Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1635/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: NOTIFICACÕES DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 06/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 46º, 47º E 59º, N.º 3, DO D. L. N.º433/82, DE 27/10
Sumário: I- Pelo menos enquanto o processo estiver sob a tutela da autoridade administrativa, até ao momento da sua remessa ao M.º Público, tem natureza administrativa, pelo que a contagem dos prazos há-de ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas no art.º 72º do C. P. Administrativo.
II- Não se encontrando especialmente regulamentada a forma e modo como os actos das autoridades administrativas, no que se alude no regime contra-ordenacional, devem ser comunicados aos interessados, a solução é a de lançar mão, subsidiariamente, do regime geral do art.º 113º do C. P. Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório.
Desavindo com a decisão prolatada no processo supra referido, que considerou ter a impugnação da decisão administrativa sido impulsionada para além do prazo estabelecido no art. 59º,nº 3 do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, recorre o acoimado Jornal “A...”, tendo despedido a motivação pela forma sequente:
“1- Não tendo o mandatário do arguido assinado ou rubricado qualquer aviso de recepção relativo à notificação da decisão que lhe foi enviada pela autoridade administrativa (ICS), impugna-se a asserção quanto a esse facto que se considera incorrectamente julgado, desprovido de qualquer prova e a exigir por isso produção de prova específica;
2- Não prevendo o CPP, nº art. 113º, n. 1 e n. 2, aplicável "ex vi. do art. 41°, 1 da LQCO, qualquer formalidade que imponha ou admita o envio de notificações sob aviso de recepção e contemple as consequências em matéria de presunção de notificação decorrentes dessa formalidade deve a mesma ser considerada formalmente inexistente e incapaz de afastar a presunção consignada no art. 113°, 2 do CPP;
3- As notificações feitas no âmbito do processo de contra-ordenações e após proferida a decisão que aplica uma coima, regem-se pelas regras do CPP com ressalva das que em contrário disponha a LQCO (corno é o caso do art. 60º, 1), por força do art. 41º da LQC0, sendo assim de considerar que se suspendem em férias judiciais para impugnação que decorram nesse período (arts. 103º e 104° do CPP, ut do art. 41º, 1 da LQCO);
4- Ainda que assim se não entendesse sempre haveria que considerar como termo do prazo para a impugnação judicial o dia 21.Dez.2005, já que a notificação contendo a decisão presume-se feita, de harmonia com o art. 113º,nº2 do CPP, no terceiro dia útil posterior ao do respectivo envio. Ora, o mandatário do arguido só foi notificado da decisão administrativa no dia 21.Dez.05, o que aliás se presume, visto que a carta foi expedida, sob registo, no dia 16.Dez.05, sexta-feira, sendo aquele o terceiro dia útil posterior;
5- O CPP é claro quando estabelece a presunção de notificação no terceiro dia útil posterior ao do envio (art. 113°, n. 2 do CPP), uma redacção diferente da que o legislador usou no n. 4 do mesmo preceito (aí opta-se pelo 5° dia posterior) e no art. 254º, n. 3 do CPC. O elemento literal não deixa dúvidas e, para lá do mais, desde logo porque o elemento ordinal 3° dia útil só faz sentido se houver um primeiro e um segundo dia útil. O intérprete deve presumir, de acordo com o art. 9°, nº 3 do CC, que o legislador "soube exprimir o seu pensamento em termos, adequados";
6.Atento o estatuído no art. 59°, n. 3 do DL 433/82, o prazo de 20 dias conta-se após o conhecimento pelo arguido da aplicação da coima. No caso esse conhecimento reporta-se ao mandatário do arguido (art., 47°, n, 2 e 4 da LQCO) e este teve-o, como aliás se presume (sublinha-se) por força do art. 113°, n, 2 do CPP, apenas no dia 21.Dez.2005;
7.A decisão proferida pelo tribunal "a quo" viola assim os arts. 41º, 47º, 2 e 4, 59°,3 e 60º, 1 da LQCO e ainda o art.113°, 2 do CPP;
8- Os arts. 41°, 1 da LQCO e 103°, 104º e 113°, 2 do CPP/ quando interpretados no sentido de que não se aplicam à fase processual contra-ordenacional (chamada fase administrativa) e que não se considera a presunção ínsita no art. 113°, 2 do CPP, são Inconstitucionais, por violação dos arts. 13°, 20°, 290 E! 320, nºs. 1, 9 e 10 da C. Rep. Portuguesa;
9 - A impugnação apresentada no dia 17 Jan.2006 não está fora de prazo, se aquelas normas jurídicas forem interpretadas como se propugna, no sentido de que é aplicável ao processo contra-ordenacional a suspensão na contagem de prazos durante o período de férias judiciais e, subsidiariamente, que é irrelevante a circunstância do envio de uma notificação sob aviso de recepção, prevalecendo a regra de envio sob registo e valendo a presunção da notificação no terceiro dia útil posterior no caso, o dia 21.Dez.2006.”
Na resposta produzida pelo digno agente do Ministério Público, junto do tribunal a quo, considerou-se relevante destacar o que a seguir se extracta:
“- O Tribunal a quo considerou que a arguida foi notificada em 19.12.200, data em que foi assinado pelo mandatário daquela, o aviso de recepção do ofício de notificação enviado pelo ICS – cfr. fls. 213 - pelo que, em 17.01.2006, data da apresentação do recurso, já havia decorrido o prazo de 20 dias previsto no artigo 59°, nº 3 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27.10, que terminara a 16.01.2006, não havendo lugar à aplicação do disposto no artigo 145°, nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil;
- A recorrente entende, pelos argumentos ora aduzidos na motivação de recurso, que, à data da apresentação do recurso, ainda decorria o prazo de 20 dias, dado que:
- Tal prazo se suspendeu durante o decurso das férias judiciais;
- Ainda que assim não se entendesse, a data da notificação seria a de 21.12.2005, por ser esse, o 3° dia útil posterior ao do envio, que ocorreu em 16.12.2006;
- A data da assinatura do aviso de recepção não tem qualquer relevância, não só porque não tal assinatura não efectuada pelo mandatário da arguida, mas também porque a notificação não pode ser efectuada por via postal com aviso de recepção, mas antes por via postal registada, nos termos do artigo 113°, nº 1, al. a) e 2 do Código de Processo Penal, pelo que a notificação sempre teria ocorrido no 3° dia útil posterior ao do envio.
A nosso ver, as questões suscitadas pela recorrente, e sobre as quais o Tribunal ad quem se tem que se pronunciar, são as seguintes:
- Suspensão, durante as férias judiciais, do prazo de impugnação de decisão administrativa;
- Consequência do facto de o aviso de recepção não ter sido assinado pelo mandatário da arguida;
- Impossibilidade de se proceder à notificação de decisão de autoridade administrativa através de aviso postal, com aviso de recepção;
- Interpretação da expressão "3° dia útil posterior ao do envio".
A) SUSPENSÃO. DURANTE AS FÉRIAS JUDICIAIS, DO PRAZO DE IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA:
A posição sustentada pela recorrente não tem, hoje por hoje, acolhimento jurisprudencial e não nos merece grandes considerandos. Com efeito, "não mandando a lei do procedimento administrativo suspender o prazo nas férias judiciais, não deve o mesmo suspender-se durante esse período, não sendo necessário o recurso aos princípios do CPP e; subsidiariamente, do CPC, por não existir qualquer lacuna neste campo de contagem de prazos" cfr.Ac.RC de28.03.2001,disponível em www.dgsLpt; no mesmo sentido consultável no mesmo local veja-se o Ac.RP.de 28.01.2004·
B) CONSEQUÊNCIA DO FACTO DE O AVISO DE RECEPÇÃO NÃO TER SIDO ASSINADO PELO MANDATÁRIO DA ARGUIDA:
Admitindo-se, sem qualquer rebuço, que o aviso de recepção da notificação da decisão administrativa possa não ter sido assinado pelo mandatário da recorrente, importa analisar quais as consequências a retirar de tal facto, designadamente quanto à data da notificação.
Ora, a nosso ver, tal facto constitui mera irregularidade, que, não sendo arguida no prazo de 3 dias, a contar da data do seu conhecimento, se considera sanada. Assim, não se invocando que só se teve conhecimento da irregularidade em data posterior, nem sequer no requerimento de interposição do recurso para além dos 20 dias a contar da data constante do aviso de recepção, é de considerar a mesma extemporânea - neste sentido, Ac. RP, de 18.03.1998, disponível em www.dgsi.pt.i
Deste modo, desconhecendo os factos constitutivos da mesma, pois não estava em condições de saber que a assinatura constante do aviso de recepção, não podia o Tribunal a quo, nem agora o Tribunal ad quem, por se tratar de irregularidade sanada, considerar outra data de notificação que não a da assinatura aviso de recepção, quando a notificação por aviso postal, com aviso de recepção se entender legítima.
C) IMPOSSIBILIDADE DE SE PROCEDER À NOTIFICAÇÃO DE DECISÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA ATRAVÉS DE AVISO POSTAL, COM AVISO DE RECEPÇÃO:
Não estando expressa na legislação aplicável aos factos consubstanciadores da contra-ordenação, como acontece, por exemplo nas contra-ordenações estradais, normas específicas quanto à forma de notificação das decisões das autoridades administrativas, é legítimo o recurso às formas de notificação previstas no Código de Processo Penal.
Contudo, é nosso entendimento que o que releva, como é sugerido pelo artigo 59°, nº3 do RGCO é o conhecimento real da notificação pelo arguido, pelo que nada impede que seja usado um meio de notificação mais garantístico, como é o caso do envio postal não terá excedido três dias.
Naturalmente que, estando consequentemente documentada nos autos a efectiva recepção da notificação pelo destinatário e certificada a data em que a mesma teve realmente lugar, se configuraria, pelo menos, como insólito substituir tal data, "real" e certificada, pela "ficção" decorrente da presunção legal contida na norma em apreço.
D) INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO "3º DIA ÚTIL POSTERIOR AO DO ENVIO":
Naturalmente que, caso se entenda, como foi decidido no Ac. STJ de 21.05·2003, proferido no Proc. 4403.02, da 2ª Secção que, na interpretação do artigo 116°, nº 2 do Código de Processo Penal, se deve considerar apenas a exigência de que o último dia dos três tem que ser útil, nenhuma razão assistiria à recorrente, uma vez que, nesse caso, mesmo considerando a presunção legal daquele artigo 116°, nº 2, a notificação teria sido efectuada em 20.12.2005, segunda-feira, por ser este o 1° dia útil, após os 3 dias seguintes ao envio da notificação.
Cremos, contudo que tal interpretação, que aproxima o regime de notificações do processo penal ao processo civil, não é a mais consentânea com o fim da norma, que é a de estabelecer um prazo razoável, mas necessário, para que o serviço postal leve ao conhecimento do destinatário o conteúdo do acto ou da decisão proferida.”
Acompanhando a resposta apresentada à motivação do recorrente, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta instância, é de opinião que, também, o recurso não poderá proceder, pelas razões, em sequência, que se quedam extractadas:
“Dispõe o art. 59º do Dec lei nº 433/82, de 27/10:
1.- A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2.- ( ... )
3. -O recurso será feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.
E o nº 1 do art. 60º do mesmo diploma legal estipula:
"O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados. "
O Acórdão do Plenário das Secções criminais do ST J de 10.3.1994, in DR 1ª Série/A, de 7.5.94, decidiu que: " não tem natureza judicial o prazo mencionado no nº 3 do art. o 59. o do Decreto Lei nº 433/82, dei 27/10, com a alteração introduzida pelo Decreto Lei nº 356/89, de 17/10."
E esta jurisprudência fundamenta-se no facto de o processo se manter no âmbito meramente administrativo até ao envio dos autos ao Ministério Público.
Ora, não tendo natureza judicial o prazo de impugnação da decisão administrativa que aplica uma coima, quer-nos parecer, que à sua contagem não será lícito recorrer às normas do CPP e por via deste às normas do CPC. Neste sentido, cfr. ACRL de 18.4.02 e ACRP de 21.03.01, disponíveis em www.dgsi.pt. .
Aliás, parece-nos, também, que terá sido esse o espírito do legislador de 1995, pois ao alterar o Dec. Lei nº 433/82, e conhecedor da doutrina emanada daquele Acórdão do STJ, veio a determinar que o prazo para a impugnação da decisão administrativa se suspende tão só e apenas aos sábados, domingos e feriados (cfr. art. 60°, daquele Dec. Lei, na redacção que lhe foi dada pelo D.L 244/95, de 14/9) e não durante as férias judiciais, como acontece nos prazos que têm natureza judicial.
Pelo que, no caso dos autos, tendo o mandatário do recorrente sido notificado da decisão administrativa em 19.12.05 e sendo de 20 dias o prazo que dispunha para dela recorrer tal prazo terminou em 16.01.06 Por outro lado, tendo o ilustre mandatário sido notificado por carta registada com aviso de recepção, não haverá que aplicar o disposto no nº 2 do art. 113° do CPP, já que, a presunção da notificação no ° dia útil posterior ao envio nele referida, apenas, opera para os casos em que a notificação seja feita por via postal registada, mas sem aviso de recepção.
Por outro lado, ainda, a referência feita pelo artº 113.°, nº 2, do CPP, ao 3.°dia útil posterior ao envio, não comporta uma interpl1etação no sentido de todos os três dias serem úteis, mas sim que o último dia dos três tem de ser útil. - ACST J, de 21.5.03, Proc. nº 4403/02- 3.a, citado por Maia Gonçalves, em anotação, ao art. 113.° do CPP.
Do mesmo passo, e a entender-se que a assinatura do aviso de recepção da carta a notificá-lo da aplicação da coima não seja a do mandatário do recorrente tal constitui mera irregularidade que, não tendo sido arguida no prazo de três dias a contar da data em que dela teve conhecimento, se considera sanada. ACRP, de 18.03.1998, citado na Resposta do Magistrado do MP e disponível em www.dgsi.pt. .
Termos em que, e, convocando, o que de mais consta da Resposta do Mº Pº no tribunal a quo, que aqui se dá por reproduzida, se emite parecer, no sentido da improcedência do recurso e consequente confirmação do despacho recorrido.
Para a satisfação da pretensão impugnativa do recorrente, que foram sintética e concisamente elencadas pelo ilustre magistrado do Ministério Público, junto do tribunal a quo, importará debater as seguintes questões.”
- Suspensão, durante as férias judiciais, do prazo de impugnação de decisão administrativa;
- Consequência do facto de o aviso de recepção não ter sido assinado pelo mandatário da arguida;
- Impossibilidade de se proceder à notificação de decisão de autoridade administrativa através de aviso postal, com aviso de recepção;
- Interpretação da expressão "3° dia útil posterior ao do envio".

II. Fundamentação.
II.A. – Elementos pertinentes para a decisão.
A decisão sob impugnação ponderou, para a solução a que se alçou, as razões constantes do despacho de fls.224, que se transcreve na íntegra.
“O presente recurso de impugnação judicial foi apresentado fora de prazo.
O arguido tomou conhecimento da decisão no dia 11 de Novembro de 2005; porém, o prazo para impugnar apenas começou a contar a partir da data da notificação do seu ilustre mandatário (cfr. fls. 211).
Assim, temos que o ilustre mandatário foi notificado no dia 19 de Dezembro de 2005 (cfr. fls. 212 e 213), começando então o prazo de 20 dias previsto no art. 59.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, a contar a partir de 20 de Dezembro de 2005.
O recurso foi remetido por fax no dia 17 de Janeiro de 2006 e o original igualmente remetido nesta data (cfr. fls. 214 e 223), valendo esta data como data da apresentação do recurso – ver, a este propósito, os Assentos do STJ nºs 2/2000 e 1/2001, de 7 de Fevereiro e 8 de Março, respectivamente.
Ora, a discussão em torno da contagem deste prazo tem-se por consolidada, sendo hoje pacífico que o prazo tem natureza administrativa, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados (art. 60.º do mesmo diploma), mas correndo durante as férias judiciais cfr. António Joaquim Fernandes, in Regime Geral das Contra-Ordenações, 1998, págs. 96/97 ou António Beça Pereira, in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 5ª edição págs. 114/115.
Assim, o mencionado prazo de 20 dias terminou no dia 16 de Janeiro de 2006.
Como se disse, o recurso foi apresentado no dia 17 de Janeiro, ou seja, um dia depois, sendo que, em meu entender, não aqui aplicação o art. 145.º nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil.
Com efeito, o processo judicial tem o seu início quando o processo é remetido ao juiz, reservando até então a sua natureza administrativa. Assim, se a fase judicial se inicia com a apresentação dos autos de recurso pelo Ministério Público ao juiz e sendo que a interposição do recurso ocorreu anteriormente a esta, o recurso ora em análise integra-se, necessariamente, na fase administrativa do processo.
É certo que o artigo 41.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, manda aplicar como direito subsidiário as disposições do Código de Processo Penal; todavia, daqui não parece resultar necessariamente que o legislador quis nesta disposição estender o direito subsidiário a todo o diploma, pois se assim fosse não fariam sentido certas disposições, tais como o art. 66.º que indica os preceitos subsidiários aplicáveis à audiência em 1.ª instância judicial ou os arts. 74.º n.º 4 e 78.º n.º 3 que mandam aplicar a tramitação do recurso em processo penal aos recursos para a relação.
Como se referiu, na medida em que está em causa um acto administrativo e que a fase de impugnação do mesmo é uma fase ainda administrativa, deve aplicar-se, em meu entender e ressalvando o devido respeito por diferente opinião, o disposto no Código de Procedimento Administrativo, sendo certo que a possibilidade de prática do acto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo não se encontra ali prevista pelo legislador.
Neste sentido e entre muitos outros, veja-se a título exemplificativo o Ac. da RP, de 21/3/2001, processo 0010377, in www.dgsi.pt..
Mais recentemente, veja-se também o Ac. da RL, de 18/4/2002, processo 0020399, segundo o qual “não tem natureza judicial o prazo de impugnação das decisões de autoridades administrativas que apliquem coimas, previsto no artigo 59º, nº 3, do D.L. nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção introduzida pelo D.L. nº 244/95, de 14 de Setembro; por isso, e também perante a existência do postulado contido no art. 60º do mesmo diploma legal (L.Q.C.O.), não é de aplicar ao processo contra-ordenacional o disposto no artigo 107º, nº 5, do C.P.Penal, e, consequentemente, o regime previsto no artigo 145º, nºs. 5 e 6 do C.P.Civil.” (também em www.dgsi.pt).
Por despacho da Senhora Presidente do Instituo da Comunicação Social (ICS), datado de 4 de Novembro, foi aplicada ao arguido uma coima de € 1.660,00 (mil seiscentos e sessenta euros), por violação da al. c) do nº1 do art. 26º da nova Lei dos Incentivos (Lei nº 7/2005, de 6.1) a que corresponderiam os preceitos do nº1 do art. 34º, al.b) do nº1 do art.40º do DL nº 56/2001, de 19.2 – cfr. fls. 204 a 210.
A decisão referida no parágrafo antecedente, já havia sido notificada ao arguido B..., por carta registada, com aviso de recepção, recebido a assinada pelo próprio, em 5 de Novembro de 2005 - cfr. aviso de recepção junto a fls. 200.
Em data não indicada, mas com data aposta no envelope registado de 2005-12-07, o mandatário endereçou Ao ICS a missiva do seguinte teor:”Exma. Senhora Presidente do Instituto da Comunicação Social: C..., defensor constituído pelo arguido nos autos em tópico, Dr. B..., director e representante do jornal "A...", vem requerer, nos termos conjugados dos arts. 47°, n. 2, 41°, n. 1, ambos do DL nº 433/82, de 27 de Out., e art. 113°, n. 9 do CPP que lhe seja notificada a decisão proferida nos autos, cujo teor desconhece.
A falta dessa notificação, a persistir, constitui nulidade que expressamente, e desde já, se argúi, uma vez que obsta a uma verdadeira assistência e representação do arguido, assim violando uma garantia fundamental, sendo mesmo susceptível de influir no exame e decisão da causa.”
Em 19.12.2005, foi recebido na morada indicada pelo mandatário reclamante: “Rua Gomes Freire, 191-2º - 1169-144 – Lisboa – cfr. - aviso de recepção de fls.213 e sobrescrito de fls. 203.
Em 17 de Janeiro de 2006 (às 01:19), foi remetido, via fax, a motivação com que pretendia impugnar a decisão da entidade administrativa.

II. B. De Direito.
Preceitua a art. 59º, nº 3 do DL nº 433/82, de 27.10, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 244/95, de 14.9 que “o recurso é feito por escrito e apresentado á autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegação e conclusões”.
E o nº1 do art. 60ºdo RGCO (DL nº 433/82, de 27.10, com as alterações introduzidas pelos DL nº 244/95, de 14.9, 323/de 17.12 e Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro), prescreve que “o prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados” e o nº2 do mesmo normativo legal que: “O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.
“Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar ao autos ao Ministério Público, que ao tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação” – cfr. nº1 do art. 62º. “Até ao envio dos autos, pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima” - cfr. nº2 do mesmo preceito legal.
Os actos administrativos válidos – cfr art.140º do Código de Procedimento Administrativo - e inválidos –cfr art. 141º do mesmo livro de leis - podem ser revogados, pelos seus autores e respectivos superiores hierárquicos, “desde que não se trate de acto da competência exclusiva do subalterno” – cfr. art. 142º do CPA.
Do princípio da revogabilidade dos actos praticados por autoridade administrativa, decorre que o processo administrativo instaurado para aplicação de uma coima por violação de um preceito de natureza contra-ordenacional, se mantém na esfera do poder, direcção e regime do foro administrativo até ao momento em que é enviado para o Ministério Público, isto é, até cinco dias depois de haver sido recebida a impugnação da decisão que impôs uma coima ao administrado/arguido. Até o momento em que o processo é recebido no Ministério toda a actividade jusprocessual se desenrola e tramita segundo as regras e procedimentos do direito administrativo.
Só quando se constate a existência de uma lacuna no ordenamento que rege para a aplicação de uma coima é que será legítimo o recurso subsidiário aos preceitos reguladores do processo criminal – cfr. art. 41º, nº1 do DL nº433/82, 27.10.
Não constitui, em nosso juízo, matéria conceptual controversa a natureza administrativa do procedimento vigente e ordenador da aplicação de uma coima, ainda que caldeada ou matizada de injunções preceptivas do ordenamento jusprocessual penal. Pelo menos enquanto o processo estiver sob a tutela da autoridade administrativa, ou seja até ao momento da remessa dos autos ao Ministério Público.
Para a dessumida asserção concorre a ideia de que as sucessivas alterações introduzidas no ordenamento contra-ordenacional foram no sentido de conformar os prazos que estavam inscritos nos preceitos adrede do diploma regulados do regime contra-ordenacional, por forma a adequá-los às alterações que foram sendo introduzidas no ordenamento administrativo, nomeadamente a continuidade do prazo, e a sua suspensão aos sábados, domingos e feriados, precisamente os dia em que os serviços não estariam em funcionamento e por isso seria impraticável, para os administrados, procederem à entrega da documentação com que pretendessem impugnar a decisão da autoridade administrativa.
E neste caso a contagem dos prazos há-de ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas no art. 72º do Cód. Proc. Administrativo, a saber: “a) - não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; b) - o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados; c) - o termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.
Falece, pois, em nosso juízo, o entendimento professado na motivação de recurso de que num processo para aplicação de uma coima, o procedimento processual adquire natureza judicial, nomeadamente para efeito de notificações, a partir do momento da aplicação da coima.
Reza o art. 46º do DL nº433/82, de 27-10, que: “Todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas a quem se dirigem” – cfr. nº1 – e “tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre a admissibilidade, prazo e forma de impugnação”.
E o art. 47º do DL nº 433/82, de 27.10 estatui que: “a notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista”, para nos nº2 e3, do mesmo preceito, se prescrever que:”A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado” –nº 2 - e “no caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho”.
Não se encontrando especialmente regulamentada a forma e modo como os actos das autoridades administrativas, a que se alude no regime contra-ordenacional, devem ser comunicados aos interessados/arguidos, não restará outra solução que não seja lançar mão, subsidiariamente, do regime geral consignado no art. 113º do Código Processo Penal. Isto, ao contrário do que acontece com o Código da Estrada – cfr. art. 176º - que prevê especialmente a forma de comunicação dos actos praticados pelas autoridades administrativas competentes realizados no âmbito do processo para aplicação de uma coima, a saber: o contacto pessoal; carta registada com aviso de recepção expedida para o domicilio ou sede do notificando; e mediante carta simples expedida para o domicilio ou sede do notificando.
Estatui este preceito (art. 113º, nº1, al. b), nº2, nº9, parte final, e nº10 do CPP), no que tange à notificação por via postal, que “quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação”.
Do que explanamos supra, parece-nos licito recensear as sequentes linhas rectoras: 1º- O prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa que procedeu à aplicação de uma coima é de natureza administrativa; 2º- a regra para notificação dos actos da autoridade que procedeu à aplicação da coima é feita na pessoa do defensor do arguido, sendo este “informado através de uma cópia da decisão ou despacho; 3º- que a notificação é efectuada de acordo com o estipulado no nº1, al.a), nº2, ex vi, da parte final do nº9 e nº 10 do art. 113º do Cód. P. Penal, ou seja que se considera efectuada no terceiro dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.
Do que deva ser considerado o terceiro dia útil posterior ao do envio podemos colher razão no acórdão da relação do Porto, de 21.6.200, P. nº 330/2000, CJ,III,236: “Embora o art. 113º, nº1, al.a) do Código de Processo Penal disponha que, sendo a notificação expedida por via postal mediante registo, a mesma se presume feita no terceiro dia útil posterior ao do envio da carta, se esta foi acompanhada de aviso de recepção, há-de a notificação ter-se por efectuada na data em que o respectivo aviso foi assinado”. ( Em sentido que interpretamos concordante com o decidido no aresto do Tribunal da Relação do Porto, o acórdão do STJ, de 1.10.2003, proferido no processo 1509/03-3ª secção. )
Do que vem sendo explanado já se descortina o sentido conclusivo para que propendemos.
O arguido, na pessoa do seu defensor constituído, foi notificado, por carta registada com aviso de recepção, no dia 19 de Dezembro de 2005. O prazo para impugnar a decisão da autoridade administrativa começou a correr no dia 20 de Dezembro, dado que nos termos do art. 72º, nº1, al. a) do art. 72º do Código de Procedimento administrativo “não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”, e terminou no dia 16 de Janeiro de 2006. O requerimento para impugnação da decisão da autoridade administrativa deu entrada no dia 17 de Janeiro de 2006, à 1h. e 29 minutos, tendo o registo de entrada no organismo no dia 17.1.2006.
Tratando –se de um prazo administrativo não lhe é aplicável o regime contemplado no art. 145º, nº5 do CPC, dado este regime ser privativo dos actos praticados perante os tribunais judiciais.( No sentido que defendemos vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Novembro de 2005, publicado na Col. Jur. Ano XXX, T. V/2005, 129 a 132.)
Não colide com os princípios da legalidade, da unidade do sistema e do acesso ao direito, o facto de não ser aplicável ao prazo de impugnação da decisão da autoridade administrativa o regime de dilação da prática de actos processuais para além dos prazos preclusivos fixados nos ordenamentos processuais penais e civis. O quadro em que se desenvolve a actividade instrutória do processo tendente à aplicação de uma coima, embora revestindo e assumindo características que colimam com os procedimentos processuais penais, não se confunde com eles, pelo menos na sua organicidade, nem atinge foros de dignidade sistémica que permita equiparar a natureza dos actos administrativos que neste tipo de procedimento hajam de ser praticados. A diferença de densificação preceptiva decorre da natureza dos ilícitos concursantes e desprende-se do alcance ético-social que se visa com cada um dos ordenamentos.
Pelas razões que vimos expondo, entendemos que o acto administrativo praticado pelo impugnante foi extemporaneamente praticado, não sendo possível aplicar aos prazos de natureza administrativa as regras de condescendência estabelecidas no art. 145, nº5 do CPC.
Quedará abordar a questão suscitada pelo recorrente da natureza apócrifa da assinatura que consta do aviso de recepção.
“Os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicilio escolhido (…)” –art. 254º, nº1 do CPC.
A carta registada com aviso de recepção, como consta do comprovativo devolvido e junto ao processo, foi endereçado para a morada constante do sobrescrito do defensor do recorrente e aí recebida por alguém que fez menção da data da recepção e assinou.
Tendo a carta sido recebida no escritório cuja morada é a que consta do processo, deve a mesma ter-se por efectivamente recebida pelo destinatário/morador na morada utilizada no giro e tráfego epistolar convencionado entre o mandatário e as entidades com quem tem estabelecida a convenção. Não se nos prefigura curial a alegação de que não foi o próprio que assinou e recebeu, pessoalmente, a carta que continha o documento donde constava a decisão da autoridade administrativa. A convenção que ficou estabelecida entre o destinatário e o remetente, e decorrente da indicação de uma morada convencionada, preclude, em nosso juízo, a possibilidade de escorar uma atitude de rejeição ou de não aceitação da missiva que teve como destino a morada aceite e convencionada para recepção dos actos que houvessem de lhe ser comunicados pela entidade com quem pactou esse convénio.
A carta foi endereçada para a morada convencionada e o destinatário não afastou a presunção legal de que a mesma foi aceite e recebida no escritório que tinha indicado para recepção da comunicação dos actos que lhe viessem a ser dirigidos pela entidade administrativa, pelo que deverá ter-se por correctamente efectuada a notificação do acto administrativo decisório da aplicação da coima.
III. – Decisão.
Na defluência do expendido, decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em:
A) – Julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
B) – Condenar o arguido/recorrente, B..., nas custas, fixando a taxa de justiça em nove (9) UCs.


Coimbra,