Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1009/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
BENFEITORIAS ÚTEIS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 216º, NºS 1, 2 E 3, E 1273º, NºS 1 E 2, DO C.CIV.; 89º-A, Nº 1, DO RAU .
Sumário: I – Nos arrendamentos transmitidos por morte dos ascendentes para os descendentes, o novo arrendatário, no caso de o senhorio optar pela denúncia do contrato, para além de receber deste uma indemnização correspondente a 10 anos de rendas tem ainda o direito de indemnização por benfeitorias e de retenção, nos termos gerais .

II – As benfeitorias são melhoramentos de uma coisa, ou seja, alterações introduzidas numa coisa feitas com a intenção de a beneficiar, por quem a ela está ligada por uma relação ou vínculo jurídico, podendo ser necessárias, úteis e voluntárias, consoante o benefício efectivamente obtido .

III – As obras relacionadas com a instalação eléctrica, com a construção do quarto de banho e com a plantação de árvores devem ser consideradas como benfeitorias úteis, já que é patente que as mesmas visam tão só aumentar as potencialidades do gozo do locado e não evitar a perda, deterioração ou destruição do prédio .

IV – Tratando-se de benfeitorias úteis a regra é de que o possuidor benfeitorizante tem direito, em princípio, a levantá-las, só assim não acontecendo se o seu levantamento causar detrimento da coisa ( benfeitorizada ) e o dono dela, invocando esse detrimento, se opuser a tal levantamento, situação em que, a troco de ficar com elas, é obrigado a indemnizar o possuidor dessas benfeitorias, segundo as regras do enriquecimento sem causa .

V – Não querendo o dono da coisa benfeitorizada , ou não lhe interessando, continuar a usufruir dos melhoramentos ou comodidades levadas a cabo pelo possuidor benfeitorizante, é irrazoável impor-lhe a obrigação de, contra a sua vontade, ter de ficar com as benfeitorias e obrigando-o ainda a ter de pagar uma indemnização ao seu autor, só pelo facto de o seu levantamento causar detrimento na sua própria coisa , e que aceita.

Decisão Texto Integral:
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. A autora A..., intentou contra os réus, B... e marido C..., D..., E... e mulher F..., a presente acção declarativa condenatória, com forma de processo sumário, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:
Serem os réus actuais donos do prédio id. no artº 1 da pi, que adquiriram por partilha da herança aberta por óbito do pai dos 1º e 3º réus.
Prédio esse que aquele falecido havia, em vida, dado de arrendamento aos pais da autora, para habitação deles.
Aquando da morte do último dos seus pais, a autora comunicou tal facto aos réus, anunciando ao mesmo tempo a intenção de exercer o direito de transmissão ao arrendamento do locado. Porém, os réus, em resposta, comunicaram-lhe a opção pela denúncia do aludido contrato, nos termos do disposto nos artºs 89-A e 89-B do RAU, tendo, para o efeito, procedido ao depósito, desde logo, de metade da quantia indemnizatória legal devida.
Porém, foram realizadas diversas benfeitorias (traduzidas em obras e plantação de árvores) no prédio locado (que tem um quintal) e pelas quais pretende a autora ser indemnizada pelo seu valor, que quantifica no montante total de € 4.000, argumentando que se tratam de benfeitorias necessárias e úteis, que aumentaram o valor do prédio e que não podem ser levantadas sem se deteriorarem, sendo certo ainda que as mesmas foram efectuadas com o conhecimento e autorização dos réus.
Pelo que terminou pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe, a título de indemnização, o valor daquelas benfeitorias, e que os mesmos sejam ainda condenados a reconhecer-lhe o direito de retenção do dito prédio enquanto tal indemnização não lhe for paga.

2. Na sua contestação, os réus, em síntese, impugnaram não só o valor das benfeitorias indicado pela autora como também que alguma delas possa ser considerada como necessária.
Benfeitorias essas que devem ser classificadas como úteis e voluptuárias (estas no que concerne às arvores).
Porém, em relação a qualquer uma delas entendem não ter de indemnizar a autora, já que em relação às primeiras autorizam que a mesma proceda ao seu levantamento e no que concerne às segundas, dado o facto de autora dever ser considerada possuidora de má fé, ter ela perdido o direito ao seu levantamento (muito embora também não se oponham ao mesmo).
Pelo que terminaram pedindo a improcedência da acção, com a sua, consequente, absolvição do pedido.

3. No seu articulado de resposta, a autora, rebatendo os argumentos dos réus (em matéria de excepção), voltou a pugnar pela procedência da acção.

4. No despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, tendo a srª juiz se abstido de proceder à selecção da matéria de facto.

5. Mais tarde, procedeu-se à realização do julgamento – sem a gravação da audiência -, a que se seguiu a decisão proferida sobre a matéria de facto, que não foi objecto de qualquer censura.

6. Seguiu-se a prolação da sentença, que decidiu, a final, julgar a acção improcedente e absolver os réus do pedido.

7. Não se tendo conformado com tal sentença, a autora dela interpôs recurso, o qual foi recebido como apelação.

8. Nas correspondentes alegações do recurso que apresentou, a autora concluiu as mesmas nos seguintes temos:
“1º- Os factos dados como provados não permitem o enquadramento jurídico no conceito de benfeitorias úteis mas no de benfeitorias necessárias.
2º- Ainda que no passado tais benfeitorias pudessem ser consideradas úteis, nos tempos que correm é inconcebível viver sem luz eléctrica, sem água, sem casa de banho ou saneamento.
3º- Pois estes são requisitos essenciais a uma vida com saúde e dignidade.
4º- Sendo assim e porque se trata de benfeitorias necessárias o possuidor, neste caso a arrendatária, goza do direito de ser indemnizada, nos termos do artigo 1273 n.º 1 do CC por remissão do artigo 1046º do mesmo CC.
5º- É facto notório e do conhecimento da vida social, que o Tribunal não pode deixar de atender, que as árvores plantadas, as paredes construídas, o telhado instalado, as fossas edificadas, a energia eléctrica instalada, são melhorias feitas no prédio, não podendo ser retiradas sem serem destruídas e sem diminuírem o valor e a utilidade do prédio.
6º- Tais factos e circunstâncias, são do conhecimento comum e do Tribunal, não necessitam de ser provados e tão pouco alegados na sua exaustão.
7º- Com a indemnização das benfeitorias evita-se o locupletamento injusto dos Réus à custa do esforço da A..”

9. Nas suas contra-alegações, os réus pugnaram pela improcedência do recurso, e pela, consequente, manutenção do julgado.

10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1- Delimitação do objecto do recurso.
Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto dos mesmos (cfr. artºs 690, nº 1, e 684, nº 3 do CPC), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (cfr. nº 2 – fine - do artº 660 do CPC).
Calcorreando as conclusões do recurso verifica-se que as questões que aqui nos importa apreciar são as seguintes:
a) Qualificação, em termos jurídicos, das obras e plantações realizadas pela autora no prédio dos ora réus e nomeadamente, no caso de assim serem caracterizadas, saber da espécie de benfeitorias em que se integram.
b) Saber se, no caso apreço, a autora tem, ou não, direito a ser indemnizada por tais obras e plantações e, em caso afirmativo, em que medida.
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3. Os Factos
Pela 1ª instância foram dados como assentes, por provados, o seguintes factos:
3.1 Aos RR pertence o prédio urbano constituído por casa de habitação e quintal, sito ao Vale de Senhorim, freguesia de Nelas, a confrontar do norte com caminho público, sul variante EN, nascente Joaquim Rodrigues Pereira e poente Maria Rosa Dias, inscrito na matriz sob os artigos 1239 urbano e 6993 rústico da freguesia de Nelas e descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas sob os nºs 19867 e 3579 e inscrito a favor dos RR. - Artigo 1º da petição inicial.
3.2 A casa com o respectivo terreno destinavam-se ao abrigo do agregado familiar dos pais da A. e o quintal complementar poderia satisfazer algumas das necessidades de produtos agrícolas para consumo próprio. - Artigo 4º da contestação.
3.3 Os AA entraram no domínio do prédio por sucessão hereditária de Duarte Pais. - Artigo 2º da petição inicial.
3.4 O prédio referido em 3.1 foi dado de arrendamento pelo pai dos RR B... e E... aos pais da A. - Artigo 3º da petição inicial e 3º da contestação.
3.5 Após o decesso dos primitivos arrendatários, a A. comunicou tal facto aos RR, por carta a eles enviada em 20 de Setembro de 2000. - Artigo 5º da petição inicial.
3.6 Os RR responderam comunicando a intenção de denunciar o mesmo. - Artigo 6º da petição inicial.
3.7 A A. manifestou vontade de permanecer no arrendado, oferecendo o valor de 15.000$00 como renda mensal. - Artigo 7º da petição inicial.
3.8 Os RR procederam ao depósito da quantia de 900.000$00 através da acção 5/2001 de consignação de depósito. - Artigo 8º da petição inicial.
3.9 Seguidamente, os RR instauraram a acção sumária 338/2001 pedindo que fosse declarado cessado o contrato de arrendamento e condenada a Ré, actual A., a restituir o prédio. - Artigo 9º da petição inicial.
3.10 A A. equipou a casa de habitação com energia eléctrica, instalando cabos eléctricos, pontos de luz, tomadas, contador e requereu uma extensão exterior, no montante 400,00 euros. - Artigo 13º da petição inicial.
3.11 A A. executou no prédio um quarto de banho, aplicando louças sanitárias, rede de água e saneamento e construiu, no exterior, uma fossa séptica, no valor de 1.000,00 euros. - Artigo 16º da petição inicial.
3.12 A instalação da energia eléctrica na casa e a construção da casa de banho aumentaram o conforto, a comodidade e utilidade da casa de habitação. Artigo 14º da petição inicial.
3.13 Junto à casa foi reconstruída uma arrecadação com paredes de tijolo e cobertura com estrutura de madeira e telha, no valor de 1.250,00 euros. - Artigo 15º da petição inicial.
3.14 As obras realizadas na arrecadação não podem ser levantadas sem se deteriorarem. - Artigo 17º da petição inicial.
3.15 As obras realizadas aumentaram o valor do prédio. - Artigo 18º da petição inicial.
3.16 A instalação da energia eléctrica foi efectuada com o conhecimento, sem oposição e com autorização dos RR. - Artigo 19º da petição inicial.
3.17 A A. plantou no arrendado 38 árvores, entre pessegueiros, nespereiras, figueiras, cerejeiras, laranjeiras, cujo valor é de, pelo menos, 400,00 euros. - Artigo 19º da petição inicial.
3.18. Os réus autorizam à autora o levantamento das obras e plantações por si realizadas e referidas nos nº s 3.10 a 3.13 e 3.17. (facto este que decidimos aditar, à luz do disposto no artº 712, nº 1, al. a) – 1ª parte - do CPC, já que resulta da declaração que os réus fizeram no seu articulado da contestação – cfr., entre outros, artº 24).
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4. O Direito
Apreciando as questões acima enunciadas.
Com a presente acção visa a autora ser indemnizada pelas obras e plantações que realizou no prédio locado dos réus e exercer ainda o direito de retenção do mesmo enquanto a respectiva indemnização não lhe for paga.
Direito esse que lhe é assegurado pelo artº 89-A, nº 1, do RAU (com as alterações introduzidas pelo artº 2º do DL nº 278/93 de 10/8), e de onde resulta - nos arrendamentos transmitidos, por morte dos seus ascendentes, para os descendentes - que o arrendatário, no caso de o senhorio ter optado pela denúncia do contrato, para além de receber deste uma indemnização correspondente a 10 anos de rendas, tem ainda o direito de indemnização por benfeitorias e de retenção, nos termos gerais.
Dado que a situação do caso em apreço se enquadra na previsão daquela norma – cfr. factos descritos nos nºs 3.1 a 3.8, o que, aliás, não é questionado pelas partes -, vejamos então, e antes de mais, se as obras e plantações realizadas pela autora no prédio locado integram o conceito de benfeitorias?
Tal conceito é-nos dado pelo artigo 216, nº 1, do CC – e a cujo diploma nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a menção da sua origem - ao estipular que se consideram como benfeitorias “todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.”
No fundo, pode dizer-se que as benfeitorias são melhoramentos de uma coisa, ou seja, alterações introduzidas numa coisa feitas com a intenção de a beneficiar, por quem a ela está ligada por uma relação ou vínculo jurídico (aspecto este último importante para a diferenciar de uma figura muito parecida, como é a da acessão. Vidé, a propósito, e entre outros, o prof. Oliveira Ascensão in “Direitos Reais, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 111/112; estudo do conselheiro Quirino Soares in “CJ, Acs do STJ, Ano IV, T1 – 11 e ss” e Ac. da RC de 30/5/1982, in “CJ ano Ano VII, T2 – 94”).
Face ao tipo de obras e plantações realizadas pela autora no locado (cfr. nºs 3.12 a 3.13 e 3.17) e ao vínculo jurídico que a liga ao mesmo, não oferece dúvidas – para nós, e nem para as próprias partes – que as mesmas se traduzem em benfeitorias.
Porém, como é sabido e resulta do nº 2 do citado artº 216, consoante o benefício efectivamente obtido, as benfeitorias distinguem-se em necessárias, úteis e voluptuárias.
Grosso modo, pode dizer-se que as primeiras (as necessárias) destinam-se a evitar o detrimento ou perda da coisa, as segundas (as úteis) a aumentar as potencialidades do gozo da mesma e as últimas (voluptuárias) têm mais como fim servir de recreio ou deleite a quem as utiliza (cfr., entre outros, o prof. Oliveira Ascensão, in “Ob. cit., pág. 112”).
Aliás, é isso mesmo que resulta da caracterização legal consagrada no nº 3 do referido artº 216 onde se estatui que “são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem aumentando o seu valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”.
Ora a caracterização da espécie de benfeitorias, em que se integram tais obras e plantações efectuadas pela autora no locado, é uma tarefa que se mostra essencial, como mais adiante iremos ver, para lhe atribuir, ou não, a indemnização que aqui reclama.
E é aí que surge a 1ª grande clivagem, já que, por um lado, temos a autora a defender a qualificação de tais benfeitorias como necessárias, e, por outro lado, os réus e o tribunal a quo a inclinarem-se na defesa da qualificação das mesmas como úteis.
Quid iuris?
Face ao que acima deixámos exarado a tal propósito, e nomeadamente aos conceitos legais definidos no citado artº 216, nº 3, afigura-se-nos não existirem grandes dúvidas de que as obras relacionadas com a instalação eléctrica, com a construção do quarto de banho e com a plantação das árvores devem ser consideradas como benfeitorias úteis, já que é patente que as mesmas visaram tão só aumentar as potencialidades do gozo do locado - nomeadamente em termos de aumento de comodidades, do seu conforto, do seu valor, e ainda, no que diz respeito às plantações, de produtividade ou fecundidade – e já não evitar também a perda, deterioração ou destruição do prédio locado, não sendo, pois, indispensáveis à sua conservação. Qualquer outra qualificação seria, a nosso ver, ao arrepio da lei, e sem qualquer correspondência na sua letra (cfr. artº 9, nº 2).
Já mais dúvidas se colocam no que concerne às obras de reconstrução da arrecadação situada junto à casa de habitação.
Dúvidas essas derivadas, desde logo, do tipo ou natureza dessa construção, e que apontavam, ab initio, para que pudessem ser consideradas como necessárias.
Porém, e como bem, a nosso ver, enfatizou a srª juiz do tribunal a quo, da matéria de facto dada, a esse propósito, como assente, não resulta apurado – e nem sequer qualquer alegação foi feita nesse ou outro sentido – qual o estado anterior em que se encontrava arrecadação, ou seja, não foram alegados quaisquer factos que permitissem depois concluir sobre a necessidade da realização de tais obras, nomeadamente para efeitos de evitar a perda, deterioração ou destruição da referido espaço ou do carácter indispensável das mesmas para a sua conservação, sendo certo que, como facto constitutivo do seu direito – artº 342, nº 1 -, era sobre a autora que impendia tal ónus (cfr., a propósito, entre outros, Ac. do STJ de 3/4/1984, in “BMJ 336 – 420”).
Logo perante a ausência de mais e melhores elementos, afigura-se-nos que bem andou a srª juiz a quo ao qualificar tais benfeitorias também como úteis.
Aqui chegados, importar dar mais um passo um frente com vista à resolução do caso em apreço.
Começaremos por dizer que, não se enquadrando tais benfeitorias na previsão do artº 1036 e não se revelando existir qualquer acordo em contrário, a autora, por força do estatuído no artº 1046, nº 1, deverá ser considerada, em relação às mesmas, possuidora de má fé.
Ora o estatui o artº 1273 que “que tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm o direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela” (nº 1) e que “quando para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado o segundo as regras do enriquecimento sem causa” (nº 2).
Ora da conjugação das normas que compõem tal preceito legal deve, a nosso ver, concluir-se o seguinte:
Que no caso de benfeitorias necessárias o seu possuidor, quer seja de boa ou má fé, tem sempre direito a ser indemnizado por elas.
Porém, no caso de se tratarem de benfeitorias úteis a regra é de que o possuidor (de boa ou má fé) benfeitorizante tem direito só, em princípio, a levantá-las. Só assim, porém, não sucederá se o seu levantamento causar detrimento da coisa (benfeitorizada) e o dono dela, invocando esse detrimento, se opuser a tal levantamento, situação em que, a troco de ficar com elas, fica então obrigado a indemnizar o possuidor dessas benfeitorias, segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Já no que concerne às voluptuárias – que não estão aqui em causa - , e tal como decorre do artº 1275, o seu possuidor só terá direito a levantá-las se estiver de boa fé e elas não causarem detrimento na coisa (porque se causarem não só não pode levantá-las como inclusivé não tem direito a receber qualquer valor indemnizatório por elas), pois se as tiver realizado com má fé perde, em qualquer situação, sempre o direito a elas, ou seja, o direito de as levantar ou sequer de receber qualquer valor por elas.
Ora reportando-nos ao caso em apreço, e estando em causa benfeitorias úteis realizadas pela autora no prédio locado dos réus, a primeira, como pressuposto do direito à indemnização que reclama nesta acção, tinha, desde logo, não só de alegar e provar a realização de tais benfeitorias (o que, pelo que acima se deixou expresso, logrou conseguir) como também que o seu levantamento causa detrimento no prédio benfeitorizado do réus.
Vem constituindo entendimento pacífico que o detrimento, provocado pelo levantamento, deve reportar-se tão somente à coisa beneficiada e já não à benfeitoria nela realizada, sendo o detrimento desta irrelevante, do ponto de vista jurídico (vidé ainda, entre outros, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, 2ª ed., Vol. III, pág. 42, nota 3”; Ac. do STJ de 14/12/1994 in “www.dgsi.pt/jstj” e Ac. da RP de 8/6/77, in “CJ, Ano III, T4 – 870”).
Po outro lado, e como constitutivo do direito de indemnização (artº 342, nº 1), vem constituindo também entendimento dominante que compete ao possuidor benfeitorizante o ónus de alegar e provar o detrimento que resulta para a coisa benfeitorizada com o levantamento das benfeitorias realizadas (vidé, entre outros, os profs. Pires de Lima e A. Varela in “Ob. e pág. cit.”; Ac. do STJ de 26/2/1992, in “BMJ 414 – 556; Ac. RC de 24/6/97 in “BMJ 468 – 484”; Ac. da RP de 2/5/96, Ano XXI, T3 – 175”; Ac. da RLx de 30/1/92/Ano XVII, T1- 150” e Acs da RP de 14/4/2005 e de 15/12/2002 in www.dgsi.pt/jtrp”).
Ora, compulsando o articulado da pi, verifica-se que autora se limitou a alegar (cfr. artº 17) a deterioração das benfeitorias no caso de serem levantadas, nada dizendo ou alegando sobre do detrimento da prédio dos réus onde as mesmas foram realizadas, e como tal, naturalmente, da matéria factual dada como assente nada resulta expressamente, como provado, a esse propósito (do detrimento).
E sendo assim, e tal como se julgou na sentença recorrida, falta, desde logo, a prova de um dos requisitos ou pressupostos legais para que possa ter lugar o direito de indemnização da autora pelas sobreditas benfeitorias.
Todavia, mesmo que porventura pudesse entender - se (e confessamos que não nos repugnaria, de todo, que tal pudesse ser considerado) que, dada a natureza das benfeitorias em causa, o detrimento, que o prédio dos réus sofreria com o levantamento das mesmas, seria um facto objectivamente notório (que não precisaria, como tal, de ser alegado e provado – sendo que, todavia, não é inteiramente líquido o preenchimento desse conceito, e até dada a falta de outros elementos esclarecedores complementares, tal como, a propósito de caso idêntico, decidiu o Ac. do STJ de 26/2/1992, in “BMJ 414, págs. 562 - finé- e 563”), sempre outro obstáculo, a nosso ver, persistiria ao reconhecimento do reclamado direito à indemnização da autora, e que se traduziria no seguinte:
Tal como resulta daquilo que acima já deixámos exarado (e tal como também é defendido no acordão do STJ de 27/4/1999 in “BMJ nº 486 – 273”, já citado na sentença recorrida), entendemos que o direito de indemnização por benfeitorias úteis depende também de o dono da coisa se opor ao levantamento das benfeitorias com fundamento de o mesmo causar o detrimento daquela.
Na verdade, e como se extrai daquilo do que acima já deixámos expresso e resulta, a nosso ver, da conjugação dos nºs 1 e 2 do citado artº 1273, nas benfeitorias úteis (ao contrário do que sucede com as necessárias) a regra é a de que, em princípio, o seu possuidor apenas tem direito ao seu levantamento. Só assim não será quando o dono de coisa benfeitorizada se oponha a esse levantamento precisamente com o fundamento de que o mesmo causa detrimento na sua coisa que foi benfeitorizada. E percebe-se, a nosso ver, que assim tenha de ser, já que tratando-se de benfeitorias (úteis) que não são indispensáveis para a conservação da coisa benfeitorizada e que apenas foram feitas pelo possuidor (que até poder estar de má fé, como deve ser considerada a autora neste caso) para aumentar as potencialidades do seu gozo da coisa (nomeadamente em termos de aumento das suas comodidades), é razoável que se deixe ao dono dela (que até não pediu a sua realização) a liberdade de poder ou não ficar com as ditas benfeitorias. Se quiser continuar a usufruir de tais melhoramentos ou comodidades (após a cessação da relação jurídica que ligava até então o possuidor à coisa), quando do seu levantamento resultam deteriorações para a sua coisa, é justo que deva indemnizar por tal o possuidor que os realizou, pagando-lhe o seu valor (calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa). Porém, não querendo ou não lhe interessando (pelos mais diversos motivos) continuar a usufruir desses melhoramentos ou comodidades, afigura-se-nos irrazoável (à luz da jurisprudência dos interesses e dos princípios) impor-se-lhe a obrigação de, contra a sua vontade, ter de ficar com as respectivas benfeitorias, obrigando-o ainda a ter de pagar uma indemnização ao seu autor, só pelo facto de o seu levantamento causar detrimento na sua própria coisa. Detrimento esse que o dono da coisa não se importa que aconteça ou ocorra, preferindo antes arcar com essa consequência do que com ónus de ter de ficar, contra a sua vontade, com uma coisa que não quer (e que não pediu para ser realizada) e ainda por cima tendo de pagar um valor por ela. Logo, o possuidor é que deve arcar com as consequências da sua conduta (apetecendo-nos aqui aplicar, embora “cum grano salis”, o velho borcardo “ubi commodum, ibi incommodum”). Ou o dono da coisa lhe paga o valor das benfeitorias que realizou ou então, não querendo aquele ficar com elas, tem sempre o benfeitorizante o direito de as levantar, embora correndo ele o risco de puder ficar com as mesmas deterioradas (como acontece, por opção sua, com o dono da coisa). E em reforço dessa posição veja-se que a lei, como vimos, apenas dá relevância às deteriorações que o levantamento provoca na obra benfeitorizada e já não ao detrimento que esse levantamento possa causar nas próprias benfeitorias.
Ora posto isto, e dado que os réus (donos do prédio benfeitorizado), não querendo ficar com as sobreditas benfeitorias, autorizam que a autora proceda ao seu levantamento, falta, assim, um dos pressupostos legais – a existência de oposição dos donos da coisa ao levantamento daquelas, com o fundamento de ele provocar o detrimento nessa sua coisa – de que dependia também o seu aqui reclamado direito de indemnização pela realização das mesmas (que as poderá levantar quando lhe aprouver ou para quando para tal for solicitado pelos donos do prédio).
Desse modo, não nos merecendo censura a sentença recorrida, terá de improceder o recurso da autora.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmado-se a douta sentença da 1ª instância.
Custas pela autora-apelante (muito embora seja de tomar em consideração que a mesma goza, até ao momento, do benefício de apoio judiciário em tal modalidade – e bem assim ainda de nomeação de patrono oficioso, cujo pagamento dos respectivos honorários deverá, oportunamente, ser processado, ou seja, quando os autos baixarem à 1ª instância).

Coimbra, 2005/05/31