Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
434/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: TOMÁS BARATEIRO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTº 564º, Nº 2 DO C.C.
Sumário: 1. Um dano é futuro e previsível quando se possa prognosticar, conjecturar, com antecipação no tempo em que ocorrerá, para poder ser atendido para efeitos do artº 564º, nº 2, do C. Civ. .
2. Face à parte final dessa disposição, não sendo tais danos determináveis (não se sabendo o seu montante) , a respectiva indemnização será liquidada em execução de sentença .
3. A indemnização por danos futuros resultantes de maiores dificuldades e de esforços para exercer a sua profissão deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor de rendimentos que cubra a diferença entre a situação actual e a que existiria se não fora a existência do evento danoso .
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
I - A, residente no Bairro da Rosa, Lote 6 R/C DTO, em Coimbra, intentou esta acção ordinária contra a Ré “Companhia de Seguros Mundial Confiança, S.A”., com sede no Largo do Chiado, 8, em Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 32.065.381$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Filia a causa de pedir num acidente de viação que teve lugar em 24/11/96, pelas 17,50 horas, na Rotunda da Av. Gouveia Monteiro, em Coimbra, quando o Autor conduzia o seu ciclomotor matrícula 2-CBR-94-61, e foi embatido pelo Citroen matrícula XT-11-78, conduzido e pertença de Joaquim Pires Dias Reis, que, provindo dos HUC, descia a Av. Gouveia Monteiro e, ao chegar à primeira rotunda, avançou em direcção a Coselhas, sem atentar na existência de um sinal indicativo de estrada com prioridade; atravessou-se à frente do ciclomotor e embateu com a roda da frente da sua viatura, do lado esquerdo, na perna direita do Autor. Em virtude desse embate, este sofreu diversas lesões, causadoras de danos cujo pedido de indemnização agora formula.
Na sua contestação, a Ré aceita o embate, alegando desconhecer a sua causa. Impugna o grau de incapacidade permanente parcial de 55% defendido pelo Autor e considera exagerados os montantes peticionados para indemnizar os danos.
Foi proferido o despacho saneador, seleccionaram-se os factos assentes e fixou-se a base instrutória.
A folhas 260 a 262 (e 296 a 298), o Autor ampliou o pedido dos danos patrimoniais já sofridos para a quantia de 2.025,10 euros, e pede ainda a condenação da Ré a retribuir-lhe todos os danos que venha a sofrer por causa do acidente.
Admitida tal ampliação, aditou-se o quesito 66º, nos termos que constam de folhas 329
II - Teve lugar a audiência de julgamento, respondendo-se aos quesitos conforme despacho de folhas 332/333, sem reclamação.
Por sentença de 15/7/03, julgando-se parcialmente procedente a acção, condenou-se a Ré Companhia de Seguros Mundial Confiança, S.A. a pagar ao Autor, António Rodrigues, a quantia de 23.280,04 euros (vinte e três mil, duzentos oitenta euros, quatro cêntimos), acrescida de juros, à taxa anual de 7%, desde a citação até 30.4.03 e, à taxa anual de 4%, desde 1.5.03 até efectivo pagamento, e a quantia de 20.000 euros (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4% desde esta data até efectivo pagamento, absolvendo-a do pedido quanto ao demais.
III – De tal sentença recorreu o Autor, que conclui nas suas alegações:
1ª - O apelante não se limitou a pedir o ressarcimento dos danos que venha a sofrer em função do acidente, pediu ainda e principalmente que a apelada fosse condenada a acompanhar o seu desenvolvimento clínico futuro.
2ª - Tais danos concretos (a sofrer) não foram alegados ou provados nos autos porque ainda não ocorreram, porém, da matéria dos autos e, em especial, da matéria contida nos pontos 39 e 62, é previsível a sua ocorrência.
3ª - Muito embora a douta sentença a quo preveja verbas para ressarcimento dos danos já conhecidos, e, até dos danos morais previsíveis, não contempla (nem podia contemplar), qualquer verba para a eventualidade de o autor necessitar ser submetido a uma operação por sequelas do acidente dos autos, ou necessitar de acompanhamento de um especialista.
4ª - Ao considerar improcedente tal pedido a douta sentença a quo fez uma incorrecta aplicação do direito aos factos, violando os artigos 483º, 562º, 563º e 564 do Código Civil.
5ª - O apelante acredita que ocorreu um qualquer lapso da sentença a quo quando refere que: «... Feito o cálculo correspondente obtém-se um capital de 15.582,5 euros (coeficiente aplicado-12.6593). O cálculo elaborado pelo autor corresponde àquele que é feito pelo tribunal; que o demandante olvidou que a sua incapacidade permanente parcial é de 25% e não de 100% como considerou».
6ª - Pois, à data da entrega da petição inicial o apelante considerou a incapacidade de 55% e não de 100%, e, atentos os pontos 37 e 68 dos fundamentos de facto e mantendo todos os dados da fórmula apresentada, alterando apenas o valor da incapacidade para 25%, obtém-se um capital de 28.206,26 euros e não de 15.582,5 euros como se considerou na sentença a quo.
7ª - Utilizando o programa de cálculo da IPP, gentilmente disponibilizado para download no sítio www. verbojurídico.net, onde se utiliza precisamente a mesma fórmula, com actualização da taxa de juro nominal líquida para 4% e da taxa anual de crescimento para 2%, obtém-se a quantia de 29.496,00 euros (cfr. anexo 1 que junta) quando se parte da data em que ocorreu o sinistro, encontrando-se a quantia de 27.127,00 euros quando se parte da data da consolidação (cfr. anexo 2).
8ª - Não sendo justo considerar o salário do lesado à data do sinistro e a idade que tinha aquando da sua consolidação, como se faz na sentença a quo.
9ª - Devendo, s.m.o., ser considerada no cálculo a idade que o lesado tinha à data do sinistro e o seu salário nessa data, ou, quando se utilize no cálculo a data da consolidação, deve, então, considerar-se o seu salário nessa data.
10ª - O resultado de 15.582,5 euros indicado na douta sentença a quo só pode resultar de um qualquer lapso, cuja correcção nos termos do artigo 667º do Código de Processo Civil desde já se peticiona.
11ª - Quando assim não se considere pelo tribunal a quo, a sentença recorrida, ao considerar a quantia de 15.582,5 euros adequada para o ressarcimento da indemnização do apelante por IPP, violou o disposto nos artigos 483º, 562º, 563º e 564º do Código Civil, devendo considerar-se adequada para ressarcimento de tais danos a verba de 28.206,26 euros ou de 29.496,00, como se obtém no dito programa.
12ª - No mais a sentença a quo foi distinta e não merecendo qualquer outro reparo.
Em contra alegações, a “Companhia de Seguros Fidelidade – Mundial, S.A.” (onde foi incorporada a Ré, sucessora desta) entende que deve confirmar-se a sentença recorrida.
IV – Na primeira instância, consideraram-se provados os seguintes factos (que se assinalam, na parte final de cada número, com as letras dos factos assentes e os números da base instrutória, respectivamente):
1 - No dia 24 de Novembro de 1996, pelas 17.50 horas, na rotunda da Av. Gouveia Monteiro, em Coimbra, ocorreu um embate entre o ciclomotor, marca Casal, matrícula 2.CBR-94-61 , conduzido e pertencente ao autor, e o veículo ligeiro de passageiros, marca Citroen, matrícula XT-11-78, conduzido e pertencente a Joaquim Pires Dias Reis ( A)).
2 - O XT circulava pela Av. Gouveia Monteiro, em sentido descendente, provindo dos HUC, em direcção a Coselhas ( B)).
3 - Na primeira rotunda ali existente, existe um sinal vertical indicativo de estrada com prioridade, cedendo passagem aos veículos que circulavam pela dita avenida, no sentido ascendente, com destino à Av. Afonso Romão, que dá acesso aos Olivais ( C)).
4 - O piso, em asfalto, estava em bom estado de conservação ( D)).
5 - O autor nasceu em 5.9.51 (doc. fls. 119) - E).
6 - O Joaquim Pires Dias Reis tinha transferido a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo XT para a ré seguradora através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 1103180 (doc. fls. 132) – F).
7 - O condutor do XT avançou no destino pretendido, atravessando-se à frente do ciclomotor conduzido pelo autor (1º).
8 - Que seguia pela Av. Gouveia Monteiro, pela meia faixa de rodagem direita, em sentido ascendente, em direcção à Av. Afonso Romão (2º).
9 - Perante tal obstrução da via, o autor desviou para a esquerda, atento o seu sentido de marcha (4º).
10 - Embatendo com a sua perna direita na roda da frente do lado esquerdo do XT (5º).
11 - Sendo projectado ao chão (6º).
12 - Em consequência do embate o autor sofreu fractura inter e subtroncatérica do fémur direito (7º).
13 - As lesões padecidas pelo autor impossibilitaram-no de exercer as suas funções laborais desde a data do embate até 1.12.98, não obstante a alta definitiva lhe ter sido concedida em 13.1.99 (8º).
14 - Após o embate o autor foi transportado aos HUC numa ambulância (9º).
15 - Onde foi socorrido e radiografado com aplicação de fixadores externos na coxa direita (10º).
16 - Ficou internado em ortopedia, tendo sido operado, em 29.11.96, com colocação de material de osteossíntese (11º).
17 - Depois da alta hospitalar, foi presente a uma consulta de ortopedia nos HUC, após o que frequentou, até Dezembro de 1998, as consultas da Casa de Saúde "Coimbra", por conta da ré (12º).
18 - Teve de recorrer diversas vezes ao serviço de urgência dos HUC, sendo a última em 26.12.99, pelas 20.55 horas (13º).
19 - Em 26.5.97, o autor apresentava marcha claudicante, deambulando com duas canadianas e, na face externa da coxa direita, uma cicatriz de características operatórias, longitudinal nacarada, medindo 35 centímetros de comprimento, bem como limitação dos movimentos do joelho direito (14º).
20 - Em 13.4.98, o estudo radiográfico do fémur direito mostrava fractura subtroncatérica do fémur com calo ósseo em evolução não consolidada, havendo fractura da placa L no seu 1/3 proximal (15º).
21 - Em 23.4.98, o autor foi submetido a outra intervenção cirúrgica, realizada na Casa de Saúde “Coimbra”, por ordem e a expensas da ré, para extracção do material de osteossíntese com cavilha PFN e enxerto cortico-esponjoso (16º).
22 - O autor sofreu dores enquanto aguardou, durante 4 dias, que o operassem (17º).
23 - Para a intervenção cirúrgica referida em 16º, o autor esteve internado durante 18 dias (18º).
24 - Foi orientado para a consulta de ortopedia daquela clínica. deambulando com duas canadianas (19º).
25 - Na sequência de tais consultas foram-lhe realizados diversos exames radiográficos (20º).
26 - Retomou o trabalho em 2.12.98 (21º).
27 - Obteve alta da consulta externa de ortopedia da clínica em 13.1.99, apresentando consolidação da fractura subcontratérica (osteossíntese com cavilha Gamma), atrofia do quadricípite direito (4 cms) e limitação funcional das articulações da anca e joelho direitos (22º).
28 - Passou a deambular com uma canadiana (23º).
29 - Em 30.3.99, o autor apresentava, a nível da crista ilíaca direita, cicatriz de características operatórias, nacarada, medindo 10 centímetros de comprimento (24º).
30 - A cicatriz da segunda intervenção na face externa da coxa direita é sobreponível à primeira e com as mesmas características e dimensões; limitação das mobilidades da articulação coxo-femural direita amiografia da coxa direita de dois centímetros (25º).
31 - E apresentava claudicação da marcha e encurtamento do membro inferior direito de dois centímetros e meio (26º).
32 - Em 18.10.99, o autor evidenciava nas radiografias sinais de fracturas não recentes do colo e das regiões troncaterianas e subtroncaterianas do fémur, consolidadas por meio de encavilhamento com encurtamento do colo femural (27º).
33. E ostopenia da anca direita e procidência do rebordo acetabular inferior bem como estreitamento da entrelina articular nesta zona, traduzindo lesões de artrose pós-traumática (28º).
34 - E ainda ostopenia ao longo de todo o fémur, incluindo na zona do joelho, e artrose no joelho (29º).
35 - Em 26.4.00, o autor deslocava-se apoiado numa canadiana, apresentava claudicação acentuada da marcha, amiotrofia de 2 centímetros da coxa direita, medida a 10 centímetros do polo superior da rótula; encurtamento de 1 centímetro do membro inferior direito, rigidez acentuada da anca e joelho direitos, mobilidade dolorosa da anca e joelho esquerdos (30º).
36 - Após a consolidação das lesões persistem para o autor sequelas anátomo-funcionais que limitam significativamente a mobilidade do membro inferior direito, com repercussão ao importante na marcha (31º).
37 - As lesões de que padece o autor, em consequência do embate, causam-lhe uma incapacidade permanente parcial de 25% desde a data da consolidação, em 13.1.99 (32º).
38 - Esta incapacidade permanente parcial exige esforços suplementares para o exercício da sua profissão (33º).
39 - A situação clínica do autor tem tendência a piorar com o passar dos anos (34º).
40 - Continua a sofrer dores constantes na perna, anca e joelho direitos (35º).
41 - Causa-lhe mal estar o contacto das peças de roupa com a cicatriz com que ficou na região ilíaca (36º).
42 - Só consegue dormir de costas deitadas, não podendo virar-se para o seu lado direito ou esquerdo (37º).
43 - Por causa da carga que a perna esquerda tem de suportar, em 26.12.99, foi socorrido de urgência nos HUC, por estar com uma inflamação nessa perna (38º).
44 - Essa inflamação provocou-lhe dores (39º).
45 - É impossível ao autor deslocar-se sem auxílio de uma canadiana (41º).
46 - Não pode caminhar, subir e descer escadas, ajoelhar-se ou correr (42º).
47 - Deixou de poder praticar atletismo e jogar futebol, desportos que sempre praticou (43º).
48 - Em virtude das limitações em se deslocar, o autor deixou de ir ao café conviver com os seus amigos (44º).
49 - Não pode andar de bicicleta nem conduzir o seu ciclomotor (45º).
50 - O autor não consegue conduzir veículos automóveis (46º).
51 - É forçado a recorrer a táxi e boleias de amigos e colegas de trabalho para se deslocar de e para o seu emprego (47º).
52 - Para não onerar demasiado os seus colegas faz turnos de 24 horas seguidas, o que lhe custa (48º).
53 - Não consegue tomar banho, vestir-se e calçar-se sem ajuda (49º).
54 - Os factos referidos em 41º a 49º provocam-lhe sofrimento e aliterações de humor (50º e 52º).
55 - Desde o embate toma diariamente ansiolíticos e antidepressivos (51º).
56 - Por causa do embate, o autor teve um atraso de dois anos e seis dias na subida do escalão remuneratório (53º).
57 - Quem estava na sua categoria transitou para o escalão seguinte (54º).
58 - O que lhe causou um prejuízo mensal de 27,43 euros desde 1.2.99 até ao fim da sua vida activa (55º).
59 - O autor deixou de auferir os subsídios de férias e de Natal em função da licença sem vencimento de longa duração, num total de 662,40 euros (56º).
60 - Em gasolina, na deslocação para o emprego, transportado no carro da filha, o autor despendeu, entre 13.12.98 e 29.1.99, 145,02 euros (57º).
61 - Em deslocações em táxi para consultas e tratamentos, despendeu o autor a quantia de 317,07 euros (58º).
62 - Na deslocação a Lisboa, para ser consultado pelo Dr. Varandas, em 6.8.99, o autor gastou 174,58 euros em táxi e 9,88 euros com a refeição (59º).
63 - Na deslocação a Lisboa, para ser consultado pelo Dr. Varandas, em 15.9.99, o autor gastou 174,58 euros em táxi e 11,57 euros com a refeição (60º).
64 - O Hospital Sobral Cid, onde trabalha o autor, dista da sua casa cerca de 12 Kms (61º).
65 - Para poder gozar do favor dos seus colegas o ir buscar e levar a casa, o autor tem trabalhado 24 horas seguidas (62º).
66 - O facto referido em 62º causa ao autor desgaste físico e psíquico (63º).
67 - Não obtendo boleia, o autor desloca-se para o seu local de trabalho em taxi e autocarro, despendendo naquele o valor aproximado a 9 euros por dia (64º).
68 - O autor aufere mensalmente a quantia líquida de 410,31 euros (65º).
69 - Em virtude do agravamento da sua situação clínica, o autor recebeu tratamento nas urgências dos HUC em 9.08.02, 8.09.02 e em 13.09.02, no que despendeu a quantia de 36,44 euros (66º).
V – Deverá ter-se presente que a decisão recorrida só poderá ser alterada na parte impugnada pelo recurso, e o âmbito deste se determina em face das conclusões das respectivas alegações, abrangendo as questões aí contidas (artigos 684-nº3 e 690-nº1 do C.P.C.).
1 – Como resulta das alegações do Autor (ora apelante), não foi posta em causa a factualidade apurada na primeira instância. Não se questiona a obrigação de indemnizar da Ré, que nem sequer interpôs recurso.
Na sentença recorrida concluiu-se que o condutor e proprietário do veículo ligeiro (XT-11-78), segurado da Ré, foi o único culpado do embate, que causou danos ao Autor, recaindo na Ré a respectiva obrigação de indemnizar por força do contrato de seguro.
Quanto aos danos, considerados naquela sentença, fixou-se a respectiva indemnização no total de 43.280,04 euros, resultante dos seguintes valores parcelares: - a) 869,14 €, de deslocações de carro e taxi, refeições e tratamentos em Hospital (respostas aos quesitos 57º a 60º e 66º); b) 4.166 €, por atraso na subida de escalão remuneratório (respostas aos quesitos 53º a 55º); c) 662,40 €, de perda se subsídios de férias e Natal na licença sem vencimento de longa duração (resposta ao quesito 56º); d) 15.582,5 €, de danos futuros resultantes da maior dificuldade e esforços suplementares para exercer a profissão; e) 2.000 €, de danos futuros com utilização de taxi para actividade profissional (respostas aos quesitos 61º e 64º); f) 20.000 €, por danos não patrimoniais.
Na decisão recorrida, mencionou-se que o demandante formula indemnização pelo “dano físico” derivado das dores que sofreu, mas esse dano é de índole moral e está compensado pela quantia pecuniária atribuída a título de danos não patrimoniais.
Acrescentou-se que o Autor pede ainda a retribuição de todos os danos que venha a sofrer por causa do acidente.
No entanto, entendeu-se que não estão provados nem alegados quaisquer danos futuros que não tenham sido considerados nos valores indemnizatórios arbitrados, pelo que tal pedido está votado ao insucesso.
2 – Este último aspecto é uma das questões que está em causa no presente recurso, já que, ao ampliar o pedido formulado na petição inicial, além do mais, o Autor requereu “que a ré seja também condenada a retribuir todos os danos que o Autor venha a sofrer por causa do acidente dos autos” (folhas 262 e 298).
Em tal requerimento, além de outros factos, o Autor alega que: - para além da natural degeneração da sua situação clínica o autor tem vindo a deparar-se com o agravamento agudo da mesma (3º); em 09/08/2002, deu entrada nas urgências do Hospital da Universidade de Coimbra onde lhe foram diagnosticados sinais de coxartrose direita pós-traumática e osteopenia, tendo sido aconselhado a ser seguido pelos serviços clínicos da ré...e sinais inflamatórios na cicatriz operatória (4º); em 08/09/2002 voltou a dar entrada nas urgências dos HUC (5º); em 13/09/2002 voltou a dar entrada nas urgências dos HUC com reacção ao material de osteossíntese, sendo aconselhado a manter os antibióticos (6º); desde tal data que regularmente tem tido sinais inflamatórios na cicatriz operatória tendo de recorrer a tratamentos (7º); estando a aguardar que lhe marquem operação nos HUC (8º); pois nos serviços da ré declararam-lhe verbalmente que uma vez que o processo dele se encontrava em tribunal não o iam seguir clinicamente (9º); a ré foi avisada da situação clínica do autor por fax e por carta registada em 09/09/2002 e 16/09/2002 ..., onde se solicitava a reabertura do processo clínico do autor, porém, até à presente data não se dignou sequer responder a tal pretensão, tendo inclusive recusado o pagamento aos HUC da assistência que estes prestaram ao Autor em tais urgências (10º e 11º); razão pela qual o autor teme que caso não fique exarado em sentença que a ré é obrigada a acompanhar o seu desenvolvimento clínico a mesma continuará a ter o comportamento ... que vem demonstrando (13º).
Não consta que estes factos tenham sido impugnados, apenas constando da acta de julgamento (folhas 329) que “o ilustre mandatário da ré pronunciou-se quanto à ampliação do pedido produzido pelo autor, cujos valores reputou exagerados”.
Por despacho de 27/6/03, exarado na mesma acta, admitiu-se a ampliação do pedido “nos termos do artº173º, 2 do C.P.C. ..., por constituir um desenvolvimento do pedido primitivo”, aditando-se depois o quesito 66º.
3 - Nas suas alegações de recurso, o Autor refere ter pedido que a apelada fosse condenada a acompanhar o seu desenvolvimento clínico futuro, tendo sido nessa medida que pediu e pede que a apelada seja condenada a retribuir todos os danos que o Autor venha a sofrer em função do acidente, sendo previsível a sua ocorrência da matéria dos autos, em especial, da contida nos pontos 39 e 69.
A este respeito, diz o artigo 564-nº2 do Código Civil: - “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjecturar, com antecipação no tempo em que ocorrerá.
O carácter eventual do dano futuro pode conhecer vários graus, conforme se refere no Acórdão do S.T.J. de 11/10/94 (Col. 1994-S-III, página 84): - “Desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato, em que mais não há que um receio”. “Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável”. “Naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua ocorrência”.
Como se refere no mesmo Acórdão, só perante cada caso concreto é que será possível fazer a avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente.
Ora, no caso destes autos, há factos provados que indiciam a necessidade de o Autor ter que fazer outras despesas no futuro relacionadas com o seu estado de saúde em consequência do acidente, designadamente os que constam das respostas aos quesitos 34º, 38º, 51º e 66º, na medida em que as sequelas do acidente pode fazer prever outras despesas em medicamentos e tratamentos.
Para além disso, outros factos alegados no requerimento de ampliação do pedido e referidos supra nº2 (não impugnados) apontam no mesmo sentido, mas com maior segurança quanto à probabilidade de novas despesas relacionadas com o estado clínico do Autor em consequência do acidente.
Tendo esta acção sido proposta em 11/10/01, posteriormente o Autor teve necessidade de novos tratamentos e medicamentos, a implicar despesas já feitas, e tudo indica que terá de fazer outras no futuro, relacionadas com o seu estado clínico derivado do acidente, como resulta das respostas aos quesitos 34º, 38º, 51º e 56º (atrás referidas) e do alegado nos artigos 3º a 8º do seu requerimento de ampliação do pedido, mencionados no número anterior (onde se afirma, designadamente, que : - o Autor tem vindo a deparar-se com o agravamento agudo da sua situação clínica; em 09/08/2002, deu entrada nas urgências do Hospital da Universidade de Coimbra onde lhe foram diagnosticados sinais de coxartrose direita pós-traumática e osteopenia, tendo sido aconselhado a ser seguido pelos serviços clínicos da ré...e sinais inflamatórios na cicatriz operatória; em 13/09/2002 voltou a dar entrada nas urgências dos HUC com reacção ao material de osteossíntese, sendo aconselhado a manter os antibióticos; desde tal data que regularmente tem tido sinais inflamatórios na cicatriz operatória tendo de recorrer a tratamentos; estando a aguardar que lhe marquem operação nos HUC.
Estão em causa danos futuros (derivados de uma situação clínica não completamente curada), com um mínimo grau de incerteza de virem a concretizar-se. O grau de incerteza de tais danos é tão pequeno que pode prognosticar-se que o respectivo prejuízo venha a acontecer, sendo indemnizáveis nos termos do artigo 564-nº2 do Código Civil.
Face à parte final desta disposição, não sendo tais danos determináveis (não se sabendo o seu montante), a respectiva indemnização será liquidada em execução de sentença.
Assim se aceita esta pretensão do Autor, de acordo com o afirmado nas conclusões 1ª a 4ª das suas alegações de recurso, devendo a Ré ser condenada a pagar-lhe a indemnização correspondente às despesas posteriores à sentença da primeira instância, respeitante à sua situação clínica em consequência do acidente dos autos, indemnização a liquidar em execução de sentença.
4 – Nas suas conclusões seguintes (5ª a 11ª), o apelante impugna o valor de 15.582,5 €, que lhe foi atribuído a título de danos futuros resultantes de maiores dificuldades e esforços para exercer a sua profissão.
Quanto a esta verba, na sentença recorrida seguiram-se critérios e cálculos semelhantes aos utilizados para apurar o valor de 4.166 euros, aludido supra nº1 b), que não vem impugnado neste recurso (que aqui se refere apenas para verificar não haver lapso de contas).
Quanto ao apuramento desta última importância, na sentença recorrida considerou-se que: - por causa do embate o Autor teve um atraso de dois anos e seis dias na subida do escalão remuneratório, já que quem estava na sua categoria transitou para o escalão seguinte, o que lhe causou um prejuízo mensal de 27,43 euros desde 1/2/99 até ao fim da sua vida activa (respostas aos quesitos 53º a 55º); o Autor nasceu em 5/9/51 (al. E) dos factos assentes) e o limite etário da vida activa se situa, por regra, aos 65 anos de idade; como o Autor receberá o capital correspondente de uma só vez, o seu cálculo faz-se pelo recurso às tabelas financeiras, por forma a obter um capital produtor de rendimento que vai compensando o lesado durante o período provável de vida activa (18 anos), mas que, findo esse período, se esgota. Na feitura desse cálculo, aceitando como razoável uma taxa anual de 4% (há no mercado produtos financeiros com rendibilidade anual superior) e aplicando o índice correspectivo (12.6593), alcançou-se o valor de 4.166 euros.
Ora, esta importância corresponde ao valor arredondado de 27,43 € x 12 (meses) x 12.6593.
Na sentença recorrida considerou-se que, no cálculo da frustração do ganho do lesado, atende-se à idade da vítima à data da consolidação (47 anos), o período provável de vida activa (18 anos), os rendimentos anuais auferidos e o grau de incapacidade de que está afectado - 25% (respostas aos quesitos 32º e 65º). Feito o cálculo correspondente obteve-se um capital de 15.582,5 euros (coeficiente aplicado –12.6593).
Ora, esta importância é muito aproximada do valor resultante de 410,31 € (vencimento mensal) x 0,25 x 12 (meses) x 12.6593.
Independentemente do maior ou menor valor destes critérios e operações, verifica-se que são os mesmos utilizados na primeira instância para apuramento das referidas importâncias de 4166 € (não impugnada neste recurso) e 15.582,5 € (ora impugnada pelo apelante).
Do que acabámos de expor, podemos concluir que não houve qualquer lapso relevante na sentença, quanto ao cálculo desta última verba, improcedendo o que em contrário se pretende com as conclusões 5ª, 6ª e 10ª das alegações do apelante.
5 – Quanto à referida importância de 15.582,5 €, independentemente de ser discutível que a fórmula utilizada na primeira instância seja ou não a melhor, o que mais interessa é saber se aquela quantia é ou não adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
Neste caso e outros semelhantes, a indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor de rendimentos que cubra a diferença entre a situação actual e a que existiria se não fora a existência do evento danoso (acórdãos do STJ de 19-05-81, in BMJ 307º-242 e de 18-01-79 in BMJ 283º- 275).
A estes se seguiram outros critérios, desde os tendencialmente equitativos até aqueles que seguiam fórmulas matemáticas complexas, e agora pouco rigorosas face ao abaixamento das taxas de juro.
Em qualquer caso, os métodos utilizados (com recurso a tabelas financeiras ou outros) devem ser meramente indicativos e ajustados à respectiva situação concreta.
Em trabalho do Conselheiro Sousa Dinis, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 2001 (Acórdãos do S. T.J.) - tomo I, páginas 5 e seguintes, escreveu-se que “...o juiz não deve deixar de lado a equidade, mas, sem se escravizar ao rigor matemático, nada impede que não se possa encontrar um menor múltiplo comum, isto é, algum factor que seja mais ou menos constante para a determinação da indemnização, em termos de se chegar a um certo parâmetro, a partir do qual se possa «sintonizar» a indemnização que for julgada mais adequada, intervindo então o juízo de equidade, alterando a quantia encontrada para mais ou para menos, de acordo com factores de ordem subjectiva, como a idade, a progressão na carreira, etc.”.
No mesmo trabalho se manifesta o entendimento de que se consegue, através de uma regra de três simples encontrar o capital necessário que dê ao lesado o rendimento perdido, calculado a uma certa taxa de juro, não “afinando” o resultado obtido pelo recurso às tabelas financeiras (nem sempre acessíveis ou de consulta fácil), mas fazendo intervir no fim a equidade.
No caso destes autos, não resulta que o grau de incapacidade de que o Autor ficou afectado se traduza em perda de vencimento. No entanto, na primeira instância, entendeu-se que havia a compensá-lo dos danos futuros resultantes da maior dificuldade e esforços suplementares que lhe são impostos para exercer a sua profissão sem perda de capacidade de ganho.
Esta orientação tem por base a ideia de que o dano físico determinante da incapacidade exige um esforço suplementar do lesado para obter o mesmo resultado do trabalho.
Como se diz no Acórdão do S.T.J. de 5/2/87 (B.M.J. 364º, páginas 819 e seguintes), “a indemnização por danos futuros resultantes de incapacidade física do lesado causada por acidente de viação, não deve englobar-se nos danos não patrimoniais e é devida mesmo que não se prove ter dela resultado diminuição actual dos proventos profissionais do lesado”..., devendo entender-se que sofreu um prejuízo que merece compensação na medida em que está impedido de exercer determinadas actividades, ou sujeito a exercitá-las de modo deficiente, imperfeito e doloroso.
No caso concreto destes autos, há a considerar que: - o Autor tinha 47 anos de idade quando lhe foi concedida a alta definitiva (al. E) dos factos assentes e respostas aos quesitos 8º e 22º); as lesões de que padece, em consequência do embate, causam-lhe uma incapacidade permanente parcial de 25% desde a data da consolidação, em 13/1/99, e esta incapacidade permanente parcial exige esforços suplementares para o exercício da sua profissão (respostas aos quesitos 32º e 33º); o Autor trabalha no Hospital Sobral Cid, e aufere mensalmente a quantia líquida de 410,31 € (respostas aos quesitos 61º e 65º).
Tendo em conta aquele vencimento durante 12 meses (não havendo aqui que compensar perda de vencimento, mas esforço suplementar ou impedimento de exercer outras actividades), dá o total de 4.923,72 € por ano, equivalendo a diminuição física de 25% à perda anual de 1.230,93 € na capacidade de ganho.
Considerando tal perda anual (de 1230,93 €), na capacidade de ganho do Autor, para lhe dar este rendimento anual, seria necessário um capital de 30.773,25 euros, à taxa de juro de 4% (utilizada nos cálculos na 1ª instância)
Normalmente deverá haver aqui um desconto por esta importância ser recebida de uma só vez e o Autor só a ela ter direito ao longo de vários anos.
Segundo a orientação seguida no trabalho do Conselheiro Sousa Dinis, atrás referido, “quanto mais baixa for a idade da vítima, maior será a tendência para nos aproximarmos da quantia encontrada ou mesmo ultrapassá-Ia; quanto mais alta for essa idade, maior será a tendência para nos desviarmos dela, para baixo”.
Atendendo à idade do Autor, que continua a trabalhar sem perda de vencimento (embora a sua incapacidade parcial deva ser compensada nos termos que atrás referimos), é equitativo descontar 1/3 (10.257,75 €) à quantia acima referida.
Assim, em vez da quantia de 15,582,5 € (atribuída na primeira instância, quanto à IPP), fixa-se em 20.515,50 € a indemnização ao Autor por danos futuros resultantes da maior dificuldade e esforços suplementares para exercer a profissão.
Improcede o que em contrário se pretende com as conclusões 7ª a 9ª e 11ª das alegações do apelante, nada mais havendo a apreciar neste recurso, como refere na sua conclusão 12ª.
Deve manter-se a decisão recorrida quanto aos juros e danos não patrimoniais, que não vêm impugnados, reformulando-se a parte decisória de acordo com alterações decididas nesta instância.
VI – Em função do exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação nos termos atrás referidos, e, nessa parte, revoga-se a sentença recorrida, pelo que vai a “Companhia de Seguros Fidelidade – Mundial, S.A.” (sucessora da Ré Companhia de Seguros Mundial Confiança, S.A.) condenada a pagar ao autor, António Rodrigues:
a) a quantia de 28.213,04 euros (vinte e oito mil, duzentos e treze euros, e quatro cêntimos), acrescida de juros, à taxa anual de 7%, desde a citação até 30/4/03 e, à taxa anual de 4%, desde 1/5/03 até efectivo pagamento;
b) a quantia de 20.000 euros (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4% desde 15/7/03 (data da sentença recorrida) até efectivo pagamento;
c) a indemnização correspondente às despesas posteriores à sentença da primeira instância, respeitante à situação clínica do Autor em consequência do acidente dos autos, indemnização a liquidar em execução de sentença.
Custas, em cada uma das instâncias, por Autor e Ré, na proporção do respectivo vencimento.
Coimbra, 15/6/04