Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4172/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
PRINCÍPIO DA ORALIDADE
COACÇÃO
CONSUMAÇÃO
TENTATIVA
Data do Acordão: 03/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTº. 127º DO C. P. PENAL E ARTº. 154º DO C. PENAL
Sumário: 1. Para respeitar os princípios da oralidade e da imediação, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das soluções possíveis segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
2. Há tentativa de coacção quando o arguido, com intenção de constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, adopte um comportamento objectivamente violento ou ameaçador com mal importante, mas, por razões alheias à sua vontade, o agente passivo não acata a imposição do coactor.

3. A consumação do crime de coacção basta-se com o simples início de execução da conduta coagida.

Decisão Texto Integral: Acordam , em audiência , na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão , sob acusação do Ministério Público , foi submetido a julgamento em processo comum , com intervenção do Tribunal singular , o arguido
A... , divorciado, desempregado, nascido a 26/02/1952, em Oliveira do Conde, Carregal do Sal, filho de B..., residente na Rua das Lajes, 39, Travanca de São Tomé, Oliveira do Conde, Carregal do Sal;
imputando-se-lhe a prática dos factos constantes de folhas 82 a 86 dos autos , pelos quais teria praticado em autoria material e na forma consumada , dois crimes de ameaça , p. e p. pelo art.153.º, n.º s 1 e 2 , um crime de ofensa à integridade física simples , p. e p. pelo art.143.º, n.º 1 , ambos do Código Penal e um crime de detenção ilegal , p. e p. pelo art.6.º, n.º 1 da Lei n.º 22/97 , na redacção introduzida pela Lei n.º 99/2001 de 25 de Agosto.

C... deduziu pedido cível contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 5.200,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais que discrimina , acrescida de juros legais até integral pagamento.

A Administração Regional de Saúde do Centro deduziu pedido cível contra o arguido, concluindo pela sua condenação no pagamento da quantia de € 18,10.

O Hospital de São Teotónio, SA deduziu igualmente pedido cível contra o arguido, concluindo pela sua condenação no pagamento da quantia de € 40,20, acrescida dos juros legais.
Realizada a audiência de julgamento - durante a qual foi comunicada uma alteração substancial traduzida na alteração de dois parágrafos da acusação e pela imputação ao arguido de um crime de ameaça , p. e p. pelo art.153.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal ( na pessoa de D... ) ; de um crime de coacção grave , p. e p. pelos art.s 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal , por referência ao art.131.º do mesmo diploma; e de um crime de detenção ilegal de arma m p. e p. art.6.º,n.º 1 da Lei n.º 22/97 , de 27 de Junho , na redacção introduzida pela Lei n.º 99/2001 , de 25 de Agosto - , o Tribunal Singular , por sentença proferida a 20 de Abril de 2005 , decidiu condenar o arguido A...:
- pela prática de um crime de coacção grave , p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1 e 155.º n.º 1 al. a) do Código Penal, por referência ao art.131.º do mesmo diploma, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses;
- pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art.6.º, n.º 1 da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o total de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) ;
- absolver o arguido da prática do crime de ameaça pelo qual vinha igualmente acusado; e
- declarar perdida a favor do Estado a arma caçadeira apreendida a folhas 46 , nos termos do art.109.º, n.º 1 do Código Penal .
Mais decidiu o Tribunal :
- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por C... e, consequentemente, condenar o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 1500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, absolvendo aquele do remanescente peticionado;
- julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela Administração Regional de Saúde do Centro e, consequentemente, condenar o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de €18,10 (dezoito euros e dez cêntimos); e
- julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital de São Teotónio, SA e, consequentemente, condenar o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 40,20 (quarenta euros e vinte cêntimos), acrescida dos juros legais calculados desde a data da citação (notificação para contestar) até integral pagamento.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A... , concluindo na sua motivação:
1. A sentença recorrida padece de erro notório na aplicação da prova, fazendo decorrer esse vício da incorrecta valoração dos meios de prova produzidos e examinados em audiência, que conduziu a uma deficiente fixação da matéria de facto;
2. Com base no depoimento prestado pelo queixoso/demandante civil C..., em audiência de julgamento, e gravado em suporte áudio, deve ser dada como provada a matéria de facto alegada e referida no presente recurso, nomeadamente - Após o dia 26 de Outubro de 2003, o queixoso C..., continuou a deslocar-se, de noite, como até ai, e durante vários dias, à padaria da ex-esposa do arguido - por relevante à boa decisão da causa;
3. Em face dessa matéria de facto que deveria ter sido dada como provada, deverá considerar-se que a conduta do arguido se subsume à prática de um crime de coacção grave, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1 e 2, 155.º, n.º 1, al. a), 22.º, 23.º n.º 2 e 73.º, todos do Código Penal, e não a um crime de coacção grave, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 154.º , n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por referência ao art.131.º do mesmo diploma.
4. Atenta tal qualificação jurídico-penal, o arguido deverá ser condenado em pena de prisão não superior a 6 (seis) meses, atento o disposto nos arts. 154.º, n.º 1 e 2, 155.º, n.º 1 , al. a), 22.º, 23.º, n.º 2, 70.º a 72.º e 73.º, n.º 1, al. a) e b), e 2, todos do C. Penal.
5. Tal pena, ainda assim, sempre deveria ser suspensa na sua execução, nos termos do disposto no art.50.º do C. Penal.
6. A pena de prisão, bem como a respectiva suspensão, deveriam ser substituídas pela pena de multa, nos termos do disposto nos termos do n.º 2 do art.73.º, e do art.44.º, também do C. Penal.
7. Caso se entenda que o arguido deve ser condenado pelo crime de coacção grave, na forma consumada, o arguido não deverá ser condenado em pena superior a 1 (um) ano de prisão, nos termos do disposto nos arts. 154.º, n.º 1 e 2, 155.º, n.º 1 , a), 22.º, 23.º, n.º 2, 70.º a 72.º e 73.º, n.º 1, al. a) e b), e 2, todos do C. Penal.
8. Caso se entenda que o arguido deve ser condenado em pena de prisão, seja pela prática do crime de coacção grave na forma tentada, seja pela prática do crime de coacção grave, na forma consumada, a suspensão a que a pena do arguido venha a ser sujeita não deve ser superior a 1 (um) ano, nos termos dos arts. 50.º, 154.º, n.º 1 e 2, 155.º, n.º 1 , a), 22.º, 23.º, n.º 2, 70.º a 72.º e 73.º, n.º 1, al. a) e b), e 2, todos do C. Penal.
9. Os montantes fixados a título de indemnização por danos não patrimoniais, no montante de Euros: 1.500 (mil e quinhentos euros), foram-no em montante manifestamente exagerado.
10. Os montantes fixados a título de indemnização por danos não patrimoniais, devem ser no montante nunca superior a Euros: 500,00 (quinhentos euros).
Nos termos supra mencionados nas conclusões, referidos em sede de motivações e, bem assim, nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência ser a sentença recorrida alterada em conformidade, como é de justiça.

Respondeu ao recurso o Ministério Público na Comarca de Santa Comba Dão pugnando pelo reenvio do processo para novo julgamento a fim de ser apurada a matéria factual omitida quanto ao crime de coacção . A não se entender assim, caso se mantenha a matéria de facto , nada haverá a alterar quanto á escolha e medida da pena aplicada ; alterando-se a matéria de facto haverá apenas tentativa de crime de coacção , que não obstará à aplicação de pena de prisão em medida não superior a 6 meses ,a substituir por pena de multa.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer o sentido da conduta do arguido , face às declarações do ofendido/demandante , poder integrar a crime de coacção apenas sob a forma tentada , pelo que a sanção a aplicar-se ao arguido será de fixar-se na orla do que vem propugnado no recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal .

Colhidos os vistos e realizada a audiência , cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:

Factos Provados
1. No dia 26 de Outubro de 2003, cerca das 15 horas e 30 minutos, em Beijós, Carregal do Sal, área desta comarca, o arguido A... dirigiu-se a C... e, em voz alta e em tom sério e convicto, disse-lhe que se ele entrasse mais na padaria da sua ex-esposa o tirava do mundo, ao mesmo tempo que o agarrava pela gola do robe e lhe colocava o um punho fechado junto aos queixos.
2. Acto contínuo, o arguido dirigiu-se ao seu veículo automóvel tendo de lá tirado uma arma de fogo de caça, de características não apuradas, que empunhou na direcção de C... e a encostou aos queixos deste, ao mesmo tempo que repetia que o matava.
3. Nesse momento, o arguido de forma súbita e inesperada, desferiu um soco em C... que o atingiu na face e fez com ele caísse desamparado ao solo.
4. Com a actuação acima descrita, o arguido A... provocou em C... as lesões mencionadas nos relatórios de exame médico constantes de fls. 27 e 31 cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, tendo tais lesões causado 18 dias de doença, sendo 3 com incapacidade para o trabalho.
5. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, pretendendo, e conseguindo, atingir, lesar e causar mau-estar no corpo e na saúde de outrem, actuando de modo susceptível e adequado a causar receio e medo em C..., com intenção de o obrigar a afastar-se da sua ex-esposa e não mais se dirigir à padaria que é propriedade desta.
6. Mais sabia o arguido que, com este seu comportamento, constrangia aquele C... a omitir uma acção ou actividade contra a sua vontade e que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
7. No ano de 1996, o arguido A... adquiriu a arma de fogo de caça semi-automática nº A- 47394, livrete de manifesto nº 99395 série D, de marca “Benelli”, de um cano liso e coronha em madeira, com sistema de percussão central, carregamento pela janela de alimentação, calibre 12 mm , em bom estado de conservação e funcionamento e com o valor aproximado de € 250, passando a detê-la no interior da sua residência sita em Travanca de São Tome, Carregal do Sal, sem que possuísse licença da mesma em seu nome.
8. Na sequência de buscas efectuadas pela Guarda Nacional Republicana de Carregal do Sal, em 20 de Novembro de 2003, a supra referida arma foi encontrada no interior do veículo automóvel marca "Toyota", matrícula 37-17-CD, que o arguido se encontrava a conduzir.
9. O arguido A... detinha consigo uma arma caçadeira, sem possuir a respectiva licença da mesma, actuando de forma deliberada, livre e consciente, conhecendo as características da arma que definha, bem sabendo que não a podia deter naquelas condições e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
10. O arguido é divorciado, está actualmente desempregado, vive em casa da sua mãe; tem 3 filhos com 26, 16 e 12 anos de idade; estudou até à 4ª classe; possui dois veículos que adquiriu no estrangeiro: um Audi A3 e uma Toyota Hilux, pelos quais pagou cerca de € 7.000,00 e de € 1.870,00, respectivamente, e que pretende vender em Portugal.
11. O arguido não tem antecedentes criminais e não lhe são conhecidos comportamentos desviantes à vida em sociedade.
12. Como resultado da conduta do arguido, C... sofreu lesões e dores, ficando também angustiado, ansioso, perturbado e inquieto, com receio de se deslocar sozinho, nomeadamente da sua actividade profissional de distribuidor/vendedor de pão, que o obriga a sair de casa ainda de madrugada.
13. Ainda como consequência das agressões de que foi vitima, C.... recebeu tratamento no Centro de Saúde de Carregal do Sal, bem como no Hospital de São Teotónio, SA, importando as assistências nas quantias de € 18,100 e de € 40,20, respectivamente.
Factos não provados
Da acusação pública, não resultaram provados os factos descritos no ponto I da acusação, ou seja, que, em dias e horas não concretamente apurados, mas situados no ano de 2003, na área desta comarca o arguido A... dirigiu-se a D... e, em voz alta e em tom sério e convicto, disse-lhe que a matava.
Ou que o arguido A..., de forma deliberada, livre e consciente, actuou de modo susceptível e adequado, a causar receio e medo em D..., dadas as circunstancias e o modo como actuou e proferiu as expressões ameaçatórias, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Do pedido cível formulado por C..., não resultou demonstrado que o demandante tenha tido e continue a ter despesas com deslocações a tribunal e ao escritório do advogado no montante de € 200,00.
Convicção do tribunal
A convicção do tribunal resultou da ponderação de todas as declarações prestadas em sede de audiência, bem como dos documentos juntos aos autos.
Assim e relativamente ao ponto 1, importa desde já salientar que, independentemente de se poder considerar a existência, no passado, de expressões ameaçatórias perpetradas pelo arguido na pessoa da sua ex-esposa D..., o que é seguramente verdade é que não possui o tribunal a necessária consistência temporal que lhe permita localizar com um mínimo de rigor o momento da prática desses eventuais factos, pelo que se desconhece inclusive se os mesmos terão ocorrido no ano de 2003 ou, ao invés, em anos anteriores.
Com efeito, ninguém, nem mesmo a própria queixosa, soube precisar no tempo as alegadas ameaças, como sejam que a matava ou que lhe cortava as mãos, de que diz ter sido vítima, sendo certo que quaisquer factos ocorridos antes de 27 de Abril de 2003 (Considerando os 6 meses a que se reporta o direito de queixa) já não seriam susceptíveis de censura penal, até porque inexistem igualmente elementos circunstanciais que permitam subsumir a conduta do arguido à figura do crime continuado, nem tal é sequer aflorado na acusação pública. José Manuel Abreu Tomás, por exemplo, afirmou que o arguido andava sempre a ameaçar a sogra, dizendo que a matava, mas não conseguiu especificar com mais detalhe essas afirmações.
Já no que concerne aos restantes ilícitos imputados ao arguido, resultou claro para o tribunal que o arguido praticou efectivamente os respectivos factos. Aliás, é desde logo o arguido quem reconhece ter-se deslocado a casa do queixoso, questionando-o sobre se ele tinha estado naquela noite na padaria da sua mulher, ao mesmo tempo que lhe agarrou na gola do robe que aquele trazia vestido, dando-lhe de seguida um murro que o fez cair ao chão. Mais acrescen- tou que lhe disse que se continuasse a voltar os filhos contra ele, que o matava, sendo que, pelos filhos, faz tudo... Não admite contudo ter utilizado qualquer arma nesta ocasião.
Porém, o queixoso C... e os seus filhos E... e F... foram claros e escorreitos na forma como descreveram os factos, sendo que todos eles viram uma arma caçadeira nas mãos do arguido, pelo que não subsistem dúvidas sobre a sua utilização.
Ademais e na sequência da queixa apresentada, foi apreendida uma arma caçadeira ao arguido que este guardava num veículo automóvel e que havia adquirido em Lisboa no ano de 1996. Sobre a ilicitude destes factos, é o próprio arguido quem reconhece que a arma estava ilegal, já que a mesma não estava devidamente registada em seu nome, sendo agora irrelevante o motivo pelo qual aquele ainda não tinha conseguido legalizar a arma; por outras palavras, antes de comprar a arma, deveria o arguido desde logo ter-se informado sobre os necessários documentos para o efeito; não o conseguindo, uma de duas: ou desfazia o negócio ou entregava a arma num posto policial, mas o arguido optou por uma terceira via, que foi a de manter na sua posse uma arma ilegal durante cerca de 9 anos.
No mais e como sucederia com qualquer pessoa normal colocada na sua posição, tomam-se evidentes as dores, bem como o receio, angústia e abalo sentidos pelo queixoso na sequência do comportamento do arguido, evitando inclusive deslocar-se sozinho, pelo menos nos dias que se seguiram à ocorrência.
No que concerne às despesas alegadamente suportadas pelo queixoso com deslocações a tribunal ou ao escritório do seu ilustre advogado, desconhece o tribunal por completo a sua verificação; ademais, existem outros meios para compensar as testemunhas por eventuais deslocações a tribunal.
As testemunhas de defesa abonaram o comportamento do arguido, referindo que é uma pessoa bem considerada e não conflituosa.
Teve ainda presente o tribunal o Certificado do Registo Criminal do arguido, bem como as declarações deste sobre as suas condições sócio-económicas.

*

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , o Ac. do STJ de 19-6-96 , no BMJ 458º , pág. 98 ).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente A... as questões a decidir são as seguintes :
- se a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova , decorrente da incorrecta valoração e exame em audiência do depoimento prestado pelo queixoso/demandante civil C..., devendo ter sido dada como provado que Após o dia 26 de Outubro de 2003, o queixoso C..., continuou a deslocar-se, de noite, como até ai, e durante vários dias, à padaria da ex-esposa do arguido;
- se em face da matéria de facto que deveria ter sido dada como provada a conduta do arguido preenche os elementos constitutivos do crime de coacção grave, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1 e 2, 155.º, n.º 1, al. a), 22.º, 23.º n.º 2 e 73.º, todos do Código Penal , pelo deverá ser condenado em pena de prisão não superior a 6 (seis) meses, substituída por pena de multa ou então suspensa na sua execução por período não superior a 1 ano ;
- se a pena não deverá ser superior a 1 ano de prisão, suspensa na execução por período não superior a 1 ano , caso se entenda que o arguido deve ser condenado pelo crime de coacção grave, na forma consumada ; e
- se o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais em € 1 500 é manifestamente exagerado , devendo ser reduzido a quantia não superior a € 500,00.
Vejamos a primeira questão.
O erro notório na apreciação da prova a que o recorrente alude na motivação e respectivas conclusões , não é o vício da sentença a que alude o art.410.º, n.º2 , al.c) do C.P.P. – como refere o Ministério Público na Comarca de Santa Comba Dão. É que o erro notório na apreciação da prova a que alude o art.410.º, n.º2 , al.c) do C.P.P. é um vício que resulta do texto da decisão recorrida , por si só ou conjugada com as regras da experiência comum , sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.
O recorrente não alega nem na motivação do recurso , nem as respectivas conclusões , que a sentença padece do vício a que alude o art.410.º, n.º2 , al.c) do C.P.P. .
O erro na apreciação da prova que ele pretende ver reparado no Tribunal da Relação resulta , não do texto da decisão , por si ou conjugado com as regras da experiência comum , ,mas da incorrecta valoração e exame do depoimento do ofendido/demandado prestado em audiência de julgamento . Ou seja, o que está em causa é um erro de julgamento.
O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito ( art.428.º , n.º1 do C.P.P. ) .
No entanto , a modificabilidade da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar , sem prejuízo do disposto no art.410.º , do C.P.P. , se se verificarem as condições a que alude o art.431.º do mesmo Código , ou seja :
“ a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base ;
b) Se , havendo documentação da prova , esta tiver sido impugnada , nos termos do art.412.º , n.º 3 ; ou
c) Se tiver havido renovação de prova .” .
No presente caso , houve lugar à documentação da prova e esta foi impugnada minimamente nos termos do art.412.º , n.º 3 do C.P.P. , fazendo o recorrente as necessárias especificações previstas nesta norma com referência aos suportes técnicos.
Tendo sido efectuada a transcrição da prova oral pelo Tribunal recorrido está o Tribunal da Relação habilitado a modificar a decisão da 1ª instância em matéria de facto .
A documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto .
Esta garantia não pode , porém , subverter o principio da livre apreciação da prova , deferido ao Tribunal de 1ª instância , e previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal , que estabelece : “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.” .
As normas da experiência são , como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira , «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico , independentes do caso concreto “sub judice” , assentes na experiência comum , e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam , mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300.
Sobre a livre convicção refere o mesmo Professor que esta « é um meio de descoberta da verdade , não uma afirmação infundamentada da verdade . É uma conclusão livre , porque subordinada à razão e à lógica , e não limitada por prescrições formais exteriores .». - Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.298.
Por outras palavras , diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros .”- Cfr., in “Direito Processual Penal”, 1º Vol. , Coimbra Ed. , 1974, páginas 203 a 205.
O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento , encontrando afloramento , nomeadamente , no art. 355.º do Código de Processo Penal . È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova , na recepção directa de prova .
O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo , pessoal , entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar , e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias , ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo :
« Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal . Já de há muito , na realidade , que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita , desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha , e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios , com efeito , permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido , a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem , por outro lado , avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais “. - In “Direito Processual Penal”, 1º Vol. , Coimbra Ed. , 1974, páginas 233 a 234 .
Assim , e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador , estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum , ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso .
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra , de 6 de Março de 2002 ( C.J. , ano XXVII , 2º , página 44 ) , “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade , o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Posto isto , vejamos se das declarações do ofendido/demandado C... resulta que após o dia 26 de Outubro de 2003 o mesmo continuou a deslocar-se, de noite, como até ai, e durante vários dias, à padaria da ex-esposa do arguido.
Analisando o apenso das transcrições resulta delas que o C... declarou em audiência ( folhas 51 a 68 ) , nomeadamente , e em síntese , que é industrial de padaria e uma sexta-feira , em 2003, quando estava na feira , ouviu um telefonema dum empregado da D... dizendo a esta que não podia ir trabalhar. O depoente ofereceu-se para a desenrascar na Padaria e a D... aceitou essa oferta , pelo que ali se deslocou logo nessa noite de sexta-feira para sábado , de depois de sábado para Domingo. No Domingo , a seguir ao meio-dia , o arguido procurou-o em casa a saber o que fazia o carro do depoente junto à Padaria. Depois de lhe explicar o carro estava lá que tinha ido trabalhar na Padaria para desenrascar a D... , o arguido disse-lhe que se punha mais o pé na Padaria o tirava do mundo , e abrindo a porta do carro tirou uma caçadeira , apontou-lha aos queixos e deu-lhe um murro , que o fez cair ao chão. Depois de estar caído ainda repetiu que o tirava do mundo . Apesar do que o arguido lhe disse o depoente declarou : “ eu ainda continuei a lá ir” , “ ainda lá fui alguns dias” ( folhas 62), “foram alguns dias mas não posso dizer certamente , já não…” ( folhas 64 ), “ à noite” ( folhas 65).
Das declarações ora referidas do ofendido C... resulta claro que mesmo após os acontecimentos do Domingo à tarde ele não deixou de se deslocar à Padaria da D... , como o arguido lhe exigira.
Analisando a fundamentação da matéria de facto constante da sentença recorrida , depreende-se da mesma que as declarações do ofendido José produzidas em audiência foram tidas como convincentes e credíveis.
Porquanto o facto em causa , que resulta da audiência de julgamento é relevante para a boa decisão da causa e favorece o arguido – como iremos ver mais à frente – , não pode o mesmo deixar de constar da matéria de facto provada.
Deste modo , ao abrigo do disposto no art.431.º do Código de Processo Penal , o Tribunal da Relação altera em parte , a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida , passado o ponto n.º 5 da matéria de facto a ter a seguinte redacção:
« 5. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, pretendendo, e conseguindo, atingir, lesar e causar mau-estar no corpo e na saúde de outrem, actuando de modo susceptível e adequado a causar receio e medo em C... , com intenção de o obrigar a afastar-se da sua ex-esposa e não mais se dirigir à padaria que é propriedade desta , mas o C... continuou, ainda assim , a deslocar-se à padaria da ex-esposa do arguido por mais alguns dias , de noite , no âmbito da ajuda temporária que lhe prestava . ».
Passemos agora ao conhecimento da segunda questão.
A questão a decidir agora é se , em face da matéria de facto alterada , a conduta do arguido preenche todos os elementos constitutivos do crime de coacção grave, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1 e 2, 155.º, n.º 1, al. a) e 22.º, do Código Penal .
O Tribunal recorrido entende que , mesmo assim , o crime de coacção grave reveste a forma consumada e não tentada .
É que , no seu entendimento , o argumento de que o arguido “ … não logrou alcançar os seus intentos (…) é irrelevante , porquanto o crime é de consumação imediata , concretizando-se no momento em que o arguido adopta o descrito comportamento , agredindo e ameaçando que matava o arguido caso este mantivesse inalterados os seus hábitos quotidianos.”.
Vejamos.
O art.154.º do Código Penal , que tipifica o crime de coacção , estatui nomeadamente , o seguinte :
« 1. Quem , por meio de violência ou de ameaça com mal importante , constranger outra pessoa a uma acção ou omissão , ou a suportar uma actividade , é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.»
O bem jurídico protegido neste tipo legal é a liberdade pessoal de decisão e acção.
As formas de constrangimento do sujeito passivo , obrigando-o a uma certa acção ou omissão , são a violência ou a ameaça com mal importante.
A violência compreende , sem sombra de dúvidas , a intervenção da força física sobre o sujeito passivo .
A ameaça com mal importante , é o pronuncio , a promessa , de um mal futuro , mal este que tem de ser acentuadamente relevante em termos objectivos .
Refere o Prof. Américo Taipa de Carvalho ( "Comentário Conimbricense do Código Penal" , Tomo I ) , e com ele concordamos , que a coacção é um crime de resultado , exigindo , “ que a pessoa objecto da acção de coacção tenha efectivamente , sido constrangida a praticar a acção , a omitir a acção ou a tolerar a acção , de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade . Para haver consumação , não basta a adequação da acção ( isto é , a adequação do meio utilizado : violência ou ameaça com mal importante ) e a adopção , por parte do destinatário da coacção , do comportamento conforme à imposição do coactor , mas é ainda necessário que haja uma relação de efectiva causalidade.”( pág. 358). “ A consumação do crime de coacção basta-se com o simples início da execução da conduta coagida. (…) Se o objecto da coacção for a omissão ou a tolerância de uma determinada acção , a coacção consuma-se no momento em que o coagido é , por causa da violência ou da ameaça , impedido de agir ou de reagir.” ( pág. 359).
Nos termos do art.22.º, n.º 1 do Código Penal , há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer , sem que chegue a consumar-se.
Assim , haverá tentativa de coacção quando o arguido , com intenção de constranger outra pessoa a uma acção ou omissão , ou a suportar uma actividade , adopta um comportamento objectivamente violento ou ameaçador com mal importante , mas por razões alheias à sua vontade , o agente passivo não acata a imposição do coactor.
A respeito da coacção grave , estabelece o art.155.º, n.º1 , alínea a) , do mesmo Código , que quando a coacção for realizada “ por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos” , o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Pese embora nada se refira quanto à tentativa no crime de coacção grave , este pode ser praticado sob esta forma pois ao crime consumado corresponde pena superior a 3 anos de prisão - ( art.23.º, n.º1 do Código Penal ).
Que o crime de coacção grave não é um crime formal , mas sim de resultado , decidiu o STJ no acórdão de 15 de Maio de 2002 - Cfr. C.J. , ano X , 2º tomo , página 199 , com o seguinte sumário : “ Se o arguido , empunhando uma arma branca , ameaçou , seriamente , o ofendido de que o mataria se não lhe desse uma informação que pretendia , mas este não lha forneceu de imediato , e , entretanto , chegaram forças policiais , constituiu-se apenas autor de um crime de crime de coacção grave, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1 e 2, 155.º, n.º 1, al. a) , 22.º, 23.º e 73.º, .º 1 alínea a) do C.P.”.
No presente caso , está dado como provado , e definitivamente assente , que o arguido A... , com intenção de obrigar o ofendido a afastar-se da sua ex-esposa e não mais se dirigir à padaria que é propriedade desta , adoptou um comportamento objectivamente violento e ameaçador com mal importante . A violência , como meio de constranger o C... a omitir um acto , traduziu-se em agarrar o C... pela gola do robe e colocar-lhe um punho fechado junto aos queixos e , em seguida , encostar-lhe , junto aos queixos, uma arma de fogo de caça , desferindo-lhe um soco na face . A ameaça com mal importante traduziu-se em dizer-lhe , em voz alta e em tom sério e convicto, que se entrasse mais na padaria da sua ex-esposa o tirava do mundo, isto é , o matava , sendo que o crime de homicídio voluntário é punível com pena de prisão superior a 3 anos ( art.131.º do Código Penal ) .
Embora estes actos de execução que se reconhecem no comportamento do arguido fossem adequados a coagir o ofendido C... e a esperar que este não mais se deslocaria à padaria da D... , o resultado pretendido pelo arguido não se verificou como previu e quis com consciência da ilicitude , uma vez que o ofendido continuou a deslocar-se à padaria da D....
Deste modo , o Tribunal da Relação de Coimbra entende que o arguido A... , com a sua conduta , preencheu todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de coacção grave, sob a forma tentada , p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1 e 2 e 155.º, n.º 1, al. a), 22.º , 23.º e 73.º, n.º 1 , alíneas a) e b) , do Código Penal.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada , a que alude o art.410.º, n.º2 , al.a) do C.P.P. , que o Ministério Público na Comarca de Santa Comba Dão apontava à sentença recorrida , pôde ser suprido pelo Tribunal da Relação em face da prova transcrita , pelo que em face da alteração da matéria de facto não se justifica o reenvio do processo para novo julgamento ( art.426.º, n.º1 do C.P.P.).
Posto isto , importa agora decidir da escolha e medida da pena aplicável ao crime de coacção grave , sob a forma tentada.
O art.70.º, do Código Penal , ao estabelecer que se ao crime forem aplicáveis em alternativa , pena privativa e pena não privativa da liberdade , o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição , fornece ao julgador o critério orientador de que as penas detentivas só devem ser aplicadas quando , face às circunstâncias concretas , se não mostrem adequadas as reacções penais não detentivas.
A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente das finalidades da punição .
Sobre as finalidades das penas estatui o art.40.º, n.º1 do Código Penal que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ( art.40.º , n.º1 do Código Penal) .
A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral , servindo quer para dissuadir a prática de crimes , através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente ( prevenção geral negativa ou de intimidação ) , quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual , isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro , ele cometa novos crimes , que reincida.
A determinação da medida concreta da pena , dentro dos limites definidos na lei , é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção , devendo o Tribunal atender a todas as circunstâncias que , não fazendo parte do tipo de crime , depuserem a favor do agente ou contra ele ( art.71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal ) .
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do Código Penal ).
O crime de coacção grave , sob a forma tentada, é punível em abstracto com pena de 1 mês a 3 anos e 4 meses de prisão.
No presente caso , o grau de ilicitude dos factos é elevado , pois o arguido ao querer violar o direito à liberdade de decisão e acção do C... ofendeu este corporalmente , causando-lhe , com um soco na cara, lesões físicas e ameaçou-o de morte , exibindo-lhe e encostando-lhe à cabeça uma arma de fogo de caça .
As consequências do crime estão longe de serem diminutas , sendo que com a agressão à integridade física do ofendido este sofreu 18 dias de doença, sendo 3 com incapacidade para o trabalho.
O arguido agiu com dolo intenso e directo , que é o grau de culpa mais elevado. Existe acumulação de crimes .
Quanto à conduta anterior e posterior aos factos importa realçar que o arguido não tem antecedentes criminais e não lhe são conhecidos comportamentos desviantes à vida em sociedade. Não se considerou provado o seu arrependimento , a confissão relevante , a reparação do dano ou o propósito de o reparar.
O arguido é de modesta condição social e económica.
As exigências de prevenção geral são elevadas e prementes , tendo em conta , nomeadamente , o razoável número de pessoas que são constrangidas ou objecto de tentativa de coacção através de violencia e ameaças com um mal relevante , a praticarem ou omitirem actos, o que pode gerar sentimentos de insegurança na população e de confiança na validade da norma.
As razões de prevenção especial ou individual não são prementes , considerando a ausência de antecedentes criminais do arguido e o não conhecimento de comportamentos desviantes à vida em sociedade.
Conjugando todas as circunstâncias descritas concluímos que uma pena de 9 meses prisão é equilibrada e ajustada à culpa e às exigências de prevenção.
Nos termos do art.50.º , n.º1 do Código Penal , “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .”.
Deste modo , o tribunal , quando aplicar pena de prisão não superior a 3 anos deve suspender a sua execução sempre que , reportando-se ao momento da decisão , o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido , juízo este não necessariamente assente numa certeza , bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização , em liberdade , do arguido .
A pena aplicada ao arguido A... é inferior a 3 anos de prisão. Não tendo antecedentes criminais , nem lhe sendo conhecidos comportamentos desviantes à vida em sociedade, existe um prognóstico favorável àquele à luz de considerações de prevenção especial de socialização. O sentimento juridico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido não fica afectado pela substituição da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão. O período de suspensão é fixado entre 1 a 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão ( art.50.º, n.º 5 do Código Penal ).
Considerando todo o exposto , e que o objectivo último das penas é a protecção , o mais eficaz possível , dos bens jurídicos fundamentais , entende este Tribunal da Relação suspender ao arguido , pelo periodo de 1 ano e 6 meses , a execução da pena de prisão que ora lhe foi fixada.
A terceira questão objecto de recurso dizia respeito à redução da pena de prisão e do respectivo período de suspensão de execução da mesma , que foi aplicada ao arguido na sentença recorrida pela prática de um crime de coacção grave , na forma consumada , isto caso se entendesse que não procedia a sua pretensão de subsunção dos factos ao crime de coacção grave, sob a forma tentada.
Tendo o Tribunal da Relação entendido que a conduta do arguido integra efectivamente a prática do crime de coacção grave, sob a forma tentada , e não sob a forma consumada , tendo já fixado a respectiva pena concreta , consideramos esta questão prejudicada.
Passemos agora ao conhecimento da última questão .
O recorrente defende que o montante de € 1 500 fixado pelo Tribunal recorrido a favor do demandante , a título de indemnização por danos não patrimoniais, é manifestamente exagerado , devendo ser reduzida a condenação do demandado a uma quantia indemnizatória não superior a € 500,00.
Vejamos.
Estatui o art.400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que « Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º , o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.».
A expressão “só” foi introduzida pela Lei n.º 59/98 , que acrescentou ainda uma nova exigência antes não contida no n.º 2 do mesmo artigo : o valor do pedido , para efeitos de admissão de recurso da decisão cível , tem de ser superior à alçada do tribunal recorrido.
No actual regime , mesmo que a sucumbência seja superior a metade da alçada do tribunal não é admissível o recurso se o valor do pedido se situar dentro da alçada do tribunal recorrido.
Em matéria cível , a alçada dos tribunais de 1ª instância é de € 3 740,98 ( art.24.º, n.º1 da Lei n.º 3/99 , de 13 de Janeiro).
O valor do pedido de indemnização global formulado pelo ofendido é de € 5 200,00 acrescida de juros legais até integral pagamento.
Resulta do exposto que o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil satisfaz o primeiro dos requisitos para a sua admissibilidade enunciados no art.400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Mas já não satisfaz o segundo dos requisitos cumulativos , isto é , que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada dos tribunais de 1ª instância. Metade desta alçada corresponde a € 1 870,49 e a decisão recorrida foi desfavorável para o arguido/demadado A... em € 1 500,00, pois foi esta a quantia em que foi condenado.
Assim , por inadmissível o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil , não se conhece do mesmo.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e revogar a sentença recorrida na parte em que o condenou pela prática de um crime de coacção grave , p. e p. pelos arts. 154.º, n.º 1 e 155.º n.º 1 al. a) do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses , e condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de coacção grave, sob a forma tentada , p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 154.º, n.º 1 e 2 e 155.º, n.º 1, al. a), 22.º , 23.º e 73.º, n.º 1 , alíneas a) e b) , do Código Penal , na pena de 9 ( nove) meses de prisão , suspensa na execução pelo período de 1 ano e 6 meses ( um ano e seis meses ) , mantendo-se no mais a douta sentença.
Custas pelo recorrente , fixando em 4 Ucs a taxa de justiça .

*
Coimbra ,