Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
171/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: UNIÃO DE FACTO
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Data do Acordão: 03/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SEVER DO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 2020.º DO CÓDIGO CIVIL; LEI N.º 7/2001, DE 11/5: ARTIGO 36.º, N.º 3 DO DECRETO-LEI N.º 322/90 DE 18/10
Sumário: A pensão do sobrevivente da união de facto, no regime da Caixa Geral de Aposentações, só será devida a partir do dia um do mês seguinte ao trânsito da sentença que o declare herdeiro hábil
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... demandou, na comarca de Sever do Vouga, a Caixa Geral de Aposentações, com vista à obtenção de título que a habilite à pensão de sobrevivência, na qualidade de convivente em união de facto com B... que, em vida, estivera inscrito na CGA e para ela descontou, na qualidade de funcionário da Junta Autónoma de Estradas – Direcção de Estradas de Aveiro.
Alega, em síntese, que conviveu more uxoris com o dito B..., desde princípios de 1986 até à morte deste, em 11/01/1995.Que carece de alimentos e não pode obtê-los das pessoas enumeradas no artigo 2009, a) a d), do Código Civil, nem da própria herança do falecido.

2. A ré contestou, a acção seguiu os seus trâmites até que veio a ser proferida sentença que lhe concedeu o direito à pensão pretendida, a pagar desde o início do mês seguinte ao falecimento do beneficiário, nos termos do artigo 36.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18/10.
A ré não se conforma com o assim decidido, na parte em que respeita ao momento a partir do qual é devida a pensão, e apela a esta Relação, concluindo:
1) O Mem.º Juiz a quo na sua douta sentença ora em recurso, não poderia ter reconhecido à Autora, ora Apelada, um direito para cuja titularidade era necessária a aquisição prévia da qualidade de herdeira hábil;
2) Da leitura do n.º 2 do art.º 41.º do E.P.S. (Estatuto das Pensões de Sobrevivência) extrai-se que desde a morte do pensionista B..., a companheira que com ele viveu em união de facto não era herdeira hábil, pois, para o ser teve que recorrer aos Tribunais e obter uma sentença judicial que lhe fixasse o direito a alimentos;
3) É que, se a Autora, ora Apelada, fosse, desde logo, considerada herdeira hábil, não seria necessário intentar uma acção contra a instituição de segurança social, no caso em apreço, a Caixa Geral de Aposentações;
4) Não é por acaso que o legislador, no citado preceito atrás transcrito, emprega a palavra “” será considerado herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, “depois” de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos;
5) Mas o legislador não fica por aqui, pois na parte final do mencionado preceito em análise diz também expressamente desde quando a pensão é devida - a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira e enquanto se mantiver o referido direito.
6) Nada permitia, pois, que o Mmo Juiz a quo reconhecesse à Autora o direito à pensão de sobrevivência desde o mês seguinte à data do óbito do pensionista;
7) A douta sentença recorrida viola, além do mais, o disposto no n° 2 do artigo 41.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, pelo que deve ser substituída por outra que reconheça à Autora o direito à pensão de sobrevivência a partir do dia 1 do mês seguinte à data do trânsito em julgado da sentença
8) Quanto à suposta inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do art. 41.º do E.P.S., que terá levado o Mem.º Juiz a quo a decidir naquele sentido, o Tribunal Constitucional vem considerando uniformemente que o princípio da igualdade não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeçam o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular.
9) É, com efeito, pacífico que o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinção. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
10) Ora, sendo o casamento e a união de facto situações de facto distintas, não há qualquer inconstitucionalidade em o legislador dispensar tratamento diverso a cada um deles.
11) Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá a douta sentença recorrida ser substituída por outra que reconheça à Autora o direito à pensão de sobrevivência a suportar pela Ré e ora Apelante Caixa Geral de Aposentações, com observância das regras constantes do n.º 2 do art.º 41.º do EPS

3. Contra-alegou a recorrida em defesa do julgado. Estão colhidos os visto legais. Cumpre conhecer e decidir, tendo em conta os factos a seguir descritos, que se dão por assentes, por não ter incidido sobre eles qualquer reclamação, nem se ver que haja necessidade de os alterar.
1) B... surgiu cadáver no dia 11/1/1995, na freguesia da Glória, Aveiro, tendo falecido no estado de divorciado.
2) Este B... era funcionário da Junta Autónoma das Estradas - Direcção de Estradas de Aveiro, tendo efectuado descontos para a C.G.A.
3) Desde princípios de 1986, até 11/1/1995, a A. e o falecido B... viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, como se marido e mulher fossem.
4) O que era conhecido pela generalidade das pessoas em Sever do Vouga, Albergaria-a-Velha e na freguesia da Glória, Aveiro.
5) O B..., enquanto viveu com a A., providenciou pelo sustento desta.
6) Bem como fez face às despesas do casal.
7) Em 11/1/1995, a A. auferia o equivalente em escudos a cerca de 300 euros mensais.
8) A A. encontra-se desempregada.
9) E tem como único rendimento o subsídio de desemprego, que totaliza 462,60 euros mensais.
10) A A. sente algumas dificuldades para fazer face às suas despesas com alimentação, vestuário, assistência médica e medicamentosa, electricidade, gás e telefone.
11) O subsídio de desemprego de que a A. beneficia vai terminar em finais de 2005.
12) Ficando a A. sem outro rendimento.
13) A herança do falecido B... era constituída apenas por uma casa de habitação, sita na freguesia da Glória.
14) Que se destinou aos seus herdeiros.
15) Dos sete irmãos da A., cinco encontram-se aposentados por velhice, com pensões entre 150 e 500 euros.
16) Continuando a dedicar-se à agricultura de subsistência para equilibrar o orçamento familiar.
17) Um irmão da A. encontra-se desempregado, vivendo da reforma de invalidez da esposa.
18) O único irmão da A. que exerce uma actividade profissional aufere 1.200 euros mensais e a esposa é doméstica.
19) Tendo duas filhas a cargo, uma a frequentar o ensino superior, em Coimbra, e a filha mais velha e o genro têm vários meses de salários em atraso.


4. Com base nestes factos o sr. Juiz entendeu estarem preenchidos os pressupostos da atribuição da pensão à autora, de acordo com o regime jurídico da protecção das uniões de facto, e decidiu conceder-lhe a pretendida pensão com início de pagamento repristinado à data da morte do falecido companheiro.
Aceitando a obrigação de pagar a pensão, a Caixa Geral de Aposentações entende, no entanto, que só é devida a partir do dia 1 (um) do mês seguinte à data do trânsito em julgado da sentença. É só esta questão que se coloca.
Como podemos observar, a divergência reside apenas na escolha da norma a aplicar. Enquanto a sentença recorrida diz que é o artigo 36.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18/10, a apelante refere o n.º 2 do artigo 41.º do E.P.S. (Estatuto das Pensões de Sobrevivência).
Reza assim o primeiro daqueles dispositivos legais: “nos casos em que a atribuição do direito à pensão dependa de sentença judicial, a pensão é devida desde o início do mês seguinte ao da verificação do evento que o determina, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 53.º”, que defere o pagamento das prestações para depois do trânsito em julgado da respectiva sentença.
Já o segundo diz que: “aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito”.
Ora, o diploma base sobre as medidas de protecção das uniões de facto – Lei n.º 7/2001, de 11/05 – diz logo, no seu artigo 1.º, n.º 1 que: “a presente lei regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos. E o n.º 2 diz que: “nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum”.
Quer isto dizer que este diploma deixou em vigor as normas que disciplinam o regime jurídico das pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações, na medida em que tutelem interesses das uniões de facto.
Continuam, assim, em vigor, quer o artigo 36.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18/10, quer o n.º 2 do artigo 41.º do E.P.S. (Estatuto das Pensões de Sobrevivência). O primeiro destes diplomas define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, enquanto o segundo disciplina o regime das pensões de sobrevivência dos funcionários e agentes da Administração Pública.
O falecido B... era funcionário público e a autora o que pretende é habilitar-se à pensão de sobrevivência, que a sua condição permite, na medida em que é contemplada no regime de pensões a cargo da Caixa Geral de Aposentações.
Sendo assim, o regime a eleger não é o da protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, mas o das pensões de sobrevivência dos funcionários e agentes da Administração Pública, concretamente o definido no Estatuto das Pensões de Sobrevivência. E aí sim, a resposta à nossa questão tem de sair do já citado artigo 41.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 143/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79de 25 de Junho.
Então a pensão de sobrevivência só será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que o herdeiro hábil a requeira. Como só a pode requerer quando for declarado herdeiro hábil, logo só a pode requerer após o trânsito da sentença que declare essa qualidade; e a pensão só é devida a partir do dia um do mês seguinte. Tem razão a apelante.
Concluindo:
A pensão do sobrevivente da união de facto, no regime da Caixa Geral de Aposentações, só será devida a partir do dia um do mês seguinte ao trânsito da sentença que o declare herdeiro hábil

5. Decisão
Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida na parte em que dela se recorre, condenam a ré a pagar a pensão de sobrevivência a partir do dia um do mês seguinte ao trânsito da sentença.
Custas a cargo da recorrida.
Coimbra,
[Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Ferreira de Barros e Helder Roque]