Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1781/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: NOTIFICAÇÕES ENTRE MANDATÁRIOS JUDICIAIS DAS PARTES
ÂMBITO DA APLICAÇÃO DO ARTº 229º-A DO CPC
CONSEQUÊNCIAS DA OMISSÃO DO ACTO DE NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 06/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: -------
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: --------
Sumário: Notificações
- Notificações entre os mandatários judiciais das partes
- Âmbito da aplicação do artº 229-A do CPC
- Consequências da omissão do acto de notificação
Ac. RC de 21/06/2004
I- A ideia que esteve subjacente à criação dos artº 229-A e 260-A do CPC foi de contribuir para o combate da morosidade processual, dando maior incremento à celeridade processual, libertando, desse modo, os tribunais de tarefas ou da prática de actos de expediente que podem perfeitamente ser praticados pelas partes.
II- Tal novo regime pressupõe, desde logo, que as partes tenham constituído no processo mandatários judiciais, e aplica-se a qualquer tipo ou natureza de processos.
III- Por outro lado, esse regime de notificações (entre os mandatários das partes) só se aplica quando se reportarem a articulados ou a requerimentos autónomos.
IV- O conceito de “requerimento autónomo” deve ser entendido em sentido amplo, por forma a abranger qualquer “peça” (vg. requerimentos recursivos, alegações, contra-alegações, e documentos probatórios, etc.) que seja emanada do escritório de um dos mandatários judiciais, para ser junta ao respectivo processo, e que a parte contrária deva tomar conhecimento, nomeadamente para poder exercer o princípio do contraditório ou preparar a sua defesa.
V- A omissão da notificação a que se alude no citado artº 260-A, consubstancia somente a existência de uma mera irregularidade processual, importando, como consequência, que notificação em falta seja suprida pela secretaria judicial (se o mandatário faltoso entretanto notificado para o efeito o não fizer) e com a condenação da parte, que este último representa, na multa a que se alude nas disposições conjugadas dos artºs 152, nº 3, e 145, nº 5, ex vi artº 260-A, nº 1, do CPC, acrescida do custo da actividade desenvolvida pela secretaria com vista a supra tal omissão.
Decisão Texto Integral:
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1-Nos autos principais de providência cautelar nº 4668/03.8TBAVR – A, em que são requerente, Teljorge – Móveis, Ldª, e requerida, Capitalinvest – Investimentos Imobiliários, Ldª, foi pela última interposto (pelo seu requerimento de fls. 321- referente à paginação desses autos, e que actualmente corresponde à cópia certificada junta fls. 23 destes autos que subiram em separado) recurso da “sentença” que entretanto ali fora proferida contra si.
Tendo no final desse requerimento informado ter dado cumprimento ao disposto nos artigos 229-A e 260-A do CPC.

2- Após ter sido admitido tal recurso, e notificado que foi desse despacho de admissão do recurso, veio o ilustre mandatário da requerente informar aos autos que não foi notificado de tal requerimento de interposição de recurso, nos termos dos dispositivos legais atrás citados (cfr. despacho e requerimento, respectivamente, de fls. 322 e 329 dos autos principais, e que actualmente correspondem às cópias certificadas junta fls. 22 e 25 destes autos).

3- Após ter sido notificada para o efeito, na sequência de despacho proferido pelo srº juíz do tribunal a quo, a requerida não só não fez prova de ter dado cumprimento ao disposto naqueles normativos legais (no que concerne aquele requerimento de interposição de recurso), como, inclusivé, não justificou tal omissão (cfr. cópias certificadas dos despachos juntos a fls. 28 e 19/20 destes autos).

4- Foi então proferido, pelo srº juíz do tribunal a quo, despacho através do qual, e com base na falta de cumprimento dos citados artigos 229-A e 260-A do CPC, se decidiu, além do mais, não receber o sobredito recurso que havia sido interposto pela requerida, anulando tudo o que havia sido entretanto processado em relação ao mesmo (cfr. cópia certificada do despacho junto a fls. 19/20 destes autos, e que corresponde a fls. 359/360 dos autos principais).

5- Não se tendo conformado como tal despacho decisório, a requerida dele interpôs recurso, o qual foi admitido como agravo, para subir imediatamente e em separado.

6- Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, a ora agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
1. A douta decisão recorrida qualifica precedentemente a fls. 339 e 350 a falta de notificação à parte contrária pela agravante, nos termos dos arts. 229º-A e 260º-A do CPC, como “mera irregularidade”;
2. O regime legal das meras irregularidades encontra-se previsto no CPC e faz apelo à figura da sanação do vício;
3. Acresce que o disposto no nº 2 do art. 260º-A do CPC recorre à possibilidade de os mandatários notificantes poderem não notificar a parte contrária no dia do cumprimento do prazo judicial e remessa a juízo, uma vez que o referido preceito legal prescreve “o mandatário judicial notificante juntará aos autos documento comprovativo da data da notificação à contraparte”;
4. A reforma estabelecida pelo DL nº 183/000, de 10/08, não visou sancionar a omissão de tal acto como a sanção máxima de perda da prática dos actos, mas apenas que sendo meras irregularidades, sejam sanadas por despacho judicial para cumprimento das mesmas, ou, maxime por aplicação de uma sanção pecuniária de multa;
5. Os despachos judiciais precedentes do Mmº juíz “a quo”, de fls. 339 e 50, falam e admitem o termo “irregularidade” da omissão verificada, ao invés de ilegalidade;
6. Ora, o regime previsto para as irregularidades é a sanação dos vícios e/ou omissões, o que se requer “in casu”;
7. A que acresce que, atento o disposto no nº 2 do artº 260º-A do CPC, o mandatário notificante da agravante poderia ainda vir a praticar o acto omitido de notificação à contraparte;
8. A Lei não prevê expressamente a cominação sancionatória da perda ou impossibilidade imediata da prática do acto omitido;
9. Aliás, tal não é o regime legal das meras irregularidades, que admitem sanação dos vícios, por contraposição aos regimes legais das ilegalidades.
10. Também não se prevê nos referidos preceitos legais qualquer indicação para uma interpretação “ampla” dos mesmos, por contraposição a uma interpretação “restrita”, pelo que falece qualquer razão à argumentação da douta decisão recorrida;
11. Também não assiste razão à mesma, porquanto a própria lei não prevê a sanção específica, nomeadamente o recurso à perda da prática do acto omisso;
12. A qual contraria frontalmente o regime de sanação da omissão previsto para as meras irregularidades no âmbito do CPC;
13. Em conclusão, requere-se a V. Exas. Ilustres Desembargadores, que revoguem a douta decisão recorrida, uma vez que a mesma cominou com uma sanção não prevista na lei uma mera irregularidade, a qual expressamente reconhece e que acarreta um direito potestativo para a ora recorrente, mera interposição de um requerimento de recurso, sanção esta não aplicável ao regime estabelecido pelo CPC para as meras irregularidades, o que se requer”.

7. Não foram apresentadas contra-alegações.

8. O srº juiz do tribunal a quo proferiu despacho a sustentar o despacho agravado.

9. Corridos quem foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1- Delimitação do objecto do recurso.
Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos (cfr. artºs 690, nº 1, e 684, nº 3 do CPC), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (artº nº 2 – fine - do artº 660 do CPC).
É também sabido que, dentro de tal âmbito, o tribunal deve o tribunal resolver todas as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, exceptuando-se aquelas questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras (cfr. 1ª parte do nº 2 do artº 660 do CPC).
Por fim, vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec. e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
1.1 Ora compulsando as conclusões do recurso, verifica-se que, no essencial, são duas as questões a apreciar:
a) Saber se no caso em apreço, a requerida-ora agravante estava obrigada a notificar a parte contrária (a requerente) do requerimento de interposição do recurso da decisão acima referida nos autos principais de providência cautelar?
b) E, em caso afirmativo, qual a consequência daí resultante pelo facto de a primeira não ter notificado a segunda de tal requerimento?

2- Quanto à 1ª questão.
De entre as várias inovações introduzidas ao CPC/95 pelo DL nº n 183/2000 de 10/8, constam os artigos 229-A e 260-A, entrados em vigor em 1/1/2001 (cfr. artº 8º).
Ora preceitua o citado artº 229-A, nº 1, que “nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artº 260-A”. (sublinhado nosso)
Por sua vez, o referido artº 260-A dispõe, no seu nº 1, que “as notificações entre mandatários judiciais das partes, nos termos do nº 1 do artº 229º-A, são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis para a prática dos actos processuais, aplicando-se o disposto nos artigos 150º a 152º” e enquanto que no seu nº 2 estatui queo mandatário judicial notificante juntará aos autos documento comprovativo da data da notificação à contraparte. (sublinhado nosso)
Como resulta do preâmbulo de tal diploma, a grande ideia que esteve subjacente ao mesmo e que norteou a sua publicação foi combater a morosidade processual, de tal modo que inicia-se precisamente o referido preâmbulo escrevendo “a morosidade processual é um dos factores que mais afecta a administração da justiça, originando atrasos na resolução dos litígios, perda de eficácia das decisões judiciais e falta de confiança no funcionamento dos tribunais”.
Depois de explicar, sempre dentro daquele sentido, uma a uma das medidas tomadas, e com vista particularmente a justificar o objectivo dos normativos legais atrás citados, escreveu o legislador “pretende-se ainda desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes, como acontece, por um lado, com a de recepção e envio de articulados e requerimentos autónomos por estas apresentadas após a notificação ao autor da contestação do réu, os quais passarão a ser notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional”.
Quebrou-se, assim, uma prática processual secular, em que até então o mandatário judicial, grosso modo, remetia para processo todas as peças que entendesse por bem, competindo depois ao tribunal dar conhecimento das mesmas à parte contrária (notificando-a de tal junção).
Portanto, e em conclusão, a grande ideia subjacente a tais normativos foi a seguinte: a bem da celeridade processual (e que tem como grande pano de fundo a realização da justiça em tempo oportuno, sob pena de a mesma sofrer um forte revés) entendeu-se libertar os tribunais, e mais concretamente, as respectivas secretarias, de tarefas que podem perfeitamente ser desempenhadas pelas próprias partes, e nas quais se incluem as notificações à parte contrária de certas “peças processuais”.
Aqui chegados, e visto o sentido teleológico das aludidas normas, vejamos agora os seus grandes pressupostos legais.
O primeiro deles pressupõe, desde logo, que as partes tenham constituído no processo mandatário judicial (o que, desde logo, bem se compreende, pois parte-se do pressuposto que só os mandatários judiciais estão não só habilitados a fazê-lo, do ponto de vista técnico-jurídico, como também de que só eles, em princípio, estão apetrechados dos equipamentos modernos necessários que lhes permitem desempenhar tais tarefas).
O segundo deles pressupõe que tais peças processuais sejam apresentadas só depois da notificação ao autor da contestação do réu, ou seja, tal notificação só se impõe às “peças” que sejam apresentadas depois dessa fase. E percebe-se que assim seja, já que tal significa que só a partir desse momento o mandatário do autor ficou a saber não só que a lide que instaurou foi contestada como também ficou a conhecer o mandatário da parte contrária (incluindo o respectivo domicílio profissional), com quem no futuro terá de “dialogar” processualmente. Porém, tal pressuposto tem que ser entendido em termos hábeis, pois muito embora a lei tenha utilizado as palavras “autor”, “réu” e “contestação”, expressões típicas do processo declarativo – o que poderia, à primeira vista, inculcar a ideia de que tal regime só é aplicável aos processos declarativos -, todavia, e pelas razões atrás expostas, que estiveram na génese dos aludidos normativos, não só não vislumbramos razões que justifiquem a exclusividade da sua aplicação aos processos declarativos, como também que afastem a sua aplicação dos outros tipos de processo, especiais ou não, já que o princípio do aumento da cadência da celeridade processual mantém-se válido para todos eles. Tendo apenas de fazer-se uma adaptação, conforme o tipo de processo, daquelas expressões. Aliás, e tal como a esse propósito se escreveu no acordão da RLx de 5/12/2001 (in “CJ, Ano XVI, T5 – pág. 103”) do teor de tais normativos, nomeadamente do artº 229-A, e da sua inserção sistemática no domínio das disposições gerais relativas aos actos processuais, extrai-se que o seu âmbito de aplicação não se afere pela forma do processo, mas antes pela tipologia dos actos processuais a que alude: articulados e requerimentos autónomos. E se assim é para os processos mais solenes, que comportam contestação, por maioria de razão deve-lo-á ser para aquele outro tipo de processos menos solenes ou mais simplificados, também pelo argumento a maiori ad minus. E, por outro lado ainda, não se poderá também ainda deixar de ter em conta, por ex., as disposições insertas nos artºs 463, nº 1, e 466, nº 1, do CPC.
Por fim, o terceiro daqueles requisitos legais pressupõe que tais notificações se reportem a articulados ou a requerimentos autónomos.
Tem, todavia, vindo a gerar alguma controvérsia a questão de saber o que se dever entender por “requerimentos autónomos”, já que o legislador não enuncia ou define esse conceito.
No acordão da RLx de 17/06/2003 (in “CJ, Ano XXVIII, T3 – pág. 117”) defendeu-se a ideia de que deveria interpretar-se o conceito de “requerimentos autónomos” como querendo significar “peças processuais”, enquanto que no acordão dessa mesma Relação de 5/12/2001 (in “CJ, Ano XXVI, T5 – págs. 102/103”) se entendeu atribuir-lhe o entendimento como referindo-se àqueles requerimentos “cuja admissibilidade não depende de despacho prévio”.
Porém, afigura-se-nos que se deverá ir ainda mais longe, razão pela qual comungamos do entendimento perfilhado, a esse respeito, pelo Acordão desta Relação de 22/5/2002 (in “CJ, Ano XXVII, T3 – pág. 18”) no sentido de que com tal expressão ou conceito o legislador quis dizer “que o mandatário judicial notificará o seu colega - que represente a parte contrária – de tudo que houver de lhe ser notificado, e que tenha proveniência do seu escritório, cabendo à secretaria notificar o que houver de ser notificado e que tenha proveniência do próprio tribunal”. Não haverá assim, a nosso ver, qualquer razão, face aos motivos acima indicados que nortearam tal inovação, para fazer qualquer outra interpretação, mais restritiva, de tal conceito ou expressão, e que não tenha tal abrangência.
Assim, qualquer “peça” (entendida em sentido amplo, como, por ex., os requerimentos recursivos, as alegações, as contra-alegações, os requerimentos probatórios, etc, etc) que seja emanada do escritório de um dos mandatários judiciais para ser junta ao processo, e que a parte contrária deva tomar conhecimento, nomeadamente para poder exercer o princípio contraditório ou preparar a sua defesa, integra o conceito de “requerimento autónomo” para efeitos do disposto nos citados artºs 229-A e 260-A.
Logo, face ao exposto, somos levados a concluir que o sobredito requerimento de recurso interposto pela requerida-ora agravante se integra no aludido conceito de “requerimento autónomo”, e não só no conceito mais amplo acabo de referir, como, inclusivé, à luz de qualquer das outras correntes de opinião mais restritivas atrás também citadas.
E sendo assim, estava a requerida-ora agravante, como bem entendeu o srº juíz do tribunal a quo, obrigada a notificar do mesmo a parte contrária, ou seja, a requerente - ora agravada.

2- Quanto à 2ª questão
Não o tendo feito, qual a consequência jurídico-processual resultante de tal omissão?
E com isso, entramos na apreciação da 2ª questão acima enunciada.
Devemos, antes de mais, realçar que não obstante naquele seu requerimento a ora agravante haver feito exarar ter dado cumprimento aos citados normativos, porém, tendo posteriormente o srº juiz do tribunal a quo, na sequência da declaração feita em contrário pela requerente, notificado aquela para vir fazer prova desse cumprimento, a mesma ficou-se pelo silêncio, ou seja, não fez tal prova, sendo certo que nos termos do estatuído na parte final do artº 260-A, em tais situações abrangidas por esses normativos, o mandatário judicial está obrigado a juntar aos autos documento comprovativo da notificação da parte contrária.
Parece-nos ser evidente que tal omissão não configura qualquer nulidade processual, quer porque a lei expressamente não comina ou prescreve a mesma com tal vício, quer porque, mesmo à luz do regime geral consagrado no artº 201, nº 1, do CPC, não se pode concluir que ela possa influir no exame ou decisão da causa.
Estamos, assim, perante uma mera irregularidade processual.
Irregularidade essa cometida que, ao contrário do defendido pelo srº juíz do tribunal a quo, não constitui nenhuma condição da admissibilidade da prática do acto, não só porque tal não resulta da lei, como, bem pelo contrário, outra é, como iremos ver, a solução preconizada pela própria lei.
Por outro lado, funcionando apenas tal obrigatoriedade para os processos em que existam mandatários judiciais constituídos - pois não os havendo, pelo menos em relação a uma das partes, será à secretaria judicial que competirá efectuar tais notificações -, tal seria altamente descriminatório, como se assinala acordão acima citado desta Relação (cfr. pág. 18), que se “fulminasse” como invalidade uma mera irregularidade, ou seja, a existência ou não de mandatário judicial não pode funcionar como critério para criar uma causa de invalidade, e tanto mais, repete-se, porque tal cominação não resulta da lei.
Logo, volta a perguntar-se, qual então a consequência, processual, resultante de tal omissão?
Parece-nos óbvio que o incumprimento do comando estatuído no citado artº 229-A terá que ser objecto de uma consequência ou sanção processual, sob pena de estarmos perante uma norma em branco ou inócua.
No referido acordão desta Relação, depois de se ter considerado que a lei não previu especificamente nenhuma sanção para o efeito, entendeu-se, com recurso ao artº 9 do CC, sancionar tal situação como se de um incidente anómalo se tratasse, e como tal tributar a parte faltosa nas custas desse incidente a que deu causa, à luz do disposto no artº 16 do CCJ.
Porém, e salvo o devido respeito, não concordamos com tal solução.
Na verdade, e ao contrário do que ali se defende – e tal como já atrás deixámos transparecer -, entendemos que a própria lei não é (completamente) omissa no que a esse aspecto diz respeito, ou seja, quanto à fixação de consequências para a inobservância (por falta de notificação) dos citados artº 229-A e 260-A. É que este último normativo, para o qual o 1º também remete, através da parte final do seu nº 1, manda aplicar, na execução de tais notificações, o disposto nos artºs 150 a 152 do CPC (naturalmente devidamente adaptados à situação configurada).
Logo a consequência a aplicar tais situações omissivas, de falta de notificação à parte contrária por parte do mandatário judicial da outra, é aquela que resulta do nº 3 do citado artº 152 ex vi artº 260-A.(neste sentido, vidé ainda Ac. RLx de 5/12/2001, in “CJ, Ano XXVI, T5 – págs. 102” e Ac. da RC de 4/6/2002, não publicado).
Assim, e tendo em conta o caso concreto em apreço nestes autos, e considerando que a requerida ou agravante já foi notificada para fazer prova de que efectuou tal notificação, sem que nada dissesse, afigura-se-nos que, tal como resulta da parte final do nº 3 do citado artº 152, deverá a secretaria extrair certidão do requerimento recursivo em causa e remetê-lo à requerente, pagando a requerida-ora agravante, além do respectivo custo, a multa mais elevada prevista no nº 5 do artº 145 do CPC, o que se ordena.
Pelo que, nesses termos, decide-se, ainda que por motivos não totalmente coincidentes, julgar procedente o recurso de agravo, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve se substituído por outro que admita o recurso ali dado sem efeito, com todas as demais consequências daí decorrentes, sancionando-se ainda a agravante nos termos atrás aludidos.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso (agravo) interposto pelo requerida, Capitalinvest – Investimentos Imobiliários, Ldª, revogando o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que admita o recurso ali dado sem efeito, com todas as demais consequências daí decorrentes, sancionando-se ainda a mesma nos termos atrás aludidos, quer em termos de aplicação de multa, quer em termos de custos motivados pela actividade que a secretaria terá de desenvolver devido à sua conduta omissiva e que supra se assinalou.

Sem custas (artº 2º al. o) do CC – na redacção anterior à que lhe foi dada pelo DL nº 324/2003 de 27/12, nos termos do estatuído nos artºs 14, nº 1, 15, nº 1, e 16, nº 1, deste último diploma).

Coimbra, 21/06/2004