Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
281/07.9PANZR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO ALBERTO MIRA
Descritores: DETENÇÃO
DESCONTO NA PENA DE MULTA
Data do Acordão: 11/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 80.º DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I. – O desconto da prisão preventiva é de funcionamento “automático/obrigatório”, devendo ser operado por mera regra de execução, como tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça: “o desconto da prisão preventiva não tem que ser ordenado na decisão condenatória – resulta imperativamente da lei, para ser tomado em conta no cumprimento da pena».
II. - O mesmo não acontece quanto ao desconto, na pena de multa, da detenção sofrida pelo arguido. Nesta situação, o juiz terá de fazer o que se lhe afigurar equitativo, porquanto a expressão “pelo menos” do artigo 80.º, n.º 2, do CP significa que 1 dia de prisão pode equivaler a mais de 1 dia de multa.
III. - Neste caso específico, é desejável que o desconto seja mencionado na sentença condenatória, para que fique desde logo determinado o exacto quantum da multa e, assim, definida a verdadeira situação “jurídico-penal” do arguido.
IV. - Todavia, não impõe a lei que o desconto tenha necessária e obrigatoriamente de ser ordenado na sentença, podendo ser determinado posteriormente, em momento ainda adequado, por despacho – cfr. Ac. da Relação de Évora de 18-02-2003.
Decisão Texto Integral: 1. No Tribunal Judicial da Marinha Grande, após julgamento em processo sumário, foi o arguido … condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 5,00, e na sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses.

2. Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso o Ministério Público e o arguido, formulando na sua motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

2.1. Ministério Público:

1.ª - A determinação concreta da pena acessória, dentro dos limites mínimos e máximos legais, é determinada de acordo com os critérios legais estabelecidos no artigo 71.º, do Código Penal.

2.ª - Nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal, a pena será fixada pelo julgador entre 3 meses e 3 anos, atendendo às circunstâncias concretas da infracção, à personalidade do arguido e aos interesses públicos a preservar com a aplicação da mesma.

3.ª - A douta sentença recorrida aplicou a pena acessória de 10 meses de inibição de conduzir.

4.ª - O arguido tem já uma condenação anterior pela prática do mesmo ilícito criminal em 12 de Julho de 2005, transitada em 6 de Julho de 2007, e foi condenado na pena acessória de proibição de condução pelo período de 6 meses.

5.ª - Ao praticar, novamente, este ilícito criminal, o arguido revela uma clara e notória indiferença, desrespeito e insensibilidade à advertência que lhe deveria ter servido a anterior condenação, não se atingindo, assim, os efeitos de prevenção especial visados com a mesma.

6.ª - Tendo sido provado que o arguido conduzia um veículo automóvel com uma TAS de 2,32 g/l, mostra-se adequada e justa a medida de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 1 ano e 4 meses, a ser cumprida pelo arguido após o trânsito em julgado.

7.ª - A douta sentença recorrida viola o disposto no artigo 71.º, do Código Penal, uma vez que a determinação da medida concreta da pena acessória não foi adequada à culpa do agente e às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e substituída a douta sentença proferida por outra que condene o arguido na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 1 ano e 4 meses.

2.2. Arguido:

1.ª - A sentença é nula, com o devido respeito, nos termos do artigo 379.º do Código de Processo Penal, pois o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo aplicou a pena de multa de 100 dias e assim foi condenado, e não efectuou o desconto na mesma de um dia, atenta a detenção, conforme resulta do artigo 80.º, n.º 2, do Código Penal.

2.ª – Face à fundamentação que serviu de base à douta sentença a quo, a pena aplicada mostra-se desproporcionada ao presente caso, pelo que não pode o recorrente conformar-se com a mesma.

3.ª – Os elementos constantes do processo impunham decisão diversa daquela que foi proferida em relação à medida da pena acessória aplicada ao arguido.

4.ª – A conduta do recorrente e o perigo que esta poderá ter representado para a segurança do tráfego rodoviário são uma situação pontual e a todos os níveis excepcional.

5.ª – Em termos de grau de ilicitude verificado, da gravidade das suas consequências, ou da violação dos deveres do recorrente, a sua conduta não foi de tal forma grave que justifique a pena aplicada.

6.ª – O recorrente pontualmente, sem reservas ou quaisquer outros subterfúgios, confessou a sua conduta, em clara demonstração da sua consciencialização e do seu arrependimento quanto à mesma.

7.ª – O ora recorrente, atento os factos que serviram de fundamentação à douta sentença, é um jovem, recém licenciado, numa situação em que procura o primeiro emprego, encontrando-se a efectuar um regime de voluntariado, onde o seu trabalho passa por visitar crianças em escolas, sendo a carta de condução essencial para o desenvolvimento da sua categoria profissional de psicólogo, pois passa a vida em contacto directo com crianças, em várias escolas de Leiria.

8.ª – Motivo pelo qual não se aceita a aplicação de tão pesada sanção.

9.ª – É o ora recorrente um cidadão digno, respeitador e cumpridor das suas obrigações, além da carta ser um instrumento fundamental para o desempenho da sua actividade, pelo que a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 10 meses se revela, salvo o devido respeito, desajustada ao perfil do recorrente.

10.ª – Pois a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 3 ou 4, prevista no artigo 69.º do Código Penal, se mostrariam perfeitamente adequados como forma de prevenção social que aqui se visa obter.

Assim, verifica-se a nulidade prevista no artigo 379.º do Código de Processo Penal, devendo os autos ser remetidos à 1.ª instância para ser proferida nova sentença, ou, caso assim não se entenda, ser a decisão impugnada substituída por outra que determine a aplicação ao arguido de uma pena acessória de inibição de conduzir num período máximo de 4 (quatro) meses.
3. O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal da 1.ª instância conclui nestes termos a resposta que apresentou ao recurso do arguido:
1. A douta sentença proferida nos autos não enferma de nenhuma nulidade prevista no artigo 379.º, do Código de Processo Penal.
2. O desconto de um dia de detenção previsto no n.º 2, do artigo 80.º, do Código Penal, é efectuada em sede de liquidação de pena e não na própria sentença.
3. A pena acessória de inibição de conduzir peca apenas por defeito e não por excesso, da mesma tendo recorrido o Ministério Público.
4. Neste Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pugna pela procedência (pelo menos parcial) do recurso do Ministério Público e pela improcedência do recurso do arguido.
Notificado nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
Colhidos os vistos legais, foi o processo á conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

II. Fundamentação:

1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro).

No caso sub judicio, o recurso do arguido tem por objecto a arguida nulidade da sentença, incidindo também, tal como o recurso do Ministério Público, sobre a medida da pena.
Não estando invocados os vícios elencados no n.º 2 do art. 410.º do CPP, nem eles se divisando numa apreciação oficiosa, e sendo também inequívoco que os recursos versam apenas questões de direito, o acervo factual mostra-se definitivamente fixado nos precisos termos em que o tribunal da 1ª instância o definiu.

Por outro lado, porque não é posta em causa a qualificação jurídica-normativa dos factos, desde já temos como assente o cometimento por parte do arguido da precisa infracção pela qual foi condenado, a saber, a prática, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do CP.

2. Não existindo factos não provados a considerar, na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 21 de Outubro de 2007, pelas 8 horas, o arguido … conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros marca Peugeot, modelo 106, com a matrícula 00-00-GO, pela Av. da República, na Nazaré, com uma taxa de álcool no sangue de 2,32 g/l.

2. O arguido … havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas e, ainda assim, conduziu o referido veículo motorizado na via pública, bem sabendo que o fazia com uma taxa de alcoolemia proibida por lei.

3. … agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida pela lei penal.

4. O arguido verbalizou estar arrependido e apresentou pedido de desculpas ao Agente que o deteve.

5. Do certificado de registo criminal do arguido … não constam quaisquer condenações.

6. O arguido foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 06-07-2007, proferido no Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º 80/05.2PTLRA, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, pela prática de um crime de condução em veículo em estado de embriaguez, em 12-07-2005, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de 5 €, e na pena acessória de proibição de conduzir de 6 meses.

7. O arguido é psicólogo e trabalha em regime de voluntariado na Junta de Freguesia de Leiria.

8. Vive com os pais, em casa destes e pernoita num quarto arrendado, em Leiria.

9. São os pais que suportam as suas despesas.

3. Relativamente à motivação da decisão de facto, ficou consignado:

O tribunal fundou a sua convicção a partir da análise crítica e ponderada da prova globalmente considerada e produzida em audiência, e no essencial, quanto aos factos de que vinha acusado, nas declarações do arguido, que os confessou integralmente e sem reservas, sendo que tal confissão, por espontânea, foi valorada positivamente pelo Tribunal.

O Tribunal baseou-se, ainda, na análise do documento de fls. (auto de detenção) e do talão da prova do teste de alcoolemia anexo ao mesmo.

No que respeita aos seus antecedentes criminais, o tribunal valorou o documento de fls. 11. Contudo, o próprio arguido, quando questionado se tinha pendente contra si algum processo, afirmou ter sido condenado em processo crime que correu os seus termos em Leiria, também por condução com álcool.

Assim, feitas as diligências de averiguação necessárias, junto do Tribunal Judicial de Leiria, foi junto aos autos o documento de fls. 13 a 22, o qual se mostra idóneo para da condenação sofrida.

Quanto às condições pessoais do arguido, o tribunal baseou-se nas declarações do próprio arguido, as quais, por verosímeis, se revelaram merecedoras de credibilidade.

4. Da nulidade da sentença invocada pelo arguido:

O arguido invoca a violação, pela sentença recorrida, do disposto no artigo 379.º do Código de Processo Penal. E embora não concretize, no âmbito do referido preceito legal, a precisa norma que tem por aplicável, a configuração do caso concreto remete-nos para a previsão da al. c) do n.º 1.º daquele artigo.

Na tese do recorrente, existe omissão de pronúncia porquanto a sentença recorrida omite, na pena de multa que àquele foi imposta, o período de detenção a que o mesmo esteve sujeito no âmbito dos presentes autos, violando, deste modo, o disposto no artigo 80.º, n.º 2, do Código Penal.

Vejamos, pois, se lhe assiste razão.

Estatui o artigo 80.º, do Código Penal:

«1 - A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.

2 - Se for aplicada pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de 1 dia de privação de liberdade por, pelo menos, 1 dia de multa».

Fazendo a citada norma referência genérica à detenção, na sua previsão normativa inclui-se necessariamente a detenção verificada nos autos, a qual teve lugar nos termos do artigo 254.º, al. a) do Código de Processo Penal.

Como o arguido esteve detido à ordem dos presentes autos entre as 06:40h e as 07:27h do dia 21 de Outubro de 2007, ou seja, por período inferior a 1 hora, põe-se a questão de saber se e em que termos deve ser descontado esse período de detenção.

Seguindo de perto a jurisprudência hoje largamente maioritária da jurisprudência das Relações[i], como o artigo 479.º do CPP regula a contagem do tempo de prisão sem fazer qualquer referência expressa à contagem do tempo objecto de desconto, não existe outra solução senão a de proceder à contagem do tempo de detenção a descontar segundo as regras previstas nesse mesmo artigo.

E como o referido normativo apenas contempla a contagem do tempo de prisão em anos, em meses e em dias, a prisão/detenção ocorrida por período de tempo inferior a 24 horas há-de corresponder à unidade de tempo mais pequena prevista no artigo, ou seja, um dia.

Esta é, afigura-se-nos, a única forma de dar cumprimento ao disposto no artigo 80.º do CP, com pleno respeito pela dignidade constitucional do direito à liberdade, nos termos em que se encontra plasmado no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa.

Mas daqui não se segue que a sentença recorrida padeça de omissão de pronúncia.

É entendimento de parte da doutrina que, sendo o seu funcionamento “automático/obrigatório”, o desconto constitui mera regra de execução[ii].

Axiomaticamente, decidiu o STJ: «o desconto da prisão preventiva não tem que ser ordenado na decisão condenatória – resulta imperativamente da lei, para ser tomado em conta no cumprimento da pena»[iii].

Se o desconto da prisão preventiva decorre imperativamente da lei, o mesmo não acontece quanto ao desconto, na pena de multa, da detenção sofrida pelo arguido. Nesta situação, o juiz terá de fazer o que se lhe afigurar equitativo, porquanto a expressão “pelo menos” do artigo 80.º, n.º 2, do CP significa que 1 dia de prisão pode equivaler a mais de 1 dia de multa.

Por isso, pelo menos neste caso específico, é desejável que o desconto seja mencionado na sentença condenatória, para que fique desde logo determinado o exacto quantum da multa e, assim, definida a verdadeira situação “jurídico-penal” do arguido.

Todavia, não impõe a lei que o desconto tenha necessária e obrigatoriamente de ser ordenado na sentença, podendo ser determinado posteriormente, em momento ainda adequado, por despacho[iv]. Como se disse no Ac. da Relação de Évora de 18-02-2003[v], sendo, é certo, o desconto tarefa específica do juiz, não é, porém, obrigatório, mas apenas aconselhável, conveniente, que o quantum a descontar à pena de multa seja determinado na decisão condenatória.

5. Da determinação da medida da pena principal:

Preceitua o art. 40.º, do Código Penal, que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» (n.º 2).

O art. 71.º do mesmo diploma, estipula, por outro lado, que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» (n.º1), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2, do mesmo dispositivo).

Dito de uma outra forma, a função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Como refere Claus Roxin, em passagens escritas perfeitamente consonantes com os princípios basilares no nosso direito penal[vi], «a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada» (pág. 99 e 100).

«A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade» (pág. 100).
«Certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva» (pág. 101).

«A pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais» (pág. 103).

Nos termos do art. 47.º do CP «A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º do artigo 71.º (n.º 1), correspondendo cada dia de multa a uma quantia entre € 5 e 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (n.º 2)».
Volvendo ao caso dos autos, é elevado o grau de ilicitude dos factos, revelado pela taxa de alcoolemia (2,32 g/l) detida pelo arguido - potenciadora de manifesto perigo para a eclosão de acidentes de viação.
A conduta anterior do arguido é pautada pela prática, em 2005, de um crime de natureza igual ao que agora está em evidência, pelo qual foi condenado, inter alia, em pena de multa, condenação esta que não teve nenhum efeito dissuasor sobre o comportamento futuro do arguido. Decorridos sensivelmente dois anos, logo o arguido voltou à condução sob o efeito do álcool, manifestando completa insensibilidade aos efeitos preventivos que a pena anterior visava salvaguardar.
A favor do arguido, releva a confissão dos factos - em conta manifestamente reduzida, uma vez que foi detido em flagrante delito, com excesso de álcool, no exercício da condução -, e o arrependimento verbalizado, havendo ainda que atender às suas condições pessoal e económica (trabalha, em regime de voluntariado, no campo da psicologia, na Junta de Freguesia de Leiria; vive com os pais, em casa destes; pernoita, num quarto arrendado, naquela cidade, sendo as despesas suportadas pelos seus progenitores).
Sopesadas, na sua globalidade complexiva, todas as circunstâncias referidas supra, consideramos isenta de qualquer reparo a pena principal (de multa) fixada pelo tribunal a quo.
6. Da pena acessória:
No que ora releva, o auto de notícia que deu início aos presentes autos de processo sumário limita-se à descrição dos factos relativos à condução pelo arguido de veículo automóvel quando era detentor de uma taxa de álcool no sangue de 2,32 g/l, sendo completamente omisso em relação à qualificação jurídica dos factos.
Enviado o auto ao Ministério Público junto do tribunal da Nazaré, proferiu este despacho do seguinte teor:
«Remeta o presente expediente à Mm.ª Juiz que se encontra adstrita ao turno, para julgamento do arguido em processo sumário, ao abrigo do disposto no artigo 381.º e ss. do Código de Processo Penal, substituindo-se a apresentação de acusação pela leitura do auto de notícia.
Os factos ali descritos consubstanciam a prática pelo arguido de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.
O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária, ciente que havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade elevada e que lhe determinaram incapacidade para a condução de veículos automóveis, e que o seu comportamento era proibido e punido pela lei penal.
Prova: a constante dos autos».
O Ministério Público usou, na situação em apreço, e relativamente aos factos, da faculdade prevista no artigo 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo aditado, no entanto, a base factual relativa ao tipo subjectivo do crime. Relativamente ao direito, circunscreveu a qualificação jurídica dos factos ao artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, omitindo a indicação do artigo 69.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma.
Seguindo ao “pé da letra” o acórdão do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008, de 25 de Junho de 2008[vii], para além da indicação da norma que prevê o tipo de crime ou crimes, terão de ser indicadas na acusação as normas que estabelecem a respectiva punição, ou seja, a espécie e a medida das sanções aplicáveis.
Pretende-se, assim, dar conhecimento ao arguido do exacto conteúdo jurídico-criminal da acusação, ou seja, da incriminação e da precisa dimensão das consequentes respostas punitivas, dando-se assim expressão aos princípios da comunicação da acusação e da protecção global e completa dos direitos de defesa, este último estabelecido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
É que o arguido não tem de se defender apenas dos factos que lhe são imputados na acusação. A vertente jurídica da defesa em processo penal é, em muitos casos, mais importante. E esta para ser eficaz pressupõe que o arguido tenha conhecimento do exacto significado jurídico-criminal da acusação, o que implica, necessariamente, que lhe sejam dadas a conhecer as disposições legais que poderão ser aplicadas.
Neste enquadramento argumentativo, no qual em absoluto nos revemos, foi fixada a seguinte jurisprudência:
«Em processo por crime de condução perigosa de veículo ou de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º deste último diploma legal».
No caso sub judicio, o arguido foi condenado, a par da pena principal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos como motor pelo período de 10 meses, sem que da acusação conste, como disposição legal aplicável, o artigo 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal e sem que, neste contexto, tivesse sido cumprido o disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal.

Em face do exposto, a sentença recorrida padece, no concreto domínio da pena acessória, da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, a qual, como decorre inequivocamente do n.º 2 do mesmo artigo, é de conhecimento oficioso.
6. Da responsabilidade pelas custas:
Em face da improcedência (parcial) do recurso do arguido, cumpre condenar este em custas, nos termos dos disposto nos arts. 513.º e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sendo a taxa de justiça fixada de acordo com o disposto nos arts. 82.º, n.º 1 e 87.º, n.ºs 1, al. b), e 3, estes do Código das Custas Judiciais.
Tendo em conta a complexidade do processo e a situação económica do recorrente, fixa-se no mínimo a taxa de justiça.
III. Dispositivo:
Posto o que precede:
- No que diz respeito à pena principal (de multa), julga-se improcedente o recurso do arguido, mantendo-se, neste específico domínio, a decisão do tribunal a quo;

- No mais, quanto à pena acessória, declara-se a nulidade da sentença recorrida e determina-se que se cumpra, em audiência de julgamento, nos sobreditos termos, o disposto no art. 358.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Penal, comunicando-se ao arguido a alteração da qualificação jurídica que se verifica, seguindo-se depois os demais termos processuais.


[i] Cfr, v.g., Acs. da Relação do Porto de 27-09-2006, 18-10-2006, 20-12-2006, processos n.ºs 0644710, 0644875 e 0645340, respectivamente, e da Relação de Lisboa de 29-10-2002 e 23-10-2007, processos n.ºs 0077415 e 6994/2007-5, todos publicados em www.dgsi.pt.
[ii] Cfr., v.g. Gomes da Silva, Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Vol. II, pág. 164, e Jescheck, citado por Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 298/299.
[iii] Ac. de 15-03-1985, BMJ 345/228.
[iv] Neste sentido, Maia Gonçalves, Código Penal Português, 8.ª edição – 1995, pág. 383.
[v] In CJ, Ano XXVII – 2003, Tomo I, pág. 264.
[vi] Derecho Penal - Parte General, Tomo I, Tradução da 2.ª edição Alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Penã, Miguel Díaz Y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas.
[vii] DR  n.º 146 Série I, de 30 de Julho de 2008.