Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | COELHO DE MATOS | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR PRAZOS | ||
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Data do Acordão: | 01/23/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 2ª J. CÍVEL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 144º Nº 1 E 382º Nº1 DO CPC | ||
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Sumário: | O carácter urgente dos procedimentos cautelares acompanha todo o processo, incluindo a fase de recurso. Corre em férias judiciais o prazo para a apresentação das alegações de recurso interposto da decisão que decrete ou indefira a providência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra 1. A... requereu, no 2.º Juízo Cível da comarca de Coimbra, providência cautelar contra B..., a favor de quem tinha passado quatro cheques pré-datados, sendo que um deles (de 5.000,00 €) ter-lhe-ia sido entregue para substituir outro de igual quantia. Tendo, entretanto, corrido factos que, alegadamente, retirariam ao requerido o direito às quantias tituladas por aqueles cheques, o requerente pretende que o tribunal decrete a providência de intervir junto do banco no sentido de obstar ao pagamento até que se resolva o litígio sobre o direito àquelas quantias. Produzida a prova o tribunal “a quo” decidiu que o requerente tinha apenas direito à quantia titulada pelo cheque de 5.000,00 € que entregou em substituição do outro de igual quantia e decretou a providência requerida relativamente a esse mesmo cheque. Inconformado, o requerente agravou dessa decisão, que lhe foi notificada por carta registada remetida em 12/07/2006, presumindo-se efectuada a notificação a 17/07/2006, já que o terceiro dia calhou a um Sábado. As alegações de recurso, que deveriam ser apresentadas em 15 dias, nos termos do artigo 743.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, só foram apresentadas a 25/08/2006 (férias judiciais) e o sr. Juiz decidiu que a apresentação foi extemporânea e julgou o recurso deserto. 2. É desta decisão que vem agora este agravo, cuja alegação termina com as seguintes conclusões: 1. Não corre em férias, durante as quais se suspende, o prazo para apresentar alegações de recurso, mesmo em processo de providência cautelar não especificada (Ac. RE, de 8/3/1984: Col. Jur. 1984,20 -269); 3. Não foram apresentadas contra-alegações. O sr. Juiz proferiu despacho a sustentar a decisão agravada. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir. Os factos são os já relatados acima no ponto 1 e ainda a notação de que o requerido, após notificado, juntou aos autos o cheque de 5.000,00 €. Sendo as conclusões que delimitam o âmbito do recurso (artigos 684.º, 2 e 3 e 690.º, 1, 2 e 4 do Código de Processo Civil), apenas uma questão temos a resolver: a de saber se corre em férias judiciais o prazo para apresentação de alegações de recurso em procedimento cautelar. O agravante apoiou-se em dois acórdãos de 1984 e um de 2001, que apontam o entendimento da jurisprudência no sentido de que o procedimento cautelar só é urgente até ao decretamento da providência. Depois deixa de ser urgente. E se deixa de ser urgente os prazos suspendem-se durante as férias, como manda o artigo 144.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Logo, se o prazo de apresentação de alegações terminava em férias, a prática do acto transferia-se para o primeiro dia útil após férias. Já assim não é se considerarmos que o prazo se não suspende durante as férias. E é aqui que está a única questão que este recurso tem de resolver. Diz a lei – artigo 382.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – que “os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, precedendo os respectivos actos qualquer outro serviço judicial não urgente”. Sublinhamos a termo “sempre” porque é aqui que reside o cerne da questão. O actual artigo 382.º do Código de Processo Civil recebeu uma redacção totalmente nova em relação à que tinha antes da reforma de 1995 (Decreto-Lei n.º 329-A/65, de 12/12). Até então não havia na lei um preceito que dissesse expressamente que os processos cautelares eram urgentes. Era do artigo 143.º, n.º 1 (in fine) do Código de Processo Civil e da natureza dos procedimentos cautelares que resultava a urgência dos actos processuais nesta matéria. Determinava (e determina) o preceito que se não suspendiam em férias, domingos e feriados os actos destinados a evitar danos irreparáveis, onde se incluíam, pela sua própria natureza, os procedimentos cautelares. E quando se questionava se corria em férias o prazo para apresentação de alegações de recursos interpostos das decisões proferidas nos processos cautelares a jurisprudência dividia-se, sendo que um largo sector entendia que esses processos só eram urgentes até ser decretada a providência – porque só esta se destinava a evitar danos irreparáveis – e depois tudo se passava como se de um processo comum se tratasse. Não havia urgência e o prazo suspendia-se durante férias, como mandava e manda o n.º 1 do artigo 144.º do Código de Processo Civil. Só que agora, na redacção do Código de Processo Civil renovado (Decreto-Lei n.º 329-A/65, de 12/12), há um preceito que regula expressamente a matéria, que é, como já dissemos, o artigo 382º, n.º 1 do Código de Processo Civil, subordinado à epígrafe “urgência do procedimento cautelar”, que veio consagrar expressamente a urgência dos procedimentos cautelares, estabelecendo que – repete-se – “revestem sempre carácter urgente”, do mesmo modo que, no seu n.º 2 se fixaram prazos para a respectiva decisão em 1ª instância. Procurou-se, desse modo, “acentuar” uma das vertentes da justiça cautelar, contribuindo para a remoção do periculum in mora subjacente ao acautelamento do fim útil das providências, visem elas o decretamento de medidas antecipatórias ou conservatórias, adequadas a causar lesão grave e irreparável ou dificilmente reparável do direito do requerente (art. 381º-1; Cfr. Preâmbulo do DL 329-A/95). Como se escreveu num acórdão da Relação do Porto (2), que seguimos de perto, “consagrada por lei a natureza urgente dos processos, há que retirar disso as devidas consequências no que concerne ao tempo e prazos para a prática dos actos aos mesmos respeitantes. Assim, e desde logo, o artigo 144.º do Código de Processo Civil, dispondo sobre prazos para a prática dos actos, estatui que, sendo contínuo, o prazo para praticar actos em processos que a lei considere urgentes, fica excluído da regra geral de suspensão durante as férias judiciais, ou seja, o prazo corre seguidamente durante as férias e durante elas deve o acto ser praticado. Desta norma de conteúdo excepcional decorre, a nosso ver, a ininvocabilidade do preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art. 143º. É que o que aqui se estabelece é uma outra regra geral, qual é a de que os actos processuais não se praticam durante o período de férias judiciais, excepto se se destinarem a evitar dano irreparável. Porém, como regra que é, tem de ceder perante o citado inciso excepcional consagrado no art. 144.º, n.º 1 que aí está a impor claramente que, porque não se suspende o prazo, tem de praticar-se durante as férias os actos relativos a processos que a lei qualifique de urgentes. São, de resto, as faladas razões de celeridade, que constituem motivação especial para o estabelecimento, nos processos cautelares, de uma disciplina, também especial, oposta à que vigora para a generalidade da tramitação processual, de tal forma que, pela atribuição do carácter urgente a tais processos, o legislador equiparou, dispensando qualquer outro juízo de qualificação, os actos processuais a praticar neles aos actos que, em geral, “se destinem a evitar dano irreparável”.” E continua depois o mesmo acórdão: “assente que os procedimentos cautelares são processos de natureza urgente em que os actos relativos à respectiva tramitação devem praticar-se mesmo durante férias judiciais, sob pena de se produzirem os correspondentes efeitos preclusivos, resta tomar posição sobre a questão de saber se o preceituado no art. 382º-1 deve ser objecto de interpretação restritiva, no sentido de se entender que a “urgência” se esgota com a decisão da 1ª instância, ou se deve entender-se que a mesma se estende à fase de recurso, até à decisão final definitiva. Temos como certo este segundo entendimento. Desde logo, o argumento literal parece não deixar outro sentido: “Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, (...)”. O advérbio sempre acarretará com certeza para o texto legal a significação de que os procedimentos têm em todos os momentos e de modo constante, contínuo ou repetido carácter urgente. Vale dizer, a urgência respeita a toda a tramitação dos processos, incluindo a fase de recursos (cfr. “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea”, Verbo, 3377; Ac. STJ, 28/9/99, in BMJ 489º-277). Depois, as razões de celeridade que estão na origem da consagração da «urgência», não só não se esbatem, como ainda podem revelar-se mais prementes e relevantes com o decurso do tempo, quer as providências pedidas tenham obtido provimento, quer não: - No primeiro caso, é o requerido que, discordando da decisão, e gozando do direito a vê-la reapreciada, pretende ver removidos ou minorados prejuízos que a execução imediata da medida decretada lhe possa estar a causar; na segunda situação, é evidente a manutenção dos pressupostos que, na 1ª instância justificaram a invocação do periculum in mora, donde que a razão de ser da celeridade continue a ser a mesma (vd. Ac. cit., 278; e ABRANTES GERALDES, “Temas da Reforma, III, 5-117)”. 4. E é isto que há para dizer. Aquela expressão “os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente” só poderia ter dois sentidos: i) os procedimentos cautelares são sempre urgentes, na medida em que não existem procedimentos cautelares que o não sejam; ii) os procedimentos cautelares são sempre urgentes, na medida em que do princípio ao fim do processo tudo é urgente. Como, por natureza, não se concebem procedimentos cautelares que não sejam urgentes, só resta concluir que aquela expressão se refere à urgência dos actos processuais ao longo de todo o processo. Assim, com o valioso contributo do acórdão da Relação do Porto que acabamos de acompanhar e citar nas suas mais relevantes passagens, não temos hoje dúvidas de que este é o entendimento que melhor acolhimento tem no actual quadro legal e vai no seguimento do acórdão desta Relação tirado da sessão de 30/03/2004, no proc. n.º 4014/03 (3). No caso em apreço, o requerido juntou aos autos o cheque de 5.000,00 € que alegadamente lhe terá sido entre em substituição de outro de igual montante, mantendo em seu poder os restantes três cheques. Na hipótese de se decidir por aguardar o fim do litígio para os apresentar a pagamento, então é ele que, nas actuais circunstâncias, tem urgência neste processo. Caso já tenha apresentado esses cheques a pagamento a providência deixa de ter sentido. Logo justificava-se a urgência processual mesmo para além da prolação da decisão que decretou a providência. E aí andou bem a sra. Juiz recorrida. Concluindo: o carácter urgente dos procedimentos cautelares acompanha todo o processo, incluindo a fase de recurso. Corre em férias judiciais o prazo para apresentação das alegações de recurso interposto da decisão que decrete ou indefira a providência. 5. Decisão Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao agravo, para confirmarem, como confirmam, o despacho recorrido. Custas a cargo do agravante. |