Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1996/10.0TXCBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 11/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - TEP
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 61º, DO C. PENAL
Sumário: As razões de prevenção geral positiva (suficiente advertência) e de prevenção especial (carência de socialização do condenado), não são privativas do momento da determinação da pena, antes continuam a estar presentes na fase de execução da pena de prisão.
Assim, no primeiro momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu metade da pena de prisão, faz-se depender a concessão da liberdade condicional também de razões de prevenção geral (art.º 61º, n.º 2, al. b), do C. Penal), isto porque se admite a possibilidade de o cumprimento de metade da pena de prisão poder não ser suficiente para satisfazer as finalidades de prevenção geral.
O mesmo já não se passa no segundo momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu dois terços da pena (art.º 61º, n.º 3, do C. Penal).
Aqui já se entende que o cumprimento parcial (2/3) daquela pena de prisão satisfaz razões de prevenção geral e, por isso, neste segundo momento de apreciação da liberdade condicional, preocupa-se o legislador apenas com as exigências de prevenção especial.
Ou seja, apesar de a liberdade condicional, quando facultativa (ope judicis), depender de razões de prevenção especial, o certo é que, naquele primeiro momento, é irrenunciável apurar se se mostram também satisfeitas as referidas exigências de prevenção geral positiva.
Decisão Texto Integral: Recurso e processo n.º 1996/10.0TXCBR-E.C1
Em conferência na 5.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coinbra
1- Nos autos de processo gracioso de concessão de liberdade condicional que, no processo acima referido, correm termos no juízo do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, foi proferida decisão, a fls 25 sgs, negando a concessão de liberdade condicional ao recluso A..., devidamente identificado nos autos

2- Inconformado, recorre o dito recluso, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :
De todos os relatórios, do IRS, dos serviços técnico- prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional resulta que o recorrente se encontra claramente em situação de lhe ser concedida a liberdade condicional
Manifesta arrependimento e tem mantido uma conduta isenta de reparos, é pessoa educada e respeitadora, e tem tido born aproveitamento escolar. Beneficiou de medidas de flexibilizacao com xito. Uma vez em liberdade integrará o agregado familiar, que é composto pordois filhos menores na idade da adolescência, que necessitam particularmente do progenitor nesta fase de crescimento. Agregado, que reside em área diversa daquela em que foi cometida actividade ilicita.
0 facto de ter praticado o tráfico do interior da propria residencia, conjugadas com as razões de prevenção geral que este tipo de crime impõe, não podem por si só e desacompanhadas de outros elementos ser suficiente para que a um condenado com reais possibilidades de reintegração, seja negada uma oportunidade de na comunidade e junto da familia demonstrar à sociedade que a condenaçação sofrida, nomeadamente o tempo que esteve privado de liberdade foram suficientes para que o mesmo em liberdade , desenvolva urn projecto' de vida, trabalhando, contribuindo para o desenvolvimento dos filhos e da sociedade.
No exterior tem o apoio da familia composta pela esposa e pelos filhos, 2 menores. É bem aceite na comunidade onde reside tendo inclusive assegurado o seu futuro laboral junto dos progenitores, que vendem em mercados e feiras da região.
Os elementos relativos ao recluso são de natureza a formular um juizo de prognóstico favorável sobre a condução de vida do recorrente no futuro, sendo de prever que o cumprimento de metade da pena será suficiente para prevenir a reincidência, realizando a finalidade de prevenção especial.
Violou-se o disposto nos arts 61, 62 do C.P.

3- No seu douto parecer, o Exmo PGA, acompanhando o MP na 1.ª instância, conclui pela improcedência do recurso

4- Foram colhidos o vistos legais e teve lugar a conferência

5- Apreciando
O despacho recorrido tem a seguinte fundamentação, em resumo e com interesse :
« (...) 0 recluso encontra-se a cumprir uma pena unica de 4 anos e 9 meses de prisão, imposta no processo comum colectivo n.º 5/08.3GAAVR (...) , pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de detenção de arma proibida. 2.2 Considera-se iniciado o cumprimento da pena em 18-02-2009, tendo atingido o 1/2 da pena em 2011-07-03 e atingirá os 2/3 em 2012-04-18.
(...) Assume a conduta pela qual foi condenado e reconhece que a mesma desrespeita os direitos dos outros, manifestando arrependimento pelos danos causados, revelando uma atitude de responsabilidade .
(...) Do seu processo no consta registo de aplicação de medidas disciplinares, tratando-se de urn recluso assertivo, educado e respeitador. Trabalha como faxina a meio tempo, dado que frequenta o ensino primário, corn assiduidade.
Beneficiou de medidas de uma licença de saida jurisdicional e foi colocado em RAI em 04-02-2011.
Foi já condenado pela prática de dois crimes de detenção ilegal de arma e de receptação, sempre em penas de multa.
Perspectiva residir na habitação dos seus progenitores, a qual se encontra inserida em meio rural e focalizada na rua principal da aldeia, sendo que reune boas condições de habitabilidade. Perspectiva residir corn o seu agregado de origem, uma familia de etnia cigana, composta pelos seus pais, vendedores ambulantes, pela sua companheira, actualmente a beneficiar de liberdade condicional, e as suas duas filhas. 0 relacionamento do condenado corn os coabitantes é positivo, existindo proximidade e ligação afectiva. No meio socio-residencial o condenado é bem conhecido, existindo born relacionamento com os vizinhos, sendo a sua imagem considerada positiva.
(...) Iniciou o seu percurso laboral aos 15 anos de idade, tendo comegado por exercer actividade de servente de pedreiro, posteriormente, de limpeza de eucaliptos e, entretanto, passou a dedicar-se à venda ambulante em mercados e feiras corn a familia de origem, tendo-se autonomizado quando constituiu agregado próprio.
Os rendimentos do agregado familiar resultam da compra e venda de fruta, antiguidades e velharia, bem como do ISI no valor aproximado de € 250 mensais
(...) Todavia, em face dos factos provados, entendemos no se mostrarem reunidos os pressupostos materiais para ser concedida ao condenado a liberdade condicional, por ser prematura a sua libertagao.
Não escamoteamos o facto de o condenado pautar o seu percurso prisional pelo respeito pelas normas institucionais, registando-se a ausência de infracções disciplinares e a sua postura assertiva e educada (...) tem demonstrado empenho durante a reclusão no sentido da aquisição de hábitos de trabalho imprescindiveis para a adaptação ao meio livre e vontade de aquisição de novas competências. Revela sentido critico, admitindo os factos, identificando os factores de risco e parecendo predisposto à mudança. Dispõe de apoio familiar
(...) A questão primordial coloca-se ao nivel das exigências de prevenção geral, tendo em atenção que temos por referencial o ½ da pena, marco em que tais exigências são atendíveis e valorizáveis.
(...) Efectivamente, o crime de tráfico de estupefacientes reveste-se de acentuada gravidade, resultando fortes as exigencias de prevenção ao nivel geral, atento o elevado numero de vezes que este tipo de crime é cometido entre nos, de tal forma que a expiação em regime de reclusão da parte da pena já cumprida não se apresenta como suficiente para as satisfazer e transmitiria a comunidade uma imagem enfraquecida da capacidade do sistema judicial na contenção e dissuasao da pratica de crimes daquela natureza.Trata-se, neste âmbito, de preservar a ideia de reafirmação da validade e vigência da norma penal violada (...), o que se mostra incompativel com a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase de cumprimento da pena de prisão.
Por fim, recorde-se que o condenado praticou o crime pelo qual foi condenado a partir da própria residencia (então em local diverso e com agregado distinto, é certo).
Ademais e conforme é consabido, em caso de conflito entre os vectores de prevençaõ geral e especial, o primado pertence à prevenção geral. No caso de se encontrar cumprida apenas metade da pena, a prevenção geral impõe-se como limite, impedindo a concessão da liberdade condicional quando, não obstante o prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do condenado, ainda não estiverem satisfeitas as exigências minimas de tutela do ordenamento juridico (...) »

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer da única questão ali suscitada, a de saber se o tribunal recorrido fez um uso desconforme do art. 61.-2-a) do CodPenal, ao denegar a concessão da liberdade condicional ao recorrente.
O citado normativo dispõe : « O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo 6 meses se: a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social »
A concessão da liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade ao condenado que cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridas determinadas condições, medida que serve como estímulo à reintegração na sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade no sistema progressivo, representando uma transição entre o cárcere e a vida livre.
Qualquer que seja a natureza jurídica da medida ( apenas a última fase do sistema progressivo; uma fase de execução da pena, a qual sofre uma modificação no seu último estágio~; um direito público subjectivo do recluso ), o certo é que na lei vigente (artigo 61.º do CodPenal ), a liberdade condicional em sentido próprio ( também chamada liberdade condicional facultativa), enunciada nos n.º 2, 3 e 4, depende não apenas de pressupostos formais, mas também materiais, designadamente subjectivos, ligados ao comportamento e à personalidade do recluso.
As razões de prevenção geral positiva (suficiente advertência) e de prevenção especial (carência de socialização do condenado), não são privativas do momento da determinação da pena, antes continuam a estar presentes na fase de execução da pena de prisão. Assim, no primeiro momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu metade da pena de prisão, faz-se depender a concessão da liberdade condicional também de razões de prevenção geral (art. 61 nº 1-b) do CodPenal ), isto porque se admite a possibilidade de o cumprimento de metade da pena de prisão poder não ser suficiente para satisfazer as finalidades de prevenção geral.
O mesmo já não se passa no segundo momento de apreciação da liberdade condicional , quando o condenado já cumpriu dois terços da pena (art. 61.º- nº 2 do CodPenal ). Aqui já se entende que o cumprimento parcial ( 2/3 ) daquela pena de prisão satisfaz razões de prevenção geral e, por isso, neste segundo momento de apreciação da liberdade condicional, preocupa-se o legislador apenas com as exigências de prevenção especial. Ou seja, apesar de a liberdade condicional, quando facultativa (ope judicis), depender de razões de prevenção especial, o certo é que naquele primeiro momento (altura em que foi proferido o despacho sob recurso) é irrenunciável apurar se se mostram também satisfeitas as exigências de prevenção geral positiva.

A personalidade do agente é um factor de essencial importância para a concessão da liberdade condicional, particularmente pela via da prevenção e do prognóstico favorável à outorga de tal liberdade ; não decerto a personalidade como um todo, mas da personalidade manifestada no acto e que o fundamenta, isto é, na justificação a partir do que se faz e não do que se é ( cfr no sentido de que o juizo de prevenção especial é essencial, por ex o Ac. Relação do Porto ,de 16-1-2008, proc. 0716665, www.dgsi.pt ) .
Ora, o recorrente, para além de ter praticado um crime bem grave, já tem duas condenações por crimes de detenção de arma proibida e de receptação, o que está loge de permitir um qualquer juizo angélico sobre o mesmo e deixa dúvidas se a execução da pena concorreu, em alguma medida, para a socialização do mesmo.
Mas apesar de haver elementos que permitem concluir que o recorrente terá factores de aceitação e integração na sua comunidade e familia, o certo é que são fortes as razões de prevenção geral de integração e de intimidação, pois sempre que o Estado enfraquece a sua reacção contra as condutas de tráfico, não diminui e antes recrudesce a respectiva prática. Assim, anesta fase da execução da pena é prematuro que, nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral

5- Pelos fundamentos expostos :
I- Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida

II- O recorrente pagará 1 UC de taxa de justiça
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Tribunal da Relação de Coimbra, - -

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( PauloValério )

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( Jorge Jacob )