permite o índice de construção bruta máxima de 0,0015, se se tratar de edificação destinada ao apoio à agricultura. E o nº 4 do mesmo normativo diz que: «nesta categoria de espaço, ao abrigo da legislação em vigor, será permitida a edificação para habitação por parcela, respeitando as seguintes normas: Área mínima da parcela – 5000 m2; índice de construção bruta máxima – 0,04; Número máximo de pisos – dois ou 6,5 m de cércea; Superfície máxima de pavimento – 250 m2. (…). A verdade é que nenhuma prova resultou nesta matéria, considerando que os expropriados nem sequer alegaram ter obtido essa especial autorização camarária para edificação com fins habitacionais». De seguida admite – correctamente - que a parcela expropriada dispõe de via pavimentada, rede de distribuição pública de água e energia eléctrica, características que permitiriam a sua catalogação como «solo apto para construção».
Ora, há em tal raciocínio uma premissa viciada porquanto os expropriados não tinham que provar ou sequer alegar que haviam obtido autorização ou aprovação camarária para construírem na parcela. Sendo certo que esta tem área superior a 5.000m2 – cfr. os factos provados em 3,4 e 5 - o que releva é a mera potencialidade edificativa no solo concreto, isto é a virtualidade de poder ser licenciada a edificação, e não a existência de um pedido de construção já licenciado ou com despacho de viabilidade.
Extrema foi a perspectiva do acórdão arbitral quando, sem nenhuma espécie de sustentação, avançou para a classificação como solo integralmente apto para a construção, afrontando dados seguros da localização da parcela expropriada em zonas de RAN e REN.
No próprio contexto, também não se entende com que fundamento foi desprezada pela sentença a circunstância do nº 4 do art.º 26 do PDM permitir um certo tipo de edificação, válido para a categoria de espaço em que se inseria a parcela em causa, conferindo aos expropriados a possibilidade de construção habitacional mediante o respeito de índices, cérceas e superfície de pavimento máximas.
Possibilidade que, com o condicionamento aludido, de resto, foi expressamente analisada e calculada no laudo pericial. Aí se ponderou, com efeito, que «não é possível a construção urbana dentro da normalidade porquanto a propriedade fica inserida na RAN e pela REN, restando-nos apenas equacionar o estipulado no art.º 26 do PDM de Tomar, porquanto a zona em causa fica situada em espaço urbano do nível IV e em espaço classificado da RAN (…)».
Fundadamente, porquanto o art.º 9º, nº 2 al.ªs b) e c) do diploma disciplinador da RAN, o DL nº 196/89 de 14/06, prevê a construção de habitação para fins específicos dentro de solos submetidos a tal regime. Não ressarcir o proprietário dos solos dessa mais valia, que a própria lei da RAN potenciava, seria uma entorse à expectativa normal que o mesmo teria perante o funcionamento das regras do mercado.
Importa, por conseguinte, proceder ao cálculo autónomo da área de construção permitida na parcela pelo PDM respectivo (202,40 m2), sendo razoável o uso o do índice construção bruta máxima de 0,04, do preço de construção de 102.100$00 p.m.q. e do índice fundiário de que se serviram os peritos no seu laudo, a fls. 117. Em função de tal cálculo, o valor da área em apreço será de Esc. 3.306.406$00/€ 16.492,28. Já quanto à restante área – 4.857,60 m2 – a sua avaliação deverá acatar, pelas razões já explanadas a propósito do objecto do recurso, os correspondentes valores da sentença recorrida, que nessa parte seguiu de perto o acórdão arbitral. Donde que à mesma corresponda o valor de Esc. 2.924.560$00/€ 14.587,64 (4.857,60 x 600$00/m2). A que acrescerá o valor às árvores na sentença, estabilizado no recurso, de Esc. 28.000$00/€ 139,66, somando a indemnização global € 31.219,58.
Fica, deste modo, prejudicada a conclusão N e a invocada interpretação inconstitucional das normas do C. das Expropriações pela sentença, por violação do direito à propriedade, da justa indemnização, da igualdade, da proporcionalidade e da imparcialidade, dada a incorrecta interpretação por aquela feita do nº 5 do art.º 24 e dos art.ºs 25 e 26 do referido Código. E procedem as conclusões C, D, E, H, J, K, L, O, P, Q, S, T, U, X e Z.


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Sumário:

1 – Embora a decisão integrada pelo acórdão arbitral proferido em processo de expropriação tenha o valor e a força de uma sentença judicial, porque dimanada de um tribunal arbitral necessário, tal valor circunscreve-se à declaração da medida da indemnização devida aos expropriados pela privação do bem.
2 - Havendo recurso dessa decisão, as questões prejudiciais e as qualificações jurídicas que precederam a determinação do peso de cada componente do quantum indemnizatório impugnado, são sempre sindicáveis pelo tribunal ad quem, mesmo que não incluídas expressamente na delimitação do objecto do recurso.
3 – É de qualificação jurídica a operação que subsume as características da totalidade ou de parte de um certo terreno às categorias legais de «solo apto para construção» e «solo apto para outros fins».

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Pelo exposto, julgam procedente a apelação e, revogando a sentença, fixam o valor da indemnização a pagar pela expropriante aos expropriados em € 31.219,58, actualizada, conforme o artº 23 do C. das Exp. de 91, desde a data da publicação da D.U.P. até à data da decisão final, de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação.
Custas pela apelada, sem prejuízo da isenção legal aplicável.