Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1128/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ALEGAÇÕES DE RECURSO- NOTIFICAÇÃO ENTRE MANDATÁRIOS
PRESTAÇÃO DE CONTAS
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS
Data do Acordão: 05/10/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 229º, Nº 2; 229º-A; 260º-A; E 1019º DO CPC.
Sumário: I – Face às alterações introduzidas no CPC pelo DL nº 183-A/ 2000, de 10/08 ( aditamento dos artºs 229º-A e 260º-A ), os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados, pelo mandatário judicial do apresentante, ao mandatário da contraparte, no respectivo domicílio profissional, notificação a efectuar na forma definida no artº 260º-A .
II – Nada na lei impõe à parte o dever de proceder à notificação das alegações e contra-alegações de recurso à parte contrária , pelo que em caso de omissão de ter tido lugar essa notificação deve a secretaria judicial proceder à notificação .

III – O artº 1019º do CPC não constitui uma norma de atribuição de competência em razão da matéria, mas antes de uma norma de fixação de competência funcional dos tribunais .

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- Em petição dirigida ao Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, A...., residente na Rua Direita, Bloco F1, 1º Esquerdo, Eucalipto Sul, Aradas, Aveiro, veio propor a presente acção especial de prestação de contas contra B..., residente na Rua 1º de Janeiro, 48, S. Bernardo, Aveiro, pedindo que o R. seja citado para prestar contas da sua administração dos bens comuns do dissolvido casal dele e dela, A., desde Outubro de 1998 até Junho de 2003.
1-2- Por despacho judicial de 14-1-2003, foi o Tribunal de Família e Menores de Aveiro declarado incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pleito.
1-3- Remetido o processo ao Tribunal Judicial de Aveiro ( Tribunal de Competência Especializada Cível ), por despacho judicial de 23-6-04, foi declarado incompetente, em razão da matéria, o tribunal ( a respectiva competência, segundo o despacho, será do Tribunal de Família e Menores de Aveiro ), absolvendo, em consequência, o requerido da instância.
1-4- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer a A., recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1-5- A recorrente alegou, tendo das alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- A competência dos Tribunais de Família e Menores não contempla as acções de prestações de contas e o facto de o legislador dizer que a acção corre por apenso ou dependência ..., tem por finalidade decidir o problema de competência territorial e não o da competência material do tribunal.
2ª- O Tribunal de Família e Menores é um verdadeiro tribunal de competência especializada, enquanto que um juízo cível dum tribunal judicial se trata de competência genérica, embora restrito à matéria cível, pelo que, de acordo com o estabelecido no art. 66º do C.P.Civil, a presente acção é da competência do tribunal a quo.
3ª- A decisão recorrida violou o art. 66º do C.P.Civil.
1-6- Após a junção aos autos das alegações de recurso, o Mº Juiz ordenou, ao mandatário da A., que juntasse ao processo documento comprovativo de que havia notificado o mandatário da parte contrária, das alegações juntas.
1-7- O mandatário não juntou tal documento, nem nada disse.
1-8- Em sequência dessa omissão, pelo despacho de 21-1-05, o Mº Juiz não admitiu a junção das alegações e, por falta de alegações, julgou deserto o recurso.
1-9- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer a A., recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1-10- A recorrente alegou, tendo das alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- A agravante entende que às alegações e contra-alegações não é aplicável o disposto no art. 229º A. do C.P.Civil, mas o disposto no art. 229º nº 2 do C.P.Civil, dado que as mesmas não são articulados, nem requerimentos, devendo a notificação ser feita pela secretaria.
2ª- A decisão recorrida violou o art. 229º nº 2 do C.P.Civil.
1-11- Não houve contra-alegações.
1-12- O Mº Juiz sustentou as suas decisões.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
II- Fundamentação:
2-1- Como consta do relatório acima enunciado, o Mº Juiz, com o fundamento de que o mandatário da A. não havia junto aos autos documento comprovativo de que havia notificado o mandatário da parte contrária, do teor das suas alegações, não admitiu a junção destas alegações e, em consequência, julgou deserto o recurso por falta de alegações.
A A. não se conformando com esta decisão interpôs recurso, tendo nas suas alegações vindo provar que, pese embora não tivesse demonstrado tal nos autos, o certo é que notificou o mandatário da parte contrária das suas alegações. Mais, veio até juntar um documento em que o mandatário da parte contrária confirma que recebeu as alegações de recurso.
Quer isto dizer que, na realidade, o mandatário da ora recorrente notificou a parte contrária, do teor das suas alegações de recurso. O que sucedeu é que não demonstrou isso, nos autos, não o tendo também feito, quando foi expressamente notificado para efectuar essa prova.
Que consequências se devem retirar dessa sua omissão ?
Evidentemente que a resposta a dar a esta questão, será dependente de se considerar, ou não, obrigatório, o mandatário da parte, proceder à notificação da parte contrária, do teor das suas alegações de recurso.
Vejamos:
O Dec-Lei 183A/2000 de 10 de Agosto, aditou ao C.P.Civil as seguintes disposições:
Art. 229ºA:
1- Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do art. 260º A.
Art. 260º A:
1- As notificações entre mandatários judiciais, nos termos do art. 229º A, são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis para a prática de actos processuais, aplicando-se o disposto nos artigos 150º e 152º”.
Quer isto dizer que os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados, pelo mandatário judicial do apresentante, ao mandatário da contraparte, no respectivo domicílio profissional, notificação a efectuar na forma definida do art. 260º A.
A questão que se coloca, diz respeito a saber-se se este regime se aplica às alegações e contra-alegações. Muito embora haja quem entenda que o legislador pretendeu introduzir nestas peças processuais o regime de notificação em evidência, a verdade é que, indubitavelmente, não se pode ter isso como certo, face à respectiva formulação legal.
Com efeito, aquela norma fala apenas em articulados e requerimentos autónomos e não ( também ) em alegações e contra-alegações. Evidentemente que as alegações e contra-alegações não são requerimentos autónomos. Também não podem ser englobadas na terminologia de articulados. Isto, em primeiro lugar, porque processualmente ( e portanto rigorosamente ) articulados são, como se sabe, as peças processuais em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes ( art. 151º nº 1 do C.P.Civil ) e, nesta conformidade, as alegações e contra-alegações não podem ser aí abrangidas. Além disso, ainda que se queira entender como articulados todas as peças processuais elaboradas obrigatoriamente em artigos, mesmo assim as alegações e contra-alegações não podem ser assim consideradas, visto que elas não necessitam de ser realizadas articuladamente (art. 690º do mesmo Código ).
De resto, achamos até muito duvidoso que tenha estado no espírito do legislador a ideia de introduzir o regime dos requerimentos autónomos e articulados, às alegações e contra-alegações. Isto porque, se no art. 150º nº 1 do mesmo diploma ( no que toca à apresentação das peças processuais aí indicadas em suporte digital ), o legislador se referiu expressamente às alegações e contra-alegações, não se vê qualquer razão para não se referir, de igual modo, a essas peças processuais quando tratou da notificação entre os mandatários das partes. E o certo é que o não fez, pois como já se sublinhou, nesta notificação não se referiu explicitamente às alegações e contra-alegações.
Acresce que em sede de interpretação da lei, o intérprete, nos termos do art. 9º do C.Civil, deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que nos parece arriscado defender-se a posição que, ao se referir a articulados e requerimentos autónomos, o legislador se quis também dirigir às alegações e contra-alegações.
Portanto, a nosso ver, nada na lei impõe à parte, a notificação, à parte contrária, das alegações e contra-alegações, nos termos dos arts. 229º A e 260º A do C.P.Civil.
Chegados a esta conclusão, já poderemos responder à questão acima formulada.
Não sendo obrigatório o mandatário da parte proceder à notificação das alegações ao mandatário da parte contrária, é evidente que nenhuma consequência lhe pode advir da omissão de não ter demonstrado nos autos, não ter efectuado essa notificação.
Não existindo elementos dos autos que demonstrassem que a parte tinha (por iniciativa própria ) procedido à notificação em causa, deveria a secretaria ter efectuado essa notificação, de harmonia com o disposto no art. 229º nº 2 do C.P.Civil.
O agravo procederá pois, pelo que as alegações ficarão nos autos, revogando-se a declaração de deserção do recurso.
2-2- A parte contrária veio informar haver recebido cópia das alegações de recurso da A. ( fls. 74 ).
Por sua vez o Mº Juiz já sustentou os seus despachos.
Por isso, iremos, de imediato, conhecer do ( primeiro ) recurso interposto.
2-3- A questão que se coloca no agravo será a de saber qual dos juízos, que declinaram a sua competência em razão da matéria, é, na realidade, o competente para conhecer do pleito.
A A. interpôs a presente acção com vista a que o R., seu ex-marido, preste contas da sua administração dos bens comuns do dissolvido casal ( desde Outubro de 1998 até Junho de 2003 ).
Na acção alega que A. e R. foram casados e que o casamento foi dissolvido por divórcio, que transitou em julgado. Mais referiu que, por apenso à acção de divórcio, correu inventário para separação das respectivas meações nos bens comuns do casal.
Como se sabe, os tribunais judiciais, têm competência residual, já que essa competência engloba todas as causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional ( art. 18º nº 1 da Lei 3/99 de 13/1 ( Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ) - e ainda art. 66º do C.P.Civil ).
No que concerne à competência em razão da matéria, os tribunais judiciais podem ser de competência genérica, ou de competência especializada.
Compete aos tribunais de competência genérica, preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídos a outros tribunais ( art. 77º nº 1 al. a) da Lei 3/99 ). No caso de existência de tribunais de competência especializada cível, o art. 94º da mesma Lei, atribui competência a esses tribunais para preparar e julgar os processos relativos a causas de natureza cível, não atribuídos a outros tribunais.
Os tribunais de família e menores, tribunais de competência especializada ( e, como tal, devem conhecer, apenas, de matérias determinadas - art. 64º nº 2 da Lei 3/99 - ), têm a sua competência definida nos arts. 81º a 83º da mesma Lei. Dentre as atribuições que lhes são assacadas, haverá a sublinhar que compete a esses tribunais preparar e julgar os “inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com eles relacionados” ( art. 81º al. c)).
As acções especiais de prestações de contas, não estão expressamente contemplados nas acções, cuja competência ( exclusiva ) cabe aos tribunais de família e menores. Mais, a lei não atribui a qualquer tribunal em especial, a competência para apreciar e julgar as acções de prestação de contas.
Daí que, numa primeira abordagem à questão, sejamos levados a concluir que, não sendo atribuída, pelas ditas normas, a competência para apreciar essas acções a esses tribunais de família e menores ou a quaisquer outros, a respectiva competência, caberá aos tribunais de competência genérica, ou de competência especializada cível (quando existam estes ).
Estabelece o art. 1019º ( em relação às acções especiais de prestação de contas ) que “as contas a prestar por representantes legais de incapazes, pelo cabeça de casal e por administrador depositário judicialmente nomeados, são prestadas por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita”.
Foi baseando-se nesta disposição que o Mº Juiz proferiu o despacho recorrido. Declarou o tribunal judicial de competência especializada cível, incompetente em razão da matéria, considerando o tribunal de família e menores o conveniente para o efeito. Isto porque havia sido no processo de inventário, que tinha corrido nesse tribunal ( de família e menores ), que o cabeça de casal tinha sido nomeado para o exercício do cargo.
Não nos parece, salvo o devido respeito pela opinião contrária, certa esta posição, visto que o mencionado art. 1019º não constitui uma norma de atribuição de competência, em razão da matéria, aos tribunais. Antes se trata de uma norma de fixação de competência funcional de tribunais. A previsão do artigo, supõe, obviamente, que o tribunal da causa tenha competência, em razão da matéria, para apreciação da nova acção e, partindo desse pressuposto, atribui também competência funcional a ele, para este pleito.
Como se diz no acórdão da Relação de Lisboa de 27-1-2002 ( Col. de Jur. 2002, Tomo I, pág. 141 ) em caso semelhante ( apensação de acções nos termos do art. 76º nº 1 do C.P.Civil - acções de honorários ), sublinhando as palavras do Prof. Alberto Reis “o artigo manda propor a acção no tribunal da causa onde foi prestado o serviço; com esta determinação não se quis atribuir competência ao tribunal da causa, seja qual for a sua natureza, para conhecer da acção de honorários, o que se quis foi prescrever-se que, se esse tribunal tiver competência objectiva para julgar a acção de honorários, a essa competência acrescerá a competência territorial para a referida acção”.
Quer isto dizer e em conclusão, que o art. 1019º determina que a acção de prestação de contas, seja apensada ao processo onde o cabeça de casal foi nomeado para o cargo. Ponto é que esse tribunal tenha competência para a nova acção. Se o não tiver, como é o caso presente, já tal dependência não poderá ter lugar.
Por tudo o exposto se conclui que é o tribunal judicial de competência especializada cível de Aveiro, o competente, em razão da matéria, para conhecer da acção.
O agravo procederá pois.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento aos agravos e, em consequência, revoga-se os despachos recorridos.
Declara-se, assim, que as alegações de recurso da agravante devem permanecer nos autos, invalida-se a declaração de deserção do recurso e decide-se que o tribunal judicial de competência genérica cível de Aveiro, é o competente para conhecer da acção.
Sem custas.