Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3215/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. OLIVEIRA MENDES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO - DECISÃO ADMINISTRATIVA
REQUISITOS
Data do Acordão: 12/03/2003
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ART.º 58.º DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES E COIMAS E ART.º 125.º N.º1 DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Sumário:

Em processo contra-ordenacional não são diminuídas as garantias de defesa do arguido pelo facto de ser o instrutor a elaborar a proposta de decisão de onde conste o relatório e a fundamentação, ficando incumbido de proferir a decisão em sentido próprio, isto é, de determinar a coima e as sanções acessórias que ao caso couberem, remetendo quanto à fundamentação de facto e de direito, quanto aos elementos de agravação ou de atenuação da culpa e às normas legais aplicáveis para a proposta do instrutor.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.
Na sequência de auto de contra-ordenação levantado pela Guarda Nacional Republicana ao arguido A, com os sinais dos autos, foi este condenado na coima de € 1646,03, pela prática da contra-ordenação prevista no art.20º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 38/99, de 6 de Fevereiro.
Interposto recurso de impugnação judicial para o Tribunal Criminal de Leiria, nos termos do art.59º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro), foi o mesmo admitido.
Mediante decisão proferida por simples despacho, nos termos do art.64º, n.º 2, daquele diploma legal, foi declarada nula a decisão da autoridade administrativa, ao abrigo do disposto nos arts.374º, n.º 2 e 379º, al.a), do Código de Processo Penal, com o fundamento de a mesma se limitar a remeter para os fundamentos constantes da proposta de decisão elaborada pelo instrutor do processo, apenas dela constando a coima aplicada ao arguido.
Do assim decidido emergiu o presente recurso, interposto pela Digna Magistrada do Ministério Público, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da motivação apresentada:
1. A decisão administrativa ao remeter para a proposta do instrutor do processo respeita os requisitos do art.58º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, não enfermando da nulidade que lhe é apontada.
2. Tal decisão é inteligível, assegurando ao arguido em toda a sua extensão a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa.
3. Não é aplicável à decisão administrativa o disposto nos arts.374º, n.ºs 2 e 3 e 379º, do Código de Processo Penal.
4. A nulidade prevista no art.379º, n.º1, al.a), do Código de Processo Penal, não é nulidade insanável de conhecimento oficioso.
5. Assim, a decisão recorrida violou o disposto nos arts.58º e 64º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10 e os arts.118º, 119º e 379º, n.º1, al.a), do Código de Processo Penal.
6. Pelo que, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que designe dia para a realização de julgamento.
O recurso foi admitido.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido do provimento do recurso, sob a alegação de que a decisão da autoridade administrativa enferma de mera irregularidade que se deve ter por sanada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Única questão a apreciar é a de saber se a decisão proferida pela autoridade administrativa enferma ou não de nulidade e, caso afirmativo, se o tribunal a quo a podia conhecer.
É o seguinte o teor textual daquela decisão:
«No uso de competência que me foi subdelegada pelo Despacho n.º 2032/99 de 01.10.98, publicado no D.R. II Série n.º 30, de 05.02.99 e nos termos do disposto no art.58º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10 com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 244/95, de 14/09 decido aplicar a A a coima de 1646,03 Euros de acordo com os fundamentos constantes da proposta de decisão em anexo, que aqui dou por integralmente reproduzida.
A presente decisão transita em julgado e torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada no prazo de 20 (vinte) dias, após a sua notificação.
Em caso de impugnação, o tribunal decidirá em audiência de julgamento ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
A coima acima indicada deverá ser paga no prazo de 10 (dez) dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão.
Na impossibilidade de pagamento tempestivo, tal facto deverá ser comunicado, por escrito, a esta Delegação de Transportes.
Custas pelo arguido.
Emitam-se guias de pagamento.
Registe e notifique.
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Como é sabido, o processamento e julgamento das infracções de natureza contra-ordenacional encontra-se submetido no nosso ordenamento jurídico a regime autónomo e específico, qual seja o constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro – Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas –, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, 244/95, de 14 de Setembro e Lei n.º 109/01, de 24 de Dezembro, sendo que de acordo com o art.41º, n.º1, de tal diploma, o Código de Processo Penal constitui seu direito subsidiário ( - Sobre o que se deve entender por direito subsidiário veja-se o recente trabalho do relator do processo em parceria com Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (2003), 84 e 101.).
Daqui decorre que no caso ora em apreciação há que aplicar os preceitos constantes do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, sendo que só em caso de lacuna ou omissão se deverá recorrer às normas de direito adjectivo insertas no Código de Processo Penal.
No art.58º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas vêm descritos os requisitos a que deve obedecer a decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, mediante a indicação dos elementos, matérias e referências que a decisão deve conter, destes se destacando os enumerados no seu número 1, quais sejam a identificação do arguido, a descrição dos factos imputados, com enumeração das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, a coima e a sanção acessória.
Como expressamente se defende no trabalho atrás citado ( - Páginas 156/157.), face às características e natureza do procedimento por contra-ordenação, não se vê que sejam diminuídas as garantias de defesa do arguido pelo facto de ser o instrutor a elaborar a proposta de decisão de onde conste o relatório e a fundamentação, ficando o decisor incumbido de proferir a decisão em sentido próprio, isto é, de determinar a coima e as sanções acessórias que ao caso couberem, remetendo quanto à fundamentação de facto e de direito, quanto aos elementos de agravação ou de atenuação da culpa e às normas legais aplicáveis, para a proposta do instrutor.
Tal solução, como ali se refere, arrima-se ao disposto no art.125º, n.º1, do Código de Procedimento Administrativo: «a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto». Por outro lado, encontra eco numa corrente que se vem formando por virtude da decantada morosidade da justiça e teve já um primeiro afloramento, ao nível judicial, nas alterações ao Código de Processo Penal, entradas em vigor no início de 2001, através das quais os acórdãos absolutórios enunciados no art.400º, n.º1, al.f), que confirmem decisão da 1ª instância sem qualquer declaração de voto, podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos constantes da decisão impugnada.
Aliás, com igualmente se refere no trabalho citado, a exigência de repetição literal de considerações expressas noutra peça do processo – no caso expressas na proposta de decisão elaborada pelo instrutor – é uma imposição vazia de sentido que apenas tem por resultado desperdício de tempo.
Nesta conformidade, tendo por certo que na decisão administrativa de fls.42 se remeteu para a fundamentação de facto e de direito constantes da proposta de decisão do instrutor de fls.39 a 41, proposta da qual constam todos os elementos, matérias e referências enumeradas no art.58º, n.º1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas ( - Da proposta de decisão elaborada pelo instrutor do processo consta a identificação do arguido, os factos imputados, as provas obtidas e seu exame crítico, as normas aplicáveis, a subsunção dos factos às normas e a coima proposta com indicação das razões da sua medida.), há que concluir que a decisão da autoridade administrativa não enferma de nulidade, pelo que o recurso merece provimento.
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Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento do processo para conhecimento do mérito da impugnação judicial apresentada pelo arguido.
Sem tributação
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